O Setor de Saúde no Brasil Prof.Dr. Renato M.E. Sabbatini Núcleo de Informática Biomédica Universidade Estadual de Campinas O Brasil dispõe de um sistema misto de assistência à saúde, que incorpora elementos de medicina privada e paga (através de seguros e planos de saúde) e socializada (atenção pública gratuita), copiando e adaptando modelos europeus (Inglaterra, principalmente), norte-americanos (EUA), entre outros. Segundo a Constituição Brasileira, a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, portanto teoricamente o sistema social de saúde amparado pelo governo e pelos impostos dos cidadãos e das empresas deveria cobrir as necessidades de 100% dos habitantes do País. No entanto, devido a uma série de deficiências, isso está muito longe da meta ideal, e dos 164 milhões de brasileiros existentes no final de 1998, cerca de 41 milhões (ou 25%) tinham optado pelo que o governo federal denomina eufemisticamente de Sistema de Saúde Complementar, ou seja, ao permitir a coexistência de um sistema privado pago de grande porte e de melhor qualidade, confessa a sua falha em cumprir as metas da Constituição. De qualquer modo, os gastos em saúde no Brasil são ainda majoritariamente realizados pelo Estado, através do Sistema Unificado de Saúde, que foi criado há uma década atrás para organizar um sistema hierárquico e decentralizado, que seria idealmente baseado nos municípios e nas comunidades, e que surgiu a partir de um sistema caótico e excessivamente centralizado, herdeiro dos Institutos de Aposentadoria e Pensões dos sindicatos (IAPs) e do INAMPS. O sistema nacional de saúde atualmente encontra-se em estado de fluxo, de um lado através de um contínuo aperfeiçoamento organizacional e aumento da abrangência do SUS, e de outro, pela entrada de novos modelos de saúde privada, como as HMOs (Health Maintenance Organizations), copiadas dos EUA, e em muitos casos, começando a ser adotadas através da desregulamentação da participação de empresas estrangeiras no mercado, o que antes não era possível. O sistema público Existem atualmente no país (estatísticas de julho de 1999) aproximadamente 54.200 unidades de assistência ambulatorial credenciados pelo SUS, sendo 29.000 centros e postos de saúde, 5.000 clínicas especializadas, 4.000 ambulatórios hospitalares, 3.800 clínicas odontológicas, 3.800 unidades auxiliares de diagnóstico e terapia, 2.800 unidades de saúde familiar, 800 prontos-socorros e unidades de emergência, e outras. Cerca de 70% das unidades ambulatoriais estão na região Sul/Sudeste. Com relação à natureza jurídica, existe uma clara predominância: 66% são municipais e 21,5% são privadas, respondendo as demais categorias (federais, estaduais, filantrópicos, etc.) por 4% ou menos cada uma. Com relação ao setor hospitalar, o país conta atualmente com cerca de 6.500 hospitais cadastrados pelo Ministério da Saúde, sendo que 4.100 são privados, 2.250 são públicos, e 155 são hospitais universitários. Nota-se que o setor privado, ao contrário, ao contrário do que acontece com as unidades ambulatoriais, responde por 63% dos hospitais, no geral. A proporção de hospitais nas regiões Sul e Sudeste é menor do que a proporção de unidades ambulatoriais: aproximadamente 47% (3.000 hospitais). Somente o Estado de São Paulo conta com 720 hospitais e 105.000 leitos. No total, os hospitais brasileiros tem 495.000 leitos (isso dá uma média de 75 leitos por hospital, sendo que os hospitais universitários têm um tamanho comparativamente maior, por serem unidades de referência do sistema: 309 leitos por hospital. Os hospitais públicos têm uma média menor: 52 leitos por hospital). Quanto à natureza jurídica a maioria dos hospitais é privada contratada, com 36,5%. Em seguida temos os hospitais filantrópicos (como as Santas Casas), com 26,5%, e os hospitais municipais e estaduais, com 23% e 10,5%, respectivamente. Os hospitais universitários e os federais