MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA Coordenadoria de Pesquisa – CPES Campus Universitário Ministro Petrônio Portela, Bloco 06 – Bairro Ininga Cep: 64049-550 – Teresina-PI – Brasil – Fone (86) 215-5564 E-mail: [email protected] VULNERABILIDADE E MORALIDADE EM ALASDAIR MACINTYRE Bruno Thompis Alves Siqueira Barbosa (bolsista PIBIC/UFPI), Helder Buenos Aires de Carvalho (orientador, Departamento de Filosofia/UFPI) INTRODUÇÃO O presente relatório visa analisar os papeis atribuídos à vulnerabilidade e sua função em relação à moralidade na obra Animales Racionales y Dependientes (2001) do filósofo escocês Alasdair MacIntyre. Tal temática soa como problemática e é tratada como nova pela forma dada à sua abordagem pelo filósofo, uma vez que segundo ele, não tem sido atribuída a ela, papel de real importância no cenário da filosofia moral. Entendendo sempre que a obra macintyreana ainda está em constante aprimoramento e reformulação, não podemos e não devemos tratar a obra aqui estudada nem como expoente máximo no que diz respeito ao fato da vulnerabilidade, nem como mera ferramenta descartável para entendermos tal dimensão. A consciência da dimensão da vulnerabilidade humana, para MacIntyre, diferente do frequentemente difundido no senso comum e constantemente ignorado no ambiente técnico-filosófico da moralidade, assume papel fundamental no que diz respeito à formação do homem enquanto agente moral. Para o escocês, o agente moral da sociedade pós-iluminismo é um agente racional dependente, por mais que almeje a independência e a pregue em seus temas filosóficos com ardor. Para MacIntyre, a busca desse agente moral pela independência passa diretamente pela conscientização de sua dependência. METODOLOGIA Tomando como eixo diretor a obra Animales Racionales y Dependientes (2001), precedida de alguns capítulos de Depois da Virtude (2000 [1981]), juntamente com alguns artigos e livros de intérpretes de sua obra (Carvalho, 2000, 2010; Gamio, 2002) buscou-se efetivar leituras prévias e interpretativas da bibliografia sugerida com ênfase na obra Dependent Rational Animals, onde se encontram a quase totalidade dos requisitos necessários para atingirmos os objetivos préestabelecidos para o nosso programa. A leitura da obra citada se deu de forma concatenada e contextualizada historicamente, procurando sempre respeitar a perspectiva interpretativa hermenêutica de Gadamer no que tange a olharmos fixamente o momento histórico no qual o autor está inserido, tempo para o qual a presente teoria pretende dar respostas. A obra Animales Racionales y Dependientes (2001), como dito acima, é o foco quase exclusivo do presente relatório, mas faz-se mais do que necessário nos reportarmos, por vezes, ao que o autor nos deixou como legado em Depois da Virtude (1981), que faz as vezes de “carro-chefe” do pensamento macintyreano no que tange a filosofia moral e contém diversos dos conceitos desenvolvidos na obra aqui estudada. Não devemos perder de vista, no entanto, o enfoque principal na nossa busca: a conexão entre a dimensão da vulnerabilidade e a moralidade na obra de MacIntyre. Tal conexão nos é elucidada no cotidiano dos agentes quando entendemos as limitações desses agentes como seres humanos, a forma praticamente constante com a qual eles costumam padecer de enfermidades que os incapacita de exercer plenamente a função de agentes morais conscientes. A posição de MacIntyre é contrária à concepção do senso comum, que costuma tratar os seres incapacitados como alvo de mera benevolência por parte dos agentes morais “normais”. Sua posição é uma posição investigativa quando o mesmo procura entender a raiz do problema, buscando os fatores que impedem que, em nosso contexto social, tais dimensões sejam reconhecidas de modo satisfatório e contribuam diretamente para a formação de um, realmente, novo agente moral. RESULTADOS E DISCUSSÃO A dimensão da vulnerabilidade encontrada na obra do filósofo escocês perpassa os limites de compreensão e aceitação do senso comum e da sociedade atual. Dominada por fortes características individualistas e por um modelo de Estado completamente despreparado e alheio à essa compreensão da dimensão da vulnerabilidade