Transtornos do Espectro do Autismo Citação: Antonio Carlos Lopes. Clínica Médica. Diagnóstico e tratamento. 6vol, 6254ppEditora Atheneu. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, 2014 ISBN – 9788538804437 Cap 437 Decio Brunoni, Marcos Mercadante, José Salomão Schwartzman. Transtornos do espectro do Autismo. Pp. 5731-5746 Decio Brunoni Professor Associado Livre Docente do Departamento de Morfologia e Genética; Coordenador do Centro de Genética Médica e do Programa de Residência em Genética Médica da UNIFESP, Professor Titular do Curso de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie Marcos Mercadante Professor adjunto do departamento de psiquiatria da escola paulista de medicina da universidade federal de são paulo; presidente conselho consultivo e projetos da Autismo & Realidade; pesquisador CNPQ II José Salomão Schwartzman Professor Titular do Curso de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Diretor Científico da Associação Brasileira da Síndrome de Rett (Abre-Te) de São Paulo INTRODUÇÃO: CLASSIFICAÇÃO E EPIDEMIOLOGIA Transtornos do Espectro Autista (TEA) compreendem uma série de condições fenotípicas que tem em comum alterações do desenvolvimento da sociabilidade, da comunicação e um padrão de interesses restritos, incluindo comportamentos repetitivos ou estereotipados. O conceito de espectro autista foi introduzido na década de 80, pela autora inglesa Lorna Wing, abrangendo os quadros do autismo, da síndrome de Asperger e os transtornos globais do desenvolvimento sem outra especificação que compõem o capitulo dos transtornos globais do desenvolvimento do manual de classificação de doenças mentais da academia americana de psiquiatria. Essa proposta visionária parece ter antecipado, ou influenciado, o avanço do conhecimento, uma vez que os projetos de classificações para o DSM-V (a 5a revisão do manual americano de classificação), e o CID-XI (a 11a revisão do código internacional de doenças), a serem publicados a partir de 2013, prevêem a abolição do subcapitulo transtornos globais do desenvolvimento com suas categorias diagnósticas (autismo, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo e transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação) e a adoção de apenas uma condição; os transtornos do espectro autista. Essa tendência pode ser compreendida à luz dos progressos da neurociências e das limitações que o modelo fenomenológico descritivo tem imposto às classificações dos transtornos mentais. Apreende-se que um momento de transição ocorre no campo das doenças mentais. O avanço da neurociência tem pressionado uma modificação no modo de pensar as doenças mentais. O modelo tradicional fenomenológico utilizado para definir as categorias nosográficas parece menos eficiente que o conjunto de produção do conhecimento obtido pela neurociência translacional. Nessa perspectiva admite-se que as diferentes manifestações de TEA seriam resultantes da interação de diferentes genes candidatos interagindo, ainda, com o ambiente (incluindo as infecções, exposições a agentes tóxicos e experiências vivenciais), a epigenética. Há 70 anos, Leo Kanner, psiquiatra da infância e adolescência austríaco radicado nos Estados Unidos, descreveu onze crianças que apresentavam em comum um padrão comportamental que nomeou de Autismo Infantil. Sua descrição fenomenológica até hoje é válida, porem a ampliação do conceito e o acumulo do conhecimento tem sugerido que estamos frente não a uma condição única, mas sim dezenas de diferentes formas de manifestação comportamental segundo o desenho de cérebro social. O estudo do cérebro social tem se desenvolvido por meio das pesquisas com neuroimagem, nos quais varias regiões de interesse tem sido descritas como o giro fusiforme e o sulco temporal superior, ambos no lobo temporal; pesquisas em genética, nos quais vários genes candidatos tem sido explorados, como os genes relacionados às moléculas de adesão; pesquisas com modelos animais, nos quais fatores ambientais tem sido avaliados na capacidade de induzir comportamentos semelhantes ao autismo, assim como animais modificados geneticamente a partir de genes candidatos; pesquisas neuropsicológicas tem delimitado perfis que tem individualizado sub-grupos mais homogêneos, principalmente baseados nos elementos que comporiam as teorias predominantes: teoria da mente, coerência central e disfunção executiva. Ainda que precisemos aprofundar o conhecimento acerca dos TEA, alguns resultados demonstram que estamos no caminho certo. Na década de 80, admitia-se que apenas 10% dos portadores dessas condições conseguiriam conquistar independência. Hoje, nos centros de referencia podese esperar que algo próximo de 50% dos pacientes devem conquistar um certo nível de independência, principalmente porque os