próprios representam menos de 3% do total. Entretanto, a proporção de leitos oferecidos pelas unidades hospitalares do setor privado é menor nas regiões mais pobres, denotando uma maior presença do governo na assistência: ela varia de 50% na região Norte a 81% na região Sul. Esses dados são importantes, pois apontam para uma indisponibilidade geral de recursos por parte dos hospitais brasileiros, pois com exceção dos hospitais universitários, a maioria dos hospitais públicos e filantrópicos opera com forte limitação de recursos financeiros, enquanto que os hospitais privados se ressentem da baixa remuneração dos serviços prestados pelo SUS. Note-se também a diferença de distribuição por natureza jurídica dos serviços ambulatoriais predominantemente municipais, devidos aos centros e postos de atenção primária) e dos serviços de internação hospitalar (neste caso, predominantemente contratados). Foram realizadas 11,8 milhões de internações hospitalares pelo SUS em 1998. Das 21 categorias de morbidade (tipos de doenças) descritas pela OMS, o maior número de internações foi relacionada à gravidez e parto (com 2,9 milhões de internações), doenças respiratórias (1,9 milhões), cardiovasculares (1 milhão), gastrointestinais (950 mil), infecciosas e parasitárias (870 mil) genito-urinárias (750 mil), acidentes e causas externas (600 mil), e mentais (425 mil). No total, essas oito causas respondem por 80% de todas as internações, e as três primeiras por 50% O número de internações por 100 habitantes por ano varia de 4,8 a 8,6, com uma média nacional de 7,6. Foram realizadas em 1998 cerca de 1,5 bilhão de atos ambulatoriais pelo SUS, sendo 887 milhões no Sul e Sudeste (60%). Destes, 954 milhões de atos se referem ao atendimento básico, e o restante a atendimento nãobásico. Os provedores privados e filantrópicos foram responsáveis por apenas 36 milhões de atos básicos (2%), mostrando uma alta concentração do poder público nesta área; mas realizaram 184 milhões de atos não-básicos (12%), ou seja, de medicina especializada. Essa última remunera com valores mais altos, por isso o setor privado médico-hospitalar tem rescindido crescentemente contratos com o SUS para atenção ambulatorial, mas mantido os procedimentos de média e alta complexidade. Os habitantes do País recorrem a uma média de 2,2 consultas médicas por ano no sistema SUS, variando esse índice de 1,4, na região Norte, a 2,6 na região Sudeste (2,8 em São Paulo). Quanto aos exames de imagens, eles são solicitados em média de 7 a 10% para cada 100 consultas, conforme o Estado. Gastos no Setor Público de Saúde O setor governamental federal tem um orçamento de cerca de 19 bilhões de reais por ano para o Ministério da Saúde. Deste total, gasta-se cerca de 11 bilhões em assistência médica, com recursos próprios ou conveniados. O restante é gasto em administração, serviço de dívida, investimentos, etc. Essa verba corresponde a 18% do orçamento público federal, e corresponde a cerca de 65% dos gastos em saúde no País (o setor privado responde por 35%). Deste modo, o Estado ainda é a maior fonte de recursos no setor saúde. As despesas totais do SUS em 1999 tem sido de 850 a 900 milhões de reais por mês, sendo que a Federação gasta 220 a 250 milhões por mês em internações hospitalares e 180 a 200 milhões por mês em atendimentos ambulatoriais. São transferidos para os estados e municípios de 160 a 200 milhões por mês para atenção primária e ações básicas de saúde, e 270 a 290 milhões por mês para procedimentos de média e alta complexidade. Destas transferência, a grande maioria é destinada às internações hospitalares e atendimentos ambulatoriais, com 260 a 280 milhões; em seguida o programa mais caro é o de urgências e emergências, com 3 a 6 milhões por mês. O Programa de Saúde Familiar ainda tem poucos recursos: uma média de 7,5 milhões de reais por mês. Os gastos do SUS com internações hospitalares foram de 