IntroduçÃO As duas partes que compõem este livro resultam de duas fontes distintas. A primeira é um desdobramento da monografia elaborada por Emesto Santos, como requisito para conclusão do Curso de Capacitação para Psicólogo Perito Examinador, realizado em parceria entre o Detran-RJ e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, realizado no segundo semestre de 1999. A segunda parte surgiu de nossa intenção em ampliar os horizontes desse trabalho, com vistas à sua publicação. Assim, convidamos o professor titular da Universidade de Brasília - UnB, para incumbir-se de apresentar os horizontes da Ética na Pesquisa Científica. Dessa forma, a proposta do trabalho da primeira parte é pensar um Ética que possa acompanhar a utilização dos Instrumentos de Avaliação Psicológica, principalmente os testes, estabelecendo com isto parâmetros mínimos, para que sejam seguidos. Para nós, sempre que um ser humano estiver diante da possibilidade de ter um conjunto de fatores, oriundos da sua personalidade, sujeito a ser 12 A Ética no Uso dos Testes Psicológicos, na Informatização e na Pesquisa Emesto Santos & NorbertoAbreu e Silva Neto 13 quantificado, qualificado e avaliado, com o propósito específico de conhecermos suas habilidades, ou sempre que a dinâmica da personalidade e suas peripécias forem tematizadas, tendo a Ética como pano de fundo, devemos convocar a filosofia para fornecer suas contribuições, pois entendemos que todo problema Ético é primordialmente um fator filosófico. Na historiografia do pensamento ocidental sobre Ética, visitaremos 1}lais detidamente, Aristóteles, em seu traba~ho sobre a Ética a Nicômaco, a Etica de B. Espinosa, Freud, Skinner, LacaJ, Alain Badiou. Nossa hipótese parte da premissa que há na visão Ética de cada um desses pensadores, alguma coisa que explícita ou implicitamente, permeia toda a evolução histórica deste conceito, desde Aristóteles até Alain Badiou. Nossa tarefa aqui é mostrar a construção do conceito de Ética nos vários momentos históricos dos pensadores acima mencionados, identificando a natureza da coisa e problematizando a capacidade dos Instrumentos de Avaliação Psicológica no diagnóstico desta coisa e suas relações com a Ética. A ciência historicamente sempre atuou como razão instrumental no sentido de legitimar o poder dos governantes, contribuindo para respaldar seus mecanismos hegemônicos de dominação sobre aqueles que não possuem um canal de representação. Ora, se por um lado a Psicologia enquanto ciência não se exclui deste contexto histórico, por outro é também verdade, que enquanto um determinado tipo de saber, ela vem tradicionalmente atuando como reveladora daquilo que em nós, seres humanos, atua de forma desconhecida causando um IIex.1toç (pathos,), ou seja, um sofrimento inútil. Esperamos com este trabalho poder dar início a reversão deste quadro, colocando assim, a Psicologia a serviço da comunidade que não possui um canal de representação. Portanto, trata-se de estabelecer nos parâmetros mínimos, o máximo de uma conduta Ética, na perspectiva de tomar os instrumentos utilizados pela Psicologia do Trânsito, do Esporte, da Educação, Jurídica, Clínica e Organizacional, voltados cada vez mais para a dignificação da pessoa humana, contribuindo para redução de todas as formas de violência, e tomando assim, nossa sociedade "livre" dos equívocos produzidos pelo grau de desenvolvimento histórico de sua constituição. No que diz respeito à segunda parte do livro, comecemos pelos nomes. A palavra 'ética' pode ser e é usada de muitas maneiras em nossos jogos lingüísticos. Ela pode ser vista sob múltiplas perspectivas mas isto não significa que existam diferentes éticas a concorrer entre si, pois, o que os pesquisadores de ética encontram é que nas mais diversas culturas existe o que Bochenski (1990) nomeou um mundo de valores fundamentais que é praticamente o mesmo em culturas tão diferentes quanto a indiana, chinesa ou grega (p.215). Peter Singer (1994) nos diz que a noção de ética traz consigo a idéia de alguma coisa maior que o individual e R. M. Hare (1996) salienta a "universalizabilidade" como uma característica lógica dos juizos morais. Nessa perspectiva, é-nos permitido falar de uma unidade e de uma universalidade da ética apesar dos diversos sistemas morais. De acordo com Singer, há uma concordância na filosofia, desde a Antigüidade grega até filósofos do século vinte como Jean Paul Sartre e Jürgen Habermas, de que a ética é universal. Para Singer (1994), todos os filósofos concordam que um princípio ético não pode ser justificado em termos de qualquer grupo local ou parcial. A ética se fundamenta em um ponto de vista universal mas, ele adverte, isto não significa que umjuízo ético particular deva ser universalmente aplicável (p.l9). A palavra 'ética' é usada como sinônimo de 'moral' ou 'moralidade'. Há autores que usam as duas palavras de modo indiferente mas outros distinguem-nas claramente entre si. Bochenski (1990) é um deles. Para ele, a moral se compõe de normas, de regras de conduta, por exemplo, "Tu não beberás ", "Tu não fumarás ", etc. Por seu lado, diz o filósofo, não é disto que se ocupa a ética; ela apenas analisa o que é a consciência, o que é um mandamento, se há uma moral única, etc (p.216). A distinção feita por Bochenski encontra paralelo na divisão feita por Bertrand Russell (1991) segundo a tradição no estudo da ética. Para Russell, tradicionalmente, o estudo da ética é feito que duas partes: a primeira trata das regras morais, e a segundo ocupa-se do que é bom em si mesmo. O tema da segunda parte trata da ética prática, disciplina que se ocupa da aplicação da étIca a problemas práticos; trata daqueles problemas que surgem quando o cientista ao por em ação um conjunto de regras metodológicas ou técnicas deve confrontá-l o com o conjunto de regras - morais ao qual deve submeter-se, particularmente quando trata seres vivos e em especial os seres humanos como objeto de estudo. Como se combinam os dois conjuntos de regras? Que relações podem ser estabelecidas entre eles? Como solucionar os conflitos que surgem do choque entre o grupo de regras técnico-científicas e o grupo das regras éticas? Considerando então tal distinção entre moral e ética, o trabalho é dividido em dois capítulos: o primeiro trata de descrever os princípios morais que regem a ética da pesquisa científica e o segundo tem por objetivo introduzir o estudante no estudo da ética como disciplina filosófica. Dessa forma, nele será primeiro oferecido ao leitor um histórico da construção desses princípios morais dentro do contexto do movimento internacional em prol da reflexão ética na atividade científica, o qual se desenvolve desde o final da Segunda Guerra Mundial. Seu objetivo é des crever a situação na qual os problemas de ética da pesquisa científica encon tram-se embutidos. Com isso, pensamos oferecer ao estudante informações a respeito dos princípios e normas nacionais e internacionais reguladores da ética na pesquisa científica; e também elementos que possam auxiliá-lo a posicionar-se frente aos pontos de discussão e problemas mais importantes. A esse histórico segue-se uma exposição sobre a ética como disciplina filosófica que tem por objetivo oferecer ao estudante uma perspectiva com a qual confrontar-se para exercitar sua reflexão ética e clarificar suas próprias concepções sobre ética e moral.