programas de intervenção tem sido estabelecidos cedo, antes dos 24 meses de idade. Para que isso esteja sendo possível, progressos na capacidade de reconhecimento precoce, antes dos 18 meses, tem motivado uma serie de estudos buscando a identificação de fatores de risco, marcadores endofenotípicos e mesmo definição fenotípica de comportamentos desviantes observáveis nos primeiros 12 meses de vida. Definição O termo em inglês pervasive developmental disorders tem sido traduzido para o português como transtornos invasivos do desenvolvimento, transtornos abrangentes do desenvolvimento e transtornos globais do desenvolvimento, essa ultima a tradução que foi utilizada na versão oficial do CID-X e do DSMIV. O conceito atual, que está em transição, define os transtornos globais do desenvolvimento baseado na observação do comportamento, seguindo os preceitos da fenomenologia descritiva. As alterações devem estar presentes no domínio da sociabilidade, com prejuízo qualitativo na capacidade de interação, no domínio da comunicação, também com prejuízo qualitativo na capacidade funcional; e no domínio do comportamento, com um padrão restrito e por vezes estereotipado. Para que pertença a essa condição é imprescindível alterações da sociabilidade e pelo menos alterações em um dos outros domínios. Alem disso, o conceito atual pressupõe que o inicio do quadro tenha ocorrido anteriormente aos 36 meses de idade. A proposta para o DSM-V modifica o conceito acerca dos três domínios, e propõe um só domínio denominado de comunicação social e interação social e outro domínio de comportamento, que deve ser restrito e/ou repetitivo. Alem disso, o critério de idade de inicio deverá ser modificado, sendo definido apenas como presentes desde a infância, porem podem vir a ser observados apenas quando as demandas sociais venham a exceder os limites da capacidade do individuo. Classificação Até a década de 80 o autismo estava classificado no capitulo das psicoses da infância. A grande modificação em termo classificatórios ocorreu com a introdução da 3a edição do manual de classificação americano (DSM-III), quando o autismo passou a ser definido como um transtorno do desenvolvimento e não mais como um quadro de psicose infantil. Nessa edição foram incluídas no capitulo dos transtornos globais do desenvolvimento apenas duas categorias nosográficas; autismo e o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação. Apenas na 4 a edição, o DSM-IV foram incluídos a síndrome de Asperger, a síndrome de Rett e o transtorno desintegrativo. Esse modelo foi seguido pelo CID-X, que incluiu uma outra categoria denominada autismo atípico. Importante considerar que os critérios diagnósticos propostos são conceitos que vem sendo modificado ao longo dos anos. Para que uma categoria nosográfica seja considerada é necessário que ela se mostre valida, isso é, que ela realmente represente uma condição. Por exemplo, os estudos de campo para o DSM-IV sugeriram que uma categoria denominada transtorno múltiplo e complexo do desenvolvimento, embora identificasse corretamente um grupo de crianças em estudos transversais, não mantinha essa capacidade nos estudos longitudinais, quando parte desses sujeitos passavam a ser melhor classificados como tendo transtorno esquizofreniforme, transtorno bipolar, e não mais transtorno múltiplo e complexo do desenvolvimento. Frente a esse desempenho, essa categoria nosográfica não foi incluída nos manuais. De certa maneira, essa é a mesma justificativa para que os futuros manuais de classificação eliminem as distinções entre as categorias: autismo, síndrome de Asperger, etc. Os estudos de campo tem sugerido que os critérios não são validos em termos de prognósticos e tratamento, assim como não conseguem identificar uma grande quantidade de casos que apresentam características das duas condições. Como exemplo, classicamente, autismo apresentaria desenvolvimento motor normal, atraso no desenvolvimento da fala, performance do QI de execução superior ao QI verbal. Por outro lado, síndrome de Asperger apresentaria prejuízos no desenvolvimento motor, desenvolvimento normal da fala, e performance do QI verbal superior ao QI de execução. No entanto, é muito freqüente encontrarmos crianças misturando as diferentes apresentações, o que demonstra a ineficiência dessas distinções nosográficas. Epidemiologia Na década de 60, Lotter na Inglaterra relatou uma prevalência de 4,5 em 10.000 crianças de 8 a 10 anos. As modificações no conceito e na metodologia de pesquisas para identificação de prevalências para quadros de baixa freqüência levaram aos dados atuais de freqüências estimadas em torno de 10 para 10.000 no autismo e de até 60 para 10.000 nos TGD. Recentemente, o Center for Disease Control and Prevention (CDC), nos Estados