ANEURISMA DE ARTERIA CIATICA PERSISTENTE A persistencia da arteria ciatica e uma rara anomalia do desenvolvimento dos troncos arteriais dos membros inferiores, cursando com forma~ao aneurismatica em 46% dos casos. Descrevemos 0 caso de uma mulher negra, de 58 anos de idade, que apresentou quadro de emboliza~ao periferica distal de membra inferior esquerdo e na investiga~ao diagnostica evidenciou-se urn aneurisma de arteria ciatica persistente. 0 tratamento cirurgico consistiu numa ponte entre a emergencia da arteria iliac a interna e a arteria poplitea supragenicular com protese de Dacron de 8mm de difunetro, nao tendo sido abordado diretamente 0 aneurisma. A paciente evoluiu sem complica~6es recebendo alta no 5Q dia pos-operatorio. A tatica cirurgica empregada pode ser importante para a dirninui~ao da morbidade. A persistencia da arteria ci<itica (isquiadica) como principal fonte de irriga~ao do membro inferior e rara, tendo sido descritos 167 casos em uma revisao bibliografica realizada em 19943• A arteria ciatica persistente tern uma maior propensao a degenera~ao ateromatosa e a forma~ao de aneurismas 4,5, que foram diagnosticados em 77 casos dos 167 descritos (46%) 3. Essas degenera~6es ocorrem ou por hipoplasia dos elementos elasticos da parede da arteria primitiva, ou por trauma repetido em virtude do posicionamento desta arteria proximo a articula~a06. Apresentamos urn caso de uma paciente com diagnostico de aneurisma de arteria ci<itica persistente, apresentando tromboembolismo distal. Ricardo Soffiatti Mesquita de Oliveira Especialista em Cirurgia Vascular pela SBACV. Preceptor de Cirurgia Vascular e Angiologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade Federal De Medicina do Triangulo Mineiro FMTM-MEC. Mariana Kefalas Oliveira Academica da FMTM - MEC. Tatiana Maia Residente de Cirurgia Geral da FMTM-MEC. Leandro Debs Residente de Cirurgia Geral da FMTM-MEC. Wilson Nunes Especialista em Cirurgia Vascular pela SBACV. Chefe da Disciplina de Cirurgia Vascular e Angiologia do Departamento de Cirurgia da FMTM-MEC. Paciente L.S.A., 58 anos, negra, casada, do lar, natural e procedente de Uberaba - MG, apresentando quadro·de dor no membro inferior esquerdo ha tres horas, enquanto realizava suas atividades domesticas. Referia, tambem, dor na regiao gltitea a deambula~ao. 0 exame fisico foi normal, exceto quanta ao membro inferior esquerdo que apresentava cianose em pododactilos e diminui~ao de temperatura no pe e na perna. Os pulsos femorais e popliteos eram palpaveis bilateralmente. Os pulsos tibial posterior e pedioso nao eram palpaveis a esquerda mas a direita eram normais. Palpava-se ainda uma massa puls<itil na regiao gltitea esquerda de aproximada- Servic;o de Cirurgia Vascular e Angiologia do Hospital Escola da FMTM - MEC, Uberaba, MG. Ricardo S. de Oliveira R. Dr. Jose Ferreira, 150 38010-340 Uberaba MG Arteriografia (Fig. 1) - 1- persistencia da arteria ciatica primitiva esquerda pervia originada da arteria ilfaca interna, 2 - Forma9ao de dilata9ao aneurismatica de aproximadamente 4 cm de extensao em posi9ao retrocoxofemoral, 3 - A arteria primitiva segue trajeto descendente e posterior na coxa com calibre de 6 a 8 mm ate 0 nfvel do canal dos adutores, desviando-se medialmente e seguindo como arteria poplftea esquerda, 4 - Arterias femorais hipoplasicas. Tomografia computadorizada (CT) (Fig. 2) e Ressonancia magnetic a (RM)- Presen9a de dilata9ao aneurismatica fusiforme em posi9ao subglutea e retraarticular esquerda de aproximadamente 4,0 x 3,0 x 2,0 cm com trombo intra-luminal preenchendo aproximando 40% de sua luz, sem sinais de ratura. Figura 1 Arteriografia ilfaca esquerda: presen9a de arteria ci,Hica persistente com forma9ao aneurismatica. mente 5 cm de diametro, pouco dolorasa a palpa9ao e com sopro sist6lico audfvel ao estetosc6pio. Hemograma e bioqufmica mostraram-se normais. FAN negativo, FTA-abs positivo, Latex negativo, VDRL positivol/4, Anticardiolipina positivo 1/50 (uma dosagem). ECG: ritmo