I ENCUENTRO INTERNACIONAL DE

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I ENCUENTRO INTERNACIONAL DE EDUCACION
Espacios de investigación y divulgación
29, 30 Y 31 de octubre de 2014
NEES – Facultad de Ciencias Humanas – UNCPBA
Tandil – Argentina
II.3.Teoría crítica de educación: democracia y formación de la ciudadanía.
A ESCOLA PARA ALÉM DA APRENDIZAGEM:
POR UMA CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA DE EDUCAÇÃO ESCOLAR1
MORELLO, Eduardo
Universidade de Passo Fundo – UPF/Brasil
[email protected]
Introdução
Na linguagem educacional contemporâneo prevalece o conceito de “aprendizagem”
como substituto, em grande parte, do conceito de “educação”. Essa substituição resultou em
certo ganho educacional, no sentido de que a predominância até então de uma linguagem da
educação teria sido um entrave para outras compreensões tornadas possíveis com a “nova
linguagem da aprendizagem”. Entretanto, com a ascensão da “nova linguagem da
aprendizagem” algo se perdeu em termos educacionais, tais como a questão sobre o conteúdo,
objetivo e rumos (finalidade) da educação.
As razões dessa perda referem-se, primeiramente, a dimensão relacional ou
intergeracional da educação, que tende a desaparecer, uma vez que a aprendizagem centra-se
1
Agradeço ao professor-orientador Angelo Vitório Cenci e aos professores, Cláudio A. Dalbosco e Eldon H.
Mühl, bem como aos colegas e participantes do Núcleo de Pesquisa em Educação e Filosofia (NUPEF) da
“Linha I: Fundamentos da Educação” do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação – Universidade
de Passo Fundo (PPGEDU-UPF), pela revisão do texto (em sua primeira versão), assim como as variadíssimas
imprecisões e incoerências que me ajudaram a eliminar. Também saliento o redimensionamento de um aspecto
central do texto: ao invés de pensar em um a “renovada concepção humanista de educação escolar”, passo a
tratar de “uma concepção democrática de educação escolar”, a fim de que houvesse uma maior coerência entre
as partes que o compõem.
no aprendente, enquanto indivíduo, configurando-se em um conceito “individualista”. Isto é, a
aprendizagem ao centrar-se no indivíduo, faz com que o papel desempenhado pela instituição
escolar e professores seja de “facilitar” o máximo possível a satisfação das necessidades do
aprendente. Desta forma, há a suspensão da dimensão intergeracional, “entre” as gerações
velhas e novas, na medida em que predomina certa unilateralidade: das necessidades do
aprendente ao seu “provimento” pela instituição escolar, particularmente, pelo professor.
Em segundo lugar, a aprendizagem denota o termo “processo”, o qual significa algo
interminável e sem fim ou sem finalidade. (Isso explica o fato de os indivíduos estarem em
época recente sujeitos a aprendizagem ao longo de toda a vida, bem como a importância
coloca, a não muito tempo, na expressão “aprender a aprender”). Além do mais, a
aprendizagem enquanto processo torna ausente o conteúdo, ou eles passam a ocupar um lugar
secundário, em virtude da centralidade em “habilidades” e “competências”, as quais devem
estar em consonância com as exigências de uma ordem social vigente ou futuramente projeta.