Unidos, publicou dados de 2009 com uma prevalência estimada de 1/110 em geral, e 1/70 em meninos. Já o único estudo brasileiro encontrou uma prevalência de 0,3% para TGD, uma das mais baixas taxas da literatura. QUADRO CLINICO DOS TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO Os TEA devem ser considerados distúrbios do desenvolvimento caracterizados por um quadro comportamental peculiar e que envolve sempre as áreas da interação social, da comunicação e do comportamento em graus variáveis de severidade; este quadro é, possivelmente, inespecífico e representa uma forma particular de reação do sistema nervoso central frente a uma grande variedade de insultos que podem afetar de forma similar determinadas estruturas do sistema nervoso central em períodos precoces do desenvolvimento. Por idades precoces devemos entender o período gestacional e primeiros meses de vida. O quadro clínico deve se manifestar, de forma clara, até o terceiro ano de vida. Levando-se em conta que estamos discutindo um espectro de condições, fica implícita a grande variabilidade clinica destas desordens o que implica em manifestações clinicas com grande variabilidade quanto à intensidade dos prejuízos presentes em cada área de comprometimento. De qualquer maneira, todos os casos apresentam prejuízos envolvendo a interação interpessoal, o comportamento e a comunicação e podemos considerar os TEA como sendo transtornos definidos pela presença de desenvolvimento anormal e/ou comprometido nas áreas da interação social, comunicação e comportamento, que se manifesta antes dos três anos de idade e que ocorre 3-4 vezes mais frequentemente em meninos. Mais de metade dos indivíduos com TEA apresentam deficiência intelectual que pode variar de leve a profunda e evidentemente quando presente irá modificar a forma de apresentação do problema uma vez que teremos um quadro clinico com as características de ambas as condições; a deficiência intelectual e o TEA. Outras associações freqüentes, tais como epilepsia, podem modificar o quadro clinico. De modo geral podemos dizer que quanto mais severo for o quadro clínico, mais precoce poderá ser levantada a hipótese de TEA sendo que atualmente conseguimos identificar crianças em risco de apresentar esta patologia em idades tão precoces quanto 1 – 2 anos de idade. Tendo em vista que o prognóstico da criança parece ser bem melhor quanto mais cedo for iniciado o tratamento, nossos esforços atualmente são no sentido de tentar identificar estas crianças o mais cedo possível. O papel do pediatra nesta identificação é crucial e ele deverá levar em conta que, não sendo possível afirmar um diagnóstico de TEA nos primeiros anos de vida é possível, ao menos identificar aquelas que podemos considerar de risco. Sinais que devem ser considerados como “de risco” são a falta de resposta consistente quando chamado pelo nome já por volta dos 12 meses de idade, a dificuldade em apontar para mostrar (não pedir) alguma coisa, a dificuldade em olhar para as pessoas, a dificuldade em aprender a fazer tchau, a dar um beijo, a bater palmas. Respostas não usuais à certos sons (liquidificadores, secadores, motocicletas etc) também devem ser consideradas. Interação social Os problemas decorrentes das dificuldades nas relações interpessoais se manifestam de várias formas, como por exemplo, no prejuízo no uso de comportamentos não verbais que dizem respeito à comunicação interpessoal. Dentre esses comportamentos poderíamos citar a ausência ou o grande prejuízo no contato visual direto. Este sinal, presente de forma muito óbvia em boa parte dos indivíduos com AI pode estar presente desde muito cedo a ponto de algumas mães afirmarem que seus bebês nunca olharam nos seus olhos. Alguns pacientes mantêm esta dificuldade pelo resto de suas vidas. Em outros pacientes não há um total evitamento do olhar direto mas o contato visual é muito fugaz. Há casos descritos, entretanto, em que o olhar direto está presente e de forma exagerada, em que o paciente fixa intensamente o olhar no interlocutor com uma intensidade que chega a chamar a atenção . Indivíduos com TEA têm problemas, também, com a expressão facial. Têm pobres expressões faciais e não conseguem compreender as expressões faciais dos outros o que pode comprometer muito a sua possibilidade de entender boa parte da comunicação que se processa entre as pessoas. Os gestos também estão prejudicados nestes pacientes o que compromete mais ainda suas limitadas capacidades comunicativas. Os pacientes apresentam grande dificuldade ou mesmo incapacidade de fazer e manter amigos. Alguns parecem não querer e não se importar com o fato de não terem amigos. Já indivíduos menos comprometidos, como alguns com a Síndrome de Asperger incomodam-se bastante com o fato e chegam a pedir receitas de como