HIDRANENCEFALIA E HIPOPLASIA CEREBELAR CONGÊNITA EM

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
LABORATÓRIO REGIONAL DE DIAGNÓSTICO
HIDRANENCEFALIA E HIPOPLASIA CEREBELAR CONGÊNITA EM BÚFALOS
MURRAH
LETÍCIA FISS
Dissertação apresentada à Universidade Federal de
Pelotas, sob a orientação da Dra. Ana Lucia Schild,
como parte das exigências do Programa de PósGraduação em Veterinária, para a obtenção do título
de Mestre em Ciências (M.Sc.).
PELOTAS
Rio Grande do Sul - Brasil
Março de 2009
LETÍCIA FISS
HIDRANENCEFALIA E HIPOPLASIA CEREBELAR CONGÊNITA EM BÚFALOS
MURRAH
Dissertação apresentada à Universidade Federal de
Pelotas, como parte das exigências do Programa de
Pós-Graduação em Veterinária, para a obtenção do
título de Mestre em Ciências (M.Sc.).
Orientadora: Dra. Ana Lucia Schild
PELOTAS
Rio Grande do Sul – Brasil
Março de 2009
Dados de catalogação na fonte:
( Marlene Cravo Castillo – CRB-10/744
)
F543h Fiss, Letícia
Hidranencefalia e hipoplasia cerebelar
congênita em búfalos Murrah / Letícia
Fiss. - Pelotas, 2009.
59f. : il.
Dissertação ( Mestrado ) –Programa
de Pós-Graduação em Veterinária.
Faculdade de Veterinária. Universidade
Federal de Pelotas. - Pelotas, 2009, Ana
Lucia Schild, Orientador.
LETÍCIA FISS
HIDRANENCEFALIA E HIPOPLASIA CEREBELAR CONGÊNITA EM BÚFALOS
MURRAH
Dissertação apresentada à Universidade Federal de
Pelotas, sob a orientação da Dra Ana Lucia Schild,
como parte das exigências do Programa de PósGraduação em Patologia Animal, para a obtenção do
título de Mestre em Ciências (M.Sc.).
APROVADA EM 03 DE MARÇO DE 2009.
-------------------------------------------------Prof. Dr. Claudio S.L. Barros
-------------------------------------------- -----Dra. Ana Lucia Schild
(Orientadora)
--------------------------------------------------Prof. Dr. David Driemeier
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelas oportunidades colocadas em minha vida, proteção e
cuidado todos os dias.
Agradeço ao meu pai Darcy por sempre incentivar a continuidade da
complementação da formação acadêmica e pelo maior exemplo deixado para nós
que é o amor, além de sempre demonstrar seu carinho e dedicação com toda a
família.
Agradeço a minha mãe Eliana por ser essa mulher forte e perseverante, um
exemplo de dedicação a família, e a pessoa na qual eu me espelho e que amo.
Agradeço aos meus irmãos Felipe e Guilherme por estarem sempre ao meu
lado, mesmo com nossas diferenças e brigas, mas também por todos os momentos
de diversão que passamos juntos.
Ao meu vô Edmundo pela garra de viver, exemplo de vida e dedicação ao
trabalho, mesmo explodindo a casa toda!
Agradeço a minha orientadora Ana Lucia pelo exemplo de profissional, pela
sua dedicação infinita ao Laboratório Regional de Diagnóstico da Universidade
Federal de Pelotas e por tudo que aprendi durante esse período de convívio.
As professoras do Departamento de Patologia Animal Margarida, Simone,
Josi e Cris pelos ensinamentos e apoio durante o período em que convivemos
juntas, além de uma grande amizade estabelecida durante o mesmo.
Ao Mauro pelo auxílio com a microscopia eletrônica, por me ensinar a realizar
“necropsias limpas”, pelo exemplo de profissional e pela amizade.
A Cecília e aos funcionários da Embrapa Clima Temperado por toda a
colaboração na confecção da dissertação.
Aos funcionários do Laboratório Cauê, Toni, Daiane, Daiana, Graça e Simone
por todo o auxílio para a conclusão deste trabalho, mostrando imensa dedicação.
Agradeço aos meus amigos Fabi e Clairton por serem mais do que colegas de
trabalho, por serem meus grandes amigos e pessoas que moram no meu coração
de uma maneira muito especial, além de todo auxílio e aprendizagem que juntos
obtivemos.
Agradeço a Melissa, Tainã, Fefa, Thomas, Milton pelo auxílio na obtenção de
conhecimento e por tornarem nosso local de trabalho mais divertido.
Aos estagiários e bolsistas do Laboratório Pedro, Nathalia, Sérgio e Luciano
pelo auxílio na conclusão deste trabalho, pela consciência profissional e pela
amizade que estabelecemos.
Aos mestres Pacco Uzal, Eduardo Flores e Schuch pelo auxílio para a
conclusão deste trabalho.
Aos meus amigos Camila T., Camila L., Nininha, Lauren, Míriam, André,
Márcio, Fernanda, Guisepe, Bia por serem ótimos ouvintes e pessoas que posso
contar sempre, pois sei que mesmo distantes estamos sempre juntos.
A todos meus familiares e amigos que contribuíram nessa conquista.
Muito Obrigada!
RESUMO
FISS, Letícia. Hidranencefalia e hipoplasia cerebelar congênita em búfalos
Murrah. 2009. 59f. Dissertação (Mestrado em Veterinária) – Laboratório Regional de
Diagnóstico, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas.
Descreve-se a ocorrência de hidranencefalia e hipoplasia cerebelar congênita em
búfalos da raça Murrah. Foram afetados seis bezerros, 5 fêmeas e 1 macho de um
total de 128 nascidos entre 2004 e 2008 em uma propriedade no município de
Capão do Leão, Rio Grande do Sul. Todos os búfalos afetados eram filhos do
mesmo touro. A enfermidade não foi observada nos búfalos filhos de outros três
touros utilizados na propriedade. Os sinais clínicos caracterizaram-se por depressão
profunda, cegueira, estação em base larga, dificuldade ou impossibilidade de andar
e tremores. O crânio apresentava forma de cúpula. Os encéfalos estavam
diminuídos de tamanho e os hemisférios telencefálicos estavam quase que
totalmente ausentes apresentando-se como sacos membranosos preenchidos por
líquido. Havia resquícios de giros e sulcos no córtex occipital. Ao corte do encéfalo
no córtex telencefálico remanescente observavam-se cavidades císticas bilaterais e
simétricas na substância branca subcortical e nos núcleos basais que também
continham líquido em seu interior (porencefalia). Os ventrículos laterais estavam
dilatados (hidrocefalia ex-vacuo). O cerebelo e o tronco encefálico estavam
diminuídos de tamanho em comparação ao cerebelo e ao tronco encefálico de um
búfalo controle. Histologicamente em todos os búfalos afetados havia cavidades
delimitadas por tecido nervoso de aspecto normal. Nestas cavidades havia
eventualmente a presença de resquícios de substância branca, algumas vezes
delimitadas por células ependimárias. O córtex estava delgado. Ocasionalmente,
nestas áreas havia a presença de substância branca rarefeita com células gitter,
esferóide axonais e gliose. No cerebelo observou-se desorganização celular e
hipomielinogênese características de hipoplasia cerebelar. A imuno-histoquímica do
tecido nervoso dos búfalos afetados e a sorologia do rebanho de búfalos realizados
para os vírus da diarréia viral bovina e da língua azul foram negativos. Ess
resultados associados a epidemiologia sugerem que a enfermidade é hereditária e
causada por um gene recessivo autossômico.
Palavras chave: hidranencefalia, hipoplasia cerebelar, enfermidades congênitas,
enfermidades do sistema nervoso central, búfalos Murrah.
v
ABSTRACT
FISS, Letícia. Congenital hidranencephaly and cerebellar hypoplasia in water
buffaloes. Dissertação (Mestrado em Veterinária) – Laboratório Regional de
Diagnóstico, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas.
Hereditary hydrancephaly and cerebellar hypolasia are reported in Murrah buffalos.
Six calves, one female and 5 male out of 128 born between 2004 and 2008 in a farm
in southern Brazil were affected. All affected calves were offspring from the same
bull. No affected buffaloes were observed in the descendants of other three bulls
used in the farm. Main clinical signs were depression, blindness, difficulty or
impossibility to standing up, wide-based stance, and intention tremors. There is mild
doming of the skull. The brain was smaller than normal. The cerebral cortex was
almost complete absent leaving only membranous sacs fluid filled. The gyri were
absent or narrower than normal in the occipital cortex. On the cut of the telencephalic
cortex cavities were observed in the subcortical white matter. Smaller bilateral and
symmetric cavities, containing fluid (porencephaly), were also observed in the basal
nuclei. The lateral ventricles were dilated (hydrocephalum ex-vacuo). The cerebellum
was smaller than normal. The brain stem appears normal, except by a side reduction
in relation with the brain of a control calf. Upon histologic examination, in all buffalos,
cavities of the subcortical white matter were limited by normal nervous tissue. Within
cavities, residues of white matter sometimes bordered by ependymal cells were
observed. The cortex was thin. Gitter cells, axonal spheroids, and gliosis were
occasionally observed. Cerebellar disorganization, characteristic of cerebellar
hypoplasia, and hypomyelinogenesis were observed in the cerebellum. Imunohistochemistry and serologic tests were negative for bovine virus diarrhea and blue
tongue viruses. These results associated with epidemiologic data suggest that the
disease is a hereditary hydrancephaly and cerebellar hypoplasia, probably
transmitted by a recessive autossomic gen.
Keywords: Hydranecephaly, cerebellar hypoplasia, congenital diseases, central
nervous diseases, water buffaloes.
vi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.