Neste viés, a “nova linguagem da aprendizagem” parece facilmente conectar-se a uma
época e sociedade marcadas pelo capitalismo global, o qual, por sua vez, torna uma posição
contingente da subjetividade – o sujeito consumidor, como inevitável e única, sem que haja
possibilidade para o surgimento de outros sujeitos. Do ponto de vista educacional, as relações
entre as gerações convertem-se em “transação econômica”: o professor torna-se “provedor” e
os estudantes “consumidores” e “clientes”. Também, a escola converte-se em um “ambiente
de aprendizagem”, no qual as novas gerações (crianças, adolescentes e jovens) são “mantidas
pequenas”, pois fazem com que elas acreditem ser o “centro das atenções, que suas
experiências pessoais são o solo fértil para um novo mundo, e que as únicas coisas que têm
valor são as que eles valorizam” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013, p. 107). Isso coincide
com o consumidor, em que espera e exige o atendimento imediato de suas necessidades e
expectativas. Por outro lado, as velhas gerações (pais e professores) são “minorizados” ou
“infantilizados”, uma vez que se desresponsabilizam frente as novas gerações
Diante desse cenário, a “nova linguagem da aprendizagem” conectada ao capitalismo
global, converte a escola em “ambiente de aprendizagem”, a qual acaba por “produzir” um
tipo particular de subjetividade – o sujeito consumidor, arrancando das mãos das novas
gerações a possibilidade de realizarem, conforme sua vontade e desejabilidade, a pluralidade
de “humanidades”, nas quais elas são potencialmente portadores. Trata-se de arrancar das
mãos das novas gerações a oportunidade de iniciarem novos começos em meio a outros
inícios, portando, elas ficam impossibilitadas de agirem. Ocorre que, sem agir, não é possível
ser sujeito, pois só existe subjetividade na ação, “nem antes, nem depois” (ARENDT, 2011, p.
199). Então, uma escola que nega as novas gerações a oportunidade de agir, e, portanto, de ser
sujeito, não nunca poderia ser chamada de democrática.
Se a escola enquanto “ambiente de aprendizagem”, apesar de centrada no estudante,
paradoxalmente, impossibilita-o de agir, então que tipo de escola ou de educação escolar fazse necessário para que os estudantes – crianças, adolescentes e jovens – possam agir, ser
sujeitos? E, que aspectos da condição humana essa escola, que pretende ser democrática,
deveria estar sempre atenta?
Em resposta, busca-se compreender, na primeiramente, o novo sentido dado a
educação escolar a partir da ascensão da “nova linguagem da aprendizagem” conectada ao
capitalismo global, que possibilitaram a transformação da escola em “ambiente de
aprendizagem”, apoiando-se, sobretudo, no diagnóstico de Biesta (2013) e Masschelein e
Simons (2013). Na segunda parte, procuro argumentar a partir do pensamento de Hannah
Arendt, no sentido de que a educação escolar não deve “produzir” um tipo particular de
subjetividade, como ocorrera no passado com a educação moderna, baseada em uma
concepção “humanista-iluminista” – que sustentava a possibilidade de realizar ou liberar uma
“essência” ou “natureza” humana conhecida de antemão, através da educação – nem
tampouco como acontece contemporaneamente com a “nova linguagem da aprendizagem”,
que tende a “produzir” um tipo particular de subjetividade, a do sujeito consumidor. Trata-se,
então, de abordar (hipótese) a educação escolar sem determinar previamente um tipo
particular de subjetividade, senão de considerar a vinda de novos seres humanos ao mundo,
enquanto seres únicos e singulares, portadores da possibilidade de iniciarem novos começos
em meio a outros inícios, portanto, capazes de agirem, tornando-se sujeitos. Mas a ação
somente é possível na presença de outros, na “pluralidade de seres únicos” (ARENDT, 2010,
p. 220). Essa pluralidade carrega em sim mesma uma pluralidade de “humanidades”, que
serão iniciadas ou continuadas com outros inícios conforme a vontade e desejabilidade de
cada nova geração, sem que uma posição contingente de ser sujeito – o sujeito consumidor seja toma como única a ser desejável e realizável. Em última instância, busco indicar que uma
concepção democrática de educação escolar deve sempre estar atenta ao fato de que para
tornar-se sujeito é necessário não só agir na presença de outros, mas também de espaços para
a ação.
1. Da ascensão da “nova linguagem da aprendizagem” a transformação da escola em
“ambiente de aprendizagem”
A transformação da escola em um “ambiente de aprendizagem” decorre mais
amplamente de uma era da aprendizagem, sendo sua manifestação em uma “nova linguagem
da aprendizagem”. Neste sentido, é preciso considerar a importância da linguagem para a
educação, no sentido de que ela torna possível algumas maneiras de dizer e fazer, e outras
difíceis, ou, até mesmo, impossíveis. Conforme Biesta, “essa é uma razão importante pela
qual a linguagem importa para a educação, porque a linguagem – ou as linguagens – existente
para a educação influencia em grande medida o que pode ser dito e feito, e também o que não
pode ser dito e feito” (BIESTA, 2013, p. 29-30).
