2238-0450/12/01-01/19-28 Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul Artigo de Revisão Esofagite eosinofílica: atualização e contribuição da endoscopia Eosinophilic esophagitis: uptdate and role of endoscopy Eduardo Montagner Dias1, Renata Rostirola Guedes2, Marina Rossato Adami3, Cristina Targa Ferreira4 RESUMO Esofagite eosinofílica (EoE) é uma entidade clinicopatológica que se caracteriza por apresentar sintomas similares aos da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e infiltrado eosinofílico no epitélio esofágico. EoE é uma doença emergente no mundo inteiro, como documentada em muitos países. Artigos recentes indicam que a EoE está sendo cada vez mais diagnosticada em pacientes pediátricos e adultos, embora a epidemiologia dessa doença ainda não seja bem conhecida. Há muitas dúvidas se a EoE é uma nova doença ou uma nova classificação de uma desordem esofágica antiga. A esofagogastroduodenoscopia (EGD) com biópsias e o exame histológico da mucosa esofágica são requeridos para estabelecer o diagnóstico de EoE, verificar a resposta ao tratamento, assessorar a remissão da doença, documentar e dilatar estenoses e avaliar recorrência dos sintomas. Endoscopias repetidas com biópsias são necessárias para monitorar a progressão da doença, assim como a eficácia do tratamento. EoE é atualmente considerada uma desordem sistêmica e não apenas uma condição local, com um importante componente imunológico. Um dos objetivos da pesquisa da EoE é estudar marcadores não-invasivos, como os imunológicos plasmáticos, que se correlacionam com fatores esofágicos locais. Os estudos futuros e os próximos anos vão promover novas informações sobre diagnóstico, patogênese, critérios endoscópicos/ histológicos, marcadores não-invasivos e novos tratamentos, mais eficazes, assim como vão estabelecer a sua história natural. A colaboração entre estudos pediátricos e de adultos, clínicos e experimentais, será fundamental no entendimento e no manejo dessa doença. Descritores: Eosinofílico, esofagite, atopia, endoscopia, pediatria. ABSTRACT Eosinophilic esophagitis (EoE) is a clinicopathological entity characterized by symptoms similar to gastroesophageal reflux disease (GERD) and eosinophilic infiltration of the esophageal epithelium. EoE is an emerging worldwide disease as documented in many countries around the world. Recent reports indicate that EoE is increasingly diagnosed in pediatric and adult patients although the epidemiology of this new disease entity remains unclear. There are many doubts if EoE is a new disease or instead is a new classification of an old esophageal disorder. Esophagogastroduodenoscopy (EGD) and biopsies with histological examination of esophageal mucosa are required to establish the diagnosis of EoE, verify response to therapy, assess disease remission, document and dilate strictures and evaluate symptom recurrence of EoE. Repeated endoscopies with biopsies are necessary for monitoring of disease progression and treatment efficacy. EGD has a fundamental role in the diagnosis and management of EoE being an essential part of the investigation and follow-up of this condition. EoE is now considered a systemic disorder and not only a local condition with an important immunological background. One of the aims of research in EoE is to study non-invasive markers like immune indicators found in plasma that correlate with local presence in esophageal tissues in EoE subjects. The future studies and next years will provide new information about diagnosis, pathogenesis, endoscopic/histological criteria, non-invasive markers and novel and more efficacious treatments, as well as establishing natural history. The collaboration between pediatric and adult clinical and experimental studies will be paramount in the understanding and management of this disease. Keywords: Eosinophilic, esophagitis, atopy, endoscopy, pediatrics. Serviço de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio – Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre (HCSA/ISCMPA). 1. Gastroenterologista pediátrico, HCSA/ISCMPA. 