Genealogia dos búfalos afetados por hidranencefalia/hipoplasia
cerebelar. Observa-se a consangüinidade no rebanho afetado...... 32
Figura 2. Búfalo 1 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar em
estação com os membros abertos e o pescoço esticado................. 33
Figura 3. Búfalo 2 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar em
estação com os membros abertos para manter o equilíbrio e
depressão......................................................................................... 33
Figura 4. Búfalo 3 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar em
decúbito lateral.................................................................................. 33
Figura 5. Búfalo 4 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar em
queda para a frente com o pescoço esticado................................... 33
Figura 6. Búfalo 5 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar em
posição de cão sentado evidenciando o movimento lateral das
orelhas.............................................................................................. 33
Figura 7. Búfalo 6 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar
apresentando depressão profunda................................................... 33
Figura 8. Encéfalo dos seis búfalos afetados por hidranencefalia/hipoplasia
cerebelar. Observa-se o córtex telencefálico reduzido a sacos
membranosos e o menor tamanho do cerebelo quando
comparados ao do búfalo controle.................................................... 34
Figura 9. Corte
do
encéfalo
do
Búfalo
1
afetado
por
hidranencefalia/hipoplasia cerebelar na altura dos núcleos da
base. Observam-se cavidades bilaterais simétricas no córtex
telencefálico. O tecido remanescente apresenta-se como
delicadas membranas ou cordões que atravessam as cavidades.
A parede cortical lateral das cavidades é estreita (1,5-2,5mm). A
região cortical dorsal tem 1,5cm de espessura e a substância
branca subcortical apresenta pequenas cavidades (porencefalia).
A columna fornicis está achatada e arredondada, o septum
pellucidum está bífido e alongado e o corpus calosum pouco
desenvolvido..................................................................................... 35
Figura 10. Cortes seriados do encéfalo do Búfalo 4 afetado por
hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observa-se a ausência do
tecido que forma os hemisférios cerebrais, o qual se apresenta
como uma fina capa formando um saco. Na altura do córtex
occipital há preservação da estrutura de giros e sulcos embora
atenuados. Em alguns cortes observam-se finos cordões que
atravessam as cavidades formadas.................................................. 36
Figura 11. Corte do encéfalo do búfalo controle e dos 6 búfalos afetados por
hidranencefalia/hipoplasia cerebelar, na altura dos núcleos da
base. Observa-se acahatamento desses núcleos e da columna
fornicis que está, também, arredondada; o septum pellucidum
está
bífido e alongado e o corpo calosum pouco
desenvolvido.................................................................................... 37
viii
Figura 12. Corte do encéfalo do búfalo controle e dos 6 búfalos afetados por
hidranencefalia/hipoplasia cerebelar, na altura do tálamo.
Observa-se o hipocampo estreito....................................................
Figura 13. Corte do encéfalo do búfalo controle e do Búfalo 4 afetado por
hidranencefalia/hipoplasia cerebelar na altura do tálamo. Observase nos resquícios do córtex temporal pequena cavidade cística
(porencefalia), (seta) e o achatamento do hipocampo (asterisco)....
Figura 14. Córtex occipital do búfalo controle comparado ao do Búfalo 1
afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observa-se o
córtex com cavidades e resquícios de substância branca formando
finos cordões atravessando as cavidades........................................
Figura 15. Córtex frontal do Búfalo 1 afetado por hidranencefalia/hipoplasia
cerebelar. Submacroscopicamente observa-se o tecido cortical
mais estreito e cavidades com resquícios de substância branca
em forma de delicados cordões (A). Histologicamente os cordões
de substância branca apresentam-se por um lado delimitados por
células ependimárias e pelo outro sem delimitação (B). (HE, obj.
20x)...................................................................................................
Figura 16. Córtex
temporal
do
Búfalo
1
afetado
por
hidranencefalia/hipoplasia cerebelar, mostrando cavidade na
substância branca sem delimitação (HE, obj. 20x)...........................
Figura 17. Córtex
temporal
do
Búfalo
2
afetado
por
hidranencefalia/hipoplasia cerebelar mostrando rarefação do
tecido neural e presença de esferóide axonais e algumas células
gitter (A). Acúmulo acentuado de células gitter no córtex temporal
do Búfalo 2 (B). (HE, obj. 20x)...........................................
Figura 18. Córtex occipital do Búfalo 6 (A) e do Búfalo 4 (B) afetados por
hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observa-se aumento dos
espaços perivasculares. (HE, obj. 10x em A e 20x em B)................
Figura 19. Córtex frontal do Búfalo 6 afetado por hidranencefalia/hipoplasia
cerebelar. Observa-se discreto manguito perivascular de células
mononucleares e foco de gliose no tecido nervoso. (HE, obj. 40x)..
Figura 20. Folha cerebelar do búfalo controle (A) e do Búfalo 5 (B) afetado
por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observa-se baixa
densidade celular da capa granular e menor quantidade de
mielina. (LFB, obj. 10x).....................................................................
Figura 21. Folha cerebelar do búfalo controle (A) e do Búfalo 3 (B) afetado
por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observa-se capa
molecular estreita e escassas células de Purkinje. (HE, obj. 10x)....
Figura 22. Búfalo 3 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar.
Fotomicrografia eletrônica mostrando no cortéx parietal o
neurópilo comprimido evidenciado pela proximidade dos neurônios
(N). Presença de processos astrocitários e mitocôndrias
tumefeitos..........................................................................................
Figura 23. Búfalo 3 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar.
Fotomicrografia eletrônica do córtex parietal mostrando
tumefação da matriz mitocondrial (setas). (N=neurônio, n=núcleo).
ix
38
39
39
40
40
41
41
42
43
43
44
44
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................
v
ABSTRACT.............................................................................................................
vi
LISTA DE FIGURAS...............................................................................................
vii
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................
11
2. REVISÃO DE LITERATURA..............................................................................
13
2.1.Malformações congênitas............................................................................
13
2.2. Malformações no sistema nervoso central.................................................. 14
2.2.1. Disrafia (defeito no fechamento do tubo neural)...................................
14
2.2.2. Desordens na migração neuronal.........................................................
16
2.2.3. Hidranencefalia e Porencefalia.............................................................
16
2.2.4. Hidrocefalia...........................................................................................
18
2.2.5. Malformações do cerebelo.................................................................... 18
2.2.5.1. Hipoplasia cerebelar ......................................................................
19
2.2.6. Causas virais de malformação no sistema nervoso central.................
19
2.2.7. Outras causas de malformação no sistema nervoso central................
22
3. MATERIAL E MÉTODOS...................................................................................
24
3.1. Epidemiologia e estudo genealógico do rebanho......................................
24
3.2. Sinais clínicos............................................................................................
24
3.3. Patologia....................................................................................................
24
3.4. Sorologia....................................................................................................
26
4. RESULTADOS...................................................................................................
27
4.1. Epidemiologia e estudo genealógico do rebanho.......................................
27
4.2. Sinais clínicos.............................................................................................
28
4.3 Patologia......................................................................................................
29
4.3.1. Lesões macroscópicas........................................................................
29
4.3.2. Lesões Histológicas............................................................................
30
4.3.3. Lesões ultra-estruturais.......................................................................
31
4.3.4. Imuno-histoquímica.............................................................................
31
4.4. Sorologia....................................................................................................
31
x
5. DISCUSSÃO.......................................................................................................
45
6. CONCLUSÃO...................................................................................................
52
7. REFERÊNCIAS..................................................................................................
53
xi
1. INTRODUÇÃO
A ocorrência de defeitos congênitos em bovinos e ovinos está estimada entre
0,5% e 3% em todo o mundo e seu conhecimento depende da freqüência com que
esses defeitos são estudados e descritos (LEIPOLD & DENNIS, 1980; RADOSTITIS
et al., 2000).
Na área de influência do Laboratório Regional de Diagnóstico da Faculdade
de Veterinária da UFPel (LRD) em um levantamento de diagnósticos realizados em
bubalinos de 1982 a 2007 observou-se uma prevalência de 3,59% de defeitos
congênitos, o que demonstra a importância dessas enfermidades nesta espécie
animal na região. Em búfalos da raça Murrah diversos defeitos congênitos têm sido
diagnosticados principalmente no Pará (BARBOSA et al., 1999) e no Rio Grande do
Sul (SCHILD, 2007), sendo a maioria deles de etiologia hereditária e transmitidos
por genes recessivos.
A consangüinidade no rebanho bubalino brasileiro é muito grande,
principalmente em animais da raça Murrah. Os mais de 3.000.000 de cabeças
existentes hoje no Brasil são originários de aproximadamente 200 animais
importados na sua grande maioria da Índia na década de 60. A última importação
oficial de bubalinos do Continente Asiático ocorreu em 1962, pela concessão de uma
lei de 1921 que proibia a importação de material genético daquele continente devido
a problemas sanitários (MIRANDA, 1986). Essa consangüinidade certamente tem
contribuído para a ocorrência de diversas enfermidades hereditárias diagnosticadas
em rebanhos da raça no Brasil.
Dentre as enfermidades congênitas hereditárias observadas em búfalos da
raça Murrah em função dessa consangüinidade destacam-se dermatose mecânicobolhosa (RIET-CORREA et al., 1994) e artrogripose (SCHILD et al., 2003). Essas
enfermidades foram diagnosticadas no Rio Grande do Sul e no Pará e levaram a
consideráveis prejuízos econômicos devido a necessidade de eliminação da
reprodução de progenitores de alto valor zootécnico. Outras doenças congênitas
observadas em bubalinos dessa raça não têm, ainda, a comprovação de serem
hereditárias, como a hiperplasia muscular (BARBOSA et al., 1999) e megaesôfago
(SCHILD et al., 1997), porém existem fortes evidências epidemiológicas de que
sejam causadas por genes recessivos autossômicos.