Nesta direção, a ascensão da “nova linguagem da aprendizagem”, tornou possível, de
um lado, expressar ideias e compreensões antes difíceis de articular por meio da linguagem da
educação, mas, por outro lado, tornou igualmente difícil compreender a complexidade dos
processos e relações educacionais, assim como a questão sobre o que a educação é ou deveria
ser. Desta forma, o declínio da linguagem da educação a ascensão da aprendizagem algo se
perdeu (BIESTA, 2013, p. 30, grifo do autor). Diante disso, surgem, ao menos, duas questões:
em que consiste essa “nova linguagem da aprendizagem”? O que possivelmente se perdeu na
mudança da linguagem da educação para a linguagem da aprendizagem no que se refere a
escola?
A ascensão do conceito de “aprendizagem”, segundo Biesta (2013, p. 34), não se
origina de um processo particular, nem tampouco de uma única agenda subjacente. Mas antes,
necessita ser compreendido como um conjunto de eventos que se seguiram, e que, às vezes,
apresentam-se contraditórios entre si. Tais eventos são traduzidos em quatro tendências:
A primeira tendência refere-se as “novas teorias da aprendizagem”, a partir das quais
se tem questionado o fato de que a aprendizagem não corresponderia à absorção passiva de
informações, mas sim, o conhecimento e a compreensão são ativamente construídos pelo
aprendente, quase sempre em cooperação com outros aprendentes. Isso resulta na atenção
centrada nas atividades do aprendente, relegando, a um segundo plano, as atividades do
professor. Nessa perspectiva, a aprendizagem tornou-se muito mais importante para o
entendimento acerca do processo da educação, o que antes não teria sido possível com a
predominância de uma linguagem da educação (BIESTA, 2013, p. 34).
A segunda tendência corresponde ao “pós-modernismo”, que tem exercido impacto
sobre a teoria e a prática educacional, e, ao mesmo passo, tem contribuído com o
aparecimento da “nova linguagem da aprendizagem”. Pois, “nas últimas duas décadas, muitos
autores argumentaram que o projeto da educação é um projeto inteiramente moderno,
intimamente ligado à herança do Iluminismo” (BIESTA, 2013, p. 35). Esse discurso pósmodernista tende a colocar em xeque a educação enquanto um projeto moderno, e, portanto,
Iluminista, na medida em que a sua interpretação evidência o fato de que existiria, segundo tal
projeto, uma “natureza humana” chamada racionalidade, e a educação seria responsável em
emancipar os estudantes, mediante a liberação desse potencial racional intrínseco a cada um.
Mas como, os “pós-modernistas” anunciam o fim da educação (moderna-iluminista), restaria
somente a aprendizagem (BIESTA, 2013, p. 35).
A terceira tendência consiste na “explosão silenciosa” da aprendizagem adulta, a qual
torna possível a “nova linguagem da aprendizagem”, mas agora, não como resultado apenas
de mudanças teóricas e conceituais, senão do simples fato de que, cada vez mais, as pessoas
gastam tempo e dinheiro em diferentes tipos e formas de aprendizagem, dentro e fora de
instituições formais de educação. Nesse sentido, tem ganhado força, sobretudo, os ambientes
não formais e o surgimento de um novo nicho de mercado, baseado, em grande medida, na
aprendizagem individual (como, por exemplo, os diversos cursos na modalidade EaD, os
livros de autoajuda, os variados sites, blogs, vídeos do You Tube, nos quais se pode aprender
“sem sair de casa”, com apenas alguns cliques, etc.). Desta forma, a “explosão silenciosa” tem
como uma de suas características principais o fato de que a nova aprendizagem é muito mais
individualista, tanto na sua forma quanto em seu conteúdo. Segundo Biesta, “a natureza
individualista e individualizada das atividades a que os novos aprendentes adultos se dedicam
ajuda a compreender por que a palavra “aprendizagem” tornou-se um conceito tão apropriado
para descrever essas atividades” (BIESTA, 2013, p. 35-36).