3,8 bilhões de reais em 1998. Isso corresponde, portanto a um valor bastante baixo gasto, em média, por internação: R$ 325, variando entre R$ 180 e R$ 1012. Curiosamente, a causa do maior número de internações é uma das com menor custo: gravidez, parto e puerpério têm uma internação média curta e barata: R$ 190 em média. Isso demonstra o baixíssimo nível de remuneração proporcionado pelo SUS (uma internação equivalente na medicina privada custa entre 2,5 a 10 mil reais). Os custos mais altos ocorre na área de saúde mental (internações mais longas), oncologia e doenças genéticas. O total gasto pelo SUS na cobertura de atos ambulatoriais em 1998 foi de 4,7 bilhões de reais, sendo que o setor privado e filantrópico ficou com 1,64 bilhões (35% do total). O gasto médico por atendimento ambulatorial é baixíssimo no Brasil: a média de 1996 foi de R$ 2,72 (comparado com os planos de saúde, em torno de R$ 45, e da medicina privada, em torno de R$ 200). O maior gasto ocorre na região Sudeste, com R$ 2,96 (e R$ 4 na Grande São Paulo). O setor privado Existem atualmente quatro sistemas concomitantes de atenção privada à saúde no Brasil, em ordem decrescente de participação no mercado: medicina de grupo (com 44,7% dos usuários), cooperativas médicas (26%), planos de autogestão (19,5%), e seguradoras médicas (9,7%). A esses se acresce a medicina liberal. Eles atendem 41 milhões de beneficiários, ou 25% da população brasileira. A medicina privada liberal (pagamento particular, sem seguro ou planos de saúde): atualmente representa menos de 2% de todos os atos médicos no Brasil e continua em queda livre, devido aos altos custos e à maior disponibilidade de outras alternativas de boa qualidade. É um sistema muito pulverizado, sem qualquer agrupamento, e de baixo potencial para de "home care", pois normalmente concentra-se em medicina especializada. Recentemente, este modelo econômico agregou um aliado, o sistema SINAM: que foi criado pela Associação Médica Brasileira. Consiste de celebração de acordos individuais para cobrir exclusivamente os custos das consultas médicas, que são pagas diretamente pelos pacientes aos médicos, segundo a tabela das seguradoras médicas, eliminando assim a intermediação da seguradora ou empresa de medicina de grupo. Em agosto de 1999 o sistema SINAM já contava com 45.000 médicos afiliados e cerca de 650.000 pacientes (1,5% dos usuários), mas como ele não obriga o descredenciamento dos médicos dos outros sistemas, esse número tem uma sobreposição com os demais. O maior segmento em termos de participação no mercado é a medicina de grupo. Este modelo surgiu no Brasil nos anos 60 no ABC paulista, como uma alternativa aos sistemas existentes de medicina liberal e de serviços públicos. É um sistema de pré-pagamento fixo, como os demais, com a finalidade de atender planos de saúde coletivos e individuais, com a diferença que é um sistema voltado ao lucro, e nos quais os médicos são empregados. Existem atualmente 740 grupos médicos, com 18,3 milhões de beneficiários, sendo 80% inscritos em planos coletivos. O sistema emprega 27.000 médicos e credencia outros 88.000. No total, detém 225 hospitais próprios, com 21.000 leitos e credencia 4.000 hospitais privados, com 363.000 leitos. As empresas de grupo realizam anualmente 90,6 milhões de consultas (média de 4,95 consultas/beneficiário/ano), 1,81 milhão de internações (média de 10 internações por cada 100 beneficiários por ano), e 83 milhões de exames complementares por ano. Entre as maiores empresas de medicina de grupo estão a Amil, Intermédica, Interclínicas, Amico, Amesp, Medial e Samcil. A movimentação financeira atingiu em 1998 cerca de 4,7 bilhões de reais, com um valor médio/beneficiário por ano de R$ 258. As empresas de grupo são fortemente concentradas nas regiões mais ricas, com 78% dos beneficiários na região Sudeste, 11,6% na região Sul, 7,6% na região Nordeste, 1,5% na região