Tratamento clínico da gravidez ectópica com metotrexato

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Revisão
Tratamento clínico da gravidez
ectópica com metotrexato
Medical treatment of ectopic pregnancy with methotrexate
Milena Bastos Brito1
Júlio César Rosa e Silva2
Hermes de Freitas Barbosa1
Omero Benedicto Poli Neto3
Francisco José Cândido dos Reis4
Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva3
Antônio Alberto Nogueira3
Palavras-chave
Gravidez ectópica/diagnóstico
Gravidez ectópica/terapia
Metotrexato
Gravidez tubária
Keywords
Pregnancy, ectopic/diagnosis
Pregnancy, ectopic/therapy
Methotrexate
Pregnancy, tubal
Resumo
A gravidez ectópica é uma importante causa de morbimortalidade materna
no primeiro trimestre gestacional. As dosagens hormonais seriadas e a ultrassonografia endovaginal, realizadas
atualmente, facilitaram o diagnóstico e tratamento da gravidez ectópica, antes que ocorresse a ruptura tubária.
O tratamento clínico medicamentoso com o metotrexato, um antagonista do ácido fólico altamente tóxico a
tecidos em rápida replicação, é bastante utilizado em gestações ectópicas íntegras, adequadamente selecionadas.
Muitos estudos vêm sendo realizados a fim de tentar definir quais grupos de pacientes se beneficiariam desse
tratamento e, qual seria o melhor esquema de administração dessa droga, com redução dos efeitos colaterais
e melhores taxas de sucesso. Esta revisão expõe as opções de tratamento medicamentoso mais estudadas para
tratamento da gravidez ectópica íntegra, com ênfase nas taxas de sucesso de tratamento (cura, persistência de
tecido trofoblástico e permeabilidade tubária) e no prognóstico a longo prazo.
Abstract
Ectopic pregnancy is a significant cause of morbity and mortality in the
first trimester of pregnancy. Serial hormone assays and transvaginal ultrasonography facilitate the diagnosis and
treatment of ectopic pregnancy before rupture occurs. Early nonsurgical diagnosis and appropiate treatment
have resulted in diversity of management options and decline in mortality, due to this pathology. Treatment with
methotrexate, a folic acid antagonist, highly toxic to rapidly replicating tissues, can be applied on selected patients
with non-ruptured ectopic pregnancy. Many studies have been developed intending to define which patients
would be benefited by this treatment and how to administer this drug, with low side effects and good successful
rates. This review refers to the best practice on non-ruptured ectopic pregnancy, with emphasis on treatment
success rates (cure rate, incidence of persistent trophoblast and tubal patency) and long-term prognosis.
Mestres em Tocoginecologia
Doutor em Tocoginecologia
Professores doutores
4
Professor-associado
1
2
3
Brito MB, Silva JCR, Barbosa HF, Poli Neto OB, Reis FJC, Silva ACJSR, Nogueira AA
Introdução
A gravidez ectópica é uma das principais causas de morbimortalidade no primeiro trimestre de gestação. Nos países
desenvolvidos, a sua mortalidade é baixa, em torno de 3,8/10.000
gestações nos Estados Unidos e 3/10.000 gestações no Reino
Unido,1 porém, na maioria dos países subdesenvolvidos ou
em desenvolvimento, a mesma permanece alta (100 a 300
óbitos/10.000 gestações em Camarões).2
A associação entre a dosagem sérica quantitativa da subunidade beta da gonadotrofina coriônica humana (ß-hCG) e a
ultrassonografia endovaginal possui alta especificidade (95%) e
sensibilidade (97%),3 resultando em diagnósticos mais precoces
e permitindo opções de tratamentos mais conservadores, antes
que ocorra ruptura tubária, reduzindo, desta forma, a morbimortalidade associada a essa doença.