se faz para conseguir amigos, namoradas etc. Estes últimos percebem suas dificuldades e se dão conta de que não conseguem se apropriar das regras sociais que estão em jogo no convívio social. Estas pessoas demonstram grande dificuldade em compartilhar prazeres e desconfortos razão pela qual em momentos de sofrimento o individuo com autismo pode se isolar mais e se recusar a receber o afago de sua mãe. Da mesma forma, frente a algo que lhes dá muito prazer não conseguem partilhar com os outros esta alegria. Comunicação As habilidades relacionadas com a comunicação sempre estarão comprometidas sendo que neste domínio o grau de comprometimento é extremamente variável. Em grande número de crianças afetadas, a ausência da fala ou o atraso na mesma serão as manifestações que chamarão a atenção para a presença de algum transtorno do desenvolvimento. Não é raro que a criança com TEA seja inicialmente encaminhada tendo como razão primeira o transtorno de comunicação. Em alguns casos há completa ausência da fala, em geral, não compensada por formas alternativas de comunicação. Nos indivíduos que têm fala, há evidentes dificuldades para iniciar e manter uma conversação. A fala pode ser repetitiva e estereotipada. No meio de uma frase pode surgir parte de um anúncio ouvido na TV ou a simples repetição de frases inteiras ou de palavras isoladas fora do contexto daquele momento. Há, frequentemente, a tendência para a repetição de frases ou palavras ouvidas na forma de ecolalias mediatas ou imediatas. Com o passar do tempo estas repetições podem assumir a forma de ecolalia mitigada quando são utilizadas de forma estereotipada porem contextualizadas e com nítida intenção comunicativa. A maneira de falar também se mostra anormal no ritmo, acentuação e inflexão. Alguns autistas terminam todas as frases com uma inflexão interrogativa. Outros, pela alteração da prosódia da língua dão a impressão de falarem com um sotaque estrangeiro ou falam de forma monótona e sem inflexão. Nos pacientes com bom rendimento intelectual e preservação da fala expressiva a fala é pedante com o uso de palavras e construções não esperadas para uma criança daquela idade. Da mesma forma que a fala expressiva a compreensão também está bastante alterada sendo muito evidente a compreensão literal da fala do outro o que leva à dificuldade. Não conseguem contextualizar o discurso o que dificulta ou impede a compreensão de certas ambiguidades que fazem parte de nossa fala habitual. Expressões como “chover canivetes”, “estou me lixando com isto”, “afinal todos temos que engolir sapos” podem sem extremamente confusos para estes indivíduos. Comportamento Podemos observar padrões repetitivos e restritos de comportamento, interesses e atividades. Apresentam interesse extremo em determinados assuntos dedicando-se de modo total ou quase que exclusivo a ela. Podem se dedicar ao estudo de certos assuntos, colecionar determinados objetos de tal modo que passam a ser especialistas nestas áreas. Este foco restrito de interesses aliado à excelente memória visual que costumam apresentar faz com que sejam considerados, por vezes, como indivíduos superdotados. Já tivemos a oportunidade de assistir em programas de entrevistas na televisão alguns desses indivíduos, apresentados como verdadeiros gênios ou superdotados. Suas dificuldades de relacionamento e a peculiaridade na forma de se comunicar são vistas, erroneamente, como próprias dos indivíduos superdotados. Estes pacientes demonstram um forte apego às rotinas e tentam fazer da sua vida e da vida dos familiares algo padronizado e repetitivo. São capazes de pedir comida não por sentirem fome, mas porque “está na hora do almoço”. No filme Rain Man, o personagem protagonizado por Dustin Hoffmann demonstra de forma muito clara o ponto que estamos discutindo. Aqueles que se lembram do filme hão de se recordar de várias cenas em que o que movia o personagem era a rotina previamente estabelecida: a hora da refeição, a marca das cuecas que ele usava etc. Este apego à rotina pode fazer com que uma simples mudança de itinerário, uma tentativa de troca de roupas ou a colocação de um determinado objeto fora do local habitual desencadeiem verdadeiras crises catastróficas que podem resultar em agressões e outros comportamentos que, não sendo compreendidos pelos familiares, criam uma situação muito difícil. Outro aspecto interessante que poderemos observar é o interesse por partes de um objeto e não pelo objeto como um todo. Podem ficar brincando horas com uma das rodas de um carrinho, sem brincar com o carrinho como seria de se esperar. Podem ficar imersos em movimentos corporais repetitivos tais como ficar girando, dando pulinhos, abanando as mãos (flapping), ficar passando as mãos com os dedos entreabertos na frente dos olhos