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J Bras Nefrol 2000;22(2):95-102
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Atualização em Nefrologia Pediátrica: Distúrbios funcionais da
micção na infância
Rejane de Paula Meneses
Centro de Nefrologia Pediátrica do Paraná
Hospital Infantil Pequeno Príncipe
Endereço para correspondência: Rejane de Paula Meneses
Centro de Nefrologia Pediátrica do Paraná
Av. Getúlio Vargas, 2.159
CEP 80250-180 Curitiba, PR
Tel./fax: (0xx41) 342-5588
E-mail: [email protected] e [email protected]
Introdução
O controle da função vesicoesfincteriana na infância é adquirida a partir de 2 anos de idade, o diurno
antecedendo o noturno. Na maioria das crianças todas as etapas estão completas até os 4 anos de idade.
Os distúrbios funcionais da micção (DFM) ocupam um
lugar de destaque entre as causas de escapes urinários diurnos e noturnos e de infecções do trato urinário (ITU) em crianças neurologicamente normais, em
idade em que já deveriam possuir um pleno controle
de suas funções. As patologias orgânicas estruturais
ou neurogênicas do aparelho urinário e a enurese
noturna monossintomática não estão incluídas entre
os DFM. A partir dos anos 70, surgiram as primeiras
descrições sobre DFM como causa de verdadeiras obstruções do aparelho urinário ou mesmo responsáveis
por fracassos cirúrgicos com recorrência do refluxo
vesicoureteral (RVU).1 As diferentes classificações, terminologias e conceitos utilizados na literatura dificultam a interpretação e a comparação dos diversos trabalhos publicados. As explorações urodinâmicas
permitem melhor compreensão das situações semiológicas, orientando uma terapia mais apurada. Sua interpretação depende de um bom conhecimento da fisiologia e das anomalias do aparelho urinário.
Muitas vezes o diagnóstico dos DFM é feito a partir
de uma consulta por ITU de repetição, RVU ou enurese noturna. Os sintomas dos DFM são freqüentemente
mal interpretados pelos familiares e pelos profissionais. Um interrogatório dirigido e detalhado sobre os
hábitos miccionais é essencial, pois escapes urinários,
urgência miccional, polaciúria, atitudes de contenção,
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esforço miccional, vulvovaginites e constipação intestinal crônica muitas vezes não são relatados espontaneamente, nem são o motivo da consulta.
Aspectos fisiológicos do ciclo continência-micção
O conhecimento da fisiologia e dinâmica do aparelho urinário inferior é fundamental para a compreensão das formas de DFM.
As duas principais funções do aparelho vesicoesfincteriano são o armazenamento e o esvaziamento da
urina. Essas funções são governadas por um processo
complexo que envolve o cérebro, a medula espinhal,
a musculatura lisa da bexiga e a uretra posterior, além
da musculatura estriada do esfíncter externo. É necessário haver integridade anatômica e funcional desses
componentes e um trabalho coordenado entre detrusor e esfíncter.2
A atividade vesical é cíclica, com uma longa fase
de enchimento ou diástole vesical e uma breve fase de
expulsão ou sístole vesical.3
No lactente, a micção ocorre espontaneamente pelo
reflexo medular, quando a distensão vesical provoca
um estímulo via aferente do arco reflexo sacro, resultando em micção automática.4,5
Entre 1 e 2 anos de idade, a aquisição da continência depende do aumento gradativo da capacidade vesical e da maturação dos lobos frontal e parietal. A
criança passa a ter percepção de plenitude vesical, reconhece uma micção eminente, mas ainda não tem
poder de controlá-la.6
Com o crescimento, a criança passa a ter melhor
comando voluntário sobre seu esfíncter estriado e córtex cerebral, sendo então capaz de iniciar ou inibir a
micção em qualquer nível de plenitude vesical.