Os principais fatores de risco de gravidez ectópica são: gravidez ectópica prévia, história de cirurgia tubária incluindo a
laqueadura, infecção tubária, doenças sexualmente transmissíveis,
aderências pélvicas, uso de dispositivo intrauterino, técnicas de
reprodução assistida, tabagismo, entre outros. O conhecimento
destes é muito importante porque, assim, pode-se monitorizar
pacientes com potencial risco de gravidez ectópica.4
Desta forma, é importante o diagnóstico precoce e a avaliação clínica detalhada para definição do melhor tratamento a
ser realizado. Entre as opções de tratamento, o manejo clínico
com administração do metotrexato (MTX) é o tema mais controverso na literatura. Sendo assim, propôs-se uma revisão sobre
o tema, enfatizando as indicações, contraindicações, formas de
administração e complicações relacionadas ao uso do MTX na
gravidez ectópica íntegra.
Foram pesquisados no banco de dados Medline (Pubmed),
os artigos sobre o tema até julho de 2007, utilizando as seguintes palavras-chave: gravidez ectópica, diagnóstico, terapia,
tratamento, MTX, tratamento clínico. Uma pesquisa manual
das referências listadas nos artigos, para encontrar mais dados,
também foi realizada. Finalmente, foram selecionados os artigos
relevantes na literatura sobre conduta clínica com MTX na
gravidez ectópica.
Diagnóstico
O diagnóstico precoce da gravidez ectópica é importante
para reduzir o risco de ruptura tubária e aumentar as taxas
de sucesso nas condutas mais conservadoras. Toda mulher no
menacme que apresente atraso menstrual, sangramento vaginal
anormal, com ou sem dor abdominal, associados a fatores de
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FEMINA | Janeiro 2009 | vol 37 | nº 1
risco de gravidez ectópica deve ter acompanhamento médico
cuidadoso até elucidação diagnóstica.4,5
Na presença de estabilidade hemodinâmica, deve-se fazer
o diagnóstico antes da ruptura tubária, sem laparoscopia. No
entanto, se houver instabilidade hemodinâmica, a cirurgia
imediatamente será diagnóstica e terapêutica.4,5
A dosagem sérica quantitativa do ß-hCG, a ultrassonografia
transvaginal e, em alguns casos, a curetagem uterina facilitam
o diagnóstico precoce de gravidez ectópica.4
O saco gestacional pode ser visualizado pela ultrassonografia
transvaginal a partir de 5,5 a 6 semanas de atraso menstrual.6
Quando a data da última menstruação for desconhecida, os níveis
séricos de ß-hCG podem definir a idade gestacional e ajudar na
interpretação da ultrassonografia. Se os valores séricos de ß-hCG
forem superiores a 1.500 mUI/mL a 2.500 mUI/mL (zona discriminatória, com ponto de corte variável, conforme a experiência de
cada serviço), à ultrassonografia deve-se visualizar uma gestação
intrauterina normal.4,5 Caso contrário, a investigação de gestação
fora da cavidade uterina é mandatória, lembrando-se sempre de
que os níveis de ß-hCG são mais elevados em gestação múltipla
inicial e em abortamento recente de gravidez tópica. A dúvida
surge quando não se visualiza saco gestacional intrauterino à
ultrassonografia e os níveis séricos de ß-hCG estão abaixo da
zona discriminatória. Neste caso, deve-se seriar os níveis séricos
de ß-hCG para definição de gestação potencialmente viável ou
inviável.4,7 Barnhart et al.7 avaliaram a curva de crescimento
do ß-hCG sérico em 286 pacientes que evoluíram para gestação
intrauterina viável. A curva de crescimento encontrada do ß-hCG
sérico variou entre 50 a 24% em 24 horas e 124 a 53% em 48
horas, com intervalo de confiança de 99%. Deve-se atentar,
então, para esses valores a fim de não se realizarem intervenções
desnecessárias em uma possível gravidez viável.
