Complicações das β-talassemias: trombose, hiperesplenismo, pseudoxantoma e úlcera de perna Dr. Kleber Yotsumoto Fertrin Médico Hematologista Hemocentro – UNICAMP [email protected] Introdução e importância • As talassemias causam mais do que simplesmente anemia dependente de transfusão; • As complicações são responsáveis pela má qualidade de vida e morbimortalidade dos pacientes; • Há diversidade na apresentação clínica entre talassemia intermediária e maior. Objetivos Ao final dessa aula, você deverá ser capaz de: • Reconhecer a associação das talassemias com complicações não comumente lembradas; • Diagnosticar corretamente essas complicações; • Tratar essas complicações de modo a reduzir a morbimortalidade nesses pacientes. Agenda Complicações que ocorrem nas β-talassemias • Trombose • Hiperesplenismo • Pseudoxantoma elástico (PXE) • Úlcera de perna TROMBOSE NA TALASSEMIA Trombose e talassemia • Tromboses são mais frequentes em pacientes portadores de talassemia: – 4% dos pacientes com TM – 9.6% dos pacientes com TI • 29% dos TI esplenectomizados • A talassemia cursa com um estado de hipercoagulabilidade. Eventos tromboembólicos na talassemia • Arterial – AVC • Venoso – TVP – TEP – TVS – Raros (Budd-Chiari, seio venoso, retina etc.) Eventos tromboembólicos (%) Eventos tromboembólicos: talassemia maior X intermediária Venoso AVC TVP TEP Tr. portal TVS Outros Tipo de evento Adaptado de Succar et al. Mediterr J Hematol Infect Dis 2011 Fisiopatologia da hiperocoagulabilidade na talassemia Endotélio • Expressão de moléculas de adesão e fator tecidual no endotélio • Micropartículas Plaquetas • Maior agregação • Marcadores de ativação elevadis • Anormalidades morfológicas Óxido nítrico • Redução levando a vasoconstricção • Típico da hemólise Hipercoagulabilidade Outros fatores • Disfunção cardíaca • Disfunção hepática • Disfunção endócrina Hemácias • Formação de espécies reativas de oxigênio •Expressão de fosfolipídios de carga negativa •Aumento da coesão e agregabilidade Trombofilia • Redução dos níveis de antitrombina III, proteína S e C •Sem papel para mutações protrombóticas Esplenectomia • Plaquetose e hiperatividade •Altos níveis de hemácias carregadas negativamente Adaptado de Capellini MD et al. Exp Rev Hematol 2012; 5(5):505-512 Fatores de risco para trombose • • • • • • Talassemia intermediária (4.38X mais) Sem transfusão crônica Esplenectomizado Hemoglobina abaixo de 9g/dL Idade mais avançada História pessoal ou familiar de evento tromboembólico • Ferritina acima de 1000mg/mL Conduta na trombose em talassemia • Indicações de anticoagulação são as mesmas da população geral; • AAS – tendência a menor recorrência; • RNM crânio para os que tem alto risco de evento tromboembólico; – AVC silencioso • Manejo a longo prazo do paciente esplenectomizado – tromboses tardias! Traço talassêmico e trombose • Metanálise de 354 artigos: 8 estudos casocontrole • Conclusão: – Redução do risco de trombose arterial cardiovascular (RR 0.45) em homens portadores de traço talassêmico Dentali et al. J Thromb Haemost 2011;9:917-921 HIPERESPLENISMO NA TALASSEMIA Hiperesplenismo na talassemia • Definição de hiperesplenismo: Síndrome clínica causada por hiperfunção do baço, cursando geralmente com esplenomegalia e citopenias sem outra causa alternativa Importância de estudar o hiperesplenismo • Não é uma exclusividade das talassemias; • A forma maior da β-talassemia sempre foi caracterizada por esplenomegalia progressiva; • Uso da esplenectomia no arsenal terapêutico para talassemia desde os primórdios diagnósticos. Quando suspeitar de hiperesplenismo na talassemia? • Esplenomegalia sintomática • Plaquetopenia • Leucopenia – Neutropenia vs. linfopenia • Piora da anemia • Aumento da demanda transfusional Complicações do hiperesplenismo • • • • Sangramentos espontâneos Infecções de repetição Sobrecarga circulatória (cardíaca) Comprometimento do crescimento (alta demanda metabólica) • Dor abdominal • Ruptura esplênica Indicações de esplenectomia no hiperesplenismo • Plaquetopenia com sangramento recorrente • Infecções bacterianas de repetição • Esplenomegalia sintomática – Dor abdominal, saciedade precoce • Risco de ruptura esplênica • Aumento da demanda transfusional – acima de 200-250mL/kg/ano para manter Hb média de 10g/dL PSEUDOXANTOMA NA TALASSEMIA Pseudoxantoma elástico (PXE): o que é isso? • PXE em sua forma clássica: – Doença hereditária do tecido conjuntivo (Rigal, 1881) – Degeneração generalizada de fibras elásticas – Mutações genéticas no gene ABCC6 (cromossomo 16p13.1) • Síndrome “PXE-like” Síndrome PXE-like na talassemia • Primeira descrição em associação com talassemia em 1989; • Reconhecida nas doenças falciformes desde a década de 50; • Manifestações sistêmicas: – Cutâneas – Oculares – Vasculares Manifestações cutâneas do pseudoxantoma elástico • Lesão cutânea tipo “pele de galinha depenada” Manifestações oculares do pseudoxantoma elástico • Estrias angioides Manifestações oculares do pseudoxantoma elástico • Estrias angioides • Neovascularização da coroide • Degeneração macular • Cegueira Manifestações vasculares do paseudoxantoma elástico • • • • • • • Calcificação arterial Claudicação intermitente Sangramento TGI Sangramento SNC Isquemia coronariana Cardiopatia restritiva Compl. obstétricas O que fazer sobre o PXE? • Vigilância clínica – Exame físico detalhado (pele) • Atenção ao uso de antiagregantes plaquetários! – Exame fundoscópico annual • Fotocoagulação? – Radiografia simples de membros • Elevação dos níveis de hemoglobina para evitar isquemia tecidual? – Orientação obstétrica ÚLCERA DE PERNA NA TALASSEMIA Úlcera de perna e talassemia Características das úlceras na talassemia • Semelhantes às da doença falciforme, diabetes mellitus e hipertensão venosa • Idade de aparecimento médio: 20 anos • Maleolares laterais ou mediais • Início por trauma menor ou picada de inseto • Difícil cicatrização Fisiopatologia das úlceras na talassemia • Contribuem: – Hipóxia tecidual pela anemia crônica – Anormalidade reológica das hemácias – Estase venosa – Altos níveis de hemoglobina fetal Possibilidades terapêuticas para úlcera em talassemia • • • • • • • Repouso Transfusões Curativo compressivo Hidroxiureia G-CSF tópico Fatores derivados de plaquetas Oxigênio hiperbárico Resumo • As complicações das talassemias vão além das secundárias à transfusão e sobrecarga de ferro; • O paciente talassêmico vive em estado de hiperocoagulabilidade; • O hiperesplenismo é frequente, mas a indicação de esplenectomia deve ser parcimoniosa; • Complicações graves podem advir de manifestações da síndrome PXE-like; • A úlcera de perna permanece um desafio terapêutico nas talassemias. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. Capellini MD et al. Hypercoagulability in beta thalassemia: a status quo. Exp Rev Hematol 2012; 5(5):505-512. Taher AT et al. Contemporary approaches to treatment of beta-thalassemia intermedia. Blood Rev 2012; 26S:S24S27. Taher AT et al. Optimal management of beta thalassaemia intermedia; BJH 2011; 152:512-523. Borgna-Pignatti C. Modern treatment of thalassaemia intermedia. BJH 2007; 138:291-304. Aessopos et al. Elastic tissue abnormalities resembling pseudoxanthoma elasticum in thalassemia and the sickling syndromes. Blood 2002; 99:30-35.