sinusal, bloqueio AV 12grau. Coagulograma I e II normais. Administrada, por via endovenosa, heparina 5000UI 4/4 horas. Houve melhora da dor e da perfusao, com retorno do pulso tibial posterior esquerdo. A paciente foi submetida a investiga9ao diagn6stica, realizando os seguintes exames complementares: Raio X de t6rax e Ecocardiograma - normais; Duplex scan - dilata9ao aneurismatica de arteria de circula9ao posterior na regiao glutea esquerda, medindo 4,0 x 2,0 x 3,0 cm com presen9a de trombo intra-luminal, obstruindo aproxirnadamente 40% da luz. Aorta abdominal normal. Realizou-se 0 tratamento cirUrgico com abordagem retroperitonial atraves do flanco esquerdo e fossa ilfaca esquerda. Identificaram-se as arterias iliaca comum, ilfaca interna e externa. Abordou-se a regiao poplftea ao nfvel do canal dos adutores, sendo identificadas as arterias ciatica primitiva e poplftea. Foi realizada ponte entre a emergencia da arteria ilfaca interna e a arteria poplftea supragenicular, com pr6tese de Dacron de 8 mm de diametro. Fez-se a ligadura da arteria ilfaca intema e da arteria ciatica persistente na desembocadura da arteria poplftea com verifica9ao da ausencia de pulsa9ao e da expansibilidade na regiao glutea esquerda. A paciente apresentou evolu9ao sem dor em membra inferior esquerdo, com boa perfusao do mesmo. A massa em regiao glutea tomou-se nao palpavel. Recebeu alta hospitalar no 52dia de p6s-operat6rio. No acompanhamento clfnico ambulatorial nao seevidenciou qualquer com- plica<;:ao. A paciente foi submetida no 40°. dia de p6s-operat6rio a exames de: - tomografia computadorizada com contraste (Fig. 3) que demostrau regressao significativa do diametro do aneurisma com preenchimento total da luz por trambo; e angiografia ilfaco-femoral esquerda (Fig. 4) que demostrau ponte pervia com exclusao total da arteria ciMica primitiva, incluindo 0 aneurisma. Figura 2 Tomografia computadorizada da pelve com contraste demonstra aneurisma posi<;:aoglutea esquerda com sua luz parcialmente preenchida por trombo. Figura 3 Tomografia computadorizada demonstra regressao total da sua luz no p6s-operat6rio. em do aneurisma com trombose No embriao de seis miHmetras ha surgimento da arteria axial do membro inferior derivada da arteria umbilical. A arteria iHaca intema e arteria ciMica se desenvolvem a partir deste vaso13• Com 12 semanas de gesta<;:ao, ha regressao da arteria ciatica que termina como arteria glutea inferior1• Neste perfodo, ocorre desenvolvimento do sistema femoral 0 qual comunicar-se-a com a arteria popHtea, tomando-se 0 principal tranco de irriga<;:aodo membra inferior. Quando nao ocorre regressao da arteria ciMica, esta permanece se comunicando com a arteria poplftea e toma-se predominante, com atrofia do sistema femora16,9.11,13. A arteria anomala passa atraves do forame ciMico, pr6xima ao nervo ciMico, podendo causar sua compressao. Desce no compartimento posterior da coxa e termina distalmente na arteria popHtea, em sua posi<;:aonorma14,5. A persistencia da arteria ciatica pode ser classificada em completa e incompleta sendo que, na primeira forma, a arteria ciMica persistente tern 0 mesmo calibre da arteria iHaca intema e e associ ada a hipoplasia do sistema femoral superficial. Quanto a incompleta, a arteria ciatica persistente comunica com a poplftea atrayeS de colaterais e 0 sistema femoral superficial tern diametra normal 1,4,5 • E, geralmente, uma patologia assintomatica, sendo, por isso, de diagn6stico postergado. Quando assintomlitica, a arteria cilitica persistente pode ser encontrada acidentalmente em uma arteriografia ou cirurgia de quadriP. Quando sintomlitica pode manifestar-se por: massa pulslitil na regiao glutea, dor em regiao glutea e coxa, sfndrome compartimental, sfndrome de compressao do nervo isquiadico e/ou sfndrome isquemica por embolizac;aodistal. Os pulsos perifericos sao palpaveis, exceto quando ocorrem fenomenos tromboemb6Iicos1,4.5.6,7,13. Como diagn6sticos diferenciais inclufmos: abscessos, sarcomas, aneurisma