etc. Uma característica marcante no comportamento dos indivíduos com AI é a grande inconsistência que apresentam em quase todas as suas atividades e ações. Num momento não respondem aos estímulos auditivos podendo parecer surdos para, logo depois, reagirem de forma desproporcional a um pequeno ruído. Podem sofrer uma queda e não reagirem à dor para logo após, chorar quando alguém toca delicadamente em alguma parte de seu corpo. ETIOLOGIA Recorrência na irmandade em torno de 5 vezes maior do que a prevalência; alta herdabilidade com concordância em gêmeos monozigóticos em torno de 90%; comorbidade com diversas síndrome genéticas; estudos de associação positivos para genes candidatos; lods escores positivos, em estudos de ligação com amplas triagens genômicas, para diversas regiões cromossômicas; mutações patogênicas específicas em alguns genes nucleares e mitocondriais possivelmente envolvidos com a patogênese do transtorno; microdeleções e microduplicações encontradas em casos sindrômicos por estudos de aCGH (array-comparative genomic hybridization) e variações genômicas possivelmente patogênicas detectadas por aCGH - as CNVs (copy number variations) alicerçam as evidências da participação genética na etiologia dos TEA seja do ponto de vista de etiologia pura (a alteração genética é a condição suficiente para desenvolver a doença) ou adicional (a alteração genética é um fator de risco para o desenvolvimento da doença). Possivelmente em 15% dos indivíduos com diagnóstico de TEA diagnostica-se uma condição genética que pode ser reconhecida clinicamente ou apenas através de exames laboratoriais. Frequência maior de intercorrências perinatais potencialmente danosas para o SNC (infecções; anóxia; prematuridade; agentes teratogênicos); concordância em gêmeos monozigóticos menor do que 100% são as evidências que falam a favor da participação de fatores ambientais na etiologia dos TEA. Não há números claros que indiquem freqüências aceitáves de causas puramente ambientais como causa dos TEA. Uma estimativa sugerida na literatura seria algo em torno de 2%. Assim teríamos uma definição causal em cerca de 20% dos casos. Este grupo pode ser designado de autismo sindrômico e engloba os casos mais graves. Deficiência Intelectual; anomalias morfológicas; crises convulsivas e alterações do SNC são freqüentes. Os pacientes com diagnóstico de TEA nos quais um agente causal como os acima mencionados não é identificado seriam explicados pelo modelo multifatorial. A melhor representação que se poderia fazer dele indicaria diversos componentes etiológicos que explicariam, através de mecanismos patogênicos similares ou intercorrentes, o comprometimento de regiões cerebrais que se traduziriam nas diversas sintomatologias dos TEA, acima descritas. Assim, teríamos o fenótipo cognitivo-comportamental, que permite reconhecimento do transtorno, explicado por fatores etiológicos isolados associados que comprometem vias neurais determinadas. A extensão agravo das estruturas cerebrais, a época em que ocorrem, a possibilidade recuperação ou não seriam os ingredientes para explicar a diversidade sintomatologia. o ou do de da Do exposto, diversos cenários etiopatogênicos podem ser imaginados. Mencionaremos os principais, de origem genética, e de interesse para os clínicos. 1 mutação de um gene ou um rearranjo cromossômico leva a ausência de função em fase crítica da organogênese cerebral: o defeito resultante explica completamente o quadro clínico: etiologia genética – sempre (ou em alta proporção de casos) que esta alteração genética ocorre o indivíduo terá um transtorno do espectro do autismo, mesmo com sintomatologia variada. Esta situação é rara e encontrada em pequena porcentagem de pacientes investigados a partir de sintomatologia dentro do espectro. Por outro lado não existem amostras em número suficiente que possam estabelecer uma relação causal definitiva: associação de 100% entre o TEA e a alteração genética. 2 a mutação de um gene ou um rearranjo cromossômico leva a uma síndrome genética a qual se associa em freqüência elevada com quadros de TEA: etiologia genética não explica todos os casos. Esta situação é relativamente freqüente; diversas síndromes genéticas apresentam co-ocorrência com os TEA. Entre elas merece destaque a Síndrome do X-Frágil (FRAXA) possivelmente a síndrome monogênica na qual encontramos maior freqüência desta associação. De fato, enquanto que 1 a 3% das crianças averiguadas por um quadro clínico de TEA são positivas para o diagnóstico molecular de FRAXA entre estas a freqüência com que se reconhece sinais dos TEA chega a 50%. Na Tabela 1 estão as síndromes ou alterações genéticas principalmente associadas aos TEA. Entra tabela 1 DIAGNÓSTICO Dois são os principais manuais classificação utilizados, o DSM-IV – Manual de Classificação Diagnostica da Academia Americana de Psiquiatria, publicado em 1994; e a CID-10 – Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, também lançado em 1994. A grande diferença entre os dois manuais está na estruturação contida no DSM-IV que propõe regras operacionais para que o diagnóstico seja feito. Importante considerar, que o DSM foi realizado para ser utilizado em um país com um padrão cultural bastante homogêneo. Já o CID-10 foi desenvolvido para ser utilizado em países com padrões culturais muito distintos, e portanto trabalha com o conceito de diretrizes e não normas. Entra tabela 2 O número de transtornos agrupados neste bloco difere entre o CID-X e o DSM-IV. No CID-X, os transtornos globais do desenvolvimento (F84) estão inseridos no bloco dos Transtornos do Desenvolvimento Psicológico (F80-89). Os transtornos globais do desenvolvimento estão assim caracterizados: (F84.0) Autismo infantil; (F84.1) Autismo atípico; (F84.2) Síndrome de Rett; (F84.3) Outro transtorno desintegrativo da infância; (F84.4) Transtorno de hiperatividade associado ao retardo mental e movimentos estereotipados; (F84.5) Síndrome de Asperger; (F84.8) Outros transtornos globais do desenvolvimento; (F84.9) Transtorno global do desenvolvimento, não especificado. No DSM-IV, estão listadas apenas o transtorno autista (sem a palavra infantil, incluída no CID-X), transtorno de Asperger, transtorno de Rett, transtorno desintegrativo e transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação. A proposta para o DSM-V prevê a unificação dos domínios de sociabilidade e comunicação, que passam a ser reunidos em um só domínio denominado de comunicação social e interação social. Para que um individuo venha a ser classificado como pertencente ao espectro autista, segundo essa proposta, ele tem que apresentar prejuízos na reciprocidade das interações sociais e emocionais, prejuízos nos comportamentos de comunicação nãoverbal, e prejuízos na capacidade de desenvolver e manter relacionamentos. O segundo domínio, relativo ao padrão de comportamento, que deve ser restrito e/ou repetitivo, propõe que o individuo apresente pelo menos duas das quatro manifestações descritas. Por fim, os sintomas devem estar presentes desde a infância, mas podem não ser observados ate que as demandas sociais excedam os limites da capacidade do individuo. Esse critério, vem a substituir o critério de idade de inicio anterior, que era de 36 meses. Uma vez que ainda não existem marcadores biológicos ou endofenotípicos que definam o diagnostico dos transtornos globais, uma serie de instrumentos são utilizados buscando uma maior padronização da maneira de diagnosticar entre os profissionais com diferentes formações e níveis de conhecimento sobre o assunto. Os instrumentos mais utilizados são Childhood Autism Rating Scale, CARS, (Schopler, Reichler & Renner, 1988 - validação brasileira: Pereira, Riesgo, Wagner, 2008); Autism Behavior Checklist, ABC, (Krug, Arick & Almond, 1980 – validação brasileira: Marteleto & Pedremônico, 2005), Autism Screening Questionnaire, ASQ, (Berument et al., 1999 – validação brasileira Sato et al., 2009); Autism Diagnostic Interview – revised, ADI-R (Lord, Rutter & Le Couteur, 1994 – em validação pelo grupo da UFRGS), Autism Diagnostic Observation Schedule, ADOS, (LORD et al., 1989). Modified Checklist for Autism in Toddlers, M-CHAT, (Robins et al., 2001 – tradução brasileira Losapio e Pondé, 2008). Para rastrear os sinais/sintomas de uma maneira sistemática podemos usar um dos instrumentos assinaldos como o traduzido e validado entre nós, o ASQ . Feito o diagnóstico de uma das categorias dos TEA o trabalho clínico mais intenso é no sentido de descartar TEA Sindrômico de acordo com o acima relatado. Portanto, exame clínico minucioso deve ser efetuado. Na presença de sinais dismórficos e/ou deficiência intelectual deve-se aprofundar a investigação genética laboratorial começando com o cariótipo e, se necessário, culminando com a investigação de variação de número de cópias (CNVs) com técnicas de aCGH. A procura de mutações nos genes relacionados na tabela 1 deve ser efetuada com critérios rigorosos na seleção dos casos. TRATAMENTO Considerações gerais O autismo infantil é uma condição crônica, que se caracteriza pela presença de prejuízos importantes em várias áreas de atuação do indivíduo e, por estas razões, o tratamento deverá ser sempre conduzido por uma equipe multidisciplinar envolvendo profissionais de diversas formações. Os tratamentos disponíveis hoje visam minimizar os prejuízos presentes e não a cura dos TEA. O tratamento somente poderá ser proposto em bases racionais, uma vez que se tenha obtido um perfil de funcionamento do paciente em todas as áreas possíveis e os pais ou responsáveis pelo