Mais de 88% das crianças têm total controle urinário com a idade de 4 anos e meio.7 Um estudo epidemiológico mostrou que acima de 7 anos, 95% das crianças urinam de 3 a 8 vezes por dia e 11,2% levantam
a noite para urinar.8
A continência urinária e a micção também são go-
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vernadas por uma integração complexa entre sistema
somático medular e parassimpático por intermédio do
nervo pudendo (S2-S4), simpático pelo plexo nervoso
hipogástrico (T11-L2) e os centros nervosos supra-medulares.2,7 Os receptores parassimpáticos estão localizadas em toda musculatura vesical e uretra proximal e
os simpáticos (alfa e beta-adrenérgicos) no colo vesical, uretra proximal e corpo vesical.
A partir do centro da micção sacroespinhal, as vias
aferentes e eferentes fazem conexão com o tronco cerebral inferior, no qual existe o centro pontino da micção. Esse centro tem duas ações: inibir a micção e coordenar o esfíncter externo, sendo responsável pela
micção coordenada.7 O córtex cerebral tem o papel final no ciclo da micção, com efeito inibitório sobre o
centro pontino da micção.
Aspectos urodinâmicos
O registro da pressão vesical, da pressão uretral,
do débito urinário e da eletromiografia do esfíncter
estriado é o elemento de base para o estudo do ciclo
continência-micção. Durante o enchimento vesical, a
pressão se mantém baixa (5-15 cmH2O), enquanto a
pressão uretral se mantém alta (80 cmH2O ou mais). O
gradiente de pressão entre meato ureteral, bexiga e
uretra assegura a função de reservatório, impedindo o
refluxo vesicoureteral e a incontinência. Esse gradiente se inverte quando ocorre esvaziamento vesical.
A proteção dos rins, a segurança da continência, a
facilidade da micção dependem da evolução do gradiente de pressão nas cavidades urinárias.
A exploração urodinâmica complementa as demais
investigações de aparelho urinário e tem papel importante na decisão do manuseio dos DFM.9,10 Também
avalia a função do aparelho vesicoesfincteriano, reproduzindo o mais fielmente possível o modelo natural do enchimento e esvaziamento vesical.11 Permite o
registro da pressão vesical, da pressão uretral, da pressão abdominal e da atividade elétrica do esfíncter externo durante a fase de enchimento e esvaziamento
vesical.12
A cistomanômetria revela, por meio da pressão intravesical, a capacidade funcional, a complacência e a
contractilidade vesical. A eletromiografia é o registro
da atividade muscular estriada no que se refere ao esfíncter, estando estreitamente ligada aos músculos perineais. A fluxometria registra a qualidade do fluxo
urinário que depende da força de expulsão do detru-
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sor e da permeabilidade da uretra.13,14
O registro simultâneo de todos os parâmetros revela a qualidade do enchimento e do esvaziamento
vesical. Urinar à baixa pressão com um bom débito é
característica urodinâmica de uma boa micção.13
A capacidade vesical aumenta com a idade de forma linear. O tônus vesical é um parâmetro urodinâmico que depende essencialmente das propriedades biomecânicas da parede vesical. O aumento da pressão
vesical durante o enchimento, em relação ao volume
infundido, caracteriza a complacência ou o poder de
acomodação vesical.
A bexiga desenvolve contrações fásicas caracterizadas pela freqüência e pela amplitude. A frequência
define a atividade vesical e a amplitude, a contractilidade vesical. O enchimento vesical normal ocorre à
baixa pressão sem contrações não inibidas do detrusor, antes de chegar a capacidade, com paralelo aumento do tônus da musculatura estriada periuretral.15
A micção se inicia a partir da contração vesical, com
relaxamento do esfíncter para haver esvaziamento vesical adequado. Após total esvaziamento, ocorre um
relaxamento isovolumétrico do detrusor e se inicia
novamente a atividade elétrica do esfíncter estriado.2,3,13,16,17
As bexigas hipertônicas de pequena capacidade e
de alta pressão colocam em risco a função do aparelho urinário superior e necessitam de pressão superior a 40 cmH2O para iniciar a micção.
