o conteúdo ético da sentença

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O CONTEÚDO ÉTICO DA SENTENÇA
EXISTE ÉTICA NA SENTENÇA?
Sentenciar
é
fazer
incidir
concretamente
a
vontade da lei sobre a causa submetida à
apreciação judicial.
A receita clássica é a subsunção calcada no
silogismo em que a lei é a premissa maior, o fato
a premissa menor e a conclusão resultaria de se
subsumir – inserir – esta naquela.
Qual a pertinência disso com a cogitação ética?
TUDO A VER!
A procura intensificada pelo Judiciário pode
refletir um poliedro de causas: o intensificado
apreço pelos direitos, a redescoberta da Justiça,
o destemor do injustiçado, anteriormente
desesperançado quanto à efetividade das
prestações estatais.
Mas não deixa de significar, também, uma crise
de valores. O desrespeito pelo pactuado, a
desconsideração pelo princípio da dignidade da
pessoa humana, a falência do caráter.
AO PROCURAR A JUSTIÇA...
...o injustiçado pretende mais do que a tópica
solução para a questão posta em juízo.
Pretende obter – talvez até de forma não
inteiramente consciente – uma resposta para a
perplexidade gerada pelos dilemas morais
desta era.
Crise moral seria insuficiente a caracterizar este
período. Crise é transitória e os desafios éticos
da contemporaneidade parecem ostentar
vocação de permanência.
OS VALORES DESAPARECERAM?
O drama é a indefinição de múltiplos temas
morais, marcados por sua subdeterminação
institucional,
flexibilidade,
mutualidade
e
fragilidade.
A multidão de tradições encontra-se em pânico:
algumas sobrevivem apesar dos empecilhos.
Outras ressuscitam ou são reinventadas.
Todas lutam por lealdade e por (re)conquista de
autoridade de guiar a conduta pessoal, embora
sem esperanças de estabelecer hierarquia que
liberasse o destinatário de fazer suas próprias
escolhas.
TURBULÊNCIA E CONTENCIOSIDADE
Esta não é a única leitura da realidade, nem pretende
ser a verdadeira.
Existem os que se refugiam nas suas rígidas
convicções, estruturadas no alicerce imodificável da
verdade absoluta. Se a sociedade está a submergir,
eles acreditam que sobreviverão, ancorados em
suas crenças.
Outros se entregarão ao fluir dos fatos, não tentarão
reagir à morte da ética ou à sua bem recebida
substituição pela estética.
Não há certezas nesse campo minado em que a
justiça humana se propõe a atuar. Na dúplice missão
de pacificar e de sinalizar o que é o correto.
A ERA DAS INCERTEZAS
A única certeza é a incerteza, muitos afirmam.
Suficiente examinar a mensagem de respeitados
pensadores, dentre os quais Gilles Lipovetsky.
Em “O crepúsculo do dever”, o autor de “A era
do vazio” e do “Império do efêmero” sugere que
a Humanidade está na era do pós-dever (l’après
devoir), uma época pós-deontológica, em que a
conduta humana finalmente se libertou dos
últimos vestígios de opressivos deveres
infinitos, mandamentos e obrigações absolutas.
O QUE ISSO SIGNIFICA?
A deslegitimação da idéia de auto-sacrifício
implica em que o ser humano não se sente
estimulado a se lançar na busca de ideais morais e
cultivar valores éticos.
Os políticos depuseram as utopias. Os idealistas
de
ontem
tornaram-se
pragmáticos.
A presente era é a de individualismo nãoadulterado e de busca de boa vida, só limitada
pela exigência da tolerância. Esta, casada com
individualismo
autocelebrativo
e
livre
de
escrúpulos, equivale à indiferença.
O DESENCANTO DO MUNDO
Acreditar que a única postura seja deixar-se levar
e não se opor à corrente, representará desencanto
para os que acreditam na capacidade humana de
edificar um mundo melhor.
É preciso reagir a esse torpor e, sem desconhecer
as leituras do desalento, extrair delas a vontade
de trilhar outros rumos.
Urge descontaminar-se do vício da resignação: “O
peixe apodrece pela cabeça”, é a frase inicial de
um dos sermões de Vieira.
OS GRANDES TEMAS DA ÉTICA
Os direitos humanos, a justiça social, o equilíbrio
entre cooperação pacífica e auto-afirmação
pessoal, sincronização da conduta individual e do
bem-estar coletivo nada perderam de sua
relevância e atualidade.