Os objetivos desse trabalho foram estudar a epidemiologia, a patologia e
sugerir as possíveis causas de uma doença congênita observada em um rebanho de
búfalos da raça Murrah, bem como propor formas de controle da mesma.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Malformações congênitas
As malformações congênitas são definidas como anormalidades na estrutura
e/ou função de órgãos, sistemas completos ou parte destes. Os defeitos congênitos
se caracterizam por estarem presentes ao nascimento e ocorrem em conseqüência
de fatores ambientais, genéticos ou pela interação de ambos. Durante a fase de
organogênese o embrião é altamente sensível aos agentes teratogênicos e após
este período torna-se gradativamente resistente (LEIPOLD & DENNIS, 1980).
As malformações congênitas mais freqüentemente diagnosticadas são
classificadas em: 1) malformações de ocorrência esporádica, que se caracterizam
por alterações múltiplas afetando principalmente o sistema músculo-esquelético e
nervoso, nesses casos a prevalência é baixa e a etiologia não é determinada; 2)
doenças hereditárias, que podem ser transmitidas por genes recessivos ou
dominantes; 3) enfermidades carenciais como o caso da deficiência de cobre em
bovinos e ovinos; 4) infecções virais em períodos específicos da gestação como a
infecção pelo vírus da diarréia viral bovina (BVDV), vírus da língua azul (BTV); e 5)
outras causas ambientais como a aplicação de medicamentos e ingestão de plantas
tóxicas (Veratrum californicum, Lupinus spp., Astragalus spp., Mimosa tenuiflora)
também em períodos específicos da gestação (LEIPOLD & DENNIS, 1980; SCHILD,
2007). Aparentemente, para cada malformação congênita hereditária existe um
agente ambiental capaz de produzir um defeito similar (LEIPOLD & DENNIS, 1980).
A patogenia da maioria dos defeitos congênitos não é bem compreendida,
porém, um defeito produzido por um agente teratogênico específico ou por um gene
no caso de doenças hereditárias, têm patogenia específica.
2.2 Malformações do sistema nervoso central
As malformações do sistema nervoso central (SNC) são comuns nos animais
domésticos, ocorrendo uma variedade de defeitos bem maior que em outros
sistemas ou tecidos. Tem sido demonstrado que os agentes teratogênicos levam a
defeitos congênitos com muito maior frequência no SNC, provavelmente em função
do alto grau de diferenciação e complexidade desse órgão que aumenta sua
susceptibilidade ao desenvolvimento desses distúrbios (MAXIE & YOUSSEF, 2007).
2.2.1 Disrafia (defeito no fechamento do tubo neural)
Disrafia é uma anomalia que resulta de um defeito na interação do
neuroepitélio, que origina os neurônios e astrócitos, oligodendrócitos e células
ependimárias, com a notocorda e células mesenquimais durante o fechamento do
tubo neural nos estágios iniciais de desenvolvimento, ou seja, ocorre o fechamento
defeituoso do tubo neural durante o desenvolvimento embrionário (ZACHARY,
2007). Estudos experimentais têm demonstrado que o fechamento do tubo neural
ocorre em quatro localizações distintas, chamadas de “sítios de incício do
fechamento” e uma alteração neste processo leva a anomalias disráficas sítioespecíficas. O fechamento do sítio I está relacionado ao neuroporo posterior
(abertura posterior da porção final canal embrionário) e o fechamento nos sítios II-IV
relacionados ao neuroporo anterior (abertura anterior da porção inicial do canal
embrionário), (ZACHARY, 2007, SUMMERS et al. 1995).
O defeito disráficos podem ser exemplificados por anencefalia, quando o
defeito no fechamento ocorre no sítio II ou IV, hipoplasia prosencefálica, crânio
bífido, espinha bífida, quando o defeito ocorre nos sítio I, e exencefalia (ZACHARY,
2007; SUMMERS et al., 1995).
A anencefalia se caracteriza por ausência completa do encéfalo sendo uma
malformação rara, de caráter esporádico e sem causa determinada descrita em
bovinos. O termo anencefalia tem sido erroneamente aplicado aos casos de aplasia
cerebral ou hipoplasia cerebral em que os hemisférios cerebrais estão ausentes ou
hipoplásicos porém os demais componentes do cérebro como o tronco encefálico e
o cerebelo estão presentes (MAXIE & YOUSSEF, 2007). Terneiros afetados podem
sobreviver por alguns dias se assistidos, e podem permanecer em pé ou andar se o
tronco encefálico caudal não está significativamente envolvido. Os animais
apresentam letargia profunda, cegueira de origem central e apresentam alguma
resposta a estímulos externos em função da percepção originada no tálamo
(SUMMERS et al. 1995). Hipoplasia prosencefálica se caracteriza por ausência de
algumas partes dos hemisférios cerebrais na porção rostral, que podem estar
rudimentares, porém o tronco encefálico está preservado. Essa anomalia resulta do
desenvolvimento anormal da porção rostral do tubo neural (ZACHARY, 2007).
Crânio bífido é uma malformação caracterizada por defeito na linha média do
crânio, através do qual a meninge e o tecido neural se projetam e o tecido projetado,
que forma um saco (cele), pode ser revestido por meninges (meningocele) ou por
meninges acompanhadas de tecido nervoso (meningoencefalocele), recobertos por
pele (ZACHARY, 2007; SUMMERS et al. 1995). Excenfalia ocorre quando há
protusão do tecido neural não coberto por meninges ou pele. Esta é uma
malformação rara, em geral acompanhada por outras malformações do crânio e do
encéfalo. Este defeito foi associado ao excesso de vitamina A administrada a
camundongos (SUMMERS et al. 1995).
Espinha bífida é similar ao crânio bífido. Afeta preferencialmente a medula na
porção caudal, aparecendo como um defeito na porção dorsal da coluna vertebral
podendo haver herniação das meninges (meningocele) e das meninges junto com a
medula (meningomielocele) para um saco coberto por pele (ZACHARY, 2007;
SUMMERS et al. 1995).
Menigocele e encefalocele são defeitos hereditários em suínos. Encefalocele
é hereditário em gatos da raça Bernese e está associado, também, a administração
de griseofulvin a animais gestantes em um período específico da gestação
(SUMMERS et al. 1995).
Hidromielia congênita é uma dilatação anormal do canal central da medula
espinhal por aumento da produção do líquor ocorrendo um engrossamento da
duramáter e perda da substância branca e cinzenta da medula espinhal (ZACHARY,
2007).
2.2.2 Desordens na migração neuronal
Lisencefalia (agiria) e paquigiria são anormalidades do desenvolvimento que
resultam na perda dos giros e sulcos dos hemisférios cerebrais (total ou parcial). O
mecanismo normal responsável pela formação dos giros que nesta malformação
está alterado é desconhecido. Ao corte o córtex é mais espesso que o normal e há
perda do padrão laminar dos neurônios. Aparentemente a lesão tem uma base
genética e resulta de um defeito na migração neuronal durante o desenvolvimento
(McGAVIN & ZACHARY 2007). Em algumas espécies de laboratório como coelhos,
ratos, camundongos e aves a ausência de giros e sulcus é normal (SUMMERS et
al., 1995).
2.2.3 Hidranencefalia e porencefalia
A formação de cavidades contendo líquido no cérebro é denominada
porencefalia (pequenas cavidades) e hidranencefalia (grandes cavidades), as quais
ocorrem no feto durante a gestação. A cavidade craniana se apresenta completa e
com a conformação normal, embora, ocasionalmente o crânio apresente leve forma
de cúpula e os ossos possam estar levemente reduzidos de espessura. A porção
dorsal e, frequentemente, a parte caudal dos hemisférios cerebrais são as mais
severamente afetadas (MAXIE & YOUSSEF, 2007; ZACHARY, 2007).
Porencefalia se caracteriza por fendas ou cistos na parede dos hemisférios
cerebrais. Essas cavitações resultam da destruição dos neuroblastos imaturos que
não tem o desenvolvimento normal como resultado na falha na migração ou na
migração aberrante. Os cistos podem ser únicos ou múltiplos e a porção temporal
dos hemisférios cerebrais é a área de predileção, embora possam ser encontrados
através dos hemisférios cerebrais e núcleos basais. Ocasionalmente, as lesões
podem ser encontradas no tronco encefálico e cerebelo. Os cistos são usualmente
distribuídos ao acaso, mas simetria bilateral é muitas vezes aparente. Raramente, os
cistos se comunicam com os ventrículos laterais ou com o espaço subaracnóide.
Hidranencefalia é considerada uma forma mais severa de porencefalia (MAXIE &
YOUSSEF, 2007; ZACHARY, 2007).
Porencefalia pode ser categorizada em dois tipos: o tipo 1 resulta da injúria
vascular ou vasculite, que levam ao infarto da matriz germinantiva subependimária
onde ocorreu a lesão resultando na formação de cistos dentro do foco de células
mortas; o tipo 2 é causado pela injúria de neuroblastos na matriz germinativa e falha
desses neuroblastos em migrar dentro da matriz para formar os hemisférios
telencefálicos. Aparentemente o tipo 2 de porencefalia é o que ocorre nos animais
domésticos (ZACHARY, 2007).
Hidranencefalia é a lesão residual de necrose acentuada do tecido neural dos
hemisférios cerebrais. Nos animais a lesão se desenvolve nos estágios iniciais da
vida fetal e antes da organização completa do córtex estar presente. O tecido
residual cortical é liso e pode ser delimitado por células ependimárias atenuadas,
mas frequentemente o tecido cortical termina sem uma delimitação, exceto por uma
astrocitose discreta (MAXIE & YOUSSEF, 2007). Hidranencefalia representa
diferentes graus da destruição e falha no desenvolvimento do telencéfalo,
principalmente do neopalium (giros e sulcos cerebrais). Ocorre a quase completa
destruição e perda do desenvolvimento do neocórtex, podendo atingir o paleopallium
(componentes olfatórios) e arqchipallium (hipocampo, córtex do lobo piriforme)
(DeLAHUNTA, 1983).