A bexiga instável se caracteriza pela ocorrência de
contrações não inibidas de detrusor durante a fase de
enchimento vesical, antes de atingir a capacidade máxima. Simultaneamente, há um aumento de atividade
do esfíncter externo, de caráter voluntário, a fim de
evitar escapes. Quanto mais intensa a atividade esfincteriana, maior a pressão intravesical e, no momento
da micção, a sinergia vesicoesfincteriana pode ou não
estar preservada.6,10,18 A capacidade vesical reduzida é
de caráter funcional.21
As crianças que apresentam bexiga instável com
fluxometria normal tem melhor resposta ao tratamento anticolinérgico em relação àquelas que apresentam
dissinergia vesicoesfincteriana, resíduo vesical, ITU e
constipação, decorrentes de uma hiperatividade da
musculatura do assoalho pélvico.10 Esse quadro, associado a um componente psicológico ou comportamental, bexiga trabeculada, RVU, hidronefrose e eventual
comprometimento de aparelho urinário alto, na ausência de anomalia neurológica ou anatômica detectável,
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pode ser chamado de síndrome de Hinman ou bexiga
neurogênica não-neurogênica.19 É de difícil controle e
se beneficia com um programa de reeducação vesicoesfincteriana e terapia comportamental.20
A fluxometria avalia o débito urinário máximo,
que é um índice da qualidade do jato. É um registro
da curva de volume em relação ao tempo durante
uma micção espontânea. A curva de micção normal
tem aspecto em sino. Outros aspectos podem sugerir o diagnóstico.22
Uma curva explosiva de alto débito é freqüente nas
bexigas instáveis e traduz uma expulsão vesical brusca e potente, devido à hiperatividade do detrusor, causando uma incontinência por urgência. Uma curva plana traduz uma obstrução uretral por hipertonia
permanente de esfíncter. Quando o tempo de hesitação é longo, pode refletir um atraso de abertura do
colo vesical.
Uma micção fracionada está relacionada a uma hipoatividade do detrusor. A micção ocorre por pequenas contrações vesicais, às custas de um aumento da
pressão abdominal, deixando em geral um elevado
resíduo, motivo de ITU de repetição. A velocidade do
fluxo é irregular devido a uma atividade reflexa do
assoalho pélvico, simultânea ao aumento da pressão
abdominal. O número de micções diárias é pequeno,
a capacidade vesical é elevada e ocorrem escapes urinários por transbordamento. Essa condição, chamada
de síndrome da bexiga preguiçosa ou lazy bladder syndrome, é resultante de uma disfunção de evolução prolongada com descompensação da musculatura vesical,
que se torna acontrátil.
Uma curva interrompida é um padrão miccional rítmico relacionado a ocorrência de períodos de contrações do assoalho pélvico, com interrupção do fluxo, e
períodos de relaxamento, com regularização do fluxo
urinário. A micção é longa com tendência a um esvaziamento incompleto. É o padrão encontrado nas dissinergias ou incoordenações vesicoesfincterianas.
A uretromanômetria é o registro de pressões na
uretra durante o enchimento vesical. O perfil dinâmico registra as variações de pressão ao longo do canal
uretral e tem pouca indicação em crianças. A uretromanômetria estática registra as variações de pressão
na região da uretra posterior e é a técnica mais utilizada em crianças.
O mecanismo de fechamento uretral durante o enchimento vesical pode ser normal ou incompetente.
Quando normal, a pressão de fechamento uretral tor-
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na-se positiva mesmo na presença de um aumento de
pressão abdominal. Antes da micção, a pressão de
fechamento se reduz para permitir o fluxo. Quando
incompetente, permite vazamento de urina na ausência de contração vesical. Isso ocorre quando a pressão vesical excede a pressão uretral (incontinência
de estresse) ou quando ocorre queda de pressão uretral súbita, induzindo escapes urinários durante o enchimento vesical (incontinência reflexa ou uretra instável para alguns autores).
Uma atividade voluntariamente aumentada do esfíncter uretral em crianças neurologicamente normais
pode ocorrer na ocasião de contrações não inibidas
de detrusor (bexiga instável com hipertônia de esfíncter) a fim de evitar escapes. É uma sutil fronteira com
a dissinergia ou incoordenação vesicoesfincteriana,
quando, durante a micção, uma contração de detrusor ocorre concomitantemente a uma contração involuntária de esfíncter externo e/ou musculatura estriada periuretral. Essa obstrução funcional de uretra
cursa com resíduo urinário, ITU e eventual comprometimento de aparelho urinário superior. Todas essas condições se beneficiam de um programa de reeducação vesicoesfincteriana.