Em quarto lugar, a nova linguagem da aprendizagem pode ser associada a “erosão do
Estado de bem-estar social” e o aparecimento da ideologia neoliberal. Se o Estado de bemestar social possuía como princípio a redistribuição da riqueza em serviços como saúde,
seguridade social e educação, disponíveis a todos os cidadãos e não apenas para aqueles que
poderiam pagar; na ideologia neoliberal a relação entre Estado e cidadão deixa de basear-se
em uma relação política para uma relação econômica. Isso significa que, o Estado passa a ser
visto como provedor de serviços e o cidadão como consumidor destes. Diante disso, surge
“Value for money” (“bom uso do dinheiro dos impostos”), que transformou-se no princípio
orientador da relação entre Estado (provedor) e o cidadão (contribuintes-consumidores).
Conforme Biesta, “essa maneira de pensar está na base do surgimento de uma cultura de
prestação de contas que resultou em sistemas rigorosos de inspeção e controle e em
protocolos educacionais cada vez mais prescritivos” (BIESTA, 2013, p. 36, grifo nosso). Tal
cultura focaliza, além da prestação de contas, no usuário ou consumidor do serviço
educacional, no caso o aprendente.
Essas quatro tendências certamente ajudam a compreender o surgimento da “nova
linguagem da aprendizagem”. Mas, o que torna essa nova linguagem mais problemática
refere-se ao fato de que ela possibilita com certa facilidade a descrição dos processos
educativos, engendrado na escola, enquanto “transação econômica”. Isso significa que, os
aprendentes passam a ser considerados consumidores, em razão disso, possuem
“necessidades” a serem atendidas, por um lado, e, por outro, o professor e a escola são vistos
como provedores ou responsáveis em “satisfazer” as necessidades dos aprendentes; e a
própria educação se transformaria em uma mercadoria, uma coisa, a ser fornecida ou entregue
facilmente pelo professor e a escola ao aprendente, que a consumiria sem maiores esforços.
Com efeito, os professores e a escola devem ser mais flexíveis, devem prestar contas de seu
serviço, e responder as “necessidades” do aprendente, visto que enquanto consumidor ele
sempre tem razão (BIESTA, 2013, p. 37-38).
Nessa lógica, destaca-se a função requerida ao professor e a escola, de responder as
“necessidades” do mundo da vida do aprendente (consumidor), sempre à custa de um mundo
público, comum e plural. Isto porque, as “necessidades” predefinidas do aprendente
assemelham-se as necessidades dos consumidores, os quais, por sua vez, sempre sabem o que
desejam ou querem. (Ocorre que, no caso dos consumidores muitas de “suas” necessidades
são criadas pela publicidade, senão também pelas forças do mercado). Da mesma forma,
supõe-se que os estudantes saberiam o que desejam e/ou querem aprender, tornando
virtualmente impossível propor questão sobre o conteúdo e o objetivo da educação, sendo que
as únicas questões a serem propostas são técnicas, isto é, questões sobre a eficiência e a
eficácia do processo educacional. Nesse sentido, a questão sobre o conteúdo e o objetivo da
educação não só se torna “individualizada”, mas também está sujeita as forças do mercado
(BIESTA, 2013, p. 41-42).
Com efeito, recai sobre os professores e a escola a exigência de satisfazer, imediata e
eficazmente, as “necessidades” dos aprendentes, sem demandar deles muito esforço, nem
tampouco lhes causar alguma frustação. Nesse sentido, a aprendizagem tem que ser facilitada
pelo professor e a escola – daí, talvez, a ideia do professor “facilitador” – de modo ela ser
fácil, agradável e prazerosa. Um efeito disso, é que para “atrair os aprendentes, a própria
aprendizagem tem de ser pintada como fácil, atraente e emocionante” (BIESTA, 2013, p. 42).