Hidranencefalia ocorre em todas as espécies, sendo mais comum em
bovinos, nos quais se apresenta esporadicamente ou como pequenas epizootias. A
doença está associada à infecção do feto por certos vírus em um estágio crítico da
gestação e nesses casos ocorre um conjunto de lesões neurais, cuja expressão
depende da idade do feto no momento da infecção (MAXIE & YOUSSEF, 2007).
A patogenia da hidranencefalia tem sido elucidada através de estudos da
lesão causada por infecção viral, particularmente pelo BTV e pelo vírus da doença
da fronteira. Essa infecção ocorre num período crítico da gestação e produz zonas
de necrose nos hemisférios cerebrais em desenvolvimento. Essas áreas envolvem
os neuroblastos e sua migração e resulta na cavitação pela ausência de neurônios
no córtex. Fatores mecânicos também contribuem para o desenvolvimento de
hidranencefalia.
Ocorre
expansão
compensatória
dos
ventrículos
laterais
(hidrocefalia ex-vacuo) secundária a perda do tecido cerebral (MAXIE & YOUSSEF,
2007).
Ambos
os
defeitos
microscopicamente
não
apresentam
alterações
significativas, sendo que os cistos porencefálicos podem estar delimitados por uma
camada de células da glia achatadas e astrocitose. Há pouca evidência de
alterações inflamatórias. Em alguns casos pode haver acúmulo de células gitter
contendo hemossiderina nas margens dos cistos ou dentro das cavidades (MAXIE &
YOUSSEF, 2007).
2.2.4 Hidrocefalia
Hidrocefalia caracteriza-se por aumento de líquido cefalorraquidiano (LCR) no
sistema ventricular (forma não comunicante) ou no sistema ventricular e espaço
aracnóide (forma comunicante), devido à obstrução. Uma área vulnerável à
obstrução é o terceiro ventrículo (aqueduto mesencefálico). Quando este tipo de
anomalia é congênito está associado ao aumento de volume do crânio que
apresenta forma de cúpula. Nos casos de hidrocefalia não-comunicante, que causa
separação das suturas ósseas antes de suas fusões, a obstrução ocorre no quarto
ventrículo, aqueduto ou forâmen ventricular (ZACHARY, 2007). Hidrocefalia
comunicante é a menos comum e resulta da obstrução do aqueduto mesencefálico
que impede o fluxo do LCR para o sistema venoso, interferindo no escoamento do
mesmo pelas vilosidades aracnóides (ZACHARY, 2007).
Outra forma é a hidrocefalia compensatória ou hidrocefalia ex-vácuo, na qual
o LCR aumenta apara ocupar o espaço onde o tecido neural foi destruído, não se
desenvolveu ou ambos (SUMMERS et al. 1995; ZACHARY, 2007).
2.2.5 Malformações do cerebelo
Anormalidades cerebelares congênitas são comuns em animais domésticos e
as principais causas são defeitos primários no desenvolvimento e hipoplasia e atrofia
secundárias a infecções intra-uterinas por determinados vírus. As infecções virais
são comuns em felinos domésticos e bovinos, mas tem sido descritas também em
suínos, ovinos e caninos (SUMMERS et al. 1995).
2.2.5.1 Hipoplasia cerebelar
Hipoplasia cerebelar é o defeito congênito mais frequentemente observado
nas espécies domésticas, existindo algumas evidências de ser geneticamente
determinado em algumas raças bovinas (O’SULLIVAN & McPHEE, 1975), eqüinos e
em caninos (MAXIE & YOUSSEF, 2007). A forma mais freqüente de ocorrência da
enfermidade é a causada pela infecção por certos vírus no feto em desenvolvimento
como o parvovírus felino, o BVDV e o vírus da peste suína clássica (MAXIE &
YOUSSEF, 2007). Hipoplasia cerebelar foi descrita no Rio Grande do Sul em
bovinos da raça Charolês e atribuída à infecção das fêmeas prenhes pelo BVDV,
embora a etiologia não tenha sido confirmada (SCHILD et al., 2001b).
Casos de hipoplasia cerebelar associados à infecção pelo BVDV foram
descritos na raça Holandesa sendo observadas malformação e redução do tamanho
do cerebelo e lesões histológicas caracterizadas por cavitação da substância
branca, redução das células de Purkinje e células da capa granular e
desorganização do córtex cerebelar, alternando-se com folhas cerebelares de
aspecto normal e área de redução da mielina (WILSON et al., 1983). Na raça
Shorthorn foi descrita hipoplasia cerebelar de provável origem hereditária com baixa
densidade celular na capa granular de algumas folhas, número reduzido de células
de Purkinje e capa molecular mais estreita quando comparada com um controle
(SWAN & TAYLOR, 1982).
2.2.6 Causas virais de malformações no sistema nervoso central
Diversos vírus têm sido descritos como causa de malformações no sistema
nervoso central de ruminantes. Certos vírus como o BVDV (YERUHAM et al., 2001;
MAXIE & YOUSSEF, 2007), o vírus de Akabane (AKAV) (NARAYAN &JOHNSON,
1972; GREENE, 1978), o vírus da febre do Vale do Rift, o vírus do Vale de Cache
(CVV) (CRANDELL et al., 1989; EDWARDS et al., 1989), o BTV (VERCAUTEREN et
al., 2008), o vírus Aino (AINOV) (TSUDA et al., 2004), o vírus Chuzan (MIURA et al.,
1990) e o da doença da fronteira infectam os fetos em desenvolvimento, em
momento crítico da gestação, causando necrose dos neuroblastos e das células da
neuroglia levando às lesões no sistema nervoso central (ZACHARY, 2007).
BVDV pertence à família Flaviridae, gênero pestivirus. Tem distribuição
mundial sendo considerado um dos principais patógenos dos bovinos. No Brasil
vários relatos clínicos e levantamentos sorológicos demonstram a presença da
infecção desde o final dos anos 60, sendo que no Rio Grande do Sul foram relatados
três surtos de doenças com quadro clinico compatível com a infecção por BVDV
(FLORES & SCHUCH, 2007).
As malformações congênitas causadas por este vírus ocorrem quando
fêmeas prenhes são infectadas entre os 100-150 dias de gestação (FLORES &
SCHUCH, 2007). Alguns autores mencionam períodos maiores (MAXIE, 2008,
YERUHAM et al., 2001). As alterações podem ser variadas e têm sido descritos
casos de hidrocefalia, hidranenefalia e hipoplasia cerebelar, malformações oculares
e outros defeitos que podem ocorrer conjuntamente (YERUHAM et al., 2001).
A infecção de fêmeas prenhes pelo BVDV no período de implantação do
embrião até o final do 4º mês de gestação (40-125 dias) pode resultar em
mortalidade fetal, aborto, nascimento de bezerros persistentemente infectados e um
limitado grau de teratogênese (FRAY et al., 2000). Taxas de aborto de 40% foram
observadas na infecção experimental em vacas com 100 dias de gestação (DONE et
al., 1980), embora em condições de campo essa taxa possa ser menor (FRAY et al.,
2000).
No Rio Grande do Sul, o BVDV tem sido isolado de bezerros e de soros de
neonatos coletados em matadouros, sendo estimado que cerca de 50%-70% do
rebanho gaúcho já tiveram contato com o virus (RIET-CORREA et al., 1996).
Malformação caracterizada por hipoplasia cerebelar e porencefalia foi observada em
bezerros da raça Charolês supostamente infectados durante a gestação pelo BVDV
nesse estado (SCHILD et al., 2001b).
O virus da BVD foi detectado por imuno-histoquímica no sistema nervoso
central de um bezerro com hipoplasia cerebelar naturalmente infectado pelo mesmo
(TUNCA et al., 2006).
A infecção pelo AKAV tem sido descrita no Japão, Israel, Austrália causando
surtos
de
aborto
e
artrogripose/hidranencefalia,
malformações
que
podem
congênitas
ocorrer
juntas
caracterizadas
ou
por
separadamente
(HARTLEY et al., 1977). O vírus é transmitido por insetos, dentre eles Culicoides
brevitaris na Austrália e tem sido isolado também em mosquitos no Japão (MAXIE &
YOUSSEF,
2007).
A
síndrome
artrogripose/hidranencefalia
foi
reproduzida
experimentalmente em bezerros nascidos de vacas inoculadas com AKAV entre os
dias 92 e 96 da gestação (KUGORI et al., 1977) e em cordeiros de ovelhas
inoculadas com o mesmo vírus, entre os dias 30 e 36 da gestação (PARSONSON et
al., 1977). Este vírus não tem sido identificado no Brasil.
Língua azul é causada por um Orbivirus da família Reoviridae. A enfermidade
afeta ovinos, bovinos e diversas espécies de ruminantes selvagens, sendo os ovinos
e o veado de cauda branca os mais susceptíveis. O BTV é transmitido por insetos,
principalmente por mosquitos do gênero Cullicoides, mas outros insetos como Aedes
lineatopennis, Omithodorus coriaceus, Melophagus ovinus podem transmitir o vírus.