Mesmo se a noção anatômica de esfíncter interno
é discutível, pode-se admitir que na área do colo vesical existe uma disposição muscular compatível com
uma função esfincteriana. Pode-se, assim, individualizar a dissinergia entre detrusor e esfíncter interno na
ausência ou na insuficiência de abertura do colo durante a micção.23 Nesse caso há boa resposta terapêutica com alfabloqueadores.
Semiologia
A descrição das DFM é ricamente documentada
por um exame clínico minucioso e por um interrogatório detalhado. O interrogatório deve ser realizado
com linguagem simples e acessível às crianças. É necessário conquistar sua confiança e, sobretudo, escutá-las. Algumas de suas atitudes muitas vezes são erroneamente interpretadas, por isso as perguntas
devem ser dirigidas sobretudo à criança, seguindo
uma ordem metódica e se solicitando respostas objetivas.
A incontinência urinária significa uma perda involuntária de urina. É um sintoma quando o paciente
reconhece o problema, é um sinal quando se trata de
uma demonstração objetiva da perda urinária ou é
uma condição quando a perda urinária é demonstrá-
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vel pela urodinâmica.22
Quanto aos antecedentes familiares e pessoais,
é necessário descartar a ocorrência de uropatias, intervenções neurocirúrgicas, abdominais ou pélvicas
prévias, a presença de DFM de mesma natureza nos
pais ou irmãos, patologias renais, anomalias de desenvolvimento psicomotor, hábitos de vida inadequados e perceber o contexto psicológico, familiar
e escolar dessa criança.
É interessante conhecer as modalidades de aprendizagem na aquisição da continência, o caráter primário ou secundário das queixas, o comportamento familiar em relação às funções de eliminação e da
sexualidade, a consciência corporal que a criança possui e os exames e tratamentos previamente realizados,
a utilização de fraldas ou a necessidade de troca de
roupas, assim como a repercussão dos sintomas no
ambiente escolar, familiar e sobre sua auto-estima.
A criança portadora de DFM não tem noção de
normalidade, a não ser ao se comparar com outras crianças. É assim necessário questionar detalhadamente
todos os aspectos do ciclo da continência e da micção.
As micções podem ser raras ou anormalmente freqüentes. A polaciúria é o principal sintoma da instabilidade vesical. A nictúria corresponde à interrupção
do sono pelo desejo de urinar. É necessário avaliar a
quantidade de líquido ingerido e a diurese, a fim de
descartar uma eventual poliúria.
Os sintomas podem ser diurnos, noturnos ou ambos, variável de um dia para o outro ou mesmo dependentes de eventos familiares ou escolares.
Alterações na sensação, como falsos desejos de
urinar, imperiosidade ou urgência miccional, perturbam as atividades normais dessas crianças. A vontade
de urinar, em geral súbita, imprevisível, urgente, pode
se acompanhar de escapes urinários. Os adultos acham
que determinadas crianças esperam demais para ir ao
banheiro, mas, na verdade, antes do súbito desejo de
urinar, elas não sentem nenhuma sensação de vontade. Quando vem, o desejo é desde o início urgente.
Quando esse sintoma se associa à polaciúria, suspeita-se de uma instabilidade vesical. Às vezes, ao contrário, certas crianças aprendem a se reter tão bem que
podem permanecer períodos muito longos sem urinar,
graças a um esfíncter especialmente competente. Em
casos extremos, o desejo de urinar não é mais percebido e a criança apresenta escapes freqüentes.
O jato urinário deve ser descrito como forte, fraco,
curto, longo, intermitente ou com esforço. A necessi-
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dade de realizar um esforço abdominal sugere uma
micção obstrutiva. Um jato explosivo e único corresponde a um hiperdébito por hipercontratilidade nas
instabilidades vesicais.