Em direção semelhante, também argumenta Almeida,
a preocupação com um bem-estar raso e estéril – que preenche todas as necessidades
e desejos vitais, mas não deixa mais espaço para as paixões nem para o desejo
daquilo que não é alcançável de imediato – tem refletido numa educação que evita,
na medida do possível, expor o aluno a eventuais frustrações e, muitas vezes, até
tenta resguardá-lo de fazer algum esforço. Assim, por exemplo, entre as
metodologias de ensino, as que pregam uma aprendizagem lúdica, fácil e prazerosa
têm sido privilegiadas (ALMEIDA, 2011, p. 69).
Então, a questão sobre o conteúdo e o objetivo da educação acaba, quando não
impossível de se propor, esvaziada de seu sentido ético-político, “humano”, pois se
transforma em uma questão de preferência individual, pertencente ao domínio privado,
deixando de ser tratada como questão fundamentalmente política, ou seja, pública e comum a
todos. Isto decorre do fato de que a aprendizagem é um conceito “individualista”, isto é,
ele se refere ao que as pessoas, como indivíduos, fazem – mesmo que fundamentado
em noções como aprendizagem colaborativa ou cooperativa. Contrapõe-se assim,
nitidamente, ao conceito de “educação”, que sempre implica relação: alguém
educando outra pessoa e a pessoa que educa tendo uma determinada noção de qual
finalidade de suas atividades. O segundo problema é que a aprendizagem é
basicamente um termo de processo. Ele denota processo e atividades, mas está
aberto – se não vazio – em relação ao conteúdo e aos rumos. Isso ajuda a explicar
por que a ascensão de uma nova linguagem da aprendizagem tornou mais difícil
fazer perguntas sobre conteúdo, propósito e rumos da educação (BIESTA, 2014
[2012], p. 817).
Primeiramente, a questão sobre o conteúdo e o objetivo da educação são
fundamentalmente questões políticas (e, portanto, pública e comum a todos) em sentido
arendtiano, pois a educação implica em uma relação intergeracional, isto é, os adultos – no
caso os professores – representam e respondem pelas velhas gerações as novas gerações – os
estudantes –, por um mundo público e comum. Eles são representantes do mundo, na medida
em que o herdaram das gerações precedentes, mas agora eles dão testemunho dele em relação
aos recém-chegados. Eles também respondem pelo mundo diante das novas gerações por tudo
aquilo que aconteceu nele tanto em seus aspectos desejáveis quanto em seus aspectos
indesejáveis. Nesse sentido, os adultos (professores) tornam-se responsáveis pelo mundo, na
medida em que tem a tarefa de introduzir os recém-chegados, as crianças, adolescentes e
jovens (estudantes) em um mundo comum, legando a eles a herança – conservada e renovada
– das gerações passadas.
Entretanto, com o predomínio da “nova linguagem da aprendizagem” a dimensão
relacional e intergeracional tende a desaparecer, uma vez que a “aprendizagem escolar” voltase ao aprendente, ao indivíduo e as suas “necessidades”, de modo que o único papel a ser
desempenhado pelos professores e a escola é de “facilitar” a satisfação dessas necessidades.
Neste aspecto, há sem dúvidas uma suspenção da relação: entre adultos e crianças,
adolescentes, jovens; entre as velhas gerações e as novas gerações; entre professores e
estudantes.
Em segundo lugar, a aprendizagem ao denotar o termo “processo”, significa algo
interminável e sem fim ou sem finalidade, o que pode explicar o fato de os indivíduos estarem
em época recente sujeitos a aprendizagem ao longo de toda a vida. Enquanto processo ela
também torna ausente o conteúdo, ou em todo caso, os conteúdos acabam ocupando um lugar
secundário em relação ao desenvolvimento de certas “habilidades” e “competências”, as quais
estão quase sempre conectadas a uma determinada ordem social ou a um futuro projetado, por
meio da educação.
