A China e as Exportações Brasileiras Lia Valls Pereira Pesquisadora de Economia Aplicada do IBRE/FGV Em 2008, a China era o terceiro principal destino das exportações brasileiras e o segundo mercado de origem das importações. O comércio exterior do Brasil não foi imune à crise mundial. Assim, em 2009, as exportações totais do país caíram 23% em relação a 2008, mas para a China aumentaram em 27%. A partir de 2009, a lenta recuperação dos mercados europeus e dos Estados Unidos em comparação com o crescimento chinês levou a uma mudança no comércio exterior brasileiro. A China passou a ser o principal mercado das exportações brasileiras, continuou o segundo nas importações, mas com uma participação muita próxima à dos Estados Unidos. No acumulado de janeiro a agosto de 2011, o percentual da China nas importações do país foi de 14,3% e dos Estados Unidos de 14,9%. O aumento da importância chinesa nas exportações brasileiras foi acompanhado da crescente participação dos produtos básicos (commodities primárias agrícolas, minerais e combustíveis). Em 2008, esses produtos explicavam 37% da pauta, em 2010 passaram para 45% e, no período de janeiro a agosto de 2011, 48%. No total das exportações de básicos, a China participou com 18% (2008), 29% (2010) e 32% (janeiro/agosto 2011). A desaceleração da economia mundial a partir do desempenho dos Estados Unidos e da União Europeia é consensual. Qual a profundidade da crise e como irá afetar a economia brasileira e, em especial, o comércio exterior brasileiro, não. Aqui se analisa um cenário relativamente “otimista” para o Brasil, onde é destacado o papel da China. Um ano de 2012 parecido com 2011? A redução do crédito na economial mundial após a quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, marcou o início da redução no valor exportado pelo Brasil. Posteriormente, o governo brasileiro aumentou os recursos para os programas de financiamento às exportações, mas a queda nos preços das commodities e a recessão generalizada mundial levou à diminuição do valor exportado, em 2009. O gráfico do índice das commodities mostra a queda acentuada dos preços, mas já a partir de maio de 2009, foi iniciada a fase de recuperação. Em 2011, até agosto, o crescimento dos preços em relação a 2010 foi de 35% com queda na quantidade de 0,5%. Os sinais da desacelaração da economia mundial, porém, já estavam presentes, desde junho de 2011, com os preços em ritmo de baixa ou queda no crescimento. É possível repetir 2009? A situação da Europa é mais grave atualmente. Mesmo que saiam novos auxílios, um anúncio de coesão dos governos europeus em torno de um pacto fiscal e renegociação das dívidas, a crise europeia é mais aguda do que há dois anos. Como os paises europeus são importantes compradores de commodities do Brasil, haverá uma menor demanda. A China e os mercados asiáticos poderão compensar, mas, nesse caso, é preciso assumir que o crescimento da região asiática será preservado — um cenário com alta probabilidade de acontecer. Logo, não se descarta a hipótese de que, mesmo com queda no valor exportado, a China terá papel importante na recuperação dos preços das commodities, que hoje constituem cerca de 60% das exportações nacionais. Na cesta de commodities constam alguns produtos manufaturados como suco de laranja, laminados e gasolina. O resultado final será um novo aumento da participação dos produtos básicos e da importância da China para o comércio brasileiro. ”Mais primarização” das exportações O Banco Mundial publicou o texto ”Latin America and the Caribbeans’s Long-Term Growth: Made in China” (Crescimento de Longo Prazo na América Latina e Caribe: Feito na China?), em setembro de 2011 (www.worldbank.org). O texto toma como premissa a crecente dependência dos países latinos em relação à China e como aproveitar os ganhos advindos das rendas das commodities. O Brasil não é exceção, como mostra o gráfico dos termos de troca (preços de exportações/preço das importações), em especial a partir de maio de 2009. Nesse cenário, a ”primarização da pauta exportadora” continuará a dominar o debate brasileiro. A valorização do real ajudou, mas a mudança na estrutura da demanda mundial é um dos fatores principais. Que medidas adotar? O texto do Banco Mundial faz uma comparação do crescimento dos países asiáticos puxados pelo Japão na década de 1980 e, agora, pela China. O fator crucial foram os investimentos que permitiram criar um comércio intraindústria vigoroso que elevou a produtividade esses países e induziu, como no caso da Coreia do Sul, à busca pelo desenvolvimento tecnológico. É possível criar esse tipo de elo com os países latinos, em especial o Brasil? As estatíticas do Banco Central apontam para a baixa participação dos investimentos diretos chineses no país: US$ 392 milhões correspondente a 0,7% do total dos investimentos diretos estrangeiros (participação de capital) e US$ 138 milhões entre janeiro e julho de 2011. Subestima-se com frequência essa informação. As empresas frequentemente utilizam paraísos fiscais ou outros domicílios a partir dos quais registram seus investimentos. Trabalho do Centro Empresarial Brasil-China (www.cebc.org.br), coordenado pelo professor Antônio Barros de Castro, estimou que no ano de 2010 foram investidos pelos chineses US$ 12,669 bilhões, sendo que a maioria em operações de mudanças na participação de capital com empresas multinacionais e apenas US$ 1,5 bilhão de novos investimentos (greenfield). Os investimentos se concentraram nos setores de mineração, gás, infraestrutura (ferroviária e portuária). Logo, as empresas chinesas investem nos setores que estão associados à sua demanda por recursos naturais. Nesses setores é possível que políticas de incentivo à inovação tecnológica permitam extrair maiores ganhos para a economia brasileira, além das rendas extras obtidas pelos preços elevados das commodities. É necessário garantir um cenário favorável para que as empresas chinesas (nessas áreas quase todas pertencem ao governo central) direcionem seus investimentos para parcerias nesse campo. O Brasil, como na área petrolífera e na agricultura, possui vantagens no campo tecnológico. Nos outros setores, é possível imaginar uma onda de investimentos como para demais países asiáticos, mas é pouco provável. Talvez em setores específicos, como o eletroeletrônico, automotivo, enfim aqueles que as importações brasileiras e sulamericanas oriundas da China crescem e o Brasil pode ser entendido como um polo de exportação para o mercado regional. Uma nova desaceleração da economia mundial com a China registrando taxas de crescimento de 8% a 9% irá acirrar o debate sobre o desenho desejado das políticas de exportações. O Plano Brasil Maior, lançado pelo governo em meados de 2011, acerta ao privilegiar o tema das inovações, mas falta explicitar a sua operacionalização e enfrentar, pelo menos, o tema da Reforma Tributária que parece cada vez mais distante. Além disso, como apontou o texto do Banco Mundial, o principal obstáculo para os países latinos, incluído o Brasil, é a melhora nos índices de educação. Nada que a China possa ajudar.