GESTAÇÃO ECTÓPICA O que é e quem afeta? A gestação ectópica (GE) é a gestação fora da cavidade uterina. Pode ocorrer em uma localização inapropriada do próprio útero, como colo (cervical), corno ou cicatriz uterina prévia, ou fora do útero, nas trompas, ovário e até mesmo na cavidade-abdominal. A GE ocorre em cerca de 1,6% das gestações e acomete a tuba uterina em até 98% dos casos. Os sintomas são relatados geralmente entre 6 a 8 semanas após a data da última menstruação. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de uma GE são uma GE anterior, patologias ou cirurgias tubárias prévias (como a laqueadura), fertilização in vitro (FIV) e uso de dispositivo intrauterino. Quando suspeitar? Os sintomas mais comuns de GE são o sangramento vaginal associado ou não à dor abdominal/pélvica em mulheres com atraso menstrual. Nesses casos são necessários testes para o diagnóstico de gestação através da detecção de níveis aumentados de B-hCG na urina ou no sangue. A concentração do B-hCG no sangue pode ser medida (B-hCG quantitativo) e os seus valores estão relacionados com a idade gestacional e os achados ultrassonográficos. Concentrações de B-hCG acima do valor de referência são detectadas antes mesmo do atraso menstrual. Após o diagnóstico da gestação, a correlação entre a concentração do B-hCG e os achados ultrassonográficos pode ser utilizada no raciocínio dos casos com suspeita clínica de GE conforme a tabela: Concentração do B-hCG 1500 UI/L 2000 UI/L 3500 UI/L Achado ultrassonográfico Saco gestacional identificado em 80% dos casos Saco gestacional identificado em >90% dos casos Embrião identificado Também deve ser levado em consideração que na gestação intrauterina inicial o B-hCG acende pelo menos 35% a cada 48h e pelo menos 50% a cada 72h. Sendo assim, podemos segui-lo (em casos de pacientes estáveis) até que seu valor atinja 3500, quando a ultrassonografia transvaginal fornece dados mais conclusivos. A GE deve ser suspeitada nos casos em que a ascensão do B-hCG é mais lenta. Geralmente 3 medidas em que a velocidade não mantém este ritmo de crescimento são suficientes para sugerir a repetição da ecografia, a fim de diagnosticar a GE. Mas e se o B-hCG estiver caindo? Neste caso, podemos estar diante de um aborto espontâneo ou, menos frequentemente, de um aborto tubário ou uma gestação ectópica em resolução espontânea. Este texto se refere às gestações ectópicas, mas é claro que não devemos esquecer que, com a história, o exame físico e o laboratorial, descartaremos outras causas de sangramento de primeiro trimestre, como o aborto e a mola. E também que, como toda avaliação clínica, devemos estar atentos aos sinais vitais da mulher, para definirmos se há estabilidade ou instabilidade hemodinâmica, pois esta é uma informação definidora de conduta. Portanto, quando atender uma paciente com atraso menstrual, com queixa de sangramento vaginal e/ou dor abdominal/pélvica, devemos obrigatoriamente excluir gestação! Caso haja confirmação de gravidez e o exame físico e a história te levantem suspeita de GE, não hesite em solicitar um ultrassom transvaginal (USTV). 2 Tratamento Uma vez diagnosticada a GE, o que devo fazer? Calma! A paciente não necessita ser imediatamente operada, a não ser que haja sinais clínicos de instabilidade hemodinâmica ou sinais de alarme como abdome agudo. Mas, independentemente da forma que for escolhida de seguimento, devemos sempre solicitar a Tipagem Sanguínea Materna (TS) com Coombs Indireto e a sorologia para Sífilis (VDRL) – devemos sempre lembrar que, caso a mãe tenha TS Rh negativa, é necessário realizar a imunoglobulina anti-D (Rhogan), caso ela ainda não seja sensibilizada (Coombs Indireto positivo especificamente para anti-D no painel de anticorpos - sempre nos certificando de que ela não tenha tomado Rhogan recentemente, pois, neste caso, o Coombs seria um falso positivo e deve ser desconsiderado). 