Psoríase tratada com methotrexate em pacientes HIV sororreativo – Relato de dois casos. Gisele Seabra Maria Elisa Ribeiro Lenzi Beatriz Moritz Trope Marcel Vieira Juan Maceira1 Introdução O uso de imunossupressores em pacientes com AIDS é controverso e, no caso específico do Methotrexate (MTX), no início da epidemia chegou a ser contraindicado. Trouxemos o caso de um paciente HIV sororreativo que desenvolveu uma forma disseminada de psoríase, incapacitante, estigmatizante socialmente e que foi tratado adequadamente com este medicamento. Relato de Caso CGS, 29 anos, branco, solteiro, garçom, natural da Paraíba e residente no Rio de Janeiro. Em novembro de 1999 foi encaminhado para avaliação de lesão no couro cabeludo, ao exame dermatológico apresentava lesões eritêmato-escamosas arredondadas, bem delimitadas, pouco numerosas, localizadas nas regiões parietal, occipital e no vértex. Foram feitas as hipóteses diagnósticas de dermatite seborreica versus psoríase e iniciado o tratamento com dipropionato de betametasona e ácido salicílico em loção, xampu de coaltar a 4% e óleo mineral. Apresentava carga viral de 3100 cópias/ml ou 3,5 log/ml, CD4:654 cél/mm3 ou 31% e relação CD4? cD8 de 0,8. Manteve-se controlado até abril de 2000 quando surgiram lesões nos membros superiores que cediam inicialmente com o uso de corticosteroide tópico. Em julho de 2000 estas lesões já se disseminavam para face, tronco, membros superiores e inferiores, quando foi realizada a biópsia de pele. O laudo histopatológico foi de dermatite crônica psoriasiforme, apresentando simultaneamente alterações histológicas compatíveis com psoríase e eczema seborreico (“seboríase”). Nesta ocasião apresentava carga viral de 9000 cópias/ml. Como continuavam surgindo lesões novas, optou-se por iniciar o tratamento com dapsona 100 mg/dia VO. Aproximadamente 13 dias após a introdução desta droga referia febre, cefaleia pulsátil na região frontal com mal esta geral e lábios azulados. Ao exame encontrava-se hipocorado, com cianose de extremidades, desidratado, ictérico, febril (38,3º C) e com lesões mais numerosas. Foi feita a hipótese diagnóstica de metahemoglobinema, suspensa a dapsona 1 [email protected] e mantido em observação. Houve reversão do quadro e, após 15 dias, já se encontrava sem cianose, porém com lesões confluentes, tendendo à disseminação. A pesquisa de deficiência de glicose 6 fosfatos desidrogenase foi negada. Foi prescrita doxiciclina 100 mg 12/12h VO associada a óleo de girassol tópico. Apesar do seu uso por quinze VO associada a óleo de girassol tópico. Apesar do seu uso por quinze dias, o quadro se intensificou, evoluindo para eritodermia, quando se iniciou o MTX, 7,5 mg por semana, fracionado em 2,5 mg a cada 12 horas. Exames pré- MTX (ago. /00) ASLO= 1250 UTODD TGO = 64, TGP= 71-, LDH =949- Bilirrubina total = 2, B. Ind. =1,3, B. direta = 0,7 Fosfatase alcalina = 177, GGT=20 Hemograma: Hem = 4,65 Hb=13,1 Hemat=40,3 Leucometria = 8800 dif. = 1/4/0/0/0/61/26/8 Plaquetas = 148.000 VHS= não realizado A dose do MTX foi progressivamente aumentada em 2,5 mg a cada quinze dias. Ao atingirse a dose de 12,5 mg por semana, começou a apresentar involução do quadro (dose acumulada de 75 mg). Neste momento, foi associado calcitriol tópico e exposição solar. Em novembro de 2000, com dose acumulada de 112,5 mg tinha apenas discretas lesões nas nádegas. Exames (nov/2000) Carga viral: 11.000 cópias/ml ou log/ml CD4 = 451 cél/mm3 ou 26% CD8 = 781 cél/mm3 ou 45% Relação CD4/CD8 = 0,6 Em fevereiro de 2001, com dose acumulada de 285 mg, iniciou-se a diminuição da dose semanal. Em setembro de 2001, sem MTX desde março, permanece sem lesão ativa. Apresenta apenas descamação no couro cabeludo e mácula hipocrômica residual na nádega direita. A dose acumulada total foi de 342,5 mg. Vem sendo mantido com xampu de LCD 3,5% e ácido salicílico 3%, pomada de calcitriol. Em julho de 2001, apresentava CD$ de 381 cél/mm3 ou 21%, CD8 de 998 cél/mm3 ou 55%, com uma relação CD4/CD8 de 0,4 e carga viral de 33.000 cópias por ml ou 4,5 log. Discussão Apesar da prevalência de psoríase entre os HIV sororreativo ser semelhante àquela da população geral, parece haver uma correlação entre o aparecimento ou a piora abrupta de psoríase, bem com suas formas atípicas e a infecção pelo HIV. O uso do MTX inicialmente foi contraindicado por piorar a função imunológica destes pacientes, porém trabalhos mais recentes apresentam dados contrários a esta observação. Atualmente o tratamento com MTX pode ser utilizado nos pacientes HIV sororreativo, e seu uso baseia-se no risco/benefício implicado em cada caso. No presente relato, optou-se por sua utilização após outras tentativas terapêuticas com medicamentos tópicos, doxiciclina e dapsona orais sem sucesso. Com esta última, desenvolveu quadro idiossincrásico de metahemoglobinemia com piora clínica progressiva e alteração de hepatograma. A escolha terapêutica pelo MTX deveu-se aos seguintes motivos: paciente jovem; função imunológica relativamente preservada (infecção pelo HIV assintomática, ainda sem critério para início de terapêutica antirretroviral ou profilática); hemogramas, provas de função hepática e renal normais; ausência de história prévia de elitismo ou hepatite; baixo custo e fácil disponibilidade. Outras opções, como acitretin, ciclosporina ou PUVA foram descartadas pelo alto custo e pela dificuldade de acesso. O uso do MTX conseguiu trazer o paciente a uma situação de remissão da psoríase sem levar a uma deterioração imunológica significativa. O discreto aumento da carga viral provavelmente relaciona-se à evolução da história natural da doença pelo HIV. Por outro lado, seu sucesso terapêutico contribuiu sobremaneira para a manutenção da qualidade de vida do paciente. O MTX representa uma opção terapêutica em casos selecionados de pacientes portadores de psoríase e HIV. Seu uso é seguro, se baseado nos preceitos gerais de indicações, contraindicações, aliado a um acompanhamento clínico e laboratorial criterioso. Referência Bibliográfica 1. SAFAI, B. Noninfectious Organ-Specific complicatins of HIV Infection. In: Devita V, Helman, S, ROSEMBERG, S. AIDS: etiology, diagnosis treatment and prevention., 4.ed. LippincottRaven : Philadelphia, 1997, p. 393-421. 2. CALLEN, Jp & Kulp- Shorten Cl. Methotrexate. In Wolverton SE & Wilkin JK. Systemic Drugs for Skin Diseases. W. B. Sauders Company : Philadelphia, p. 152-166, 1991. 3. ACKERMAN, AB et al. Histologic Diagnosis of Inflamatory Skin Diseases. 2. ed. 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