Violência e desenvolvimento ético-moral em escolas

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Violência e desenvolvimento ético-moral em escolas públicas na Amazônia
Paraense
Violence et développement éthico-moral à l’école publique de la région
amazonienne du Para
Cely Nunes (UNAMA)
Hélder Sarmento (UNAMA)
Carlos Paixão (UNAMA)
Resumo
O estudo analisa as concepções e manifestações da violência escolar e discute como a ética é trabalhada
em duas escolas públicas localizadas em bairros periféricos na amazônia paraense, Brasil. A pesquisa do
tipo colaborativa construiu dados a partir de documentos e de oficinas pedagógicas para a obtenção de
depoimentos orais e escritos de gestores, professores e pais. Nas oficinas com os alunos foram
produzidos desenhos e redações. Para estes, a violência escolar tem sua origem nos problemas derivados
da estrutura familiar; concebem-a como ato físico; consideram o castigo como forma legítima de punir
aqueles que infringem a norma padrão. Sentem dificuldades em conceituar ética, restringindo-a a
valores morais, a qual é vista como uma conduta reguladora de vida. O estudo da ética tem uma
presença turística nas escolas, aparecendo de forma casual e por iniciativa de alguns professores, sem
ter o mesmo status nas previsões dos projetos pedagógicos das escolas. Faz-se necessário que as escolas
pesquisadas invistam em ações pedagógicas e relacionais envolvendo seus sujeitos e a comunidade na
tentativa de criar uma cultura de respeito ao patrimônio público, as relações pessoais e institucionais,
cujos desdobramentos possam reconstruir uma convivência cuja a ética e a cidadania estejam no centro
das escolas.
Palavras-chave: violência escolar, ética, currículo.
Résumé
Dans cette étude, on analyse les conceptions et les manifestations de la violence scolaire et on discute
comment l‟éthique est abordée dans deux écoles publiques de quartiers de banlieue de la région
amazonienne du Para (Brésil) ayant des taux élevés de violence.
La recherche qualitative, de type collaboratif, est fondée sur des données documentaires et des
données issues d‟ateliers pédagogiques qui visaient à obtenir des témoignages oraux et écrits de
gestionnaires, d‟enseignants et de parents. Dans les ateliers les élèves ont produit des dessins et des
textes sur la question en analyse.
Pour les sujets de la recherche, les sources de la violence scolaire se retrouvent dans les problèmes qui
découlent de la structure familiale résultant de problèmes sociaux et économiques. Ils conçoivent la
violence scolaire comme un acte physique et ne réussissent pas à voir la violence symbolique qui est
présente à l‟école. Ils considèrent la punition comme un moyen légitime de châtier ceux qui violent les
normes standardisées de comportement et signalent que la violence scolaire se manifeste dans une
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énorme variété d‟expériences sociales vécues à l‟école. Selon leur point de vue, l‟école n‟est pas
pédagogiquement préparée pour aborder les questions de la violence scolaire et éthique en tant que
matière curriculaire. Les sujets ont montré qu‟il leur était très difficile de conceptualiser l‟éthique, en
la limitant à des valeurs morales qui sont situées dans les choix entre le bien et le mal. Les témoignages
portent sur une allusion à la morale et sur la référence à un type de comportement socialement
accepté. Pour ces témoins, l‟éthique est considérée comme un comportement qui contribue à réguler la
vie sociale, en établissant des limites où le certain et l‟erroné sont les points de repère de la civilité de
l‟homme.
On voit donc que l‟étude de l‟éthique est ponctuelle dans les établissements scolaires par rapport à
d‟autres contenus curriculaires qui y sont valorisés, en y apparaissant de manière accidentelle,
asystématique, grâce à l‟initiative personnelle de certains enseignants, et sans avoir le même statut
dans les projets éducatifs des établissements scolaires.
Les écoles vivent dans l‟immobilisme, en attendant des mesures tantôt des institutions non
gouvernementales, tantôt des pouvoirs publics pour se mobiliser autour d‟actions qui minimisent la
violence scolaire. Il faut que les écoles sur lesquelles s‟est centrée la recherche investissent dans des
actions pédagogiques et relationnelles, en y impliquant les élèves et la communauté dans une tentative
de créer une culture de respect pour le patrimoine public, pour les relations personnelles et
institutionnelles permettant de reconstruire la convivialité où l‟éthique et la citoyenneté soient en
centre du quotidien scolaire.