2. Especialista em Pediatria pela SBP. Residência em Gastroenterologia Pediátrica no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Aluna do mestrado do programa de pós-graduação em Gastroenterologia e Hepatologia da UFRGS. Médica da equipe de gastroenterologia pediátrica, HCSA/ISCMPA. 3. Especialista em Pediatria e em Gastroenterologia Pediátrica pela SBP. Aluna do mestrado do programa de pós-graduação em Gastroenterologia e Hepatologia da UFRGS. Médica da equipe de gastroenterologia pediátrica, HCSA/ISCMPA. 4. Gastroenterologista e Endoscopista pediátrica. Doutora em Gastroenterologia pela UFRGS. Médica do HCPA, IAD e HMV. Chefe do Serviço de Gastro Pediatria, HCSA/ISCMPA. Como citar este artigo: Dias EM, Guedes RR, Adami MR, Ferreira CT. Esofagite eosinofílica: atualização e contribuição da endoscopia. Bol Cient Pediatr. 2012;01(1):19-28. Artigo submetido em 09.04.12, aceito em 04.06.12. 19 20 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 1, 2012 Introdução As doenças eosinofílicas gastrointestinais têm sido cada vez mais descritas e são caracterizadas por infiltração eosinofílica e inflamação do tubo digestório, na ausência de outras causas identificadas de eosinofilia. Essas desordens incluem esofagite eosinofílica (EoE), gastroenterite eosinofílica e colite eosinofílica1. Esofagite eosinofílica (EoE) é uma entidade clínica, caracterizada por um grupo de sintomas similares aos da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), com infiltração eosinofílica do epitélio esofágico2. EoE é uma doença emergente, documentada em muitos países do mundo3-9. Durante a última década, especialistas, pediátricos e de adultos, como gastroenterologistas, alergistas e patologistas têm publicado muitos estudos, solidificando a EoE como uma nova e diferente entidade clinicopatológica10. As novas evidências promovem dados, mostrando que a EoE parece ser um processo imunológico, dirigido por antígenos, com múltiplos caminhos patogênicos. Uma nova definição conceitual foi proposta, apresentando a EoE como uma doença crônica, imunomediada, caracterizada clinicamente por sintomas relacionados à disfunção esofágica e histologicamente por inflamação eosinofílicas11. Os sintomas da EoE são também observados em pacientes com esofagite péptica crônica, mas ao contrário da DRGE, a EoE é associada com pHmetria normal, ocorre mais frequentemente em homens (75 a 80%), parece ter uma incidência familiar aumentada e associação com doenças atópicas1-3. Afeta todos os grupos etários, mas foi descrita primeiramente em crianças, pois fazer biópsias de rotina é prática comum em pediatria12,13. Os estudos recentes mostram que cada vez mais se diagnostica EoE em crianças e em adultos, mas a real epidemiologia da doença é desconhecida14. Dados epidemiológicos indicam que EoE é atualmente a segunda causa de esofagite crônica, depois da DRGE, e causa frequente de disfagia15. Sugere-se um componente genético potencial, além da predominância em homens, pois é mais frequente em caucasianos e tem muitos casos familiares16. Descrevem-se agrupamentos familiares, mas o locus exato de suscetibilidade ainda não é conhecido17. A prevalência da EoE vem crescendo, mas o aumento dos diagnósticos provavelmente contribuiu para uma alteração nessas taxas de prevalência. De acordo com uma revisão recente, o número de pacientes novos cresceu em uma base anual16. Os autores sugerem que, embora esse aumento permaneça desconhecido, é provavelmente similar Esofagite eosinofílica – Dias EM, et al. ao que ocorreu com outras doenças atópicas, como asma e dermatite atópica16,18. Um levantamento eletrônico recente demonstrou que a EoE é mais frequente nas áreas urbanas do que nas rurais19. Outro estudo sistemático estabeleceu que a prevalência da EoE é bastante variável na população adulta; sendo alta nos pacientes com disfagia, baixa em estudos populacionais e intermediária entre pacientes não-selecionados, que são submetidos à endoscopia7. DeBrosse et al.20 demonstraram, recentemente, um aumento dramático na incidência de novos casos de eosinofilia esofágica, durante um período de 17 anos. Quando eles corrigiram esses dados para o grande aumento do número de endoscopias realizadas, houve uma proporção estável de eosinofilia esofágica por endoscopia. Eles