paciente deverão estar cientes das possibilidades e limitações de cada constituinte do plano geral de tratamento. Voltamos a enfatizar que a conduta proposta atualmente é a encaminhar para tratamento crianças ainda muito novas para que se firma o diagnóstico de TEA mas que apresentem alguns dos sinais considerados de risco, como definidos anteriormente. O tratamento dos TEA deverá visar tornar o individuo o mais independente possível em todas as áreas de atuação. A maioria dos indivíduos afetados requerem alguma forma especifica de educação e algumas intervenções comportamentais. A participação do psicólogo na equipe de diagnóstico e tratamento é imprescindível tanto no que se refere à avaliação do paciente (avaliação neuropsicológica) como em um trabalho de orientação sistemática à família e, eventualmente, em um trabalho de tipo psicoterápico em alguns poucos autistas de bom rendimento. As Técnicas de Modificação Comportamental são as mais indicadas no tratamento principalmente naqueles casos mais comprometidos. Estas técnicas têm sido amplamente utilizadas e com resultados bastante satisfatórios. Podem ser empregadas para reforçar habilidades sociais, acadêmicas e relacionadas à atividades de vida diária. Técnicas comportamentais podem representar um valioso auxiliar na classe de aulas onde uma tarefa complexa pode ser quebrada em etapas lógicas facilitando o aprendizado do aluno; uma série de “dicas” verbais ou físicas poderão ser relacionadas aos estágios e o aprendizado poderá ser reforçado por recompensas. Métodos comportamentais também poderão ser utilizados para tentar reduzir comportamentos indesejáveis que interferem com o funcionamento da criança. Ignorar comportamentos anormais e recompensar comportamentos desejáveis pode ser uma forma inespecífica e simples de ajudar a criança. Nas crianças com TEA os objetivos das intervenções educacionais dependerão, em grande medida, do grau de comprometimento presente. Nos pacientes com prejuízos cognitivos importantes os esforços deverão se dirigir, de forma mais específica no sentido de se tentar aumentar a comunicação e interações sociais, na redução das alterações comportamentais (estereotipias, hiperatividade etc) na maximização do aprendizado e independência nas atividades de vida diária. Sabe-se que crianças autistas respondem melhor, em geral, em classes pequenas e bem estruturadas. O tipo de escola dependerá, de certa forma, do grau de comprometimento da criança em vários aspectos do comportamento e cognição. Um tipo de programa educacional que tem sido utilizado com bons resultados foi elaborado pela Division TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication-Handicapped Children): um programa aplicado no Estado da Carolina do Norte nos Estados Unidos e que vem sendo utilizado em vários países, entre os quais o Brasil. As dificuldades de comunicação tais como o atraso ou a ausência total e persistente da fala e nos autistas verbais, as dificuldades na emissão e na compreensão, a estereotipia e os prejuízos pragmático-semânticos exigem a participação do terapeuta da comunicação. Este deverá trabalhar não somente a fala mas toda e qualquer forma de atitude comunicativa. Levando-se em conta as grandes dificuldades que os pacientes apresentam para a compreensão de pistas não verbais da linguagem, um trabalho específico neste sentido deverá ser desenvolvido. Os aspectos pragmáticos e semânticos também devem merecer a atenção naqueles pacientes verbais. Nos que não conseguem falar, deverá ser desenvolvido trabalho no sentido de estabelecer a comunicação gestual, uso de símbolos e/ou computadores. Os prejuízos associados, quando presentes, impõem limitações adicionais e necessitarão de atenção específica. Entre os mais frequentes, estão a deficiência mental, a epilepsia, os prejuízos da atenção-concentração com hiperatividade e outras desordens psiquiátricas. Conforme já vimos, estima-se que cerca de 50% das crianças com AI têm deficiência mental variando de leve a severa, 20-35% apresenta inteligência limítrofe-normal (QI entre 70-100) e menos de 5% tem QI superior a 100. Cerca de 20% dos casos apresentam epilepsia e em alguns desses casos, fator que pode dificultar a identificação das manifestações epilépticas é que poderemos nos deparar com crises parciais complexas, de difícil reconhecimento em um paciente com deficiência mental e distúrbios comportamentais. A epilepsia, quando presente, deverá ser tratada de forma adequada. O tratamento medicamentoso tem indicação frente a determinadas alterações do comportamento que não respondam aos métodos não farmacológicos. Intervenção medicamentosa Até o momento, não existem tratamentos medicamentosos para os transtornos do espectro autista. É possível que isso venha a ser modificado para alguns