Em clima temperado a doença tem caráter sazonal, ocorendo nos meses de verão e
outono (NARAYAN &JOHNSON, 1972; GOLTZ, 1978). A infecção fetal em bovinos
causada pelo BTV tem sido descrita nos EUA e no sul da África. Essas infecções
causam
abortos,
anormalidades
cerebrais
incluindo
hidranencefalia
(VERCAUTEREN et al., 2008). A utilização de vírus vivo atenuado em vacinas para
língua azul em ovelhas tem causado hidranencefalia em cordeiros (FUCCILLO &
SEVER, 1973). Em bovinos, BTV sorotipo 8 foi identificado por PCR em casos de
aborto e hidranencefalia em bezerros na Holanda (WOUDA et al., 2008). Em um
trabalho de infecção experimental pelo BTV a inoculação do vírus em fetos aos 106,
113 e 122 dias de gestação resultou em aborto aos 210, 178 e 231 dias de gestação
e os fetos apresentavam lesões severas de hidranencefalia e hipoplasia cerebelar
(THOMAS et al. 1986).
Anticorpos contra o BTV têm sido encontrados em percentual variável entre
0,15% e 0,61% em diversos estados brasileiros incluindo o Rio Grande do Sul,
embora a doença clínica com isolamento viral tenha sido diagnosticada somente em
ovinos uma única vez (RIET-CORREA, 2007). No Rio Grande do Sul um surto de
aborto e malformações fetais, caracterizadas por escoliose, agnatia, prognatia,
microcefalia, artrogripose e nanismo em bovinos, foi atribuído à infecção pelo BTV
tendo em vista a observação de reações fortemente positivas para anticorpos contra
o vírus (RIET-CORREA et al., 1996b).
Outros vírus como AINOV e CVV, ambos da família Bunyaviridae, foram
identificados
como
causa
de
artrogripose/hidranencefalia, hidranencefalia e
hipoplasia cerebelar em bovinos no Japão (TSUDA et al., 2004) e nos Estados
Unidos (CRANDELL et al., 1989). O vírus Chuzan também é descrito no Japão como
causa de hidranencefalia/hipoplasia cerebelar (MIURA et al., 1990). A presença
destes vírus no Brasil não tem sido relatada.
2.2.7 Outras causas de malformações no sistema nervoso central
A deficiência de cobre (swayback) tem sido descrita em cordeiros e, menos
freqüentemente, em cabritos recém nascidos causando lesões no cérebro, tronco
encefálico e medula espinhal, similares às lesões de porencefalia/hidranencefalia.
Tem sido sugerido que as lesões cerebrais na deficiência de cobre resultam da
perda das células embrionárias no mesmo estágio de desenvolvimento cerebral em
que ocorre a infecção pelos vírus que causam essa malformação (ZACHARY, 2007;
SUMMERS et al. 1997). A deficiência de cobre foi diagnosticada em bovinos no Rio
Grande do Sul causando sinais neurológicos em animais recém nascidos,
entretanto, lesões de porencefalia/hidranencefalia não foram observadas nestes
casos (RIET-CORREA et al., 1993).
Diversas plantas tóxicas são descritas como causa de malformações
congênitas, tais como Astragalus spp., Oxytropis spp., Veratrum californicum,
Lupinus spp., Nicotiana tabacum, N. glauca e Conium maculatum. A maioria destas
plantas causa malformações no sistema músculo esquelético. No Brasil Mimosa
tenuiflora é descrita no Nordeste como causa de abortos e malformações ósseas em
caprinos e ovinos (PIMENTEL et al., 2005).
Produtos químicos utilizados na agropecuária são também, algumas vezes
causa de malformações congênitas tais como parbendazole, carbendazole,
organofosforados e outras drogas como cortisona, estradiol, bismuto, selênio e
sulfonamidas (LEIPOLD & DENNIS, 1980).
Severa
hidranencefalia
tem
sido
descrita
na
Escócia
em
ovinos
caracterizando uma síndrome de gestação prolongada de causa não determinada
(SUMMERS et al. 1995)
3. MATERIAL E MÉTODOS
Foi estudada uma doença neurológica observada em búfalos da raça Murrah
em um estabelecimento localizado no município de Capão do Leão, RS.
3.1 Epidemiologia e estudo genealógico do rebanho
A epidemiologia foi estudada por meio de visitas ao estabelecimento e pela
observação do rebanho afetado. Foram identificados os animais que deram origem
aos búfalos doentes. Foi feito o estudo genealógico dos animais nascidos com o
problema e do rebanho afetado e um retrocruzamento do touro pai dos búfalos
afetados com duas de suas filhas e com as mães dos búfalos afetados.
3.2 Sinais clínicos
Os sinais clínicos foram estudados nos seis animais afetados nascidos entre
2004 e 2008.
3.3 Patologia
Para o estudo da patologia foram eutanasiados e necropsiados os seis
búfalos nascidos com a malformação. Um búfalo que morreu logo após o
nascimento por causas não identificadas foi utilizado como controle. Fragmentos dos
órgãos foram fixados em formalina 10%, cortados com 5µm de espessura e corados
com hematoxilina e eosina.
O sistema nervoso central dos animais afetados foi cortado transversalmente
na altura do córtex frontal, parietal, temporal e occipital, núcleos da base, tálamo,
colículo rostral, pedúnculos cerebelares, cerebelo, ponte e bulbo na altura do óbex e
medula cervical. Nos três últimos animais afetados foram cortados, ainda,
fragmentos da medula torácica e lombar. Os fragmentos foram incluídos em
parafina, processados rotineiramente e corados pelas técnicas de hematoxilina e
eosina e azul rápido de luxol para avaliação da mielina. As lesões observadas foram
classificadas de acordo com sua natureza em inflamatórias ou degenerativas.
Para caracterizar a ultra-estrutura das lesões, fragmentos do sistema nervoso
central de búfalos nascidos com a doença foram colhidos e fixados em solução de
glutaraldeído 2% e paraformaldeído 2% em tampão cacodilato de sódio,
desidratados em uma série crescente de etanóis e incluídos em Epon. Os cortes
semi-finos foram corados por azul de metileno e nas áreas selecionadas dos blocos
foram feitos cortes ultra-finos contrastados por acetato de uranila e citrato de
chumbo e observados em microscópio eletrônico de transmissão.
Fragmentos da orelha de três búfalos afetados e cortes do sistema nervoso
central dos seis búfalos doentes foram submetidos à técnica de imuno-histoquímica
utilizando anticorpo monoclonal 15c5 antivírus da diarréia viral bovina (BVDV)
(CORAPI et al. 1990) e anticorpo monoclonal anti-vírus da língua azul 1. O estudo
imuno-histoquímico foi realizado em lâminas silanizadas com secções histológicas
de 3µm após a desparafinização e reidratação com banhos de xilóis e alcoóis em
concentrações decrescentes até a água destilada. As secções foram submetidas a
bloqueio da peroxidase endógena com peróxido de hidrogênio e subseqüentemente
submetidas à recuperação antigênica em solução de TRIS-EDTA (pH 9,0) no forno
de microondas (800 W) em potência máxima por 10 minutos. Os anticorpos
primários diluídos em PBST, sendo adicionados separadamente nos cortes
histológicos incubados por 2 horas à 37º C em câmara úmida. Secções histológicas
incubadas apenas com o diluente do anticorpo (PBST) foram utilizadas como
controle negativo. O anticorpo (Ac) secundário biotinilado e o complexo
1
Técnicas realizadas pelo Dr. David Driemeier do Setor de patologia Veterinária da Universidade
federal do Rio Grande do Sul e pelo Dr. Francisco Uzal da Universidade de Califórnia em Davis, USA
estreptavidina-peroxidase
foram
incubados
consecutivamente
à
temperatura
ambiente por 35 minutos e marcados através da adição do cromógeno de
tetracloreto de 3-5’diaminobenzidina (DAB). As secções histológicas foram contra
coradas com hematoxilina de Harris, desidratadas e montadas com resina sintética e
lamínulas.
3.4 Sorologia
Foi realizada a sorologia para detecção de anticorpos contra BVDV e contra o
vírus da língua azul (BTV) dos animais do rebanho cujas amostras de sangue foram
centrifugadas para separação do coágulo, identificadas e armazenadas a -18º C
para realização dos testes sorológicos. Para BTV foi utilizada a técnica de ELISA
com kits comerciais. Para BVDV as amostras foram testadas em duplicata pela
técnica de soro-neutralização (SN) contra amostras padrão de BVDV-1 (Singer) e
BVDV-2 (VS-253) 2.
2
Técnica realizada pelo Dr. Eduardo Flores do CCR da Universidade Federal de Santa Maria
4. RESULTADOS
4.1 Epidemiologia e estudo genealógico do rebanho
O rebanho de búfalos no qual a doença foi diagnosticada é criado em uma
propriedade localizada no município de Capão do Leão, RS. Na mesma área são
criados bovinos da raça Charolês e há um rebanho de bovinos da raça Jersey criado
em confinamento. Todos os animais do rebanho são dosificados com ivermectina
aos três meses de idade e as fêmeas com um ano e meio recebem nova dosificação
com o mesmo produto. Além disso, os animais são vacinados para clostridioses,
leptospirose, brucelose e aftosa. O rebanho é constituído por 133 fêmeas divididas
em quatro grupos. Em um grupo é realizada inseminação artificial e repasse com
dois touros. Nos outros grupos é utilizada monta natural cada um com um touro
diferente.
Foram afetados seis búfalos, um macho e cinco fêmeas, todos nascidos no
mesmo grupo de fêmeas, sendo todos filhos do mesmo touro. O primeiro búfalo
afetado nasceu em 2004 (Búfalo 1), um nasceu em 2006 (Búfalo 2) e o terceiro
nasceu em 2007 (Búfalo 3), de um total de 102 nascidos no período. Os três
restantes nasceram em 2008 de um total de 26 animais resultantes do cruzamento
do mesmo touro com duas de suas filhas das quais uma teve uma cria afetada
(Búfalo 4) e com 24 fêmeas das quais três eram mães dos Búfalos 1, 2 e 3. O Búfalo
6 era irmão do Búfalo 1. Na Figura 1 está apresentada a genealogia dos animais
afetados. No grupo da inseminação artificial ocorreram dois abortos nos anos de
2007 e 2008 respectivamente.