Mots-clés: violence à l‟école, éthique, curriculum
Introdução
Nas últimas décadas, diante das graves contradições e desafios que as sociedades contemporâneas
enfrentam em todas as áreas, principalmente pela descaracterização do homem como valor central,
tem sido de uso comum expressões como “estamos vivendo uma crise de valores” ou “a falta de
princípios éticos” entre outras. Um dos principais fatores que contribuem para isto é o processo cada
vez mais acelerado de mercantilização e consumo das relações humanas, culminando no individualismo,
na delinqüência e no cinismo (Costa, 1994). Processo este, que vem acelerando de forma intensa a
exclusão, a desigualdade e a violência em todo o mundo. Esta condição humana contribui, de fato, para
a manifestação intensa de novas formas de violência, atingindo principalmente aqueles que estão mais
suscetíveis por estarem na “infância de seu processo formativo”: as crianças e adolescentes.
Desta maneira, e não por acaso, as sociedades vem cada vez mais, clamando pela ética, como resposta
à violência que se instala e referência para nossas condutas, seja na política, na esfera pública, na
família, na escola, enfim, em todas as facetas da vida cotidiana. É na vida cotidiana que este complexo
e contraditório contexto contemporâneo se manifesta e do qual a educação como uma das
manifestações humanas faz parte, reafirmando sua condição de contribuir para dar sentidos as nossas
vidas, para atribuirmos significado as nossas ações. Podemos afirmar, então, que a educação tem como
referência central a formação de valores em nossas vidas, daí seu sentido ético-moral e político. A vida
cotidiana é insuprimível da vida do homem, e nesta, a ética e a educação são mais do que temas,
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ambas, fazem parte de nossa formação sócio-cultural, portanto, extremamente necessárias para o
enfrentamento das adversidades da vida no mundo de hoje.
A Ética faz parte da problematização deste estudo no âmbito da violência escolar, a partir das seguintes
indagações: qual a percepção dos sujeitos envolvidos no processo de escolarização a respeito da
violência escolar e da ética?; Como se apresentam e são enfrentados os problemas relativos a ética e
violência na escola? Como a escola desenvolve suas atividades em torno da ética como Tema
Transversal? Neste sentido, os objetivos que orientaram esta pesquisa foram: problematizar as relações
construídas entre ética e violência escolar; identificar e categorizar as diferentes manifestações de
ética e violência presentes no cotidiano escolar; analisar como ética está sendo incorporada no
cotidiano pelas escolas públicas pesquisadas.
Trilha metodológica
Parte-se de um referencial de análise crítico-dialético para compreensão da violência escolar e da ética,
norteado pelos princípios da abordagem da pesquisa qualitativa em educação como suporte a construção
deste estudo. O percurso metodológico estruturou-se em cinco movimentos distintos, mas articulados
em torno do seu objeto, são eles:
1-Estudo Teórico: nesta etapa desenvolvida durante toda a pesquisa buscou-se aprofundar e sistematizar
conhecimentos sobre as categorias: cotidiano, violência escolar e ética, construindo-se um referencial
crítico e analítico que permitiu a análise de documentos e da realidade das escolas investigadas.
2- Análise Documental: nesta segunda etapa analisou-se o documento Parâmetros Curriculares Nacionais
– Apresentação dos Temas Transversais: Ética – MEC (2001, 3 ed.)
com a intenção de melhor
compreender o discurso (teórico, ideológico, político, pedagógico) deste documento e dos sujeitos
pesquisados a respeito de ética e violência escolar.
3- Oficinas Pedagógicas: foram realizadas no período de agosto a dezembro de 2006 nas Escolas
Estaduais Humberto de Campos e Oneide Tavares, localizadas nas cidades de Belém e Ananindeua,
respectivamente. As oficinas foram realizadas a partir de um plano de trabalho semi-estruturado
buscando discutir o conceito e as manifestações de violência escolar e da ética com gestores, pais,
alunos, professores em momentos distintos, com a finalidade de registrar os depoimentos orais e
escritos dos sujeitos.
4- Tratamento e organização dos dados: o material coletado por ocasião das oficinas por meio de
desenhos, redações e gravações em áudio foram sistematizados segundo as categorias de análise:
violência escolar, ética e cotidiano escolar e transformados em relatórios parciais.
5- Retorno e Socialização dos dados: os dados da pesquisa foram apresentados pela equipe de
pesquisadores e analisados com os sujeitos da pesquisa produzindo uma nova reflexão com o intuito de
definir alternativas de ação para o enfrentamento dos problemas apontados pela comunidade.