sugeriram, então, que a EoE não é uma nova doença e sim uma nova classificação para uma desordem esofágica persistente20. De acordo com os guidelines, a EoE só pode ser diagnosticada por endoscopia e biópsias, com o achado de 15 ou mais eosinófilos por campo de grande aumento (cga) de tecido esofágico, depois de tratamento agressivo para DRGE1,2. Um novo e recente consenso relata importantes detalhes adicionais desde 2007: ele inclui um novo fenótipo potencial de EoE – eosinofilia esofágica responsiva a inibidores de bomba de prótons (IBP) – e relata modificações genéticas, que incluem a suscetibilidade da EoE causada por polimorfismos no gene da linfopoetina estromal tímica11. Os achados endoscópicos com histologia têm sido utilizados como critérios diagnósticos para EoE e para assessorar a resposta terapêutica. O tratamento da EoE, na maioria das crianças, é baseado em dieta elementar ou na eliminação de um ou de vários antígenos alimentares. Nas crianças mais velhas e nos adultos, o tratamento usualmente envolve corticoides tópicos. A monitorização do tratamento requer endoscopias seriadas com biópsias esofágicas1,2,11. Houve alguns estudos randomizados e controlados, investigando qual é o melhor tratamento para EoE, mas há uma falta de dados para esclarecer qual é a história natural da doença e o que acontece em longo prazo com os pacientes não tratados. Entre as terapias sugeridas para EoE, nenhuma mostrou-se mais eficaz do que as outras18,19. As opções devem ser tomadas de acordo com cada caso, levado em consideração a resposta ao tratamento, as atopias e as características de cada paciente. A visão multidisciplinar da doença é fundamental devido às suas frequentes associações com doenças atópicas. É essencial coordenar o Esofagite eosinofílica – Dias EM, et al. trabalho do gastroenterologista com o alergista e, envolver, quando há restrições alimentares, o nutricionista. O aumento dramático da prevalência da EoE nas últimas décadas fornece dados aos clínicos para explicar casos em que a comida tranca e para no esôfago (impactação alimentar), disfagia, azia, dor torácica, vômitos e dor abdominal, antes não esclarecidos. Mas os clínicos estão frente a novos casos, de difícil diagnóstico, e pacientes frequentemente difíceis de tratar. Esta revisão tem o objetivo de atualizar aspectos da EoE, com especial consideração na contribuição da endoscopia no manejo dessa doença. Diagnóstico da EoE De acordo com a American Gastroenterological Association (AGA) e o First International Gastrointestinal Eosinophil Research Symposium (FIGERS), em seus consensos, EoE é uma entidade clinicopatológica cujo diagnóstico depende da demonstração de contagens altas de eosinófilos nas biópsias esofágicas, que ocorre em um paciente com sintomas de disfunção esofágica, sem DRGE1,2 (Tabela 1). Tabela 1 - Critérios diagnósticos de EoE de acordo com FIGERS1 Quadro clínico – disfagia, impactação alimentar, dor torácica, problemas alimentares, vômitos, dor abdominal 15 ou mais eosinófilos/cga (x 400) no epitélio esofágico Sem DRGE – resposta pobre a IBP em altas doses , ou pHmetria-impedâncio normal Antro e duodeno sem infiltrados eosinofílicos As informações existentes mostram que há um grupo de pacientes cujos sintomas e achados histológicos são responsivos ao tratamento com PPI e que podem, ou não, ter DRGE11. Os novos guidelines seguem definindo EoE como uma doença crônica, isolada do esôfago, diagnosticada por achados clínicos e patológicos, mas descrevem um novo fenótipo de EoE, que é o paciente que tem eosinofilia esofágica que responde à IBP11. Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 1, 2012 21 O sintoma principal dos adolescentes e dos adultos é a disfagia para sólidos, com risco de trancar a comida durante a passagem no esôfago (o que se traduz do inglês como impactação alimentar). Os pacientes referem frequentemente dor retroesternal, não relacionada à atividade de deglutição. Por esse motivo, as endoscopias de adultos com disfagia devem-se acompanhar sempre de biópsias de esôfago11. As manifestações clínicas da EoE em lactentes e crianças menores são inespecíficas e variáveis, mas são mais comumente relacionadas a dificuldades alimentares11. Os critérios diagnósticos estão mudando constantemente no que se refere à essa doença, mas diagnóstico baseado apenas em sintomas não é possível. As distinções clinicopatológicas e histológicas entre EoE e DRGE permanecem controversas e baseadas em dados esparsos20. O número de eosinófilos utilizado para definir EoE tem variado entre as publicações, e há dados limitados sobre as diferenças entre EoE e DRGE21. Dados recentes reportam um número substancial de pacientes (30%) com diagnóstico inicial de DRGE, com evidências histológicas de EoE20. Esses pacientes eram predominantemente homens e se distinguiam dos pacientes com esofagite crônica por uma queixa principal de disfagia. Outro achado diagnóstico importante é a ausência de eosinofilia nos outros segmentos do tubo digestivo, como antro e duodeno, cujas biópsias devem ser normais. Os critérios diagnósticos têm variado consideravelmente, não apenas em termos de contagem de eosinófilos (5 a 30 eosinófilos/cga), mas também nas definições de campo de grande aumento e no método de contar eosinófilos22. De qualquer maneira, a eosinofilia é considerada o achado histopatológico cardinal, embora não seja restrita à EoE, pois pode ser vista em outras condições incluindo DRGE, esofagite por medicamentos, infecções, Crohn e gastroenterite eosinofílica22. Outras características como microabscessos eosinofílicos na camada superficial da mucosa esofágica e envolvimento de longos segmentos do esôfago, embora numa distribuição em placas, têm sido associadas com EoE22 (Figura 1). Alterações reativas da mucosa, como hiperplasia da camada basal e aumento das papilas são achados importantes que podem estar associados com DRGE, mas que são mais significativos na EoE21,22. Aceves et al.23 demonstraram que crianças com biópsias com menos de 5 eosinófilos/cga nunca têm hiperplasia da basilar. 22 Esofagite eosinofílica – Dias EM, et al. Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 1, 2012 Figura 1 - Microabscessos eosinofílicos na camada superficial do epitélio esofágico Alguns estudos ainda demonstram fibrose submucosa e esclerose subepithelial como características importantes da EoE22,24,25. Lee et al.22 recentemente, numa coorte de adultos, encontraram em 23 casos de EoE, comparados com 20 de DRGE, que os casos com EoE apresentavam contagens mais altas de eosinófilos no esôfago proximal (39.4 vs 0.6 eosinófilos/cga) e distal (35.6 vs 1.9 eosinófilos/cga). As contagens de mais de 15 eosinófilos/cga no esôfago proximal ocorreram exclusivamente na EoE (83% vs 0%). Outro achado característico é que a EoE envolve também o esôfago proximal, diferentemente da DRGE22,26. Embora os infiltrados eosinofílicos intensos, mais provavelmente representam as EoE, o dilema diagnóstico reside nas biópsias em que há números intermediários de eosinófilos (5-15/cga). Nesses casos, achados diagnósticos adicionais são necessários27. O diagnóstico de EoE é uma responsabilidade do endoscopista e do patologista, pois a contagem dos eosinófilos ainda é o único meio de firmar diagnóstico e acompanhar o tratamento do paciente. O número de eosinófilos na esofagite de refluxo é tipicamente menor do que 7 eosinófilos/cga27, mas estudos recentes, em crianças e adultos, têm demonstrado números maiores, consistentes com EoE, que respondem à terapia de DRGE, com IBP. Por esse motivo, é necessário ter muita cautela no diagnóstico28,29. Isso deve ser feito apenas quando há dados adicionais. Julgamento clínico, assim como informações derivadas da resposta terapêutica a IBP, monitorização do pH-impedânciometria, ou ambos, devem ser levados em consideração para diferenciar entre DRGE e EoE11. Mesmo assim, resposta à IBP e pH-impedânciometria podem não diferenciar adequadamente as duas entidades11. Estudos futuros deverão auxiliar a determinar se as propriedades anti-inflamatórias e de barreira dos IBP podem ajudar a diminuir a resposta imune dirigida a antígenos11. Achados endoscópicos e histológicos na EoE A EGD com biópsias e exame histológico da mucosa esofágica são requeridos para estabelecer o diagnóstico de EoE, verificar a resposta à terapia, assessorar a remissão da doença, documentar