Em levantamento realizado em rebanhos de búfalos da raça Murrah
existentes no RS não foram detectados animais com a enfermidade.
4.2 Sinais clínicos
Os sinais clínicos em todos os búfalos afetados eram similares e variavam na
intensidade. Os Búfalos 1 e 2 conseguiam manter-se em estação, porém
permaneciam com os membros abertos (estação em base larga) para manter o
equilíbrio (Figs. 2 e 3) e ao tentarem andar apresentavam incoordenação e caiam,
em geral, para frente, permanecendo deitados em posições variadas, com os
membros esticados, ou deitados em decúbito lateral (Fig. 4). Os Búfalos 3, 4, 5 e 6
não conseguiam manter-se em estação e se colocados em pé caiam principalmente
para a frente, com o pescoço esticado (Fig. 5) e em algumas ocasiões rolavam
sobre o próprio corpo. Todos os búfalos afetados apresentavam movimentos
rítmicos (tremores/balanço) principalmente da cabeça e pescoço e movimentos
laterais das orelhas, principalmente quando estimulados (Fig. 6). Nos Búfalos 1 e 2
esses movimentos eram, generalizados, acentuados e constantes a não ser quando
os animais apoiavam a cabeça no chão. Nos búfalos 3 e 4 os movimentos eram
constantes, principalmente na cabeça e no pescoço. Nos Búfalos 5 e 6 esses
movimentos eram discretos e observados somente quando os animais eram
estimulados. Os búfalos apresentavam depressão profunda (Fig. 7), perda do reflexo
de ameaça por cegueira e nenhum deles mamou após o nascimento.
Os Búfalos 4 e 5 não apresentavam reflexos interdigital, anal e nasal. O
reflexo espinhal estava diminuído e na região cervical os animais respondiam com
movimentos laterais das orelhas. O reflexo interdigital no Búfalo 4 estava ausente e
no Búfalo 5 estava diminuído sendo que nos membros anteriores o reflexo era maior
do que nos membros posteriores. O Búfalo 6 quando estimulado tinha apenas
reflexo espinhal na região cervical fazendo movimentos laterais com as orelhas. Os
demais reflexos estavam ausentes.
4.3 Patologia
4.3.1 Lesões Macroscópicas
Todos os búfalos afetados apresentavam crânio em forma de cúpula (Fig. 2-7)
e os ossos frontais e temporais eram mais estreitos que o normal. Os encéfalos
estavam diminuídos de tamanho quando comparados ao encéfalo de um búfalo
controle da mesma idade e raça (Fig. 8). Os hemisférios telencefálicos,
principalmente dos Búfalos 2, 3, 4, 5 e 6 apresentavam-se como sacos
membranosos e o cerebelo tinha, também, menor tamanho em comparação ao
cerebelo do búfalo controle (Fig. 8). Em todos os búfalos afetados havia resquícios
de giros e sulcos que eram observados no córtex occipital. No Búfalo 1 ao corte na
altura dos núcleos da base o tecido nervoso telencefálico apresentava grandes
cavidades
bilaterais
cujas
paredes,
nas
porções
mais
estreitas,
tinham
aproximadamente 1,5-2,5mm de espessura, e continham líquido no seu interior (Fig.
9). Remanescentes do tecido neural atravessavam essas cavidades como uma
delicada membrana ou finos cordões de tecido nervoso (Fig. 9). A região cortical
dorsal tinha aproximadamente 1,5cm de espessura e a substância branca
subcortical apresentava também, pequenas cavidades (Fig. 9). A columna fornicis
estava achatada e arredondada, o septum pellucidum estava bífido e alongado e o
corpus calosum pouco desenvolvido (Fig. 9). Na região da cápsula externa
observavam-se cavidades císticas menores, bilaterais e simétricas que também
continham líquido em seu interior (porenefalia) (Fig. 9). Os ventrículos laterais
estavam dilatados (hidrocefalia ex-vacuo) (Fig. 9). As lesões estendiam-se do córtex
frontal até o córtex occipital.
Nos Búfalos 2, 3, 4, 5 e 6 os hemisférios cerebrais reduziam-se a uma fina
capa de tecido nervoso de 0,5-1,5 mm, 1,0-2,0 mm, 1,5-2,5 mm, 0,5-2,0 mm e 1,0-
1,5mm de espessura, respectivamente, desde a região frontal até a occipital, onde
essas capas eram mais espessas, formando um saco que continha líquido (Fig. 10).
Finos cordões adjacentes à face interna dessa capa eram observados em toda a sua
extensão (Figs. 10 e 11). Os núcleos da base apresentavam-se achatados e os
ventrículos laterais dilatados. A columna fornicis estava, também achatada e
arredondada e o corpus calosum estreito, reduzindo-se a uma membrana que
delimitava os ventrículos laterais (Fig. 11).
O tálamo em todos os búfalos afetados apresentava aspecto normal,
entretanto o hipocampo estava pouco desenvolvido (Fig. 12). No que restava do
córtex
temporal
e
parietal
observavam-se
pequenas
cavidades
císticas
(porencefalia) (Fig. 13). As demais regiões do tronco encefálico apresentavam,
também, aspecto normal, a não ser pela redução do tamanho quando comparadas
ao animal controle.
Em todos os Búfalos afetados apenas o córtex occipital mantinha estrutura de
giros e sulcos embora atenuados. Ao corte observa-se os hemisférios telencefálicos
estreitos delimitando cavidades e a substância branca adjacente resumia-se a finos
cordões nos Búfalos 1, 4 e 6 (Fig. 14).
Nos órgãos das cavidades abdominal e torácica não foram observadas lesões
com exceção dos fígados que estavam amarelados.
4.3.2 Lesões histológicas
Submacroscopicamente evidenciavam-se cavidades onde remanescentes de
substância
branca
estavam
reduzidos
a
delicados
cordões
(Fig.
15A).
Microscopicamente o tecido telencefálico estava estreito compreendendo as
meninges justapostas a um manto de córtex residual. Ao corte dessas áreas esses
cordões apresentavam-se por um lado delimitados por células ependimárias e por
outro o tecido nervoso não apresentava revestimento (Fig. 15B). Microscopicamente
em todos os búfalos afetados havia áreas com cavidades na substância branca
subcortical, as quais não tinham estrutura de delimitação (Fig 16). Principalmente no
córtex temporal de todos os búfalos afetados havia áreas no tecido nervoso
remanescente que se apresentavam rarefeitas, observando-se esferóides axonais
(Fig. 17A), células gitter (Fig. 17B) e focos de gliose. Os espaços perivasculares
apresentavam-se aumentados (Fig. 18 A e B). No Búfalo 1 a substância branca, em
algumas áreas, apresentava-se como cordões delimitando os espaços preenchidos
por líquido. No Búfalo 3 no córtex occipital havia uma área de hemorragia,
manguitos perivasculares de células mononucleares e focos de gliose (Fig 19). Nos
núcleos da base dos seis búfalos afetados observou-se espongiose multifocal
discreta da substância branca e dilatação dos espaços perivasculares. No tálamo,
ponte e pedúnculos cerebelares, óbex e medula cervical, torácica e lombar não
foram observadas lesões.
O cerebelo de todos os búfalos afetados apresentava em algumas folhas o
córtex desorganizado, a capa granular com menor densidade celular e arranjada em
núcleos. Pela coloração de azul rápido de luxol (LFB) a substância branca
apresentava nestas áreas menor quantidade de mielina quando comparadas à
substância branca das folhas cerebelares do búfalo controle (Fig. 20). Em outras
áreas as folhas cerebelares mantinham a morfologia normal, porém, as capas
molecular e granular eram mais estreitas, esta última com menor densidade celular e
com número normal de células de Purkinje. Em algumas folhas observava-se uma
discreta diminuição da espessura das camadas molecular e granular com diminuição
do número de células de Purkinje e substituição das mesmas por células da glia
(Fig. 21). Em todos os cerebelos observava-se alternância de folhas hipoplásicas
com folhas normais.
4.3.3 Lesões ultra-estruturais
O estudo da ultra-estrutura demonstrou que o neurópilo estava comprimido
evidenciado pela proximidade dos neurônios e havia tumefação dos processos
astrocitários e das mitocôndrias (Fig. 22). Os neurônios apresentavam tumefação da
matriz mitocondrial (Fig. 23).
4.3.4 Imuno-histoquímica
Os resultados da imuno-histoquímica realizados para detecção de antígenos
virais de BVD e língua azul no sistema nervoso central dos búfalos afetados foram
negativos. A técnica de imuno-histoquímica realizada em tecido da orelha de três
búfalos nascidos doentes também resultou negativa.
4.4 Sorologia
Os resultados da sorologia realizada para o BTV e para o BVDV foram todos
negativos.
Figura 1. Genealogia dos búfalos afetados por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observa-se a consangüinidade no
rebanho afetado.
Fêmea afetada
Fêmea sadia
Macho afetado
Macho sadio
Figura 2. Búfalo 1 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar em estação com os membros abertos e o
pescoço esticado.
Figura 3. Búfalo 2 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar em estação com os membros abertos para
manter o equilíbrio e depressão.
Figura 4. Búfalo 3 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar em decúbito lateral.
Figura 5. Búfalo 4 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar em queda para a frente com o pescoço esticado.
Figura 6. Búfalo 5 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar em posição de cão sentado evidenciando o
movimento lateral das orelhas.
Figura 7. Búfalo 6 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar apresentando depressão profunda.
Figura 8. Encéfalo dos seis búfalos afetados por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar (1-6). Observa-se o córtex
telencefálico reduzido a sacos membranosos e o menor tamanho do cerebelo quando comparados ao do búfalo
controle.
