O CONCEITO DE PESQUISA RACIONAL CONSTITUÍDA PELA TRADIÇÃO E DELA CONSTITUTIVA EM ALASDAIR MACINTYRE: UM ESTUDO DE SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS. Jardel de Carvalho Costa – UFPI* Helder Buenos Aires de Carvalho – UFPI** INTRODUÇÃO A filosofia como atividade humana e resultado da própria historicidade do homem trabalha sempre com uma avaliação crítica do que constitui a vida efetiva do ser humano. É nesta avaliação crítica do homem como ser histórico e social que emerge Alasdair MacIntyre, filósofo conhecido por sua forte crítica à modernidade liberal. Escocês, educado na Inglaterra e radicado nos Estados Unidos, MacIntyre faz um diagnóstico da modernidade, atestando que a linguagem moral contemporânea está em desordem, ou melhor, que a moralidade moderna não passa de um simulacro, formada de uma mistura de fragmentos não-combinados: Iluminismo, liberalismo econômico do século XIX, liberalismo político, catolicismo, puritanismo. Empreendendo uma investigação histórica de cunho comparativo da moralidade contemporânea com as moralidades predecessoras, MacIntyre atesta que a base da fragmentação da moralidade contemporânea está na recusa do esquema teleológico aristotélico, com o abandono do conceito funcional de homem em prol da formulação de um eu individualista e soberano, resultando num desacordo crônico do debate contemporâneo, com a negação da racionalidade ética pelo emotivismo. Segundo o emotivismo todos os julgamentos morais e valorativos não são nada mais que expressões de preferências e sentimentos tornando o debate moral infrutífero, não passando de um jogo de afirmação e contra-afirmações, ou seja, segundo o emotivismo nenhum método racional pode assegurar os acordos entre julgamentos morais. Frente ao desacordo crônico nas práticas e teorias morais contemporâneas com a negação da racionalidade ética, MacIntyre propõe a retomada da ética aristotélica das virtudes, através do seu conceito de pesquisa racional constituída pela tradição e dela constitutiva, como uma saída para os problemas da moralidade moderna. OBJETIVOS A pesquisa visa identificar os elementos teóricos constitutivos da teoria da racionalidade das tradições em Alasdair MacIntyre, que gira centralmente em torno do seu conceito de “pesquisa racional constituída pela tradição e dela constitutiva”. METODOLOGIA O estudo centra-se na explicitação que MacIntyre faz do seu conceito de “pesquisa racional constituída pela tradição e dela constitutiva”, que é o ponto central de sua filosofia moral, ou seja, buscaremos mapear os fundamentos filosóficos da concepção de racionalidade das tradições em Alasdair MacIntyre. Para tal esclarecimento é de crucial importância a análise de fontes primárias para a pesquisa: Justiça de Quem? Qual Racionalidade? (2001) e Três Versões Rivais de Pesquisa Moral (1992). Na primeira, MacIntyre estrutura seu conceito de tradição de pesquisa racional como essencialmente histórico, reconhecendo a diversidade de tradições de pesquisa racional como, por exemplo, de Hume e Aristóteles, que são propostas em esquemas conceituais diferentes, tendo cada uma seus próprios padrões e medidas de interpretação, explanação e justificação que são internos a eles próprios. Na segunda, MacIntyre faz uma aplicação do conceito de pesquisa racional constituída pela tradição e dela constitutiva, assumindo-se herdeiro da tradição aristotélico-tomista no intuito de fazer um diálogo crítico com duas tradições centrais: aquela que tem como texto central a Enciclopaedia Britannica, de cunho iluminista, e aquela advinda do Zur Genealogie der Moral, gerada por Nietzsche e levada adiante por Foucault. Além das referências primárias foi essencial a análise de fontes secundárias, como Tradição e Racionalidade na Filosofia de Alasdair MacIntyre (1999) e La filosofia narrativa de Alasdair MacIntyre (1999). RESULTADOS E DISCUSSÃO A presente pesquisa tem contribuído na explicitação do modelo de racionalidade proposto por MacIntyre, seus padrões, medidas de interpretação e justificação. MacIntyre propõe uma concepção de pesquisa racional incorporada a uma tradição, ou seja, uma racionalidade essencialmente histórica que o presente só é inteligível como crítica e reação ao passado de forma que o passado seja ultrapassado e corrigido por uma perspectiva futura ainda mais adequada. A concepção de racionalidade proposta por MacIntyre tem como marca ser uma alternativa frente ao fracasso do projeto ético-universal dos filósofos do iluminismo, pois, para MacIntyre, na medida em que os iluministas dispensaram qualquer pesquisa incorporada a uma tradição, acabaram por obscurecer tanto para si mesmos, como para outros, a natureza essencial de alguns sistemas de pensamento. Uma tradição de pesquisa racional é para MacIntyre uma argumentação que foi desenvolvida ao longo da história, mas que não permaneceu a mesma, pois com o tempo alguns acordos são redefinidos de modo a fornecer uma unidade. Para MacIntyre, uma tradição revelase racional enquanto tem a capacidade de fornecer respostas e justificações no enfrentamento de questões emergentes das novas situações. Na compreensão do filósofo escocês, quando uma tradição entra em uma crise epistemológica, a única solução possível é a invenção ou descoberta de um novo tipo de teoria que forneça um novo esquema de modo a resolver os problemas até então intratáveis. A nova teoria terá de responder às dificuldades de suas rivais, demonstrando