Tratamento
A gravidez ectópica nas trompas de Falópio, se não tratada,
pode evoluir para ruptura tubária, com extravasamento de
sangue para a cavidade intra-abdominal e até para um quadro
grave de choque hemorrágico, se não for diagnosticada e tratada
prontamente. As opções de tratamento existentes são: cirurgia,
tratamento medicamentoso e conduta expectante. Diante de
diagnósticos mais precoces, métodos menos invasivos; a possibilidade de diminuição da morbidade; o custo e a preservação
do futuro reprodutivo há mais interesse pelos tratamentos
não-cirúrgicos, sendo necessário adequado conhecimento dessas
opções, especialmente o uso do MTX, o qual é a droga mais
utilizada, sendo estes os objetivos destas revisões.4
Tratamento clínico da gravidez ectópica com metotrexato
Terapêutica clínica com MTX
No manejo clínico da gravidez ectópica íntegra, a droga
mais estudada é o MTX, um antagonista do ácido fólico. O
ácido fólico normalmente é reduzido a tetrahidrofolato pela
enzima dihidrofolato-redutase (DHFR), um passo na síntese de
precursores de DNA e RNA. O MTX inibe a DHFR, causando
depleção de cofatores necessários à síntese de DNA e RNA. Como
resultado, sua ação é mais marcante em populações celulares em
fase de crescimento exponencial, o que explica a suscetibilidade
do trofoblasto a essa substância. O ácido folínico (ACFOL) é
antagonista do MTX e pode minimizar os efeitos adversos deste,
particularmente quando são administradas altas doses. A meiavida do MTX é de 8 a 15 horas para doses >30 mg/m.2,8
O MTX pode ser administrado por via sistêmica ou local,
guiado por ultrassonografia (USG) ou laparoscopia, com taxas de
sucesso muito semelhantes: 70 a 90% versus 85 a 94%, respectivamente, porém a administração local é mais onerosa e expõe
a paciente ao risco de procedimento cirúrgico e anestésico.9,10
Atualmente, o tratamento medicamentoso, quando indicado,
é administrado pela via intramuscular.
Protocolos para uso do MTX foram inicialmente estabelecidos
em 1982 e rapidamente aceitos como primeira linha de tratamento
na gravidez ectópica íntegra, em um grupo selecionado de pacientes,
descritos no Quadro 1. A candidata ideal para uso do MTX deve
encontrar-se hemodinamicamente estável, sem persistência de
dor abdominal, comprometida com o seguimento adequado até a
resolução completa do quadro clínico e ter funções renal e hepática
normais.4 Antes de indicar o tratamento com MTX, deve-se solicitar
hemograma completo, enzimas hepáticas (TGO – transaminase
glutâmico-oxalacética e TGP – transaminase glutâmico-pirúvica),
uréia, creatinina, tipagem sanguínea e fator Rh.11 Se a paciente
referir história prévia de doença pulmonar, solicita-se RX de tórax,
devido ao risco de pneumonite intersticial.4 Existem dois regimes
de administração do MTX utilizados mais comumente: o de dose
única e o de múltiplas doses, os quais estão descritos a seguir.
esperado nos níveis do ß-hCG, realiza-se dosagem semanal desse
hormônio até que se torne negativo.3,13
Klauser et al.14 publicaram um trial randomizado comparando
os regimes de dose única e múltipla em 51 pacientes, com níveis
séricos de ß-hCG inferiores a 10.000 mUI/mL. A taxa de sucesso
do esquema de dose única foi de 90% e o de dose múltipla de
86%. Não se encontrou diferença no tempo de resolução ou nos
efeitos colaterais. Outro trial, comparando os dois protocolos,
selecionou 108 pacientes com ß-hCG abaixo de 15.000 mUI/mL,
hemodinamicamente estáveis, com massa anexial menor que 3,5
cm, ausência de batimentos cardíacos fetais e também não constatou
diferença estatística nas taxas de sucesso entre os esquemas (89%
dose única versus 93% múltiplas doses) ou nos efeitos colaterais
(28% dose única versus 37% doses múltiplas, p=0,3).15
A eficácia dos esquemas foi resumida em uma metanálise que
incluiu 23 artigos e 1.327 casos. A taxa de sucesso definida como a
não-necessidade de cirurgia subsequente no esquema de múltiplas
doses foi de 92,7% (p=0,035), estatisticamente mais alta que
Quadro 1 - Critérios de elegibilidade para o uso de MTX em
pacientes com gravidez ectópica
Absolutos:
• estabilidade hemodinâmica, ausência de hemoperitônio
• diagnóstico não-laparoscópico
• desejo de permanecer fértil
• alto risco para anestesia geral
• apta a realizar o seguimento
• ausência de contraindicações ao MTX
Relativos:
• massa anexial íntegra <3,5 cm
• ausência de atividade cardíaca fetal
• níveis de ß-hCG <15.000 UI/L



Dia 1
Exames laboratoriais normais
β-hCG quantitativo
MTX (50 mg/m2) IM

β-hCG quantitativo
Dia 4
Esquemas de tratamento
O protocolo dose única está esquematizado na Figura 1.