Figura 9. Corte do encéfalo do Búfalo 1 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar na altura dos núcleos da
base. Observam-se cavidades bilaterais simétricas no córtex telencefálico. O tecido remanescente apresenta-se
como delicadas membranas ou cordões que atravessam as cavidades. A parede cortical lateral das cavidades é
estreita (1,5-2,5mm). A região cortical dorsal tem 1,5cm de espessura e a substância branca subcortical
apresenta pequenas cavidades (porencefalia). A columna fornicis está achatada e arredondada, o septum
pellucidum está alongado e bífido e o corpus calosum pouco desenvolvido.
Figura 10. Cortes seriados do encéfalo do Búfalo 4 afetado por
hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observa-se a ausência do tecido que forma
os hemisférios cerebrais, o qual se apresenta como uma fina capa formando um
saco. Na altura do córtex occipital há preservação da estrutura de giros e sulcos
embora atenuados. Em alguns cortes observam-se finos cordões que atravessam
as cavidades formadas (seta).
Control
Figura 11. Corte do encéfalo do búfalo controle e dos 6 búfalos afetados por hidranencefalia/hipoplasia
cerebelar (1-6), na altura dos núcleos da base. Observa-se achatamento desses núcleos e da columna
fornicis que está, também, arredondada; o septum pellucidum está bífido e alongado e o corpo calosum
pouco desenvolvido.
Figura 12. Corte do encéfalo do búfalo controle e dos 6 búfalos afetados por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar, na
altura do tálamo. Observa-se o hipocampo estreito.
*
Figura 13. Corte do encéfalo do búfalo controle e do Búfalo 4 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar na altura
do tálamo. Observa-se nos resquícios do córtex temporal pequena cavidade cística (porencefalia), (seta) e o
achatamento do hipocampo (asterisco).
Control
Figura 14. Córtex occipital do búfalo controle comparado ao do Búfalo 1 afetado por hidranencefalia/hipoplasia
cerebelar. Observa-se o córtex com cavidades e resquícios de substância branca formando finos cordões
atravessando as cavidades.
Figura 15. Córtex frontal do Búfalo 1 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Submacroscopicamente observa-se
o tecido cortical mais estreito e cavidades com resquícios de substância branca em forma de delicados cordões (A).
Histologicamente os cordões de substância branca apresentam-se por um lado delimitados por células ependimárias e
pelo outro sem delimitação (B). (HE, obj. 20x).
Figura 16. Córtex temporal do Búfalo 1 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar, mostrando cavidade na
substância branca sem delimitação. (HE, obj. 20x).
Figura 17. Córtex temporal do Búfalo 2 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar mostrando rarefação do tecido neural
e presença de esferóide axonais e algumas células gitter (A). Acúmulo acentuado de células gitter no córtex temporal do
Búfalo 2 (B). (HE, obj. 20x).
Figura 18. Córtex occipital do Búfalo 6 (A) e do Búfalo 4 (B) afetados por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observa-se
aumento dos espaços perivasculares. (HE, obj. 10x em A e 20x em B).
Figura 19. Córtex frontal do Búfalo 6 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observa-se
discreto manguito perivascular de células mononucleares e foco de gliose no tecido nervoso. (HE, ob.
40x).
A
B
Figura 20. Folha cerebelar do búfalo controle (A) e do Búfalo 5 (B) afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observase baixa densidade celular da capa granular e menor quantidade de mielina. (LFB, obj. 10xl).
A
B
Figura 21. Folha cerebelar do búfalo controle (A) e do Búfalo 3 (B) afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Observase capa molecular estreita e escassas células de Purkinje. (HE, obj 10x).
Figura 22. Búfalo 3 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Fotomicrografia eletrônica
mostrando no cortéx parietal o neurópilo comprimido evidenciado pela proximidade dos neurônios
(N). Presença de processos astrocitários e mitocôndrias tumefeitos.
Figura 23. Búfalo 3 afetado por hidranencefalia/hipoplasia cerebelar. Fotomicrografia eletrônica do
cortéx parietal mostrando tumefação da matriz mitocondrial (setas). (N=neurônio, n=núcleo).
5. DISCUSSÃO
A doença diagnosticada em búfalos foi caracterizada como hidranencefalia e
hipoplasia cerebelar congênita com base nas lesões macroscópicas observadas nos
encéfalos
dos
animais
afetados, caracterizadas
pela
presença
de
sacos
membranosos preenchidos por líquido em substituição ao tecido nervoso que
compõe o telencéfalo.
Os sinais clínicos apresentados pelos búfalos estudados neste trabalho estão
relacionados ao conjunto de lesões observadas no sistema nervoso central dos
animais e as pequenas variações devem-se, provavelmente, ao grau dessa lesão.
Foram observadas depressão, incoordenação motora e estação em base larga nos
búfalos 1 e 2 que conseguiam manter-se em pé, ausência ou diminuição de reflexos,
impossibilidade de mamar e cegueira. Esses sinais caracterizam, de modo geral,
lesões no córtex cerebral (MAYHEW, 1989; RIET-CORREA et al., 2002).
Movimentos ritmados e tremores principalmente da cabeça e do pescoço
observados em todos os búfalos afetados são característicos de lesões cerebelares.
Lesões, principalmente no pontocerebelo que inclui parte dos lobos rostrais, laterais
e caudais e região mediana do vermis, causam tremores de intenção e dismetria
(KING, 1994). Neste caso os búfalos tinham hipoplasia cerebelar evidenciada pelo
menor tamanho dos lobos quando comparados com o búfalo controle. Tremores
involuntários e perda do equilíbrio foram observados em casos de hipoplasia
cerebelar associados à porencefalia descritos em bovinos Charolês (SCHILD et al.,
2001b).
Nos surtos de hidranencefalia descritos na Bélgica e na Holanda os sinais
clínicos eram similares embora não tenha sido relatada a presença de tremores
(VERCAUTEREN et al., 2008; WOUDA et al., 2008). Outro surto descrito no Canadá
menciona, também, sinais clínicos semelhantes aos descritos nos búfalos deste
trabalho (GREENE, 1978).
As lesões macroscópicas foram similares em todos o seis búfalos afetados,
embora com diferenças no grau. O crânio em forma de cúpula observado nos
búfalos estudados foi descrito, também, em um surto de artrogripose/hidranencefalia
em conseqüência da infecção pelo AKAV (HARTLEY et al., 1977), embora em
outros surtos da doença essa lesão não tenha sido mencionada (GREENE, 1978;
VERCAUTEREN et al., 2008; WOUDA et al., 2008). Crânio em forma de cúpula não
é freqüente em casos de hidranencefalia, embora possa, eventualmente, ser
observado em bovinos afetados pela enfermidade (MAXIE & YOUSSEF, 2007).
Todos os búfalos afetados nasceram vivos apesar da quase ausência do
tecido nervoso dos hemisférios cerebrais, sendo que dois deles conseguiam manterse em pé sem auxílio. Isso provavelmente ocorre por que os centros nervosos dos
neurônios motores superiores em animais, com exceção dos primatas, localizam-se
no tronco encefálico (KING, 1994) que estava normal apesar do tamanho reduzido.
Em surtos ou caso isolados de hidranencefalia têm sido mencionado que os animais
sobrevivem por algum tempo mesmo com lesões acentuadas no córtex telencefálico,
podendo
até
mesmo
andar
(HARTLEY
et
al.,
1977;
GREENE,
1978;
VERCAUTEREN et al., 2008). Em outros relatos desta malformação causada por
infecções virais tem sido observado que os bovinos podem sobreviver por alguns
dias (HARTLEY et al., 1977). A viabilidade dos animais até 2-3 meses de idade foi
mencionada em um surto de hidranencefalia, apesar das lesões acentuadas no
encéfalo (VERCAUTEREN et al., 2008).
Em outras malformações graves do
sistema nervoso central como aplasia cerebral e hipoplasia prosencefálica em que
há preservação do tronco encefálico os animais afetados também sobrevivem por
algum período após o nascimento podendo inclusive permanecer em pé e andar
(SUMMERS et al., 1995).
Nos seis búfalos havia atrofia do corpus calosum que se apresentava como
uma fina membrana de tecido nervoso que fazia limite com a porção dorsal dos
ventrículos laterais. O corpus calosum representa a principal conexão entre o córtex
cerebral esquerdo e direito, entretanto dano nesta região produz pequenos
distúrbios detectados somente por testes cuidadosos, tanto no homem como em
animais de experimentação (KING, 1994). O hipocampo estava, também, atrofiado
em maior ou menor grau em todos os búfalos doentes. Esta área do sistema
nervoso central está aparentemente ligada ao instinto que exclui reflexos
condicionados e o comportamento resultante do aprendizado (KING, 1994). Os
búfalos afetados não mamaram, nem mesmo aqueles que conseguiam manter-se
em estação. A primeira mamada de um animal está ligada ao instinto, o que poderia
sugerir que estes búfalos não mamaram em função das severas lesões do encéfalo
incluindo a atrofia desta porção do sistema nervoso central. É provável, também,
que a cegueira tenha contribuído para este comportamento. Em outras enfermidades
do sistema nervoso central que se manifestam ao nascimento, como por exemplo,
hipoplasia cerebelar observada em bovinos Charoleses, apesar dos sinais clínicos
de incoordenação motora e perda do equilíbrio, os animais que conseguiam manterse em estação eram capazes de mamar (SCHILD et al. 2001b).
As lesões histológicas observadas nos búfalos afetados por hidranencefalia
foram similares às observadas em outras descrições da doença (HARTLEY et al.,
1978; GREENE, 1978; MIURA et al., 1990; TSUDA et al., 2004; VERCAUTEREN et
al., 2008). Atrofia do parênquima neural e rarefação da substância branca com
presença de células gitter com cavitações delimitadas por discreta astrogliose tem
sido observada em todas as descrições da doença. Manguitos perivasculares e
gliose no parênquima neural são eventualmente observados em casos de
hidranencefalia de causa viral (HARTLEY et al. 1977; VERCAUTEREN et al., 2008).
