Talessemia

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TALASSEMIA
Nelson Hamerschlak, Dirceu Hamilton Cordeiro Campêlo
INTRODUÇÃO
A palavra talassemia deriva da combinação das palavras gregas
thalassa (mar), e emas (sangue). Descreve-se assim uma hemoglobinopatia
cuja origem principal está nos países banhados pelo mar Mediterrâneo, como
Itália e Grécia. Atualmente, a doença alastrou-se praticamente no mundo todo.
Percentagens relevantes de portadores de talassemia são registrados no
Canadá, nos Estados Unidos, no Brasil, na Argentina, na Índia, na Austrália e
em outros países.
A beta-talassemia (β talassemia) ocorre quando há uma redução das
cadeias beta da globina que se encontram estruturalmente normais. É causada
por mutações heterogêneas que afetam o locus da cadeia da beta-globina.
Esses defeitos genéticos levam a reduções variáveis da beta-globina, variando
de mínimo déficit, como ocorre na β+ talassemia, até a ausência completa,
como na βo talassemia.
Na β talassemia, a síntese da cadeia alfa (α) é normal, resultante de os
genes da alfa-globina não serem afetados, o que desenvolve um acúmulo de
precursores eritróides, originados no excesso de alfa-globina não-pareada, a
qual não é capaz de formar tetrâmeros viáveis, produzindo corpúsculos de
inclusão que são responsáveis pela destruição intramedular extensa de
precursores eritróides, sendo os causadores da eritropoiese ineficaz que
caracterizam as β talassemias.
A anemia da β talassemia é complexa e resultante da combinação entre
eritropoiese ineficaz, hemólise e redução da síntese de hemoglobina.
A β talassemia clássica é herdada como uma herança mendeliana
haplo-insuficiente recessiva. A mais severa é a βo talassemia, que é
caracterizada pela completa ausência de Hb A (α β ), resultando da herança de
dois alelos βo. Esta alteração é responsável pelos pacientes com talassemia
major que apresentam anemia profunda aos 6 meses de idade e que devem
ser submetidos a transfusões regulares de hemácias para sua sobrevivência.
Indivíduos que tenham herdado um único alelo β talassêmico (βo ou β+)
possuem o chamado traço talassêmico. Geralmente, são assintomáticos,
manifestando uma anemia leve hipocrômica microcítica, elevados níveis de Hb
A (α & ) e níveis variáveis de Hb F (α γ ).
A herança de dois alelos de β talassemia nem sempre leva a quadros de
talassemia major. Muitos pacientes com esses dois alelos têm uma doença
mais leve, variando desde uma dependência menos constante de transfusão
até quadros que se confundem com indivíduos com traço talassêmico. Esses
indivíduos são chamados de talassêmicos intermédios.
Os indivíduos heterozigotos também são heterogêneos. Em alguns
casos, o alelo da talassemia β é tão inexpressivo que é considerado
fenotipicamente silencioso. Em outros, o estado heterozigoto pode se
manifestar de forma tão severa quanto em um paciente com talassemia major.
QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO
Ao nascimento, pacientes com β talassemia major apresentam-se
clinicamente normais, uma vez que a produção da cadeia beta da globina não