Apesar da denominação de dose única, esse regime inclui doses
adicionais do MTX quando há resposta inadequada; e os trabalhos mostram que pelo menos 13% dos pacientes necessitam
da segunda dose e 1% de uma terceira dose.11,12
O protocolo de múltiplas doses (Quadro 2) envolve a administração de MTX e ACFOL em dias alternados até a queda da
concentração dos níveis séricos de ß-hCG. Após o decréscimo
Queda >15% do valor do β-hCG
Aumento do β-hCG
Dia 7
Dia 7
Falência de tratamento =
encaminhar para
tratamento cirúrgico

β-hCG quantitativo
Repete β-hCG semanalmente até
permanecer indetectável.
Sucesso do tratamento.
Queda < 15% valor do β-hCG
Dia 7


β-hCG quantitativo
MTX (50 mg/m2) IM
Reinicia tratamento de um
novo Dia 1.
MTX: metotrexato; IM: Intramuscular.
Figura 1 - Protocolo de administração de MTX em dose única
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Brito MB, Silva JCR, Barbosa HF, Poli Neto OB, Reis FJC, Silva ACJSR, Nogueira AA
Quadro 2 - Protocolo de administração de MTX de dose múltipla
Dia
Pré-trata-mento
Exames laboratoriais
hCG quantitativo, hemograma completo, função renal e hepática e
tipagem sanguínea
hCG
1
2
3
hCG
4
5
hCG
6
7
hCG
8
Evolução/intervenção
Imunoglobulina anti-D, se Rh negativo
MTX 1,0 mg/kg IM
ACFOL 0,1 mg/kg IM
Se declínio do hCG <15%=MTX 1,0 mg/kg IM. Se >15%=parar
tratamento e iniciar vigilância
ACFOL 0,1 mg/kg IM
Se declínio do hCG <15%=MTX 1,0 mg/kg IM. Se >15%=parar
tratamento e iniciar vigilância
ACFOL 0,1 mg/kg IM
Se declínio do hCG <15%=MTX 1,0 mg/kg IM. Se >15%=parar
tratamento e iniciar vigilância
ACFOL 0,1 mg/kg IM
MTX: metotrexato; ACFOL: ácido folínico; IM: intramuscular.
no esquema de dose única (88,1%). Depois de controlar o valor
inicial do ß-hCG e atividade cardíaca embrionária, a falência no
tratamento de dose única foi ainda mais pronunciada (OR=4,75;
IC95%=1,77-12,62). Observaram-se menos efeitos colaterais nas
pacientes em uso do protocolo de dose única (31,3% dose única
versus 41,2% dose múltipla) com OR=0,44; IC95%=0,31-0,63).
Entre as mulheres selecionadas para tratamento com dose única,
14% necessitaram de duas ou mais doses.16
Apesar das evidências favorecerem o protocolo de doses múltiplas, pacientes com bons prognósticos provavelmente têm taxas
de sucesso semelhantes a qualquer dos esquemas mencionados; e
deve-se lembrar que, apesar da diferença estatística, a relevância
clínica dessa diferença entre os esquemas é pequena.4
Outra metanálise avaliando sucesso de tratamento, custo
e futuro reprodutivo nos tratamentos para gravidez ectópica
demonstrou que MTX sistêmico, dose múltipla tem boa relação
custo-eficácia se os níveis ß-hCG sérico forem inferiores a 3.000
mUI/mL. Se as concentrações séricas do ß-hCG forem abaixo
de 1.500 mUI/mL, então o MTX sistêmico, em dose única,
tem melhor relação custo-eficácia. Outra opção interessante é
administrar o MTX profilático, dose única no pós-operatório
imediato de salpingostomia por laparoscopia, com redução
significativa da persistência de tecido trofoblástico (RR=0,89;
IC95%=0,82-0,98).17
Um número significativo de mulheres (14%) necessita de
uma segunda dose de MTX no protocolo “dose única” para
alcançar sucesso com tratamento clínico.16 Similarmente, nem
todas as mulheres no protocolo “doses múltiplas” recebem as
quatro doses preconizadas.17
Sabe-se, hoje, que as taxas de sucesso do tratamento clínico
dependem de outros fatores, mais até do que o esquema do
MTX administrado. Essas taxas são inversamente proporcionais aos níveis séricos de ß-hCG e à presença de atividade
cardíaca embrionária.