Aparentemente, a presença de inflamação não é freqüente porque durante a
infecção viral e a necrose das células germinativas há uma intensa reação
inflamatória a qual, após a morte celular, diminui até o momento do nascimento do
animal afetado quando é feito o exame histológico do sistema nervoso (MAXIE &
YOUSSEF, 2007). No presente estudo a presença de infiltrado inflamatório
mononuclear foi observado em um búfalo, o que poderia sugerir uma causa viral
para a malformação.
As lesões ultra-estruturais devem-se a entrada de água e
solutos para o interior da organela e isto pode ser causado por numerosos agentes
que produzem dano celular (GHADIALLY, 1997).
Hipoplasia cerebelar ficou evidenciada histologicamente pela presença de
folhas com capa molecular estreita, rarefação da capa granular, diminuição do
número de células de Purkinje, além de pouca mielinização na substância branca
em algumas áreas. Estas lesões são similares às observadas em hipoplasia
cerebelar e porencefalia diagnosticada em bovinos Charolês cuja etiologia foi
atribuída a infecção pelo BVDV, embora isso não tenha sido comprovado (SCHILD
et al., 2001b).
As lesões acentuadas e a pequena variação no grau da lesão do sistema
nervoso central dos búfalos sugerem que qualquer que seja a etiologia da
enfermidade os eventos ocorreram em um período crítico da gestação. Em bovinos
a hidranencefalia causada por agentes virais ocorre quando a infecção fetal se dá
antes dos 100-170 dias quando o feto não tem, ainda, o sistema imunológico
completo (YERUHAM et al., 2001; MAXIE & YOUSSEF, 2007). Considerando que a
gestação de búfalos é de aproximadamente 310 dias, estima-se que este período vá
até os 110-190 dias nesta espécie animal e que se a doença aqui descrita é
conseqüência de infecção viral, as fêmeas mães dos búfalos doentes se infectaram
antes desse período.
Os vírus citados na literatura mundial que causam malformações no sistema
nervoso central em bovinos e ovinos, incluindo hidranencefalia presentes no Brasil
são BVDV (FLORES & SCHUCH, 2007) e BTV (RIET-CORREA, 2007).
BVDV tem sido identificado sorologicamente em diversos estados incluindo o
Rio Grande do Sul e surtos de doença das mucosas e diarréia viral foram
diagnosticados também neste estado (RIET-CORREA et al., 1983). Em bovinos
Charolês hipoplasia cerebelar foi atribuída a esse vírus no Rio Grande do Sul
(SCHILD et al. 2001). Malformações congênitas atribuídas e esse vírus,
aparentemente são comuns em rebanhos infectados (FLORES & SCHUCH, 2007).
Deve ser mencionado que as malformações causadas por este vírus são
variáveis sendo observado além de hidranencefalia outros defeitos como
microcefalia, hidrocefalia, septo pelúcido cístico, defeitos oculares e desmielinização
(YERUHAM et al., 2001; TUNCA et al. 2006; MAXIE & YOUSSEF, 2007), os quais
não foram observados no rebanho onde a doença aqui descrita foi diagnosticada.
Além disso, a infecção de fêmeas prenhes por este vírus causa uma série de sinais
reprodutivos dependendo do momento da infecção, como reabsorção embrionária
com retorno ao cio, abortos, mumificação fetal, natimortos e nascimento de bezerros
fracos (FLORES & SCHUCH, 2007), que não foram observados no período de
ocorrência da doença. Dois abortos em 2007 e 2008 foram atribuídos a
traumatismos durante a gestação, entretanto isso não foi confirmado e um deles
necropsiado não apresentava lesões macroscópicas ou histológicas.
Sabe-se que o BTV é transmitido por mosquitos do gênero Cullicoides spp.,
mas
outros
insetos
como
Aedes
lineatopennis, Omithodorus coriaceus e
Melophagus ovinus podem transmitir o vírus (RIET-CORREA, 2007). Em países de
clima temperado a infecção por este vírus tem caráter sazonal, ocorrendo nos
meses de verão e outono. Considerando-se que a estação de monta/ou inseminação
artificial no rebanho bubalino deste estudo vai de janeiro a maio, as fêmeas
poderiam ter se infectado neste período levando às lesões fetais. No entanto, não é
possível explicar porque somente animais de um grupo de búfalas dos diferentes
lotes existentes na propriedade seria contaminado. Na propriedade existem bovinos
que convivem com os búfalos e nas proximidades há também ovinos que são
susceptíveis à doença e que poderiam ter sido afetados se considerarmos a
possibilidade de a doença ter sido causada por esse vírus. A doença clínica causada
por BTV não foi ainda diagnosticada no Brasil, a não ser por um único surto
observado em ovinos comprovado por isolamento viral (CLAVIJO et al., 2002). A
sorologia negativa descarta a possibilidade de a infecção por esse vírus ter sido a
causa da enfermidade.
No presente estudo a ausência de títulos sorológicos para o BVDV e para
BTV nos animais testados e os resultados negativos na imuno-histoquímica
realizada no sistema nervoso central e fragmentos de orelha dos búfalos doentes
para detecção de antígenos virais de ambos os virus indicam que a etiologia da
enfermidade não está ligada aos mesmos.
O estudo genealógico do rebanho de búfalos que deu origem aos casos de
hidranencefalia descritos neste trabalho demonstrou claramente a consangüinidade
existente no mesmo. A enfermidade ocorreu em anos alternados com dois animais
afetados nascendo em 2004 e 2006 respectivamente, e o terceiro em 2007. Os três
búfalos que nasceram em 2008 resultaram de cruzamento programado do touro pai
dos búfalos afetados com duas de suas filhas e com as fêmeas do mesmo grupo
das mães de animais com o problema. Epidemiologicamente, estes resultados
diferem do relatado em outros surtos de hidranencefalia nos quais todos os animais
afetados nasceram em uma ou no máximo duas estações de parição seguidas
(GREENE, 1978; VERCAUTEREN et al., 2008; WOUDA et al., 2008) com
prevalências altas (GREENE, 1978).
Por outro lado os defeitos congênitos transmitidos por genes recessivos
apresentam-se geralmente em gerações alternadas, em rebanhos consangüíneos e
a prevalência é baixa (LEIPOLD & DENNIS, 1980). Neste caso, a baixa prevalência
e a consangüinidade do rebanho comprovada pelo estudo genealógico poderiam
sugerir a origem hereditária da mesma. A consangüinidade do rebanho bubalino
brasileiro é bem conhecida (MIRANDA, 1986) e diversas enfermidades hereditárias
têm sido descritas nesta raça de bubalinos no Brasil em conseqüência dessa
consanguinidade (BARBOSA et al., 1999; SCHILD, 2007).
Hidranencefalia associada à hipoplasia cerebelar congênita, foi descrita no
Canadá com uma prevalência de 12,6% em dois anos consecutivos e a etiologia não
foi determinada, embora os autores sugerissem a possibilidade de causa viral
(GREENE, 1978). Em um surto de hidranencefalia descrito na Bélgica foram
afetados 29 bezerros, associado à infecção pelo BTV sorotipo 8, sendo que três
foram abortos (VERCAUTEREN et al., 2008). Em um surto diagnosticado na
Holanda os autores observaram sete casos de hidranencefalia e 11 abortos em uma
única estação de parição, causados também pelo BTV (WOUDA et al., 2008). No
presente trabalho a prevalência da doença foi de 4,6% considerando o período de
2004 a 2008, com um total de 128 animais nascidos.
Outros autores mencionam a ocorrência de várias condições como
mortalidade fetal, aborto, mumificação, nascimento de bezerros persistentemente
infectados e teratogênese em vacas infectadas por BVDV entre os 42 e 125 dias de
gestação (FRAY et al., 2000; YERUHAM et al., 2001). Estas causas de baixa
eficiência reprodutiva não foram observadas no rebanho deste estudo. Os dois
abortos ocorreram nas fêmeas que eram do grupo da inseminação artificial e foram
atribuídos a traumatismos durante a gestação.
A enfermidade observada nos búfalos deste trabalho deve ser diferenciada
clinicamente de outras doenças do sistema nervoso central que ocorrem na região
em animais recém-nascidos e que causam sinais neurológicos similares, como
degeneração cerebelar cortical que foi diagnosticada em bovinos da raça Holandês.
Neste caso os sinais clínicos são semelhantes, mas podem surgir algum tempo
depois do nascimento e são progressivos e na necropsia não são observadas lesões
macroscópicas no encéfalo (SCHILD et al. 2001a).
Na hipoplasia cerebelar e
porencefalia observada em bovinos da raça Charolês os sinais clínicos são
característicos de lesões cerebelares não sendo observada depressão e cegueira
(SCHILD et al., 2001b).
Não foi possível, ainda, comprovar a etiologia hereditária da malformação no
sistema nervoso central observada nos animais deste trabalho. Entretanto, pelos
resultados dos estudos epidemiológicos, da patologia e dos testes sorológicos e
imuno-histoquímicos realizados são fortes as evidências de que a origem desta
enfermidade seja hereditária e transmitida por um gene recessivo autossômico. Em
função
dessa
possibilidade
o
touro
foi
eliminado
da
reprodução.
Novo
retrocruzamento está sendo realizado com 15 filhas do touro para se confirmar ou
descartar definitivamente a etiologia hereditária da enfermidade.
6. CONCLUSÃO
1. A doença diagnosticada nos búfalos pode ser caracterizada como
hidranencefalia e hipoplasia cerebelar congênita de provável origem
hereditária.
7. REFERÊNCIAS
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