Eles impregnam todos os conflitos enfrentados
pelo Judiciário.
Apenas precisam ser encarados e tratados de
maneira nova.
A chave desse exercício é reconhecer a força
latente da individualidade humana.
INDIVIDUALIDADE CONSTRUÍDA
O indivíduo é o ser humano dotado de identidade
em perene construção.
Constrói-se a identidade fazendo escolhas no
processo de autoformatação.
As ações que a pessoa precisa escolher, ações que a
pessoa escolheu dentre outras que podia escolher
mas que não escolheu, é que não prescindem de
cálculo, mensuração e avaliação.
A avaliação é parte indispensável da tomada de
decisão. Necessidade sobre a qual corre-se o risco de
não refletir, quando se decide apenas por hábito.
RESPONSABILIDADE NA AVALIAÇÃO
Ao se avaliar, fica evidente que útil não é
necessariamente bom, que belo não tem que ser
verdadeiro e que legal nem sempre é justo.
Tarefa complexa e difícil. Quando se questionam os
critérios de avaliação, as dimensões da mensuração
ramificam-se e tomam direções cada vez mais
distanciadas entre si.
O modo certo, uma vez unitário e indivisível, começa
a
dividir-se
em
economicamente
sensato,
esteticamente agradável, moralmente apropriado.
O DRAMA DO JUIZ
As decisões podem ser certas num sentido e
erradas noutro.
Como mensurar as conseqüências da decisão e
por que critérios? A legalidade formal ou a
legitimidade?
Quando numerosos critérios se aplicam – todos
razoavelmente fundamentáveis – a qual se deve
conceder prioridade?
NINGUÉM SE SUBTRAI À PRÓPRIA CONSCIÊNCIA
O ônus de cada opção é individual, embora o erro
costume recair sobre a Instituição por inteiro.
Não há receita infalível para a decisão eticamente
indiscutível. O código ético a toda prova –
universal e fundado inabalavelmente – nunca vai
ser encontrado.
Uma moralidade não aporética e não ambivalente,
uma ética que seja universal e objetivamente
fundamentada, constitui impossibilidade prática. É
um oxímaro, uma contradição em termos.
E ISSO PORQUE?
As asserções “Os seres humanos são essencialmente
bons, e apenas precisam de ajuda para agir segundo sua
natureza” e “Os seres humanos são essencialmente
maus e devem ser impedidos de agir segundo seus
impulsos” são ambas errôneas.
Os humanos são moralmente ambivalentes: a
ambivalência é ínsita à criatura.
Todos os arranjos sociais – instituições amparadas pelo
poder, regras e deveres racionalmente articulados e
ponderados – desenvolvem essa ambivalência como seu
material de construção, dando o melhor de si para
purificá-lo de seu pecado original de ser ambivalência.
APRENDER A VIVER SEM GARANTIAS
Não se pode garantir a conduta moral
absoluta, sem o risco de desvios – maiores ou
menores – de rota.
É preciso aprender a viver sem essas
garantias e conscientes de que elas nunca
serão oferecidas.
Uma sociedade perfeita, assim como um ser
humano perfeito, não é perspectiva viável.
É o que nos deve impregnar de humildade.
FENÔMENOS MORAIS SÃO IRRACIONAIS
Não são regulares, repetitivos, monótonos ou
previsíveis de forma a permitir sejam
representados como guiados por regras.
Não se podem exaurir por qualquer código ético.
Não são suscetíveis de enquadramento em
definições exaustivas e não-ambíguas, a sugerir
imediata distinção entre adequado e inadequado
sem deixar a penumbra da ambivalência e das
múltiplas interpretações possíveis.
IMPULSOS CONTRADITÓRIOS
A maior parte das escolhas morais são feitas
entre impulsos contraditórios.
Ao se atender plenamente a um impulso moral,
pode-se chegar – paradoxalmente – a uma
conseqüência imoral.
Impor escolhas, na síntese do cuidar do Outro,
como opção levada ao extremo, conduz à
aniquilação da autonomia do Outro, situação
indesejável de dominação moral e de opressão.
O HORIZONTE MORAL
A situação moral livre de ambigüidade tem
apenas a existência utópica de horizonte e
estímulo, imprescindíveis para a construção de
um eu moral, mas não como alvo realista de
prática ética.