subtipos, que possam ser dependentes de falhas de sinalização intracelular ou na expressão de proteínas terminais, como as que compõem os receptores. Alguns estudos com camundongos mutantes do gene SHANK3 sugerem que talvez o sub-grupo de pacientes com essa alteração possam ter parte dos sintomas melhorados com a utilização de drogas que reforçam a sinalização glutamatérgica ou outras que estabilizem os receptores AMPA na membrana celular. No entanto, hoje, os medicamentos utilizados para facilitar o desenvolvimento dos portadores de transtornos do espectro autista são direcionados a sintomas alvos. Os principais sintomas alvo são irritabilidade, desatenção, hiperatividade/impulsividade, auto e hetero-agressividade, insônia, e comportamentos repetitivos. Esses sintomas dificultam o desenvolvimento, assim como atrapalham as intervenções. Vários agentes farmacológicos tem sido utilizados visando controlar, minimizar ou mesmo eliminar esses sintomas. A irritabilidade tem sido mais freqüentemente medicada com risperidona, que em estudo multicêntrico mostrou uma impressionante resposta para diminuir esse sintoma (effect size = 1.2). Interessante que nos estudos as respostas vem com doses baixas (entre 0,25 a 1 mg), sugerindo que o efeito dual (serotoninérgico/dopaminérgico) desse medicamento é superior ao seu efeito unicamente dopaminérgico, observado em doses maiores. Outras classes de medicamentos também são utilizadas, como os anticonvulsivantes, os agonistas alfa-adrenérgicos, e por vezes os antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina. A desatenção tem sido medicada principalmente quando a criança está sendo alfabetizada, e não consegue sustentar a atenção por períodos mais longos. É interessante notar, que freqüentemente crianças do espectro autista apresentam um hiperfoco (o foco atencional é muito intenso para algumas coisas), porem não conseguem manter o foco atencional para tarefas monótonas que não sejam do seu interesse. Nessas condições, seja por desatenção ou por dificuldade de sustentação da atenção em tarefas monótonas o uso do metilfenidato mostra-se vantajoso, principalmente para crianças com mais de 6 anos. Outras classes de medicamentos também são utilizadas como a guanfacina (um agonista alfa-adrenérgico que se mostrou útil no controle da desatenção) e a bupropriona (um anti-depressivo que tem demonstrado certa capacidade em melhorar o desempenho atencional). A hiperatividade/impulsividade tendem a ser medicadas com os neurolépticos (como a risperidona), com o metilfenidato, com a clonidina, e com anticonvulsivantes, em especial o topiramato que parece ter uma boa ação anti-impulsiva. A auto e hetero-agressividade também são medicadas com essas classes de medicamentos, assim como, com o naltrexone (um antiopióide) e o propranolol (um beta-bloqueador). A insônia é um sintoma que atrapalha um grande numero de pessoas do espetro autista. O manejo dessa manifestação é difícil, e possivelmente está relacionada às características do sistema gabaérgico observadas nessas pessoas. Baixas doses de neurolépticos, anti-histamínicos, clonidina são medicamento que tem sido utilizados. Mais recentemente, estudos tem sugerido que a melatonina pode ser uma boa opção, uma vez que se identificou uma alteração genética da cadeia de sinalização desse neuromodulador em crianças autistas. Os comportamentos repetitivos tem sido medicados com os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, possivelmente por sua semelhança com os sintomas obsessivo-compulsivos. No entanto, a resposta a esse tipo de medicamento tem sido inferior àquela observada em pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo, sugerindo que apesar da semelhança fenotípica, diferentes circuitos cerebrais estejam envolvidos. O progresso obtido pelos estudos translacionais deverá modificar esse cenário nos próximos anos. A abordagem medicamentosa dos transtornos do espectro autista conta ainda com muitas limitações, que poderão ser superadas na medida em que consigamos compreender o modo de funcionamento dos diferentes circuitos cerebrais envolvidos nas funções sociais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 Betancur C. Etiological heterogeneity in autism spectrum disorders: more than 100 genetic and genomic disorders and still counting. Brain Research 2011; 1380:42-77. 2 Marcos Tomanik Mercadante & Maria Conceição do Rosário Autismo e Cérebro Social. SegmentoFarma, pp: 144. ISBN:978-85-98353-98-2 3 Nazeer A. Psychopharmacology of autistic spectrum disorders in children and adolescents. Pediatr Clin North Am. 2011 Feb;58(1):85-97, x. Review 4 Schwartzman JS. Autismo infantil. São Paulo: Memnon; 2003. 5 Schwartzaman JS, Araujo CA (ed.) Transtornos do espectro do autismo. São Paulo: Memnon; 2011 (no prelo)