e dilatar as estenoses e avaliar a recorrência dos sintomas. A EGD é uma parte essencial da investigação e do follow-up da EoE1. Em contraste com a história variável e com a histologia característica, as anormalidades endoscópicas podem ser muito sugestivas de EoE, mas podem ser inexistentes ou equívocas19,21,30. Em geral, os achados endoscópicos são utilizados para auxiliar no diagnóstico de EoE e são muito importantes para assessorar a resposta ao tratamento31. EGDs repetidas são frequentemente necessárias para controlar a resposta terapêutica às diversas intervenções. Além disso, as endoscopias propiciam as dilatações esofágicas, quando há estenoses. Os achados endoscópicos incluem friabilidade da mucosa, eritema e perda da vascularização normal do esôfago, pregueamento linear vertical, placas brancas ou exsudatos esbranquiçados, anéis concêntricos (traquealização esofágica), mucosa delicada em papel crepom, lacerações e estreitamentos ou estenoses da luz esofágica. Outro achado importante é o infiltrado eosinofílico em mucosa esofágica, com aparência endoscópica normal, o que ocorre em até um terço dos pacientes3,32. Placas brancas ou pontilhado branco é um achado comum, que reflete o exsudato fibrinoso que ocorre devido à inflamação epitelial eosinofílica (Figura 2). Embora, não se saiba a etiologia, Esofagite eosinofílica – Dias EM, et al. as placas parecem representar abscessos eosinofílicos na superfície da mucosa esofágica. O principal diagnóstico diferencial é com candidíase esofágica, por isso as biópsias (com cultura ou não) são muito importantes para diferenciar essas lesões. Anéis concêntricos, linhas verticais e placas brancas são achados endoscópicos muito sugestivos de EoE, embora não sejam patognomônicos (Figuras 3 e 4). A presença ou ausência desses achados é importante para o gastroenterologista para o diagnóstico, controle de tratamento e para guiar as biópsias. Ainda permanece controverso o quanto o endoscopista pode confiar nesses achados e o quanto eles são fidedignos. Ainda que não se saiba bem a fisiopatologia desses achados, pensa-se que eles possam corresponder a edema, inflamação e possível fibrose do esôfago29,32. Liacouras et al.3 reportaram retrospectivamente um total de 381 pacientes pediátricos (66% meninos, idade Figura 2 - Pontilhado branco na mucosa esofágica Figura 3 - Anéis concêntricos na mucosa esofágica na EoE Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 1, 2012 23 9.1 ± 3.1 anos) diagnosticados como EoE; 312 se apresentaram com sintomas de refluxo gastroesofágico, e 69 com disfagia. Endoscopicamente, 68% dos pacientes tinham um esôfago anormal: 41% tinham linhas verticais, 12% anéis concêntricos e 15% tinham pontilhado branco. Entre esses pacientes, 32% apresentavam um esôfago de aparência normal, embora eosinofilia importante na histologia. A média de eosinófilos (por 400 x cga) proximal e distal foi de 23.3 ± 10.5 e 38.7 ± 13.3, respectivamente3. Em um estudo retrospectivo, no sul do Brasil, com 29 pacientes com média de idade de 7 anos (76% meninos) encontramos que 24% apresentavam endoscopia normal, 47% tinham linhas verticais, 41% placas ou pontilhado branco e apenas 7% apresentavam anéis concêntricos6. Vários pacientes tinham mais do que um achado, como por exemplo, placas brancas e sulcos verticais (Figura 5). Os guidelines do consenso FIGERS recomendam fazer várias biópsias em diferentes alturas do esôfago, independente da aparência macroscópica1. A eosinofilia esofágica distal é comum na DRGE e a contagem dos eosinófilos do esôfago proximal ajuda a diferenciar DRGE de EoE. A distribuição em placas da mucosa esofágica distal e proximal é muito importante no diagnóstico diferencial com a DRGE. Portanto, as biópsias devem ser feitas em diversos níveis do esôfago distal e proximal. Biópsias do estômago e do duodeno também devem ser feitas, para diferenciar de gastroenterite eosinofílica1,2. Deve-se ter em mente que um esôfago com aparência endoscópica normal não exclui EoE1‑3. Um diagnóstico de EoE pode ser feito ao acaso, em pacientes biopsiados por outras razões. Um estudo recente mostra que os achados endoscópicos isolados podem não ser confiáveis para