é essencial durante a vida fetal e o período perinatal.
Os sintomas começam a aparecer após os 6 meses de vida, durante o
declínio da hemoglobina fetal, com anemia crônica, hemólise e eritropoiese
ineficaz. Dessa forma, principalmente em pacientes não tratados, já se
observam
anormalidades
ósseas,
hepato-esplenomegalia,
palidez,
irritabilidade, icterícia e alterações do crescimento. Mesmo hoje, em países
onde não se dispõem de condições diagnósticas e terapêuticas adequadas, as
crianças ainda podem morrer em consequência de anemia severa, insuficiência
cardíaca, caquexia e suscetibilidade à infecção. É necessário atentar-se e
ajudar essas comunidades.
Do ponto de vista laboratorial, microcitose e formas bizarras de
hemácias são achados característicos. O nível de hemoglobina pode ser
extremamente baixo e muitas crianças são diagnosticadas com 4 g/dL de
hemoglobina por exemplo. Na morfologia, observam-se, além da microcitose,
hipocromia, poiquilocitose, hemácias em alvo e corpúsculos de inclusão,
representando precipitados de alfa-globina (corpúsculos de Heinz). Há
leucocitose, mas os reticulócitos são baixos em função da eritropoiese ineficaz.
Eritroblastos são observados no sangue periférico. As plaquetas estão
geralmente em numero normal. Quando há esplenomegalia, podem-se
observar leuco e plaquetopenia leves.
Os níveis de ferro e a saturação da transferrina são altos. Sinais de
hemólise, como aumento da bilirrubina indireta, da desidrogenase lática (DHL)
e baixos níveis de haptoglobina, são encontrados frequentemente.
Normalmente, ácido fólico e vitamina B12 estão em níveis adequados. No
entanto, com o passar do tempo, há deficiência de folato. Os níveis de zinco,
vitamina C e vitamina E encontram-se diminuídos.
Na medula óssea, observam-se hiperplasia eritróide e inclusões de alfaglobina. Hematopoiese extramedular também pode ser observada.
Além das alterações ósseas, hepato e esplenomegalia características, é
frequente a colecistopatia calculosa em função da hemólise. Alterações
endócrinas, como hipotireoidismo, diabetes, hipogonadismo e alterações do
crescimento são comuns em função da hemossiderose.
A principal causa de óbito e complicações sérias nesses pacientes é de
origem cardíaca com insuficiência cardíaca ou arritmias provocadas pelo
acúmulo de ferro. Alguns pacientes apresentam alterações pulmonares; a
hipertensão pulmonar é descrita em alguns pacientes adultos.
Apesar das infrequentes transfusões, pacientes com talassemia
intermédia possuem aumento da absorção de ferro e também podem
apresentar complicações devido à hemossiderose, devendo ser acompanhados
nesse sentido.
A identificação da sobrecarga de ferro pode ser feita pela dosagem da
ferritina, Squid (para fígado), biópsia hepática, mas, principalmente, por meio
da ressonância magnética (RM) T2* ou R2*.
TRATAMENTO
O tratamento dos pacientes com talassemia major é realizado com
esquemas de hipertransfusão, mantendo-se os níveis de Hb acima de 10 g/dL,
associada à quelação adequada de ferro.
Dispõe-se de três quelantes liberados para uso:



desferroxamina de uso parenteral (SC ou EV), preferencialmente
ministrada via subcutânea (VS) na dose de 20 a 40 mg/kg de peso, com
bombas de infusão em 8 a 24 horas, dependendo da gravidade de cada
caso. Admitem-se doses de até 50 a 60 mg/kg em pacientes muito
graves;
deferiprona, quelante oral, com uma molécula menor e mais lipofílica. É
utilizada na dose de 75 a 100 mg/kg/dia, dividida em três doses.
Demonstra-se um efeito especialmente eficaz na prevenção e no
tratamento de pacientes com alterações cardíacas provocadas pelo
acúmulo de ferro;
deferasirox, também oral, na dose de 20 a 40 mg/kg/dia em uma única
tomada.
A escolha do melhor quelante para cada paciente deve se basear na
aderência ao tratamento, no quadro clínico e em possíveis complicações
causadas por cada uma dessas drogas.
Estudos combinando desferroxamina e deferiprona já existem, mostrando
particular eficácia. O uso concomitante de deferasirox e deferiprona não foi
estudado até o momento.
O transplante de medula óssea (TMO) pode ser utilizado em pacientes
selecionados, geralmente até os 17 anos de idade, dependendo da análise dos
seguintes fatores de risco:



aderência à quelação;
fibrose hepática;
hepatomegalia.
Definem-se assim pacientes com risco baixo: nenhum dos fatores de risco,
risco moderado, com um fator de risco e alto risco, com, no mínimo, dois
fatores de risco. O esquema de condicionamento mais utilizado é bussulfano
(BU) 14 mg/kg e ciclofosfamida 120, 160 ou 200 mg/kg. Os resultados com
doadores ou cordão aparentado são muito bons. Devem-se evitar transplantes
de cordão não-aparentados.
A mortalidade dos pacientes talassêmicos vem diminuindo com o passar
dos anos. Os principais fatores relacionados a esse fato são:




aderência à quelação de ferro com sistemas de infusão mais amigáveis;
advento de quelantes orais (exemplo: deferiprona);
RM com T2*;
registros de pacientes e referência destes aos centros de excelência.
São fatores de proteção o sexo feminino; o uso de terapia combinada
(desferroxamina+ deferiprona) e ter nascido após 1974.
ALFA-TALASSEMIA
É definida como uma baixa produção das cadeias-alfa da globina, levando a
um aumento das cadeias-gama no feto e no recém nascido e das cadeias-beta
em crianças e adultos.
Existem quatro síndromes na alfa-talassemia:




a perda de 1 dos 4 genes da alfa-globina (alfa-talassemia mínima);
a perda de 2 dos 4 genes da alfa-globina (alfa-talassemia minor);
disfunção de 3 dos 4 genes da alfa-globina (doença da Hb H)
disfunção de todos os genes da alfa-globina (hidropsia fetal com Hb
Bart)
ALFA TALASSEMIA MÍNIMA
É completamente assintomática. Pode apresentar uma leve hipocromia e
microcitose na análise microscópica. VCM geralmente é normal; no entanto, se
pacientes com alfa-talassemia mínima são analisados em conjunto, mostram
uma tendência de menores valores de VCM se comparados com indivíduos
normais. A única importância desses indivíduos está no fato de poderem gerar
filhos com doença da hemoglobina H quando o parceiro é portador de alfatalassemia minor.
ALFA-TALASSEMIA MINOR
Do ponto de vista clínico e laboratorial, lembram portadores de β
talassemia minor com hipocromia e microcitose (VCM < 80 fL). Leves
elevações de Hb F podem ser observadas. A eletroforese de Hb é
absolutamente normal.
DOENÇA DA HB H
Manifesta-se como uma anemia hemolítica crônica, com corpúsculos de
inclusão nos glóbulos vermelhos circulantes. O hemograma mostra hipocromia
e microcitose; os corpúsculos de inclusão podem ser detectados por
colorações específicas.
Apesar de a Hb H e a Hb Barts poderem ser detectadas por técnicas de
eletroforese e cromatografia, a genotipagem baseada no estudo do ácido
desoxirribonucléico (DNA) é fundamental para um diagnóstico preciso e antenatal, bem como para o aconselhamento genético. Do ponto de vista clínico,
caracteriza-se como anemia hemolítica crônica, com hepatoesplenomegalia,
aumento de DHL, hiperbilirrubinemia indireta e haptoglobina baixa. As
alterações esqueléticas, metabólicas e de desenvolvimento costumam ser
menos marcantes que as descritas em β talassemia major, ou mesmo na
intermédia. A maioria dos pacientes não necessita de transfusões na primeira
década da vida.
HIDROPSIA FETAL E HB DE BART
Normalmente, essa situação é fatal no útero. Raros casos são descritos
de pessoas que sobreviveram com transfusões intra-útero, exsanguíneo
transfusão e, posteriormente, esquemas de hipertransfusão, quelação ou TMO.
BIBLIOGRAFIA
1. Cunninghan MJ, Macklin EA, Neufeld EJ, Cohen AR. Complications of
beta thalassemia major in North America. Blood
2. Gorget BG. Thalassemia syndromes. In: Hoffman R, Bens Jr. EJ, Shattil
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3. Olivieri NF. The beta thalassemias. N Engl J Med
4. Round D, Rachmilewitz E. Beta thalassemia. N Engl J Med 2005;
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