Referencial teórico
A ética é uma construção humana, resultado de sua sociabilidade, da qual a educação sempre foi
elemento fundamental, não apenas para reprodução dos valores e dos costumes, mas para propiciar
ensinamentos que permitissem o desenvolvimento de juízos e decisões no seio da vida pública. No dizer
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de Pequeno (2003, p: 20) a ética não apenas representa o instrumento fundamental para a instauração
de um viver em conjunto, como serve de alicerce à construção do espaço da política.
Podemos com isto perceber que a ética é uma construção humana, portanto, histórica, cultural e
política. Portanto, não há apenas uma ética ou um modelo de conduta ética, mas existem formações
sociais e culturais que implicam diferentes fundamentos éticos e comportamentos morais, o que
equivale às formas que encontramos para lidar com a liberdade e o determinismo, à vontade e a
obrigação, os direitos e deveres. Esta condição humana onde o indivíduo relaciona necessidade, desejo
e liberdade, não se constitui tarefa fácil em nossas vidas, ainda mais, porque esta não se realiza apenas
no íntimo de nossas consciências, mas também, porque está diretamente vinculada a esfera social e
valorativa, ou seja, aos determinantes externos, societários, da complexa vida cotidiana, na maneira
como nos relacionamos com os outros e nas formas como a sociedade se relaciona conosco. É a partir
desta complexa rede de relações que se origina a possibilidade da cidadania, seus valores, suas
contradições e conquistas.
Porém, sempre quando há quebra destes valores ou impedimentos para sua materialização, gera-se
violência, ou seja, sempre quando o homem perde sua centralidade, passa a ser tratado como coisa,
objeto supérfluo ou descartável, há comprometimento da ética e da cidadania. Esta posição nos leva a
afirmar que a nossa vida cotidiana está marcada por lutas e conquistas do ponto de vista da cidadania,
mas também trazem um conjunto significativo de obstáculos para sua construção, gerados por uma
história social de desigualdade, exclusão e violência.
As questões da ética e da cidadania estão imbricadas com as diferentes formas de manifestação da
violência na vida cotidiana. Assim, a violência torna-se um fenômeno de grande porte e visibilidade
(suas manifestações) e, conseqüentemente, de difícil delimitação e compreensão, bem como, com
distintas formas de intervenções sobre este, como nos faz lembrar Chauí (1994, p. 336): a violência é
percebida como exercício da força física e da coação psíquica por obrigar alguém a fazer alguma coisa
contrária a si, contrária aos seus interesses e desejos, contrária ao seu corpo e à sua consciência,
causando-lhe danos profundos e irreparáveis, como a morte, a loucura, a auto-agressão ou a agressão ao
outros.
Zenaide (2003, p. 79) caracteriza os tipos de violência em: violência física: implica em violação da
integridade da pessoa, resultando sobre a vida e a saúde, que são direitos fundamentais, os quais no ser
humano não podem e não devem ser desrespeitados; violência simbólica ou moral: utiliza-se de imagens
construídas socialmente contra pessoas, grupos sociais, comunidades, regiões, como base para a
produção e a reprodução de relações de desigualdades sociais, econômicas e políticas.
Estes diferentes tipos de violência também se diferenciam quanto aos espaços e atores implicados
podendo ocorrer nas relações familiares, no espaço urbano ou rural, no meio ambiente, nas instituições
do Estado, dentre estas, no espaço escolar. Os estudos e pesquisas apontam (ABRAMOYVAY et ali: 2002;
ADORNO, 1986; PIRES, 1995; PINHEIRO, 1999) que o cotidiano escolar tem expressado em sua dinâmica
todas as formas de violência, tanto físicas quanto simbólicas e morais. Porém, segundo Maffesoli e
Rifiótis (apud ZENAIDE, 2003, p. 89) o fenômeno da violência pode apresentar uma positividade (quando
propicia a instauração de identidades, quando se contrapõe aos processos de controle, entre outros),
associando a violência à potência que move as relações humanas frente à instabilidade social. Isto é
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significativo, pois, a mesma autora percebe a violência na escola como “uma tessitura cujos fios são ao
mesmo tempo, destruição e vida, retração e expansão”.