firmar o diagnóstico de EoE ou para tomar decisões terapêuticas21. Outro estudo demonstrou o valor da endomicroscopia confocal por laser com vídeo no diagnóstico in vivo de EoE33. Em termos histológicos, a contagem de eosinófilos pode ser problemática, pois os eosinófilos ficam bem na camada superficial e o número pode ser subestimado por falta de orientação da lâmina e porque as células são perdidas na preparação. A eosinofilia pode ser em placas, particularmente durante o tratamento. Não é raro encontrar alterações importantes em zonas próximas a zonas normais. Estudos têm estabelecido que seis biópsias são suficientes para o diagnóstico. Um menor número de biópsias pode perder zonas com eosinofilia e não fazer o diagnóstico por erro de amostragem25,34. Um estudo identificou, usandose o limiar de 15 eosinófilos/cga para diagnóstico, que a 24 Esofagite eosinofílica – Dias EM, et al. Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 1, 2012 Figura 4 - Pregueamento vertical linear na mucosa esofágica na EoE de uma resposta27. Respostas incompletas são difíceis de interpretar e frequentemente requerem extensão do tratamento e repetidas endoscopias com biópsias, antes de trocar a conduta27. Terapia de sucesso resulta em desaparecimento completo da eosinofilia e da inflamação. Respostas parciais requerem terapias mais agressivas ou alternativas. Figura 5 - Placas brancas com sulcos verticais ou com anéis concêntricos sensibilidade de uma única biópsia foi de 73% e que isso aumentou para 84%, 97% e 100%, quando se obtinha 2, 3 e 6 biópsias, respectivamente35. De acordo com o último guideline, devem ser obtidas 2 a 4 biópsias do esôfago proximal e distal11. São necessárias endoscopias repetidas, em intervalos apropriados, para ver se a inflamação desapareceu com a terapia iniciada. Sintomas podem resolver em 2 a 4 semanas, independente do tipo de tratamento, mas isso não significa que a inflamação diminuiu, pois os sintomas muitas vezes não se correlacionam com a inflamação. Pode-se ter ausência de sintomas com inflamação significativa. Resposta histológica ao uso de corticoides tópicos costuma ocorrer em 4 a 12 semanas. Resposta histológica à dieta de exclusão pode ser vista em 4 a 8 semanas, mas é muito variável, sendo que já foi relatada demorar até 4 meses em alguns indivíduos27. Não existem consensos publicados sobre a frequência do seguimento endoscópico de EoE. Alguns autores repetem a endoscopia a cada 12 semanas, depois da instituição da dieta ou da medicação27. Esse intervalo permite que haja tempo suficiente para o desenvolvimento Esofagite eosinofílica crônica e ativa parece estar associada com remodelação esofágica, manifesta como deposição de colágeno na lâmina própria, risco de desenvolvimento de esôfago de pequeno calibre e estenoses, situações já descritas em adultos e em crianças portadores de EoE30. Assegurar que a histologia retorne ao normal parece ser uma parte essencial do tratamento de cada paciente para prevenir mais lesões esofágicas. Somente através da endoscopia com biópsias é possível avaliar essa melhora pós-tratamento. Alguns pacientes com doença mais grave se apresentam com disfagia significativa e estenose, e podem necessitar dilatações esofágicas. As dilatações endoscópicas devem ser consideradas quando o paciente apresenta sintomas persistentes e redução de calibre do esôfago, resistentes à terapia médica. Pode ocorrer laceração esofágica pós-dilatação ou após a simples passagem do aparelho, por friabilidade ocasionada por edema e inflamação. A EoE tem sido relacionada não apenas com lacerações endoscópicas, mas também com perfurações e lacerações por vômitos, quando há bolo alimentar trancado no esôfago. A síndrome rara de Boerhaave, ou perfuração transmural do esôfago já foi relatada em 13 estudos, todos em adultos jovens do sexo masculino, com história de atopias, mas sem diagnóstico de EoE36. Duas crianças tiveram perfurações manejadas conservadoramente. Pacientes com síndrome de Boerhaave não-traumática devem ter EoE excluída, Esofagite eosinofílica – Dias EM, et al. principalmente se forem do sexo masculino, com história de atopia e sintomas de disfunção esofágica36. É ainda