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Preditores de sucesso
Em mulheres hemodinamicamente estáveis, a concentração
sérica de ß-hCG é o fator preditor para o sucesso do tratamento
medicamentoso mais importante.3 Em uma revisão de 23 estudos com 284 pacientes tratadas com ambos os esquemas, as
taxas de insucesso foram de 3%, se ß-hCG era inferior a 10.000
mUI/mL, e 32% se ß-hCG era superior a 10.000 mUI/mL.18
Apesar da limitação científica dos estudos existentes, a American
College of Obstetrics and Gynecology (ACOG) contraindica o uso de
MTX se ß-hCG estiver acima de 10.000 mUI/mL.11 Estudos
mais recentes observaram taxas de sucesso melhores quando se
utiliza um ponto de corte menor do ß-hCG, especialmente para
tratamento com dose única. Uma coorte retrospectiva avaliou 60
pacientes, que fizeram uso do esquema dose única, e descreveu
falência de tratamento (definida como necessidade de cirurgia
ou de mais doses de MTX) em 65% dos casos com níveis séricos
de ß-hCG acima de 4.000 mUI/mL versus 7,5% de falha com
níveis séricos de ß-hCG abaixo desse número.19
Dilbaz et al.20,em avaliação com 58 pacientes, demonstraram
que níveis séricos de ß-hCG, no primeiro dia tratamento, inferiores ou iguais a 3.000 mUI/mL são bons preditores de sucesso
e ausência de ruptura tubária no esquema MTX sistêmico, dose
única (OR=27,1; IC95%=2,1-342 e p=0,01).20
Complicações do tratamento
Os efeitos colaterais mais comuns do MTX são: náuseas
e vômitos, estomatite, diarreia, elevação das transaminases,
pneumonite transitória e reação de fotossensibilidade cutânea.
Os efeitos colaterais graves, como neutropenia e alopécia,
são raros.4 A ocorrência desses efeitos está relacionada à dose
utilizada e via de administração.5 As pacientes devem ser advertidas de que pode ocorrer sangramento vaginal e piora da
Tratamento clínico da gravidez ectópica com metotrexato
dor nos primeiros três a sete dias, descrita em mais de 2/3 das
pacientes, e elevação do nível sérico de ß-hCG nos três primeiros
dias de tratamento. É importante monitorizar hemograma,
função renal e hepática antes e durante a administração do
MTX3. As principais contraindicações ao uso do MTX estão
listadas no Quadro 3.
A fim de reduzir os efeitos colaterais do esquema de múltiplas
doses e aumentar a eficácia de dose única do MTX, Barhnart
et al. propuseram um regime de duas doses: administraram 50
mg/m2 de MTX nos dias D0 e D4, e doses adicionais foram
aplicadas em D7 e D11, caso não ocorresse queda >15% nos
níveis séricos do ß-hCG. Foi obtida taxa de sucesso de 87%,
3% de ruptura tubária e apenas 12% necessitaram de mais que
as duas doses inicialmente preconizadas. O tratamento foi bem
tolerado (90% de satisfação) e a maioria dos efeitos colaterais
foi transitória. Os autores concluíram que esse esquema, sem
suplementação de ácido folínico, por uma semana é seguro e
eficaz para tratamento da gravidez ectópica íntegra.21
Preservação da fertilidade
Em mulheres que desejam preservar seu futuro reprodutivo,
o tratamento com MTX demonstra taxas de patência tubária e
de gestações subsequentes altas, semelhantes à salpingostomia
por laparoscopia.22,23 Um seguimento de 10 anos pós-tratamento
de gravidez ectópica íntegra com MTX detectou índice de
fertilidade de 82% e intervalo de concepção após 9,4 meses
de tratamento.22 A avaliação de patência tubária, por meio de
histerossalpingografia pós-tratamento com MTX, demonstra
passagem de contraste de 55 a 84% na trompa ipsilateral e de 87
a 90% na contralateral.23 Para avaliar se há diferença em relação à
patência tubária entre os esquemas de uso do MTX, Guven et al.