e suas consequências de aceitação para a sociedade como um todo, as dificuldades encontradas pelo filósofo na implantação do seu sistema filosófico de reconhecimento da vulnerabilidade são inúmeras. A família atual, dominada pelo pensamento que MacIntyre chamou de burguês, pouco se importa com a formação dos filhos no que diz respeito a atingir um telos comunitário, de conjunto. Apesar de a tarefa ser aparentemente simples, MacIntyre versa que os esforços rumo ao reconhecimento da dimensão supracitada esbarra nos problemas diagnosticados ainda em Depois da Virtude (2001): uma crise moral e social fortíssima que se amplia e se agrava cada vez mais. O diagnóstico feito na obra anterior é um diagnóstico esclarecedor e frequentemente interpretado com pessimismo pelos leitores ávidos de sua obra, porém, como é comum na obra do escocês, há sempre a preocupação nos indicar uma saída. Em Depois da Virtude, a saída sugerida foi um retorno à ética aristotélica das virtudes e o combate frequente à concepção emotivista de moralidade que domina o cenário social de nosso tempo. Na obra aqui estudada, no entanto, o autor nos oferece uma saída semelhante e que se apresenta com caráter de continuidade, exemplificando o retrato de frequente construção da obra macintyreana. Se, em Depois da Virtude, o foco foi o citado acima, em Animales Racionales y Dependientes a busca pelo papel das virtudes no cenário atual de desordem moral do reconhecimento da vulnerabilidade e suas características, além do reconhecimento da dependência, passa diretamente pelo exercício da combinação e justa-medida do catálogo de virtudes apresentadas a nós pela tradição. Buscar exercitar o caráter de reciprocidade, de mútua troca na construção do agente racional independente e autônomo, é ponto fundamental defendido pelo autor no que concerne a saída do homem da estrutura da dependência e distanciação da estrutura do autoengano. CONSIDERAÇÕES FINAIS De fundamental importância para o cenário filosófico atual, MacIntyre exercita magistralmente o papel de incitar o leitor comum ou até o ávido leito profissional no rumo das questões propostas por ele no decorrer de suas obras. Tratar a filosofia de seu tempo como, realmente, uma proposta às questões levantadas em seu tempo atribui ao autor caráter didático e convidativo. Trazer à tona o debate sobre a vulnerabilidade e explicitar a forma como esta é vista no contexto filosófico, não só histórico mas também na atualidade, rende a MacIntyre uma tarefa árdua e quase messiânica para os padrões sociais que temos em nossa sociedade, hoje. Faz-se mister entendermos que o homem é, sim, apto a desenvolver-se e fazer a troca da condição de agente racional dependente (e eternamente dependente) para a condição de agente racional prático independente e autônomo. No entanto, como dito anteriormente, o terreno onde o florescimento do homem se dá, é um ambiente hostil à moralidade como um todo. O telos dos sistemas sócio-econômicos da pós-modernidade, se é que há um, jamais foi a boa convivência, o bem viver ou quaisquer que sejam os preceitos que almejem boa convivência entre os homens. Cabe a nós, propiciarmos que tal ambiente floresça e que as dimensões aqui defendidas estejam cada vez mais indissociáveis do cotidiano do agente moral racional e que sua busca seja inclinada rumo à independência, à autonomia. PALAVRAS-CHAVE Vulnerabilidade. Dependência. MacIntyre. Moral. Moralidade. REFERÊNCIAS CARVALHO, Helder B. A. de. Alasdair MacIntyre e o retorno às tradições morais de pesquisa racional. IN: OLIVEIRA, Manfredo A. de (org.). Correntes fundamentais da ética contemporânea. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 31 – 64. CARVALHO, Helder B. A. de. A antropologia dos animais racionais dependentes. Pensando Rev. de Filosofia. 2010, Vol: 1 Nº 2, p. 119-168. GAMIO, Gonzalo. Alasdair MacIntyre: Animales racionales y dependientes. Areté Rev. de Filosofia. 2002, Vol: XIV Nº 1, p. 143-148. MACINTYRE, Alasdair. Animales Racionales y Dependientes. Por qué los seres humanos necessitamos las virtudes. Barcelona: Paidós, 2001. _________. Depois da Virtude. [1981] Trad. Jussara Simões. Revisão Helder B. A. de Carvalho. Bauru: EDUSC, 2001.