Norte e 1,2% na região Centro-Oeste. A ABRAMGE (Associação Brasileira de Empresas de Medicina de Grupo) é a associação de classe que reúne cerca de 300 das empresas. Em segundo lugar vêm as cooperativas médicas, tipificadas pela UNIMED, que é um sistema de cooperativas de trabalho que negociam planos privados de saúde coletivos, familiares e individuais, sendo que os médicos que prestam serviços são os associados da cooperativa local. Existem cerca de 366 cooperativas locais (denominadas singulares), cobrindo cerca de 80% do território nacional, com 10,5 milhões de beneficiários e 87.000 médicos afiliados. A UNIMED surgiu no final dos anos 60, na cidade de Santos, SP, como uma reação ao domínio das empresas de medicina de grupo, consideradas mercantilistas e inimigas da medicina liberal, e cresceu rapidamente devido à atratividade do modelo para os médicos (atualmente inclui em algumas cidades outros profissionais de saúde). Indo contra a filosofia inicial, muitas das UNIMEDs detêm hoje vultosos recursos próprios, como 42 hospitais (com um total de 2.100 leitos), 70 ambulatórios e centrais de prontoatendimento e pronto-socorro e 36 centros diagnósticos e laboratoriais. Para preencher a demanda, a UNIMED também trabalha credenciando empresas na área de diagnóstico e medicina especializada (16.000 empresas). O faturamento bruto do sistema é de cerca de 5,5 bilhões de reais/ano. Também incluem um complexo sistema formado por cooperativas de crédito (UNICREDs), cooperativas de usuários (USIMEDs), seguradora, financeira e corretora de valores, empresa de administração e serviços, empresa de tecnologia, empresa de transporte aeromédico e uma holding (empresa de participações). Sua expansão foi baseada em uma filosofia semelhante às franquias, com federações estaduais e uma confederação nacional unindo as cooperativas singulares. A confederação cria novos produtos para o mercado e padroniza muitas coisas, algumas das quais são de uso obrigatório pelas singulares, e outras são adotadas se quiserem. Sua influência se estendeu além das fronteiras nacionais, pois já existem UNIMEDs no Paraguai, Uruguai, Argentina e Colômbia. O esquema dirigente não é igual a de uma empresa, pois envolve um sistema político com eleições periódicas dos diretores, e decisões baseadas em assembléias em vários níveis. Recentemente a UNIMED tem passado por uma grande crise política desagregadora e uma série de derrotas externas, devido a conflitos internos entre regiões e grupos na Confederação, a nova lei federal que regulamenta a medicina complementar, a liberalização da regras econômicas e empresariais e o aumento da concorrência. A Confederação dividiu-se em duas, a Aliança UNIMED e a UNIMED Brasil. Um dos pontos fortes da UNIMED tem sido seu virtual monopólio da atenção médica privada em um grande número de cidades do interior, por razão da regra de proibição da "dupla militância", ou seja, os médicos cooperados são proibidos de se credenciarem em empresas de grupo ou seguradoras médicas. Essa disposição foi recentemente julgada anticonstitucional, mas ainda não exerceu seus efeitos. Empresas seguradoras médico-hospitalares: Este seguro garante ao segurado as despesas com assistência médico-hospitalar. Pode ser feito por pessoa física ou jurídica (em favor de pessoas físicas). A seguradora pode pagar diretamente aos profissionais e organizações médico-hospitalares credenciados que prestaram os serviços, ou efetuar o reembolso ao próprio segurado a vista dos comprovantes de despesas médica-hospitalares realizadas. As coberturas são variáveis de acordo com as necessidades de segurado, podendo abranger consultas de rotina, exames, internação hospitalar, tratamento e cirurgia, variando, consequentemente o custo do seguro. Diferentemente dos planos de saúde operados por Medicina de Grupo ou Cooperativas, os planos de seguro saúde são fiscalizados pela SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), que controla as reservas técnicas e a solvência das seguradoras, visando a proteção do segurado. O setor teve um faturamento bruto de 4,43 bilhões de reais em 1998, com uma taxa de sinistralidade média de 79,5%. Depois das despesas, a lucratividade foi de 12,5%, correspondentes a um lucro total de 550 milhões de reais. As seguradoras de saúde mais conhecidas são a Golden Cross, Bradesco Saúde, Itaú Saúde, Amil, Sul América, Blue Life, entre outras. Entre as maiores estão várias seguradoras que pertencem a bancos ou a empresas de seguros tradicionais. A Federação Nacional de Empresas de Seguros (FENASEG) é o órgão de classe dessas empresas. Planos de autogestão de saúde Este setor se caracteriza por ser um sistema de atendimento de saúde/médico/hospitalar/dental montado por grandes empresas comerciais, industriais ou de serviços, como Petrobrás, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Bosch, etc. Funciona de forma semelhante a um seguro médicohospitalar: a empresa custeia uma parte da parcela mensal de adesão do funcionário e de sua família, e o funcionário outra parte. Em um outro modelo, a empresa reembolsa os gastos do funcionário ou de sua família, até um certo limite. Os planos de autogestão geralmente não têm serviços próprios de saúde, eles são terceirizados através de uma rede conveniada (médicos, dentistas, psicólogos, hospitais, clínicas, laboratórios, etc., credenciados pelos planos nas cidades onde há funcionários da empresa) que deve ser usada pelo funcionário. Atualmente esse sistema vem diminuindo de importância e tamanho, tendo surgido nos anos 70s, como uma resposta das empresas à falta de alternativas eficientes na época, e também com o objetivo de restringir os custos crescentes da atenção médica para seus empregados. Com o surgimento das empresas de medicina de grupo, seguradoras médicas, cooperativas, etc., que criaram agressivamente planos de saúde para o mesmo segmento atendido pelos planos de autogestão, levando à uma competição maior, e, portanto, preços mais baixos; muitas empresas desistiram de ter planos próprios e partiram para a contratação externa, através dos planos coletivos. As UNIMEDs, com variado grau de sucesso, se especializaram nesse nicho (por exemplo, em Campinas, 40% da população de 900.000 habitantes é associada à UNIMED, sendo que a grande maioria através de planos coletivos. A maior "empresa" da região, que é a UNICAMP, tem um grande plano coletivo, com mais de 10.000 associados). População e Grau de Cobertura Tradicionalmente, as populações rurais têm um grau de cobertura de serviços de saúde bem menor do que as populações urbanas, dispondo também de menor gama de serviços, principalmente os secundários e terciários. No Brasil, a proporção da população rural em relação à total varia amplamente entre as regiões e as UF's. Em 1991, no último censo, o IBGE determinou uma média nacional de 24,5%. Ela é maior que a média na região Norte (41%) e Nordeste (39%) e menor que a média na região Centro-Oeste (surpreendentemente, com 18,7%) e na região Sudeste (24,4%). Os estados com maiores populações rurais são o Maranhão (60%), o Pará e o Piauí (com 47% cada), Tocantins, Rondônia, Alagoas e Bahia (40 a 41%); e os com menor, São Paulo (7,2%), Distrito Federal (5,3%) e Rio de Janeiro (4,7%). Esses dados, projetados para 1999, implicam em uma enorme população rural, mal servida pelos serviços de saúde: cerca de 40 milhões de pessoas, 23 milhões das quais no Norte e Nordeste, que, como vimos, tem menos hospitais, menos leitos, menos serviços primários de saúde, etc. A média de habitantes por leito é de 440 na região Norte e 390 na região Nordeste, e de 318 nas regiões Sul e Sudeste. Se considerarmos a relação habitantes/leito apenas para a população rural, aparece uma disparidade ainda maior: 38 habitantes por leito na região Sul, para 140 e 180 nas regiões Nordeste