de arteria glutea, hernia cilitica, higromas, hematomas, tumores desm6ides e, principalmente, pseudoaneurisma de origem traumatica 1,2.5,6,7,8,13. o exame cUnico e, geralmente, insuficiente para diagn6stico, devendo entao, a suspeita clfnica ser corroborada por exames de imagem'. Atraves da radiografia simples pode-se verificar calcificac;oes na regiao glutea, sugerindo a presenc;a de pseudoaneurisma ou de aneurisma verdadeiro, 0 duplex-scan permite a confirmac;ao da origem arterial da massa, enquanto que a tomografia computadorizada ou a ressonancia nuclear magnetica definem melhor 0 tamanho e as relac;oes topograficas do aneurisma. A arteriografia e o exame padrao ouro e indispensavel para elucidar a origem do vaso, seu trajeto e verificar a presenc;a de dilatac;oes ou estenoses associadas 1.8,9,11,13, As principais complicac;oes relacionadas com 0 aneurisma da arteria cilitica persistente sao a rotura e a trombose com embolizac;ao distal. Por este motivo, seu tratamento deve ser precoce5,6. Quando a persistencia da arteria cilitica e incompleta pode-se abordar 0 aneurisma sem necessidade de se empregar um procedimento de revascularizac;ao do membro afetado4. Em alguns casos Figura 4 Angiografia ilfaca esquerda p6s-operat6ria ciatica persistente com ponte pervia. descritos, onde se encontraram massas pulsliteis na regiao glutea, 0 tratamento consistiu na endoaneurismorrafia; ligadura proximal e distal via regiao glutea com remoc;ao do aneurisma9 e ligadura proximal e distal do aneurisma via regiao gluiea associada a interposic;ao de enxerto de polipropil tetrafluor etileno (PTFE)13, Na literatura, casos em que ocorreram embolizac;ao distal foram demonstra exclusao total da arteria abordados por ligadura da arteria ciatica persistente a nfvel do forame ciatico e de suas func;oes com a arteria poplftea associada a ponte de safena entre a arteria femoral comum e a arteria poplftea5; exclusao do aneurisma por ligadura proximal e distal da arteria ciMica persistente associado a ponte de PTFE, atraves do forame obturador entre a arteria iliaca intema e a arteria ciatica distal. No presente caso, nao abordamos diretamente 0 aneurisma via regiao glutea, pois acreditamos que tal procedimento possa aumentar a morbidade cirurgica devida ao maior numero de incisoes empregado, e pelo fato de se tratar de uma lesao benigna, nao necessitando de abordagem direta da mesma. A opyao pela ponte entre as arterias iliaca intern a e poplitea supragenicular justifica-se pelo fato de nao utilizarmos 0 sistema femoral que estava hipoplasico. 0 emprego da ponte atraves do forame obturador 11 funciona como uma derivayao extra-anat6mica aumentando os riscos de compli- cayoes (sangramentos e infecyoes). Acreditamos que a tatica cirurgica empregada, nao abordando diretamente 0 aneurisma, possa ser responsavel pela ausencia de morbidade. Esta patologia rara deve sempre ser lembrada no diagn6stico diferencial das massas pulsateis da regiao glutea. The persistent sciatic artery is a rare annomalous development of the vascular system of the lower limbs which is prone to aneurysm formation in 46% of the cases. A case of a 58-year-old black woman that developed distal peripheral embolism. Diagnostic investigation disclosed an aneurysm of a left persistent sciatic artery. Surgical treatment was performed by excluding the aneurysm and linking the internal iliac artery to the popliteal artery one through a bypass with Dracon graft to re-establish the flow. The patient showed improvement and was sent home at the fifth post-operative day. The surgical procedure performed may be responsible for the absence of morbity. 1. Benevenia J, Zimmerman MG, O'Neil M, Choudhri A.: Aneurysm of a congenitally persistent sciatic artery presenting as a softtissue mass of the buttock. J Bone Joint Surg 77(11): 1724-1728, 1995. 2. Demetriades D, Rabinowitz B, Sofianos C - Gluteal artery aneurysms. Br J Surg 75, 494-501, 1988. 3. 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