Doença Renal Terminal Associada à Obstrução Crônica do Trato

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Relato de Caso
Doença Renal Terminal Associada à Obstrução Crônica do
Trato Urinário por Cálculo Vesical Gigante
End Stage Renal Disease Following Long-Term Urinary Tract
Obstruction Due To Giant Bladder Stone.
Elizabeth F. Daher1,2, Laura S. Girão1, Geraldo B. Silva Júnior2, Frederico A. Lima Verde1, Carlos
Eduardo F. Queiroz1, Sônia L. Silva2
1 Serviços de Nefrologia e Cirurgia Geral do Hospital Geral de Fortaleza (EFD, LSG, FALV & CEFQ) e 2 Departamento
de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (EFD, GBSJ & SLS), Fortaleza, CE.
RESUMO
Cálculos vesicais compreendem 5% de todos os cálculos do trato urinário e estão freqüentemente associados à presença de corpos estranhos, obstrução
e infecção. Relatamos o caso de um paciente do sexo masculino, 23 anos, que deu entrada na Emergência do Hospital Geral de Fortaleza com quadro de
disúria, peritonite e sinais de uremia. A radiografia abdominal mostrava uma imagem hiperdensa na topografia vesical. A ultrassonografia abdominal
mostrava hidronefrose bilateral. Os exames laboratoriais evidenciaram creatinina sérica 7,6 mg/dL, potássio 7,1 mEq/L, pH 7,29, pCO2 15,7 mmHg e HCO3
7,5 mEq/L. Hemodiálise diária foi instituída devido à severa uremia. Laparotomia foi realizada, sendo os principais achados cirúrgicos coleção purulenta na
cavidade pélvica, perfuração na parede lateral da bexiga e divertículo vesical. Um cálculo vesical gigante, com o maior diâmetro de 7 cm, foi identificado
e retirado da bexiga. O paciente evoluiu estável, necessitando de hemodiálise três vezes por semana. Este caso ilustra a ocorrência de uma importante
complicação de um cálculo vesical gigante, que causou a obstrução crônica do trato urinário, levando ao desenvolvimento de insuficiência renal crônica. A
pronta instituição do tratamento dialítico no primeiro dia de internamento e a cirurgia de urgência foram cruciais para a recuperação do paciente que passou
a necessitar de hemodiálise regular (J Bras Nefrol 2006;28(1):47-50)
Descritores: Cálculo vesical. Insuficiência renal crônica. Diálise. Doença renal terminal.
ABSTRACT
Bladder stones comprise 5% of all urinary tract calculi and are frequently associated with the presence of foreign body, obstruction or infection. A 23-yearold man was admitted to the Emergency Room of the General Hospital of Fortaleza with dysuria, peritonitis and signs of uremia. The abdominal plain film
showed a hyperdense image in the vesical topography. Renal ultrasonography showed bilateral hydronephrosis. The laboratorial tests showed serum
creatinine 7.6 mg/dL, potassium 7.1 mEq/L, pH 7.29, pCO2 15.7 mmHg, HCO3 7.5 mEq/L. Hemodialysis was required daily due to severe symptoms of
uremia. Laparotomy was performed and during the surgery it was found purulent secretion in the pelvic cavity, a perforation in the right side of the bladder
and a vesical diverticulum. A giant calculus, with the larger diameter of 7 cm, was identified and removed from the bladder. The patient became clinical
stable requiring dialytic treatment three times a week. This case shows an important complication of a giant bladder stone, which had been obstructing the
urinary tract for a long time. The patient developed severe bilateral hydronephrosis and chronic renal failure. The prompt institution of dialysis in the first day
of hospital stay and the urgent surgery were crucial to the recovery of the patient who was maintained in regular hemodialysis program. (J Bras Nefrol
2006;28(1):47-50)
Keywords: Bladder stone. Chronic renal failure. Dialysis. End stage renal disease.