Desta maneira, compreender o fenômeno da violência no espaço escolar é captar não apenas as suas
formas de expressão, mas os distintos e contraditórios sentidos que se manifestam por meio dos
diferentes atores que interagem no cotidiano do espaço escolar (alunos, família, professores,
funcionários, entre outros). Portanto, compreender a educação do ponto de vista da ética e da
cidadania, é também compreender o cotidiano de vida dos indivíduos, suas diferentes maneiras de
sentir, pensar e agir sobre o fenômeno da violência em suas vidas. Isto no permite compreender o
espaço escolar, sua dinâmica e relações, como um espaço institucional carregado de avanços e
contradições que refletem o conjunto das relações societárias, como reflete Jorge (1993, p. 17).
Na escola, dão-se os conflitos como produto de uma sociedade de classes, vale dizer, as
crises da família, as mudanças políticas ou culturais e as flutuações econômicas. Enfim,
tudo o que define a sociedade em um dado momento serve também para definir a escola.
Diante
disto,
nossas
atenções/tensões
constantemente
são
questionadas
se
o
que
ensinamos/aprendemos em nosso cotidiano tem o significado ou valor que lhe atribuímos, ou ainda, se
os sujeitos que interagem na prática educativa efetivam análises e articulações entre o vivido e o
aprendido. Estas questões têm reforçado uma tendência comum, de que um ensino de qualidade implica
uma mudança de conteúdo do que se ensina, e esta, por sua vez, implica uma mudança curricular. Esta
posição tem gerado uma visão muito restrita de currículo, como se estes fossem apenas uma
organização dos conteúdos que devem ser ensinados/aprendidos. O que se buscou, nos últimos anos, foi
uma revisão crítica destes conceitos, reafirmando-se a concepção de que os conteúdos curriculares não
podem ser desconectados da realidade, da história, da sociedade, das instituições, seus conflitos,
códigos, valores e práticas.
Porém, mesmo tendo esta noção de currículo como referência, identificamos que as coisas não fluem
inequivocamente nesta direção por diversas razões históricas, políticas, institucionais, pedagógicas,
entre outros. Isto porque, os modos como se organizam e reproduzem as relações sociais e de produção,
ou as formas como se controlam as instituições, dominam a vida cultural, isto é, as práticas cotidianas,
expressando a vida cotidiana. É a filósofa húngara, Heller (1972, p. 17), que nos demonstra a
complexidade da vida cotidiana ao explicar que:
A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa da vida cotidiana
com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade, colocam-se „em
funcionamento‟ todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas
habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias. O fato de que
todas as suas capacidades se coloquem em funcionamento, determina também,
naturalmente, que nenhuma delas possa realizar-se, nem de longe, em toda sua
intensidade.
Assim, nos perguntamos até onde as diferentes formas de expressão da violência cotidiana,
assimiladas/produzidas na “cultura como experiência vivida” são abordadas como conteúdo do Tema
Transversal: Ética, ou ainda, se os conteúdos de ética, são conhecimentos a serem ensinados aos alunos
sem levar em conta o conjunto de mediações existentes na vida cotidiana.
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Ao questionarmos isto, verificamos a necessidade de compreender o currículo a partir da perspectiva
das experiências vividas pelos sujeitos no cotidiano escolar. O discurso do compromisso ético na prática
educativa é recorrente, mas quem é efetivamente o sujeito deste currículo? O que se quer deste
currículo? O que se quer deste sujeito? Que ética? Qual cidadania? Neste estudo, tanto as contribuições
teóricas quanto a investigação empírica constituem-se numa busca para a compreensão das mediações
presentes na educação tendo como referência as expressões da ética e da violência no cotidiano da
escola.
Análise dos dados
A violência se tornou uma problemática bastante presente em nossa sociedade. Os meios de
comunicação e a sociedade civil denunciam a todo o momento a crise na segurança pública que vem se
tornando um grande desafio para a população e o estado brasileiro frente as diversas manifestações de
violência que intentam contra a vida humana, o patrimônio público e a estabilidade social. Mas, é na
escola, sobretudo, por meio dos alunos e professores que ela vem sendo materializada de forma
contundente durante as atividades em classe na difícil relação entre alunos e/ou professores. A
violência presente na sociedade, na família, no bairro também se manifesta e abala fortemente as
instituições escolares.
A escola, sendo vítima e algoz, também, desse quadro de violência que se alastra dia-a-dia na
sociedade, não consegue, em muitos casos, trabalhar esse problema, decorrendo daí: a formação de
gangues, o uso indiscriminado de drogas, a agressão ao patrimônio público e a vida humana, criando-se
um clima de insatisfação e instabilidade no interior das escolas, comprometendo não só a aprendizagem
dos alunos como também, a qualidade do ensino ao aumentar a insegurança de pais, alunos e
professores no ambiente escolar.