muito controverso quais as consequências do infiltrado eosinofílico em longo prazo. Se isso vai causar remodelação do esôfago e fibrose e se o tratamento modifica essa evolução ainda não é conhecido. Por essa razão é difícil estabelecer recomendações específicas para todos os pacientes com EoE. A EoE deve ser considerada, no presente momento, uma doença crônica com sintomas intermitentes, inflamação histológica persistente, que afeta a qualidade de vida dos pacientes30. Os consensos atuais recomendam biópsias repetidas para monitorar a eficácia do tratamento dos pacientes com EoE. Os guidelines, atualmente, sugerem biópsias seriadas para monitorar a progressão da doença e a eficácia do tratamento. Desde que endoscopias repetidas acarretam riscos e altos custos, o objetivo final é estudar marcadores plasmáticos que possam substituir e se correlacionar com os marcadores locais de inflamação eosinofílicas nesses pacientes. Achados clínicos e patológicos que distinguem EoE de DRGE Os achados de DRGE e de EoE muitas vezes se sobrepõem. Como as duas desordens não podem ser diferenciadas apenas com base na contagem de eosinófilos, pode ser bem difícil fazer o diagnóstico diferencial21. DRGE e EoE representam duas entidades diferentes que, geralmente, não respondem às mesmas modalidades terapêuticas34. Esofagite induzida por refluxo ácido é o diagnóstico que mais frequentemente leva à confusão porque as duas doenças podem coexistir. Alguns mastócitos estão presentes na esofagite de refluxo, o que pode ser de auxílio na diferenciação das duas entidades. Para isso, é necessária coloração especial, pois os mastócitos não são identificados na coloração de hematoxilina-eosina usual37,38. Outros estudos já têm mostrado aumento do número de mastócitos também na EoE39. Da mesma maneira, a EoE apresenta eosinófilos degranulando e ativados no epitélio esofágico, assim como estudos moleculares mostram diferentes genes super-regulados. Análises de microarrays revelam uma assinatura diferente entre os pacientes com EoE e os com DRGE37,38. Como pode haver coexistência entre DRGE e EoE em muitos casos e como o controle da secreção ácida pode Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 1, 2012 25 melhorar os sintomas, é apropriado fazer um teste terapêutico, durante 8 semanas, com IBP e repetir a endoscopia posteriormente, com novas biópsias. Essa conduta poderia caracterizar corretamente os pacientes portadores de EoE e poderia excluir DRGE como causa de eosinofilia esofágica. Essa conduta parece ser mais apropriada do que monitorizar o pH esofágico34,40. Se após o tratamento com IBP a eosinofilia esofágica e os sintomas persistem, deve-se instituir o tratamento específico para EoE41. No último guideline, a inclusão de um novo fenótipo – eosinofilia esofágica responsiva à IBP – desafia esses conceitos anteriores. Isso porque estudos terapêuticos e de ciência básica, além da experiência clínica, têm identificado um papel anti-inflamatório potencial ou um papel de barreira para os IBP nos pacientes com eosinofilia esofágica11. As explicações potenciais incluem a cicatrização de uma barreira epitelial rota pelos IBP, que promoveria a ativação imune, a diminuição da vida do eosinófilo, propriedades anti-inflamatórias dos IBP ou mesmo testes diagnósticos não confiáveis11. De acordo com os consensos, a resposta aos IBP excluiria EoE. Entretanto, essa afirmação está sendo questionada, pois dados emergentes demonstram, in vitro, uma atividade anti-inflamatória dos IBP, independente da supressão ácida29. Cortes et al.42 demonstraram que o omeprazole melhorou a asma murina, regulando para menos as interleucinas 4 e 13 e fatores de sinalização e ativação do fator de transcrição 6. Zhang et al.43 demonstraram que os IBP suprimem a interleucina-13, induzida pela expressão da eotaxina-3, por um mecanismo ácido-independente. No atual momento, nem a histopatologia nem as alterações inflamatórias nas biópsias esofágicas podem predizer a resposta ao tratamento com IBP11. Portanto, DRGE e EoE podem coexistir e separar essas duas doenças é tarefa não muito fácil. Várias teorias para essa interação têm sido propostas: DRGE causando injúria esofágica