A disúria, o jato intermitente, indeciso, de pequeno calibre, às vezes em gotejamento, com um esforço
abdominal, sugere incoordenação ou dissinergia vesicoesfincteriana. São crianças que ficam irritadas no
momento da micção.
A persistência do desejo de urinar após uma micção demonstra um esvaziamento vesical incompleto e
resíduo vesical. A criança volta várias vezes ao banheiro
para finalizar a micção.
Na instabilidade vesical a enurese noturna em geral está presente. Trata-se de enurese-sintoma. Os escapes urinários são freqüentes, incômodos e preocupam os familiares. É interessante definir a freqüência,
horários, volume, freqüência de trocas de roupa, fatores desencadeantes como tosse, esforço ou riso, a situação de aparecimento como estresse, frio, raiva, barulho ou contato com a água.
Para evitar os escapes de urina, a criança aprende
a se conter, realizando de forma mais ou menos consciente posturas características, como a posição de cócoras com compressão do períneo com o calcâneo
(squattingou sinal de Vincent), contorções, compressões pubianas ou pinçamentos dos orgãos genitais, a
fim de inibir a contração vesical e manter a uretra fechada. Ocorre uma adaptação progressiva, tornando
as micções cada vez mais raras, iniciando-se um processo de esvaziamento incompleto. O resíduo vesical
é responsável por episódios freqüentes de ITU.
As dores abdominais difusas ou localizadas por retenção urinária aguda, a ardência miccional, as cólicas
por constipação intestinal, as dores abdominoperineais ou dores ascendentes à irradiação lombar, antes e
durante a micção, nos casos de refluxo vesicoureteral,
podem estar presentes. A estreita correlação anatômica
e funcional dos elementos do períneo justifica a associação dos DFM com constipação intestinal e encoprese.
A ocorrência dos diversos sintomas depende da fase
evolutiva em que a criança se encontra, podendo se
encontrarem isolados ou associados.
O principal objetivo do exame físico é descartar
eventual patologia orgânica estrutural ou neurogênica
de vias urinárias. É interessante a observação de manchas, umidade, resíduos de fezes nas roupas, postite
ou vulvite, lesões de maceração em períneo e, se possível, assistir uma micção, além de colher urina e rea-
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lizar uma fita urinária. A palpação pode evidenciar um
globo vesical e eventuais fecalomas. A avaliação dos
órgãos genitais, do meato uretral, de eventual fimose,
aderências prepuciais ou sinéquias de pequenos lábios é necessária.
O exame neurológico, que visa eliminar um disrrafismo oculto com lesão medular, pode evidenciar uma
anomalia visível da linha mediana posterior (pelos,
fosseta, angioma, lipoma, apêndice caudal ou escoliose), anomalias ortopédicas (pés tortos ou alterações
em membros inferiores), alterações tróficas (úlceras em
dedos dos pés), anomalias de força muscular segmentar, amiotrofia ou alterações nos reflexos tendinosos,
distúrbios de sensibilidade em períneo, membros inferiores ou de reflexos perineais em território sacral.
O toque retal permite avaliar a sensibilidade do canal
anal, o tônus do esfíncter, a contração e o relaxamento voluntário ou a existência de um fecaloma.
A presença de febre sugere infecção urinária. Uma
palidez, adinamia, déficit pôndero-estatural, alteração
do estado geral podem conduzir a descoberta de uma
insuficiência renal crônica de instalação insidiosa num
contexto de DFM de diagnóstico tardio, com destruição progressiva do aparelho urinário superior.
portadoras de ITU recorrente, em 44% das portadoras
de RVU e em 32% das meninas que apresentavam escapes urinários.27
A resolução ou redução do grau do RVU é um dos
objetivos do tratamento das DFM.24,28-30 Um tratamento
cirúrgico seria desnecessário ou mesmo levaria ao risco de recorrência do refluxo e, por isso, o estudo urodinâmico tem sido mais amplamente indicado previamente à indicação cirúrgica.28-30
As cicatrizes renais não parecem estar diretamente
correlacionadas às DFM, mas talvez com sua progressão.16,31,32 Esse acompanhamento é feito por meio da
cintilografia renal ao DMSA.