Ao sentenciar, o juiz emite expressivos sinais da
etapa em que se encontra nessa edificação
interminável.
Em cada decisão, pode ser detectado o DNA
MORAL de seu prolator.
SE A MORAL NÃO É UNIVERSALIZÁVEL...
...o que não significa adotar a tese do relativismo
moral, de acordo com a proposição de que a
moralidade não passa de costume local e
temporário...
Existem alguns valores universais que podem
variar de conteúdo, mas têm um núcleo semântico
irredutível.
Valores que foram explicitados no pacto fundante e
ao qual o juiz se comprometeu a observar durante
toda a sua carreira.
MATÉRIA PRIMA DA SOCIABILIDADE
Tais valores refletem o arranjo excelente da
convivência humana.
Constituem a matéria-prima da sociabilidade e do
compromisso com outros, forma e modelo de
todas as ordens sociais.
Precisam
ser
domesticados,
aproveitados
e
explorados, de preferência a serem meramente
supressos ou proscritos, situação ocorrente quando
são
ignorados
nas
decisões.
Depende do juiz a sua implementação, a disseminação
da crença de que são necessários e naturais e que
sem eles é quase impossível o desenvolvimento do eu
moral.
QUAIS SÃO ESSES VALORES?
São quase todos os princípios de que é pródiga a
Carta Cidadã.
São aqueles valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social de que fala o preâmbulo.
São os valores da cidadania, o supra-valor, o
princípio norteador e parâmetro hermenêutico da
dignidade da pessoa humana.
São os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa, o pluralismo político e aqueles traduzíveis
pela
expressão
objetivos
fundamentais
da
República.
NÃO É POUCA PRETENSÃO...
... construir uma sociedade livre, justa e solidária,
garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais.
Existe uma carga semântica mínima no
valor/compromisso de promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação.
Princípios como a prevalência dos direitos
humanos e a solução pacífica dos conflitos devem
inspirar o julgador brasileiro.
INQUESTIONÁVEL O CONTEÚDO ÉTICO
Toda decisão tem conteúdo ético, pois a função de
julgar está fundada numa Constituição que pela
primeira vez explicita o princípio da moralidade.
A eticidade presente no pacto fundante se irradiou
para o Código Civil, a Constituição do homem
comum, na expressão de Miguel Reale e está
presente
em
todo
ordenamento.
Não há decisão ou ato judicial desconectado da
ética.
INEXISTE JULGAMENTO AÉTICO
Restringir a decisão à mera técnica asséptica e
pretensamente neutral é trilhar a ética da
indiferença, da insensibilidade, da omissão ou
do descompromisso com os valores fundantes.
A decisão identifica o eu moral do prolator.
É preciso repensar o conceito de direito como
mínimo ético, na dicção de Jellineck.
INEXISTE POSTURA AÉTICA
Excessivo
formalismo,
opção
pelo
procedimentalismo
estiolante,
procrastinação
deliberada, desatenção quanto aos aspectos
metajurídicos ou extrajurídicos de cada processo, é
desconsiderar comandos constitucionais e legais
(LOMAN).
A par disso, é desatender a comando de um órgão
do Poder Judiciário – o CNJ – que editou um
Código de Ética da Magistratura e exorta cada juiz
brasileiro à sua observância. E apela ao magistrado
desenvolva
adequadamente
a
noção
de
consequencialismo.
URGÊNCIA ÉTICA
Se existe algo de que se possa dizer que quanto
mais dele se necessita, tanto menos facilmente
está disponível, esse algo é a ética.
É a matéria-prima de cuja carência o Brasil de hoje
mais se ressente.
Clama-se por ética para revigorar a crença nas
instituições e a esperança no futuro da Nação.
Ética é mais urgente do que o conhecimento
jurídico ou a capacidade técnica.
A Magistratura está credenciada a cuidar desse
suprimento e a obter êxito nessa missão.
Muito obrigado!
Texto:
Des. José Renato Nalini
Créditos e Agradecimentos:
Edição:
Maria Osana Cardoso dos Reis
Criação e Design:
Maria Osana Cardoso dos Reis
Músicas:
MINHA NAMORADA
<3 na Bossa>
NADA SERÁ COMO ANTES
<Zimbo Trio>
Contatos:
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