seus respectivos fracassos bem como poder responder a tais fracassos e justificar o porquê que fracassaram. Assim, as teses fundamentais das novas estruturas teóricas tem como uma de suas características fazer uma ruptura com as posições anteriores, justamente porquê são mais ricas e superadoras das limitações das teorias anteriores. A pujança teórica e prática de uma tradição de pesquisa racional encontra-se justamente na sua capacidade de transformação e adaptação, tanto a partir de problemas internos, como do seu confronto com outras tradições. Para a racionalidade das tradições, o conflito tem um papel fundamental, pois torna-se um elemento integrador, divisor ou simplesmente destruidor. É justamente com base numa pesquisa racional constituída pela tradição e dela constitutiva que MacIntyre entende que Tomás de Aquino foi justamente o filósofo que entendeu a arte de filosofar através do diálogo com a tradição, o que lhe permitiu sintetizar duas tradições rivais e aparentemente incomensuráveis: a tradição aristotélica e a agostiniana. CONCLUSÃO É sustentado em uma pesquisa racional constituída pela tradição e dela constitutiva, que MacIntyre declara-se um aristotélico-tomista buscando um diálogo com duas tradições: Enciclopaedia Britannica e Zur Genealogie der Moral. Para MacIntyre, tanto a primeira como a segunda difere radicalmente das formas da tradição, pois a primeira, por não considerar a historicidade do ser humano acaba tendo como conseqüência um projeto fracassado na medida em que os próprios iluministas não chegaram a um consenso sobre quais princípios seriam irrecusáveis a todas as pessoas racionais. Já o genealogista tem como problema central e não reconhecido entre seus integrantes como negar o que afirma o teólogo e o metafísico sem cair no mesmo modo de expressão que se propõe negar. Assim é justamente ao testemunhar o fracasso das concepções enciclopédica e genealógica que MacIntyre justifica a superioridade da racionalidade das tradições na medida em que através desta Tomás de Aquino conseguiu sintetizar duas tradições rivais e aparentemente incompatíveis, resultando numa reformulação e inovação conceitual superando uma crise epistemológica. Assim, MacIntyre propõe a retomada da ética aristotélica das virtudes, como saída para os problemas morais da modernidade, mas desde que compreendida dentro de uma história com vários estágios, sendo que cada um é modificado e reinterpretado pelo que lhe é posterior, mas ao mesmo tempo constituinte essencial dele. Ao retomar a ética aristotélica, MacIntyre propõe que esta seja vista sob a perspectiva das tradições de pesquisa racional, onde é reformulada a cada estágio mantendo seus primeiros princípios. A racionalidade das tradições de pesquisa tem como característica uma circularidade que é interna à história de cada tradição particular, visto que a racionalidade de cada uma é construída sobre critérios e primeiros princípios que lhe são peculiares. Neste contexto, a questão principal é caracterizar historicamente até que ponto os conflitos internos ou externos a uma tradição são extensões ou continuação de uma história de conflitos. É justamente no conceito de pesquisa racional constituída pela tradição e dela constitutiva que MacIntyre vê a única saída possível onde a racionalidade dos fins não pode perder seu enraizamento histórico e não é destruída pela racionalidade dos meios, pois MacIntyre compreende a racionalidade ética como sustentada em um nexo entre filosofia, sociologia e história. Sustentado em tal concepção de razão, MacIntyre faz o resgate da ética nicomaquéia, pois compreende sua filosofia moral centrada no interior de uma tradição, que tem a tarefa de conduzi-la a uma narrativa mais ampla. Tendo como base seu conceito de pesquisa racional constituída pela tradição e dela constitutiva, MacIntyre insere a filosofia moral aristotélica numa história das concepções de virtude, onde o próprio Aristóteles está no centro, mas ao mesmo tempo é apenas parte dela. APOIO: FAPEPI, CNPq. PALAVRAS – CHAVE: Emotivismo, Modernidade,Tradição, História,Virtude. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CARVALHO, Helder. Comunitarismo, Liberalismo e Tradições Morais em Alasdair MacIntyre. IN: OLIVEIRA, M. A. de; ALVES, Odílio S.; SAHD NETO, L. F. Filosofia Política Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2003. p.287-310. _____. Tradição e Racionalidade na Filosofia de Alasdair MacIntyre. São Paulo : Editora Unimarco, 1999. _____. Alasdair MacIntyre e o retorno às tradições morais de pesquisa racional. IN: OLIVEIRA, M. A. de (Org.). Correntes Fundamentais da Ética Contemporânea. 2a ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p.31-64. _____. A contemporaneidade de Aristóteles na filosofia moral de Alasdair MacIntyre. Síntese Revista de Filosofia. Belo Horizonte, MG: v.28, n.90 (2001): 37-66. FIGUEIREDO, Lidia. La filosofía narrativa de Alasdair MacIntyre. Pamplona: EUNSA, 1999. MACINTYRE, Alasdair. Tres Versiones Rivales de la Ética. Enciclopedia, Genealogía y Tradición. Trad. Rogelio Rovira. Madrid: Ediciones Rialp, 1992. _____. Justiça de Quem? Qual Racionalidade?. Trad. Marcelo Pimenta. São Paulo: Loyola, 2001. * Historiador e estudante de filosofia da Universidade Federal do Piauí. Email: [email protected] ** Professor Assistente III do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Piauí, Doutor em Filosofia/Fafich-UFMG. Email: [email protected]