A constipação intestinal é encontrada em mais de
50% das crianças portadoras de DFM.24 Pelo grande
acúmulo de fezes, interfere mecanicamente na dinâmica do aparelho urinário, comprimindo a base e o trígono vesical, sendo a encoprese um sinal de alerta.1,6
Uma síndrome obstrutivo-funcional, com hiperpressão vesical, pode produzir alterações anatômicas do tipo
trabeculações vesicais, espessamento de parede vesical, sáculas, divertículos, deformidades de uretra (uretra em peão) e refluxo vesicoureteral evidenciados pela
ecografia e pela uretrocistografia miccional.1,17,21,28,33
Conseqüências e fatores associados
Tratamento
A maioria das DFM, por alteração no fluxo urinário ou presença de resíduo, cursa com episódios de
ITU que, por sua vez, contribuem para manter a disfunção. É fundamental a prevenção de ITU, enquanto
houver estagnação de urina, já que a principal defesa
é a eliminação eficiente dos contaminantes bacterianos do trato urinário. A obstrução causada por um relaxamento incompleto do esfíncter externo leva a uma
dilatação de uretra proximal, com fluxo irregular, turbulento ou mesmo fluxo inverso durante a micção.1
Em crianças portadoras de bexiga instável, sabe-se
que pelo menos um episódio de infecção urinária ocorre em grande porcentagem de casos, com RVU de 20%
a 50%.10,15,17,24,25 Por isso, atualmente classifica-se o RVU
em congênito, quando encontrado em período neonatal, e em adquirido, mais freqüentemente diagnosticado em idade pré-escolar e escolar secundário às DFM.26
As alterações na dinâmica vesicoesfincteriana, produzindo aumento de pressão intravesical, e as ITU produzem um espectro de distorções anatômicas, predispondo ao RVU.18
Em uma série de 383 crianças maiores de 3 anos
diagnosticou-se bexiga instável em 69,4% das crianças
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Além das conseqüências orgânicas como ITU, RVU
e cicatrizes renais, as conseqüências psicológicas são
freqüentemente detectadas em crianças portadoras de
DFM em idade escolar. As dificuldades miccionais e
escapes urinários são socialmente mal tolerados e mal
compreendidos pela criança, educadores e familiares.
Por isso é importante a individualização do tipo de
disfunção e a aplicação de tratamento específico a cada
situação.
Um tratamento medicamentoso com anticolinérgico é indicado somente quando o estudo urodinâmico evidenciar contrações não inibidas de detrusor
e/ou redução significativa da complacência vesical.
A oxibutinina é um amino terciário com ação neurotrópica (anticolinérgico antimuscarínico) e miotrópica (antiespasmódico, anestésico local), que tem efeitos superiores ao brometo de propantelina, à
terodilina, ao sulfato de N-metil hioscina e à imipramina, que possue ação não específica.17,34-36 Age diminuindo a pressão intravesical-vesical e a amplitude
das contrações do detrusor, e aumentando a capacidade vesical, não havendo modificação de resposta
ao longo do tratamento.36-38 Os efeitos colaterais da
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oxibutinina são muito mais freqüentes na criança que
no adulto, sendo os mais comuns do tipo atropínico:
mucosa bucal seca, distúrbios de visão, midríase,
constipação intestinal, alucinações visuais e auditivas, agitação, pesadelos, taquigrafia. Os efeitos cutâneos tipo urticária podem ocorrer por reação alérgica
ao princípio ativo e excipientes e tipo rubor facial
por vasodilatação.39 A utilização da oxibutinina de
forma prudente, em doses progressivas, com boa indicação sob controle médico, é segura e eficaz.40
Um novo competidor de receptor muscarínico, a
tolterodine, tem demonstrado bons resultados na bexiga instável.41
Os alfabloqueadores, como o cloridrato de prazosina, agem sobre o esfíncter liso, reduzindo a resistência cervicouretral. Deve ser utilizada em doses progressivas a fim de evitar efeitos colaterais.23
De uma forma geral, as crianças portadoras de DFM
se beneficiam com medidas de prevenção de ITU, melhora do trânsito intestinal, terapia de apoio positivo
e reeducação vesicoesfincteriana.