A partir desse cenário, a tendência é de substituir a antiga escola como instituição,
baseada na transferência e centrada no professor, considerada anacrônica e “fora de moda”,
por uma escola convertia em “ambiente de aprendizagem” e centrada nos alunos. A escola
como “ambiente de aprendizagem” tende a substituir a crença na tradição e na transferência
pela crença no poder criativo do indivíduo e na singularidade do aprendiz (MASSCHELEIN;
SIMONS, 2013, p. 107). Porém, ao centrar-se no aluno, esse ambiente de aprendizagem acaba
negando a possibilidade de os recém-chegados virem a iniciar novos começos no mundo, de
agirem, pois eles são jogados de volta ao seu mundo da vida imediato, sem que alguém
(adultos, pais ou professores) possam tirá-los de lá. Aqui, a figura da pessoa adulta, em
particular, do professor, quando a sua presença não é dispensada totalmente, resume-se a ser
um “facilitador” da aprendizagem. Isso decorre da centralidade na pessoa do aluno – suas
necessidades, experiências, talentos, motivações e aspirações, tornam-se ponto de partida e
final.
Nesta perspectiva, a relação entre as novas gerações e as velhas gerações, reunidas e
separadas outrora por um mundo comum, é rompida, de modo a não haver o confronto entre
elas. Na ausência desse confronto, os recém-chegados são mantidos “pequenos”, num
“eterna” infância e, portanto, infantilizados. Em tal ambiente, os estudantes tornam-se
escravos de suas necessidades imediatas. Em direção semelhante Arendt aponta (e
complementa):
Essa retenção da criança é artificial porque extingue o relacionamento natural entre
adultos e crianças, o qual, entre outras coisas, consiste, do ensino e da
aprendizagem, e porque oculta ao mesmo tempo o fato de que a criança é um ser
humano em desenvolvimento, de que a infância é uma etapa temporária, uma
preparação para a condição adulta (ARENDT, 2011, p. 233).
De outro lado, o mesmo parece ocorrer com a pessoa do adulto, isto é, trata-se da
“minorização” ou a “infantilização” do adulto – do professor, na medida em que ele se
desresponsabiliza frente aos recém-chegados, crianças, adolescentes e jovens. Trata-se do fato
dos adultos não assumirem a responsabilidade pelo mundo e pelas novas gerações.
Essa responsabilidade não é imposta arbitrariamente aos educadores; ela está
implícita no fato de que os jovens são introduzidos por adultos em um mundo em
contínua mudança. Qualquer pessoa que se recuse assumir a responsabilidade
coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em
sua educação (ARENDT, 2011, p. 233).
Diante da “nova linguagem da aprendizagem”, em particular, a escola transformada
em “ambiente de aprendizagem”, poderia lançar a questão acerca de que tipos de
subjetividade são tornadas possíveis em tal ambiente? Uma possível resposta pode ser
fornecida na medida em que a “nova linguagem da aprendizagem” parece facilmente
estabelecer um tipo de subjetividade conectada como uma ordem social vigente, a saber, o
capitalismo global. Conforme Biesta,
Educacionalmente, a característica mais notável do capitalismo global é que ele
“produz” um tipo particular de subjetividade ou, para ser mais preciso, está
principalmente interessado numa possível posição-do-sujeito, a saber, a do sujeito
como consumidor […] O capitalismo global não está interessado em diferenças
individuais […] nem está interessado em diferentes modos ou modelos de
subjetividade. A esse respeito, o capitalismo global ameaça as oportunidades para
que existam maneiras diferentes de ser um sujeito, diferentes modos de levar a vida
e ser humano. Tende a transformar uma posição contingente do sujeito – o sujeito
como consumidor – em algo que é inevitável e quase se torna natural; um modo de
subjetividade para o qual não há alternativa (BIESTA, 2013, p. 139).