estudaram, por intermédio da histerossalpingografia, a permeabilidade em 61 pacientes após quatro a seis meses do tratamento e
observaram passagem de contraste na tuba ipsilateral em 56,7%
das pacients que utilizaram dose múltipla versus 83,9% após
dose única (p=0,02). A patência da tuba contralateral também
foi maior no esquema de dose única, porém sem significância
estatística (96 versus 87%). Os autores concluíram que, apesar
do número limitado de pacientes no estudo, o esquema de dose
múltipla pode causar maior injúria epitelial, comprometendo,
desta forma, a fertilidade futura das pacientes.24
A reserva ovariana também não foi afetada com uso prévio
de MTX.25 Avaliaram-se 25 pacientes submetidas à reprodução
assistida, após tratamento com MTX por gestação ectópica
prévia. Não foi encontrada diferença na dosagem sérica do
hormônio antimülleriano (3,7 versus 3,9 ng/mL), nos dias de
Quadro 3 - Contraindicações ao uso do MTX
Absolutas:
• gravidez intrauterina
• evidência de imunodeficiência
• anemia grave, leucopenia ou trombocitopenia
• doença pulmonar em atividade
• úlcera péptica em atividade
• disfunção hepática clinicamente importante
• disfunção renal clinicamente importante
Relativas:
• atividade cardíaca embrionária presente ao US
• valores ß-hCG iniciais >5.000 mUI/mL
• massa anexial >4 cm
• recusa de transfusão sanguínea, se necessário
• inapta ao seguimento
MTX: metotrexato; US: ultrassom.
ciclo de indução de ovulação (10,3 versus 10,8), quantidade
de gonadotrofina coriônica administrada, número de oócitos
recrutados (12,1 versus 10,2), número de embriões obtidos (7,1
versus 6,5).25 Pode-se concluir que o MTX é uma boa opção para
pacientes que desejem manter seu futuro reprodutivo.
Custo do tratamento
Alguns autores investigaram, também, a redução do custo
do tratamento medicamentoso ambulatorial em comparação ao
cirúrgico (US$ 1.436 versus US$ 3.170, respectivamente) nos casos
bem selecionados, naqueles com baixos níveis de β-hCG e a ausência de batimentos cardíacos fetais (BCF) embrionários.11,17
Conclusões
Diante de diagnósticos cada vez mais precoces de gravidez
ectópica, o tratamento com MTX já é uma conduta consagrada
para um grupo selecionado de pacientes. Os principais critérios
para sua indicação são: massa anexial menor que 3,5 cm, níveis
séricos de β-hCG inferiores a 5.000 mUI/mL e ausência de BCF
à ultrassonografia.
Embora o tratamento medicamentoso seja bastante difundido,
não há consenso em relação ao melhor esquema a ser administrado. O protocolo de dose única é mais comumente utilizado
devido à sua simplicidade e conveniência, tanto para médicos
como para pacientes; porém, suas taxas de sucesso de tratamento
são mais baixas que a de doses múltiplas. Os efeitos colaterais
mais prevalentes nos esquemas de doses múltiplas ocorrem em
36% das usuárias de MTX. Geralmente são menores, limitados
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e apresentam-se, na maioria das vezes, como elevação transitória
das enzimas hepáticas, estomatite e gastrenterite.
No presente serviço, optou-se pelo uso de MTX; esquema de
dose única com acompanhamento rigoroso; orientação de sinais
de alerta como piora da dor abdominal; sangramento e sinais de
hipovolemia. É permitido fácil acesso à unidade de saúde diante
de alguma alteração. Não se pode esquecer de que falência no
manejo clínico pode levar a graves consequências à saúde da
mulher, como: ruptura tubária, hemorragia intra-abdominal,
necessidade de cirurgia de urgência e transfusão sanguínea.
Portanto, ao optar-se pelo manejo clínico, a paciente deve ser
monitorizada regularmente.
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