A reeducação vesicoesfincteriana tem demonstrado bons resultados42,43 e consiste em um programa que
engloba 4 focos: o cognitivo, pela conscientização de
suas dificuldades e aprendizagem de parâmetros miccionais normais; o condicionamento, pela realização e
acompanhamento de uma agenda miccional; o biofeedback, por exercícios de relaxamento e contração do
assoalho pélvico visualizados no traçado eletromiográfico; e o controle da constipação intestinal, por exercícios, condicionamento de horários e dieta rica em
fibras. É orientado um esvaziamento vesical mais completo possível, com relaxamento adequado do esfíncter e períneo.1
Os exercícios de interrupção do jato urinário durante a micção são indesejáveis devido ao risco de
encorajar uma hipertônia de esfíncter.10 A reeducação
tem indicação sobretudo nas crianças portadoras de
ITU de repetição, incoordenação detrusor-esfincteriana e instabilidades uretrais.
Em situações extremas de descompensação do detrusor ou síndrome da bexiga preguiçosa, na qual existe
importante dificuldade de esvaziamento vesical e elevado resíduo, pode ser necessária a indicação de cateterismo intermitente.
O resultado do tratamento das DFM na criança não
é imediato. Requer compreensão e paciência por parte
da criança, familiares e profissional, pois sofre a interferência de fatores sociais, econômicos e culturais. A
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colaboração, a adesão e a participação ativa é fundamental. Os pais devem apoiar com reforço positivo,
não punitivo e ao mesmo tempo devem procurar tornar seus filhos mais responsáveis pelo seu problema.
Cumprindo-se um protocolo metódico de tratamento,
obtém-se um resultado favorável em médio prazo.37,38,44
Conclusão
As anomalias de função vesicoesfincteriana ocupam um lugar de destaque em pediatria, sobretudo na
etiologia das perdas urinárias diurnas e noturnas, sendo
a bexiga instável a mais comum. O estudo urodinâmico tem o mérito de ter identificado essas anomalias,
permitindo individualizar as diversas entidades clínicas e o tratamento.
O estudo urodinâmico complementa as investigações do trato urinário, sendo excelente meio de orientar um tratamento adequado, mas é sempre indispensável eliminar a possibilidade de obstrução anatômica
de trato urinário ou lesões neurológicas por meio de
investigação por imagem. Para a realização do exame
há necessidade de instalar sondas uretrais, balão retal
e eletrodos de contato em períneo. Uma melhor aceitação e colaboração da criança é possível quando se
tem o cuidado de realizar um bom preparo psicológico. Além disso, o exame torna-se praticamente indolor
quando a criança é capaz de relaxar adequadamente.
Os DFM na infância ocorrem na ausência de lesões
neurológicas e podem ser responsáveis por lesões de
aparelho urinário alto. A etiologia dos DFM é incerta.
A influência genética ou uma imaturidade das vias retículo espinhais e/ou dos centros inibitórios no mesencéfalo e no córtex cerebral podem explicar a necessidade de um tempo de organização progressiva dos
mecanismos de controle miccional até a puberdade,
ou persistir além dela.
Há correlação entre os DFM na infância e na fase
adulta.2,45,46 A reeducação vesicoesfincteriana visa corrigir os automatismos e hábitos miccionais, responsáveis muitas vezes apela persistência da disfunção.
Os diversos sintomas de DFM nem sempre são devidamente valorizados ou são mal interpretados, por
isso é fundamental a realização de um interrogatório
detalhado na ocasião da consulta.
O tratamento das DFM nem sempre é curativo e
visa principalmente evitar ou controlar a ITU, o RVU e
os eventuais danos renais, além de criar hábitos micci-
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onais mais próximos possíveis do normal. Paralelamente é necessário lembrar da necessidade de recuperar a auto-estima dessas crianças. Um tratamento bem
sucedido está condicionado a uma boa compreensão
e individualização da disfunção.
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