e Norte, respectivamente (quase 5 vezes entre a maior e a menor). O grau de cobertura em relação aos profissionais médicos também é altamente contrastante. Em 1997, última vez em que foi feita essa estatística, o Brasil tinha 308.000 profissionais da área médica, aproximadamente, dos quais 73,5% atuavam nas regiões Sul e Sudeste, evidenciando uma péssima distribuição dos médicos, que preferem ficar nas capitais e cidades maiores, deixando desassistidos os municípios mais pobres (cerca de metade dos municípios brasileiros não tem nenhum médico). Com isso, o número de habitantes por médico é muito abaixo do preconizado pela OMS (cerca de 1000) em estados como o Rio de Janeiro (297 habitantes/médico), São Paulo (392) e Distrito Federal (336), e altíssimo nas regiões Norte e Nordeste, com alguns estados, como Amazonas (1792), Acre (1765), Maranhão (1645) e Pará (1454) em níveis verdadeiramente africanos. Com isso, ocorrem 62% dos óbitos sem assistência médica em Paraíba, 50% no Piauí e 47% no Maranhão; contra 9,8% no Rio Grande do Sul e 14% em São Paulo. Quanto à idade média da população, atualmente ela tem se transformado rapidamente. Existiam no país em 1997 cerca de 12 milhões de pessoas com mais de 60 anos, dos quais 7,7 milhões nas regiões Sul e Sudeste. Isso representa, na média brasileira, entre 5 a 10% da população total (média geral de 7,9%). A expectativa de vida continua a aumentar, modificando rapidamente o perfil demográfico do país. Atualmente, a expectativa média de vida do brasileiro é de 63.8 anos e da brasileira é de 71.4 anos. Entretanto, esse índice varia amplamente com a situação sócio econômica, sendo de 67.4, 64.5, 68.8, 70.2 e 68.5 anos para as regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, respectivamente. O estado com maior expectativa de vida é o Rio Grande do Sul, com 66.8 para homens e 75.2 para mulheres. Projeções para Assistência Domiciliar ("Home Care") O setor de assistência médica domiciliar no Brasil ainda é bastante incipiente. Mais presente no passado, passou por uma quase completa interrupção nos últimos 30 anos, devido às mudanças nos sistemas de saúde público e privado. O sistema público enfatizou uma filosofia de centros e postos de saúde, prontos-socorros e ambulatoriais hospitalares (estes últimos em grande parte conveniados junto ao setor privado), como ponto de atenção primária, e uma estratégia de pagamento por serviços ("fee for service"), que contrariam a filosofia do "home care" (o qual trabalha mais com um sistema de capitação por família ou salários fixos). O sistema privado, por ser remunerado pelo governo para serviços conveniados, adotou a mesma estratégia, enfatizando ainda a atenção direta pelos médicos especialistas (sistema de livre-escolha dos convênios médicos particulares, o qual remunera melhor os profissionais da saúde curativa). Assim, o sistema de saúde nacional ficou baseado praticamente em uma única situação: a visita do paciente ao ponto de assistência, e não o contrário. Houve também um desvio de todo o sistema para a medicina curativa e especializada, ao invés da medicina preventiva e geral, como seria o racional, e como acontece na Europa, Canadá e muitos outros países. No entanto, nos últimos anos, uma mudança gradativa, provocada simultaneamente pelos setores públicos e privados, começou a marcar um retorno à atenção primária baseada na família, de base populacional, e de visitas ativas do profissional da saúde. Atenção Domiciliar no Setor Público Do lado público foram iniciados dois grandes programas: o PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde) e PSF (Programa de Saúde Familiar). Ambos contam atualmente (agosto de 1999) com 98.870 Agentes Comunitários de Saúde em 3.800 municípios e 4.051 Equipes de Saúde da Família em 1.533 municípios. A filosofia do PACS foi a de montar um sistema paralelo e complementar de profissionais de saúde auxiliares (leigos), que devidamente treinados, promovem ações básicas de saúde visitando direta e regularmente os membros da comunidade onde vivem. Esse programa tem obtido grandes sucessos, principalmente na redução da mortalidade infantil (programa materno-infantil) e prevenção das doenças infecto-contagiosas e parasitárias, grandes agentes de morbidade e mortalidade nas comunidades carentes. É um programa barato, com dezenas de milhares de agentes, mas pouco sofisticado tecnologicamente. Teoricamente, no entanto, tem bom potencial para aplicações da telemedicina, principalmente nas áreas materno-infantil e de doenças crônico-degenerativas. Já existem alguns programas-piloto em estados nordestinos que dotaram cada agente comunitário com um "palmtop" contendo softwares de apoio. As áreas de atuação do ACS são: planejamento familiar, pré- e pós-natal, vacinação, prevenção e tratamento da diarréia e IRA, adolescência (comportamento e drogas), idosos, deficientes físicos e mentais, AIDS, câncer uterino e de mama, saúde bucal, educação nutricional, tuberculose e hanseníase, hipertensão e diabetes, e participação comunitária em saúde. Um produto interessante para o PACS seria um sistema de comunicação misto capaz de comunicação por POTS, celular e wireless, com canal de voz (telefone), e entradas para monitoração de sinais (ECG, ECG fetal, ausculta, glicosimetria, albuminurimetria, espirometria de fluxo) e monitor de LCD para envio de mensagens. Para regiões rurais isoladas, produto semelhante poderia utilizar satélites de baixa órbita. O teclado permitiria enviar respostas com base em alternativas de escolha múltipla, implementando sistemas de apoio diagnóstico e à conduta. Deste modo aumentaria a qualidade da atenção à saúde praticada pelo agente comunitário. O potencial de mercado é grande. Atualmente são gastos 15 a 18 milhões de reais por mês com o PACS e 7 a 8 milhões com o PSF, mas ambos devem ser ampliados, particularmente o PSF, que se encontra em fase de treinamento de cerca de 40 mil profissionais (médicos e enfermeiros) através do projeto REFORSUS (Reforço à Reestruturação do SUS), com verba total de 800 milhões de dólares do Banco Mundial. O PACS cobre aproximadamente 45% dos municípios brasileiros, e o PSF ainda apenas 23%. O DATASUS contabiliza atualmente cerca de 600.000 visitas domiciliares por mês pelos programas PACS/PSF. O Programa de Ações Básicas de Saúde (PAB) do SUS é outro foco de atenção domiciliar. Atualmente (agosto de 1999), estão sendo realizados uma média de 2,5 milhões de visitas domiciliares por ano por profissionais de nível médio e 30.000 visitas por médicos e outros profissionais de saúde de nível superior (ainda pouco, mas crescerá depois do treinamento das equipes de PSF). Atenção Domiciliar no Setor Privado O setor privado também começou a se mobilizar recentemente com relação à atenção domiciliar à saúde. Para o sistema privado de saúde, a atenção domiciliar faz sentido do ponto de vista médico e financeiro. Chega a mais de 40% a redução de custos com o sistema de assistência domiciliar, incluindo as diárias hospitalares, custos de pessoal (médicos e enfermagem), alimentação e hotelaria. Os números da Unimed Guarujá são reveladores: o paciente clínico com acompanhamento domiciliar em média custou R$ 15,00 e o cirúrgico R$ 17,00 por dia; no modelo tradicional, baseado na internação, a média seria de 70 a 100 reais (dados de 1995). Além disso, levar o paciente para casa mais precocemente traz vantagens, como a humanização do tratamento e a conseqüente reintegração ao seu ambiente familiar, favorecendo psicologicamente na sua recuperação; e restaura a independência funcional do paciente, estimulando os auto-cuidados. Como funciona A internação domiciliar não tem limites: tudo o que se faz num hospital pode ser levado à casa do paciente, como respirador, eletrocardiógrafo,etc. A monitoração remota por telemedicina e o