1) Expectante Em casos em que o valor do B-hCG é extremamente baixo (< 200 UI/L), em queda e não há visualização do embrião pelo USTV, é possível até mesmo realizar uma conduta expectante. Isto mesmo! Seguimos com o controle laboratorial e ecográfico, até que o B-hCG se negative, sempre nos certificando de que não há nenhuma imagem nova formada que nos faça pensar em uma GE. Para que esta conduta seja tomada, é sempre bom deixar a paciente ciente dos riscos (embora mínimos) de ruptura da trompa (ou da localização da gestação), bem como de uma eventual necessidade de abordagem cirúrgica. 2) Manejo clínico – Metotrexate Nos casos em que não é possível a conduta expectante, mas os valores de BHCG ainda estão baixos, assumindo um corte de 5000 UI/L, podemos utilizar o tratamento clínico com Metotrexate (MTX). Este quimioterápico é utilizado em pacientes hemodinamicamente estáveis, sem sinais de alarme, que preencham TODOS os critérios a 3 seguir: HCG < 5000 UI/L, massa anexial íntegra e < 3,5 cm, ausência de batimento cardíaco fetal (BCF), ausência de líquido livre na cavidade pélvica e ausência de contraindicações ao uso de MTX (como estar amamentando ou com gestação intrauterina, imunodeficiência, anemia grave, disfunção hematológica, hepática, renal, gástrica ou pulmonar, alcoolismo). Caso todos estes critérios sejam preenchidos e o desejo da paciente seja o de tratamento clínico, deve-se solicitar os seguintes exames (além da TS e VDRL de praxe): Hemograma, TGO, TGP, Uréia, Creatinina e Raio X de Tórax. Com todos os exames ok, prescrevemos uma dose única sistêmica de metotrexate na dose de 50 mg/m2 ou 1 mg/kg intramuscular, com dose máxima de 500 mg/m2. Os principais efeitos colaterais são estomatite e conjuntivite, sempre autolimitados. É importante saber que 15 a 20% das mulheres poderão necessitar de uma segunda dose de MTX, mas isto não quer dizer que o tratamento não terá êxito! Menos de 1% das mulheres necessitam de uma terceira dose. Para saber se a sua paciente necessitará da segunda dose, devemos estar atentos ao protocolo sugerido para o seguimento. No dia 1 (D1), você deve administrar o MTX. No dia 4 (D4) e no dia 7 (D7) dosamos o B-hCG quantitativo. Se a queda for menor do que 15%, deve-se aplicar a segunda dose de MTX. A partir da segunda semana, o B-hCG é dosado semanalmente. Se no dia 14 (D14), o BhCG tiver queda menor do que 15%, novamente, deve-se aplicar o MTX, sendo esta a quantidade máxima de doses aplicadas. Devemos seguir os valores de B-hCG até que ele se negative. Se em até 4 meses o B-hCG não zerar, devemos sempre excluir uma nova gestação. Caso o B-hCG não caia ou comece a subir, a terceira alternativa de tratamento – a cirúrgica – deve ser discutida. 3) Conduta cirúrgica Em casos em que há contra-indicação para o tratamento expectante ou o manejo clínico, devemos adotar a conduta cirúrgica. Caso você já tenha esquecido as indicações acima, vamos recordar! 4 Conduta Pré-requisito BHCG USTV Expectante Paciente estável < 200 UI/L Não vê nada Exames TS, CI, VDRL Seguimento BHCG D4 e/ou D7 Clínico (MTX) Paciente estável < 5000 UI/L Massa < 3,5 cm Ausência BCF Sem líquido livre TS, CI, VDRL HMG, TGO, TGP U, Cr, RX Tórax BHCG D4, D7 O tipo de abordagem cirúrgica depende da localização da GE, podendo ser uma simples salpingostomia (em que haverá apenas a abertura da trompa, drenando a GE, não retirando e nem suturando a trompa, apenas cauterizando eventuais sangramentos), ou algo mais invasivo como a salpingectomia (retirada da trompa em que há a GE), anexectomia (em casos de GE ovarianas) ou até mesmo a histerectomia (GE cornual, cervical ou abdominal). A complexidade do procedimento conta com o tamanho da GE, sua localização e se ela está rota. Referências bibliográficas: 1) Farquhar CM. Ectopic pregnancy. Lancet 2005; 366:583. 2) Mol F, van Mello NM, Strandell A, et al. 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