Recebido em 30/09/05 / Aprovado em 28/11/05
Endereço para correspondência:
Geraldo Bezerra da Silva Júnior
Rua 25 de Março 997
60060-120 Fortaleza, CE
E-mail: [email protected] / [email protected]
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Cálculo Vesical Gigante
INTRODUÇÃO
A litíase urinária é uma doença comum, que afeta
um considerável número de pessoas em todo o mundo.
No hemisfério ocidental, a maioria dos cálculos é
formada de cálcio, ácido úrico, cistina e estruvita1. A
porcentagem de cada constituinte difere de acordo com a
população estudada2.
Os cálculos vesicais compreendem 5% de todos os
cálculos do trato urinário e estão freqüentemente associados com a presença de corpos estranhos, obstrução ou
infecção3. A obstrução do trato urinário parece ser o principal fator predisponente à formação destes cálculos4. Este
tipo de cálculo pode ser originado no trato urinário superior, com posterior migração para a bexiga, ou ser formado dentro da própria bexiga4.
Após obter o consentimento esclarecido do paciente, relatamos o caso de um jovem que desenvolveu
insuficiência renal crônica decorrente da obstrução do
trato urinário por um cálculo vesical gigante.
RELATO DE CASO
Figura 1. Radiografia de abdome mostrando uma imagem radiopaca,
de formato oval, de aproximadamente 7 cm, na topografia vesical.
Paciente masculino de 23 anos, com história pregressa de infecções urinárias de repetição, deu entrada na
emergência do Hospital Geral de Fortaleza com queixas
de dor supra-púbica, disúria e desorientação há sete dias.
Ao exame, encontrava-se com estado geral comprometido, desorientado, desidratado (3+/4+), taquipnéico (FR:
42 ipm), taquicárdico (FC: pulso= 120 bpm), com abdome tenso, doloroso à palpação e com sinais de peritonite.
Os exames laboratoriais da admissão mostraram Hb= 9,6
g/dL, Ht= 29%, VCM= 83,5 fL, leucócitos= 3.600/µL,
uréia sérica= 228 mg/dL, creatinina sérica= 7,6 mg/dL,
sódio= 110 mEq/L, potássio= 7,1 mEq/L, albumina= 2,4
g/dl, pH arterial= 7,29, pCO2= 15,7 mmHg, HCO3= 7,5
mEq/L e BE -16,0. A radiografia de abdome evidenciou a
presença de imagem radiopaca, de formato oval, medindo
aproximadamente 7 cm em seu maior diâmetro, na topografia vesical (figura 1). A ultrassonografia abdominal
mostrou hidronefrose bilateral acentuada, com perda importante da região cortical (figura 2). O paciente foi inter-
(a)
(b)
Figura 2. Ultrassonografia renal mostrando hidronefrose bilateral acentuada com destruição importante da região cortical.
J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 1 - Março de 2006
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nado na unidade de terapia intensiva. Foi administrado
gluconato de cálcio e instituída oxigenioterapia. Iniciouse antibioticoterapia com ciprofloxacina e metronidazol.
Tendo em vista o quadro de insuficiência renal, com
hipercalemia e sinais de uremia, foi iniciada hemodiálise
diária, sendo a primeira sessão realizada antes da
laparotomia. Foi realizada laparotomia exploradora, na
qual encontrou-se secreção purulenta na cavidade pélvica
e na goteira parieto-cólica, sigmóide e ceco aderidos à
parede vesical. Foram observados uma perfuração na
parede da bexiga, com urina drenando para a cavidade
peritoneal, um divertículo e um cálculo vesical, que foi
retirado e enviado para análise laboratorial (figura 3).