As questões relacionadas à violência escolar geraram bastantes repercussões entre os sujeitos da
pesquisa. Nas oficinas pedagógicas realizadas, estes destacavam a importância das escolas em oferecer
espaço de debate a respeito da violência escolar e ética e relatavam suas concepções a respeito desta
problemática, tão presente em suas vidas já que as escolas pesquisadas situam-se em bairros
periféricos, desprovidos de serviços públicos de qualidade, com altos índices de violência urbana,
conforme constata o Diagnóstico do Observatório de Violências nas Escolas/Núcleo Pará (PONTES, CRUZ,
MELO, 2006). Assim, organizamos a análise em quatro eixos: concepção; causas; tipos; conseqüências da
violência escolar e ética e sugestões para minimizá-la.
Nas referidas oficinas julgamos necessário debater com os sujeitos a concepção de violência escolar.
Perguntamos a eles, primeiramente, o que entendiam por violência escolar e só depois, no debate,
apresentávamos a nossa compreensão sobre este fenômeno. Interessante destacar que o debate fluiu
naturalmente, talvez, porque esta temática esteja muito próxima a eles em virtude de residirem em
bairros considerados violentos, de presenciarem e/ou serem vítimas da violência na família, na escola e
na comunidade. Este fato nos leva a crer que nos sujeitos predominam uma compreensão maior de
violência escolar como agressão física e um menor entendimento deste fenômeno como agressão
psicológica, moral e verbal.
A questão da violência escolar não está associada tão somente a agressão física. As agressões: verbal,
psicológica e moral também são reconhecidas pelos sujeitos da pesquisa como manifestações da
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violência escolar. A violência verbal apresenta-se, em grande medida, por meio de palavras de baixo
calão, xingamentos, ameaças, ofensas, humilhações e discussões entre alunos e entre estes e
professores, podendo evoluir para a agressão física, chegando-se a afetar a integridade física das
pessoas quando impera a força e a irracionalidade dos envolvidos.
A agressão física, ao que tudo indica, é sempre precedida da agressão verbal cujo conteúdo ofende a
moral e os valores dos sujeitos envolvidos em uma dada manifestação de violência.
Entretanto,
observamos que tanto uma quanto a outra é mais praticada por um dado sujeito: muitos professores
destacaram que os alunos resolvem a grande maioria de seus problemas na escola com as agressões
físicas e os alunos destacaram que as agressões psicológica e moral que são vitimas na escola são
produzidas pelos professores. A violência física associada, em grande parte, aos alunos, são as mais
fáceis de serem identificadas, classificadas e resolvidas pela escola por deixarem marcas visíveis e
imediatas, embora, a violência psicológica e moral, praticada em grande parte pelos professores, faça
tanto estrago quanto a agressão física e nem sempre resolvida pela escola. Preferencialmente, a escola
utiliza-se de castigos e punições para resolver o problema da violência, que pode ir desde uma simples
advertência verbal, evoluindo para suspensão até chegar a expulsão definitiva dos alunos. Desta forma,
podemos inferir que as incivilidades - comportamentos anti-sociais-, estão presentes no cotidiano
escolar produzidas pelas manifestações de violência física, verbal, psicológica e moral.
Prosseguindo o debate, perguntávamos aos sujeitos onde a violência escolar se originaria. A origem
(causa) principal da violência escolar, segundo os sujeitos da pesquisa, está na família, no bairro e na
sociedade em geral.
A grande maioria dos sujeitos debita a causa da violência escolar à questão da desestrutura familiar
como decorrência dos problemas sociais e econômicos que enfrentam. O desemprego, miséria, fome,
doenças, abandono, ausência de diálogo, sem orientação profissional, sem trabalho e renda,
desassistidos pela oferta de serviço público de qualidade são elementos que contribuem para que os
membros das famílias se fragilizem como seres humanos a ponto de chegarem a cometer atos de
violência contra si e os outros, reproduzindo-os em outras esferas sociais, como na escola, no trabalho,
entre outros. Assumir que a violência escolar é produto da violência praticada na família e da sociedade
é ver esta como uma reprodução/transmissão tão somente, uma causa natural como desdobramento de
um ato em si. Ora, a violência escolar não pode ser atribuída tão somente a violência da família e da
sociedade, embora, reconhecemos o quanto elas fragilizam as relações humanas.