apoio à distância ao profissional de saúde que faz o atendimento tem enorme potencial, uma vez que na maioria das vezes não se tratam de médicos. Já a assistência domiciliar é um recurso de levar o paciente a seu domicílio com a orientação de uma equipe multiprofissional e equipamentos necessários para mantê-lo em casa, dentro de um padrão que se considera como rotina de visita médica. Este serviço funciona como uma espécie de ambulatório, ficando na verdade entre o hospital e o ambulatório. Também nesse caso, diferentes tipos de equipamentos de telemedicina podem aumentar a segurança do diagnóstico e do tratamento por ocasião da visita do profissional. Por exemplo, em gravidez de alto risco, a empresa Matria, dos EUA, a enfermeira que visita a paciente em casa leva uma unidade portátil de telemedicina, de tecnologia proprietária, que contém uma balança eletrônica, aparelho de pressão, glicosímetro e medidor de albuminúria, sensores de ECG fetal, contrações uterinas e movimentos fetais. Os dados são recolhidos com a ajuda da enfermeira e enviados por linha telefônica comum para a central. Com relação ao perfil do paciente atendido pela assistência domiciliar, cada programa apresenta a sua peculiaridade. Tendo como base uma pesquisa realizada em 1996 junto a 833 pacientes atendidos em casa pelo Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, verificou-se que 35% sofriam de doenças neurológicas; 30% de doenças cardiovasculares, 11% com doenças pulmonares crônicas e com problemas circulatórios. O quarto grupo é formado por pacientes com câncer, diabetes e traumatismos. O Programa de Internação Domiciliar Municipal na cidade de Santos determinou que o perfil dos pacientes é predominantemente idoso: 65% são maiores de 60 anos e 20% maiores de 80 anos. Lida-se muito com o paciente terminal no atendimento domiciliar. O número de pacientes atendidos por dia depende muito do escopo do programa (tipos de patologias atendidas), do número de profissionais e recursos atendidos, e da propaganda que se faz do sistema junto aos pacientes. Em Santos, o Hospital Municipal atende cerca de 80 pacientes por dia, nas UNIMEDs que implantaram esse programa o número é muito menor: 5 a 10 por mês, devido ao grande número de restrições quanto à indicação, feita pelo plano de saúde (geralmente somente o pós-cirúrgico com curativos complicados, ou pacientes com AVC). A UNIMED de Campinas, por exemplo, exige que o paciente seja portador de patologia crônica, com 5 ou mais internações em um ano, ou ser paciente restrito ao leito ou cadeira de rodas, ou ter patologia terminal (neoplasias malignas). É necessário ainda existir um responsável pela realização e manutenção dos cuidados e orientações necessárias. As patologias estão restritas assim às faixas etárias maiores: seqüelas de acidente vascular cerebral e de neuropatias, problemas pulmonares, úlceras crônicas, varizes e diabetes. Os pacientes com câncer que já passaram por quimioterapia e radioterapia também podem ser mantidos em casa. Várias UNIMEDs já estão implementando serviços de atenção domiciliar específicos, com excelentes resultados, mas ainda poucos números. A UNIMED representa um excelente mercado para tecnologias de "home care" baseadas em telemedicina, pois tem sofisticação, recursos, e utiliza um sistema semelhante à uma franquia, em que uma confederação nacional gera novos produtos e tecnologias (como recentemente, software para gestão de cooperativas, cartão único de identificação do paciente utilizando tecnologia digital, etc.). Desospitalização e Atenção Domiciliar A atenção domiciliar promove a desospitalização em muitos casos, permitindo minimizar a ocorrência de iatrogenias (doenças e seqüelas causadas pela atenção médica), como infecção hospitalar. Ao promover a alta hospitalar precoce, ocorre a diminuição de custos da internação, o aumento de vagas de leitos e com isso a otimização dos meios.