Nesta perspectiva, parece impossível da escola abrir-se a outras possibilidades de
subjetivação, de tornar-se sujeito, a não ser a de sujeito consumidor. Deste modo, a escola ao
assumir tal discurso da aprendizagem tem como pré-definido o que cada indivíduo deve se
tornar – “consumidor” – negando a possibilidade de manifestarem quem são, a sua
singularidade, pois não há mais espaço para ser sujeito, para agir, nem tampouco a presença
de outros seres plurais, apenas a uniformização dos indivíduos em “consumidores” com as
mesmas necessidades, expectativas, exigências, ditadas pelo mercado.
Diante disso, cabe retomar as questões do início: que tipo de escola, em particular, de
educação escolar faz-se necessário para que os estudantes – crianças, adolescentes e jovens –
possam agir, e, portanto, serem sujeitos? Que aspectos da condição humana essa escola, que
pretende ser democrática, deveria estar sempre atenta?
2. Para além da aprendizagem: por uma concepção democrática de educação escolar
Antes de qualquer coisa, um concepção de escola, ou mais precisamente, de educação
escolar, que pretenda ser democrática, deve ir mais além da aprendizagem, da produção de um
tipo bem particular de subjetividade, a do sujeito consumidor. Por outro lado, uma concepção
democrática de educação escolar não deve “preparar” os recém-chegados para serem pessoas
democráticas, nem tampouco inserir (ou adaptar) eles a uma ordem social existente ou
futuramente projetada (uma “sociedade democrática”). Em todo caso, resultaria em uma
concepção
instrumentalista
e
“individualista”
de
educação
escolar
democrática:
instrumentalista no sentido de que a educação torna-se um meio para realizar a democracia; e
“individualista” no sentido de que para realizar a democracia é preciso equipar cada indivíduo
com um conjunto de conhecimentos, habilidades e competências democráticas (BIESTA,
2013, p. 158-159). Neste viés, cria-se em relação a escola expectativas irrealistas na medida
em que ela é responsabilizada e sobrecarregada com o peso do futuro da democracia,
eximindo d responsabilidade a sociedade em geral. A esse respeito, “as escolas não podem
nem criar, nem salvar a democracia. Só podem sustentar sociedades em que a ação
democrática e a subjetividade democrática sejam possibilidades reais” (BIESTA, 2013, p.
160).
Desta forma, as escolas que pretende realizar uma educação democrática devem estar
sempre atenta a dois aspectos da condição humana que se relacionam diretamente com a ação,
a saber: a natalidade e a pluralidade. A natalidade não corresponde somente ao nascimento, do
ponto de vista estritamente biológico, mas, sobretudo, o fato de que novos seres humanos
ingressam em um mundo, que existia antes de sua chegada e continuará a existir a sua partida,
trazendo consigo a capacidade de iniciar novos começos, de agir. Assim sendo, “o novo
começo inerente ao nascimento pode fazer-se sentir no mundo somente porque o recémchegado possui a capacidade de iniciar algo novo, isto é, agir” (ARENDT, 2010, p. 10). É,
portanto: “o fato da natalidade, no qual a faculdade da ação radica ontologicamente”
(ARENDT, 2010, p. 308). Neste sentido, cada ser humano que nasce é um início e um
iniciador:
por constituírem um initium, por serem recém-chegados e iniciadores em virtude do
fato de terem nascido, os homens tomam iniciativas, são impelidos a agir […] Tratase de um início […] de alguém que é, ele próprio, um iniciador […] E, isso, só é
possível porque cada homem é único, de sorte que, a cada nascimento, vem ao
mundo algo singularmente novo (ARENDT, 2010, p. 221-223).
Assim, a natalidade não só corresponde ao nascimento de novos sujeitos singulares,
portadores da capacidade de agir, de iniciar novos começos no mundo. Mas, esses novos
começos dependem também de outros começos. Isto é, para agir, para ser sujeito, faz-se
necessário que outros reajam ao início de cada um. Ao reagir sobre outros inícios se é sujeito.
Porém, não há como prever a reação dos outros sobre os inicios de cada um, e vice-versa.