Foram realizadas urinoculturas, que foram negativas. A
análise química do cálculo evidenciou a presença de cálcio (carbonato e oxalato), ácido úrico e amônia. Após a
cirurgia, foi colocado um cateter de Folley, com irrigação
contínua. A ferida cirúrgica não apresentou nenhum sinal
de infecção. O paciente foi submetido a novo procedimento cirúrgico devido à formação de hematoma em
fundo-de-saco e deiscência da anastomose da parede vesical, no segundo dia de pós-operatório. Hemodiálise diária
foi instituída durante todo o período de internamento. A
antibioticoterapia após a cirurgia foi modificada para
cefepime e metronidazol, devido ao achado de abscesso
intra-abdominal. Houve melhora clínica do quadro, mas
sem normalização da função renal. O paciente recebeu
alta com diagnóstico de insuficiência renal crônica, estando atualmente em tratamento dialítico, três vezes por
semana, aguardando um transplante renal. Está ainda sen-
do investigada a presença de alterações no trato urinário,
através de exames complementares (uretrocistografia
miccional e estudo urodinâmico).
(a)
(b)
Figura 3. Cálculo vesical gigante.
DISCUSSÃO
Cálculos vesicais gigantes são raros. Os principais
fatores predisponentes são obstrução do trato urinário e
infecções de repetição1. O presente caso descreve a ocorrência de uma complicação severa deste tipo de cálculo
em um paciente jovem, que deu entrada no hospital com
quadro de uremia franca e peritonite.
Os cálculos vesicais ocorrem mais freqüentemente
em homens com doença prostática e história de cirurgia
urológica, em mulheres submetidas à cirurgia de correção
de incontinência urinária, e pacientes em uso de cateteres
vesicais por longos períodos5. Estes cálculos também podem ser observados em crianças com valva de uretra posterior ou refluxo ureterovesical3. Todo paciente com cálculo vesical deve ser submetido a uma avaliação urológica completa para a pesquisa de possíveis causas de estase urinária, como hipertrofia prostática benigna, estenoses
ureterais, bexiga neurogênica e divertículos vesicais6. O
paciente apresentado aqui era portador de um divertículo
vesical e tinha história de infecções urinárias de repetição,
fatores que contribuíram para a formação do cálculo. Os
cálculos vesicais também podem ser encontrados em
pacientes sem alterações anatômicas6.
Pacientes com cálculo vesical geralmente apresentam dor supra-púbica, disúria, jato urinário intermitente, hematúria macroscópica e nictúria. Alguns casos
podem ser assintomáticos5. As principais manifestações
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clínicas observadas em nosso paciente foram dor suprapúbica e disúria. Os exames laboratoriais mostraram insuficiência renal e hipercalemia, tendo sido instituído tratamento dialítico no primeiro dia de internamento. Após a
cirurgia e estabilização clínica do quadro, foi diagnosticada insuficiência renal crônica, provavelmente decorrente da obstrução crônica do trato urinário pelo cálculo
vesical.
A maioria dos cálculos vesicais em adultos é
formada de ácido úrico (> 50%), oxalato de cálcio (19%)
e uma mistura de minerais (31%)4. No presente caso, o
cálculo era constituído de cálcio (carbonato e oxalato),
ácido úrico e amônia.
O tratamento de escolha para os cálculos vesicais
é a cistolitopexia transuretral3. Realiza-se cistoscopia para
visualizar o cálculo, sendo realizada a fragmentação do
cálculo através de ondas de energia e removidos os fragmentos através da uretra5. Laparotomia era o tratamento
mais utilizado na segunda metade do século passado,
sendo indicada principalmente nos casos em que o paciente apresenta peritonite, em que se faz necessária uma
rápida intervenção. Cistostomia supra-púbica é indicada
para a remoção de grandes cálculos. As vantagens da
cistolitotomia supra-púbica incluem rapidez e facilidade
para a remoção do cálculo5.
Cálculo Vesical Gigante
Este caso ilustra o desenvolvimento de insuficiência renal crônica terminal secundária à obstrução do trato
urinário por um cálculo vesical gigante. A rápida instituição do tratamento dialítico no primeiro dia de internamento e a exploração cirúrgica precoce foram cruciais
para a estabilização do quadro clínico do paciente.
REFERÊNCIAS
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Galisteo E, Bonilla Parrilla R, Ramos Titos J, Alvarado
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