Pensamento - Claudio Garcia

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Pensamento, conhecimento e agir moral
Claudio Boeira Garcia
Os termos pensamento e conhecimento têm sido usados como sinônimos em
conversas cotidianas acerca do agir humano. Pensadores referenciais têm se ocupado
com o tema aqui retomado através da indagação de Arendt: a atividade de pensar
poderia auxiliar os humanos a não fazerem o mal?1
Arendt lembra que, para descrever o pensar, Sócrates recorre à metáfora dos
ventos que, embora invisíveis, mostram-se a nós, fazendo com que de certa maneira
sintamos quando se aproximam. Ao falar e pensar sobre piedade, justiça, coragem etc.,
menos que ensinar algo a respeito delas, Sócrates expressava o fato de que se sentia
compelido a conferir suas perplexidades com seus semelhantes; de que igual moscardo e
parteira ferroava os cidadãos para que se livrassem de opiniões e de preconceitos que,
por não serem examinados, os impediam de pensar a respeito de certas questões assim
como das conseqüências de opiniões emitidas sobre elas.
A atividade de pensar acontece quando nos envolvemos com conceitos que
designam coisas que a língua nos oferece para indagar sobre significados do que ocorre
em nossas vidas. Sócrates designou essa busca por Eros, um amor que é antes de tudo
uma falta que deseja o que não possui. Os homens pensam por não serem sábios, amam
a beleza por não serem belos. Desejando o ausente, o amor estabelece com ele uma
relação.
A atividade do pensar enfatiza Arendt, tende a não aceitar seus resultados, por
isso, dela, não se pode esperar códigos definitivos de conduta moral ou decisões acerca
do que do que é bom ou mau. Nada lega senão perplexidades que podem ser
compartilhadas. O perigo que a ameaça advém da pretensão de encontrar resultados que
a dispensem.
O não pensar acostuma as pessoas a qualquer conjunto de regras de conduta
prescritas em um dado momento, em uma dada sociedade. Examinada de um ponto de
vista mundano a proposição de Sócrates: é melhor sofrer o mal que o cometer permite
pensar que os cidadãos devem impedir um mal que atinge o mundo por todos
compartilhado. Contudo, ele não se expressa aqui como um cidadão supostamente mais
1
ARENDT. Pensamento e considerações morais. In: A
Dignidade da Política, p. 145-169, Rio de Janeiro: Relume
Dumara, 1993.
preocupado com o mundo do que consigo mesmo. Tudo se passa como se dissesse para
seu interlocutor: se você estivesse, como-eu, apaixonado pela sabedoria, se você
estivesse pensando em um mundo dividido entre fortes e fracos de modo que restasse
apenas fazer ou sofrer o mal, não apenas concordaria comigo que é melhor sofrer do que
fazer o mal, mas, também que uma vida sem reflexão não vale a pena.
O dois- em- um do pensar, demanda que os participantes do diálogo sejam
amigos. Ao contrário da consciência moral a qual cabe dizer-nos o que fazer e do que se
arrepender; o pensar do indivíduo de que nos fala Sócrates implica re-pensar opiniões
irrefletidas, mas não fornecer prescrições positivas. Trata-se, de um pensar que em
sentido não-cognitivo é prerrogativa de todos, do mesmo modo, que a inabilidade de
pensar é possibilidade sempre presente aos que dele se esquivam.
O pensar enquanto tal observa Arendt, beneficia menos a sociedade que o
conhecer que pode ser usado para diferentes propósitos; ele não cria valores, nem
descobre, de uma vez por todas, o que é "o bem", não confirma regras aceitas de
conduta, mas antes as dissolve. Entretanto, a importância política e moral do pensar se
revela, sobretudo, nos momentos em que as coisas se despedaçam; em que aos
melhores falta, de todo, a convicção, ao passo que os piores/enchem-se de uma
intensidade passional.
Quando todos se conduzem pelo que os outros fazem e crêem, quem pensa
precisa aparecer, pois a recusa em aderir impensadamente torna-se uma espécie de ação.
A maiêutica socrática é política, por implicação, à medida que examina opiniões,
valores, doutrinas e convicções estabelecidas. Enquanto tal ela exerce um efeito
liberador sobre a atividade de julgar, a mais política das habilidades espirituais do
homem porque incide sobre particulares, sem subsumi-los a regras gerais que podem
ser ensinadas e aprendidas. Essa atividade, embora distinta, se interliga com o pensar
porque ele realiza a diferença no interior de nossa identidade assim como é dada na
consciência e porque o juízo como efeito do pensamento, torna manifesto o pensar no
mundo de aparências, onde jamais estamos sós.
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