Para além destas questões é necessário concebermos que esta também tem sua origem na dimensão
moral e ética do individuo, que mesmo ao ser cerceado em seus direitos, consegue sair de um clima de
barbárie, intolerância, desrespeito, agressão para consigo e com os outros. Ou seja, não podemos dizer
que a violência escolar é fruto da violência da família e da sociedade, estas são compostas por seres
humanos, portanto, pessoas com concepções e valores próprios, construídos socialmente, que demarcam
um dado contexto histórico. Não podemos generalizar que a violência seja um produto do meio social,
gerado na família, tão somente. Esta compreensão pode recaí em uma categorização parcial e
determinista quanto a origem da violência escolar ao se atribuir a uma única dimensão social a
responsabilidade pela gênese deste fenômeno.
Quanto ao tipo de violência escolar os sujeitos da pesquisa manifestam que esta ocorre por meio de:
pequenos furtos que acontecem na sala; invasão da privacidade nos banheiros; brigas dentro da sala de
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aula; alunos que levam armas de fogo para a escola; crianças maiores que ameaçam e até batem nos
menores; discriminação das idades; na hora da saída as crianças se agridem com palavrões e
fisicamente; as crianças não respeitam os professores. Percebe-se, mais uma vez, que a violência física
é a mais destacada pelos sujeitos como manifestação da violência escolar e, por conseguinte, a mais
aparente e que exige ações de intervenção por parte da escola tendo em vista minimizar o problema.
Como podemos constatar a violência escolar atinge tanto alunos quanto professores, ocasiona um mal
estar em ambos, debilita a saúde física e mental destes, deixando seqüelas na vida pessoal e
profissional de uma pessoa. Destacamos que os sujeitos têm clareza das mazelas advindas da violência
escolar e, valorativamente, entendem que este fenômeno não pode ser aceito por uma sociedade
moderna, sendo inaceitável conviver com esta situação sem medidas que possam tornar o ambiente
escolar como espaço agradável e de paz para que seja desenvolvido o processo educativo de qualidade.
Para os professores a ética como Tema Transversal vem sendo trabalha eventualmente nas escolas
pesquisadas por meio de projetos, conversas informais, discussões de textos informativos, trabalhos de
recorte e colagem e outros que falam de temas como companheirismo, não violência, respeito entre
colegas, participação, preservação do patrimônio da escola, higiene, solidariedade, valores e direitos.
Contatou-se que a ética no cotidiano escolar tem uma “presença turística” em comparação aos demais
conteúdos curriculares valorizados e priorizados pela escola. A discussão sobre a ética aparece de forma
casual, assistemática, por iniciativa pessoal de alguns professores, sem ter o mesmo status nas previsões
do projeto pedagógico da escola. O silêncio ou o tangenciamento desta discussão por parte da escola é
prejudicial para a construção de uma cultura de respeito a si, pelas pessoas e pelo patrimônio público,
ou seja, a escola vem perdendo a oportunidade de ser um espaço de reflexão sobre os valores humanos
que devem alicerçar a promoção de uma sociedade justa e igualitária.
Na perspectiva dos sujeitos da pesquisa, o combate a violência escolar pode ser efetivado a partir das
seguintes sugestões: Responsabilizar os autores dos atos agressivos; - enturmar os alunos por idades; não deixar turmas sem aulas, na ausência do professor colocar substitutos em seu lugar; - oferecer a
merenda escolar de forma disciplinada; - realizar reuniões com a comunidade escolar de maneira
sistemática; - melhorar a água, os banheiros e a higiene; - ter esportes em cada escola; - o professor
explicar mais as matérias;
- ter em cada escola bastante policiamento; - separar as crianças repetentes, que geralmente, são bem
maiores que as outras; - que as professoras conversem e tenham mais paciência com os alunos.
Conclui-se que para os sujeitos: a violência escolar origina-se dos problemas sócio-econômicos
enfrentados pelas famílias; concebem a violência escolar como ato físico sem visualizar a violência
simbólica/moral; a escola não está preparada para trabalhar a violência escolar e a ética em seu
currículo; a escola espera medidas das instituições não governamentais e dos poderes públicos para
mobilizar-se em torno de ações que minimizem a violência escolar. Recomenda-se que as escolas
pesquisadas devem investir em ações pedagógicas e relacionais envolvendo os diversos segmentos na
tentativa de criar uma cultura de respeito ao patrimônio público, as relações pessoais, a cidadania,
cujos desdobramentos possam culminar com uma convivência mais ética nas escolas e na sociedade.
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