Caso tentassem, cada um se transformaria em um instrumento para alcançar os objetivos do
outro. Nesta direção, cada qual destruiria as oportunidades suas e dos outros de agirem e,
portanto, as oportunidades de serem sujeitos. Do ponto de vista educacional, significaria que
as gerações mais velhas poderiam, na intenção de preparar os recém-chegados para a
democracia, fazê-los um instrumento para alcançar seus objetivos. Conforme adverte Arendt
“preparar uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de arrancar das
mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face ao novo” (ARENDT, 2011, p. 226).
Concomitantemente, a condição humana da pluralidade relaciona-se diretamente com
a natalidade e, portanto, com a ação, uma vez que, cada um que nasce é um novo sujeito
singular. Neste sentido, “a pluralidade é a condição da ação humana porque somos todos
iguais, isto é, humanos, de um modo tal que ninguém jamais é igual a qualquer outro que
viveu, vive ou viverá” (ARENDT, 2010, p. 9-10). Deste modo, a ação somente é possível na
presença de outros, na pluralidade de seres singulares. Da mesma forma, somente é possível
ser sujeito na pluralidade.
Nessa perspectiva, a revelação de quem alguém, nunca acontece na sua totalidade, mas
implica sempre a presença de outros homens e do mundo, visto que é diante da pluralidade
que a singularidade de cada um torna a aparecer no mundo. Então, se não houvesse homens
no plural, nem tampouco um mundo no qual pudessem revelar quem são, os seres humanos só
existiriam a maneira de o que é, como se existisse uma “natureza humana” comum a eles.
Conforme Arendt, “se existisse tal natureza humana, seria um fenômeno natural, e, ao se
chamar o comportamento de acordo com ela de “humano”, estar-se-ia afirmando que o
comportamento humano e o comportamento natural são um único e mesmo comportamento”
(ARENDT, 2008, p. 20). Ao igualar o comportamento humano ao comportamento natural, se
excluiria a condição humana da pluralidade e, com ela, a ação, de maneira que não seria mais
possível o aparecimento da singularidade de cada um, tampouco a distinção entre os demais.
Neste viés, os seres humanos seriam apenas a repetição de exemplares de uma mesma
espécie. Da mesma forma, na ausência de mundo, de mundanidade, seriam levados a
considerar a existência de uma “natureza humana” comum a todos os seres humanos, isto é,
na “ausência de mundanidade e realidade, é fácil concluir que o elemento comum a todos os
homens não é o mundo, mas a “natureza humana” de tal e tal tipo” (ARENDT, 2008, p. 20).
Deste modo, o elemento comum a todos os seres humanos não é uma dada “natureza
humana”, mas o mundo, sendo que eles não são um fenômeno natural, mas sim um fenômeno
mundano (ou um fenômeno do mundo), pois, o que torna possível a existência propriamente
humana é o fato de ela estar relacionada a existência de um mundo comum.
Assim, uma escola que pretende ser democrática deve estar sempre atenta a essas dois
aspectos da condição humana, a natalidade e a pluralidade. Condições essas, fundamentais
para que seja possível a ação e, portanto, para tornar-se sujeito. Mas também deve estar
sempre atenta aquilo que com muita precisão aponta Almeida,
pouco interessa quem é o professor e sua relação com o mundo, se pelo menos
souber aplicar os métodos prescritos ou seus alunos obtiverem os conhecimentos
necessários para os provões, vestibulares e outras avaliações de larga escala. Quanto
aos alunos, sabemos o que são: ricos ou pobres, negros ou brancos, onde moram e os
conhecimentos que possuem ou não, mas muitas vezes, ninguém sabe quem são os
alunos, já que as condições de trabalho e o modo de funcionamento da escola fazem
com que o professor nem sequer saiba o nome deles. Numa educação anônima não
há pessoas que se revelam, nem experiências sobre as quais possamos pensar e nas
quais possamos encontrar algum sentido para a educação (ALMEIDA, 2011, p.
225).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Vanessa Sievers de. Educação em Hannah Arendt: entre o mundo deserto e o
amor ao mundo. São Paulo: Cortez, 2011.
ARENDT, Hannah. Responsabilidade e Julgamento. São Paulo: Companhia das Letras,
2004.
___. O que é política? 7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
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