com subsequente infiltração eosinofílica; DRGE e EoE coexistindo, mas sem nenhuma relação; EoE provocando DRGE secundária à inflamação esofágica (alteração da motilidade) ou DRGE causando ruptura mucosa, contribuindo para o desenvolvimento de EoE44. A alta frequência com que a DRGE é descrita na população de adultos com EoE sugere que essa associação seja mais do que simplesmente casual44. Dellon et al.45 apresentaram o maior estudo clínico de caso-controle, retrospectivo, endoscópico e histológico, 26 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 1, 2012 realizado entre 2000 e 2007, para tentar diferenciar DRGE de EoE. Dados de 151 pacientes com EoE e de 226 com DRGE foram analisados. Os fatores independentes que favoreciam EoE incluíram idade mais jovem, sintomas de disfagia, alergias documentadas e observação de anéis esofágicos, linhas verticais, placas brancas ou exsudatos esbranquiçados e ausência de hérnia hiatal na endoscopia45. Nas biópsias, contagens maiores de eosinófilos e presença de degranulação dos eosinófilos foram observados. A identificação de achados histológicos compatíveis com EoE em aproximadamente 30% dos pacientes que antes tinham um diagnóstico de DRGE e esofagite de refluxo sugere que a EoE pode ter sido subdiagnosticada em anos anteriores, entre 1980 e 199020. Por outro lado, Molina-Infante et al.29 demonstraram que 75% de pacientes não-selecionados e 50% com fenótipo de EoE responderam à terapia com IBP. Eles afirmam que os pacientes com eosinofilia esofágica, que respondem aos IBP, são indistinguíveis daqueles com EoE, superestimando a EoE29. Dohil et al.46 recentemente sugeriram que pacientes com eosinofilia esofágica, responsiva a IBP, devem ser monitorados constantemente durante a monoterapia com IBP, pois isso é um fenômeno transitório. Um banco de dados recente revelou crianças que apresentam uma resposta histológica inicial à monoterapia com IBP, mas que têm recorrência de eosinofilia esofágica com terapia contínua com IBP46. Estudos adicionais de seguimento são necessários para melhor delinear e diferenciar EoE e DRGE. Na população pediátrica portadora de EoE, é importante definir a história natural da doença e saber se a doença no adulto representa um continuum. Conclusões e recomendações futuras Os dados endoscópicos na EoE representam um padrão distinto de doença inflamatória não-erosiva, que pode envolver as camadas superficiais ou profundas do esôfago e que se apresenta com uma ampla variedade de sintomas. O reconhecimento precoce desses achados e sua variabilidade pode levar a um melhor atendimento desses pacientes portadores de EoE. A endoscopia digestiva alta com biópsias é fundamental para o diagnóstico e para o acompanhamento desses pacientes. É, portanto, fundamental para o endoscopista tornar-se familiarizado com os achados clínicos e endoscópicos dessa nova entidade. Os dados emergentes têm aumentado nosso conhecimento sobre EoE, mas questões importantes permanecem Esofagite eosinofílica – Dias EM, et al. por serem respondidas. Na última década, os pediatras e os clínicos de adultos têm publicado muitas informações, solidificando o papel da EoE como uma entidade clínicopatológica distinta. Ainda restam incertezas significativas sobre a EoE, devido a sua descoberta recente11. A ciência básica, nos anos recentes, tem nos revelado alguns dos mecanismos fisiopatológicos que levam ao recrutamento, infiltração e ativação dos eosinófilos e suas lesões consequentes no esôfago. Entretanto, ainda não sabemos quais pacientes têm um maior risco de doença estenosante e se os graus mais leves de eosinofilia esofágica merecem realmente um tratamento mais agressivo. Controvérsias persistem se a histologia e os achados endoscópicos devem ser tratados para obter remissão mucosa completa, ou se devemos apenas buscar o controle sintomático. Há ainda muitas dúvidas que necessitam ser esclarecidas. Os desafios do futuro compreendem a definição dos fenótipos da EoE, incluindo a diferenciação entre DRGE e EoE, o que causa muitos problemas de interpretação, conduta e julgamento. Os pacientes com EoE parecem ter diferentes perfis imunológicos no plasma, nas células periféricas mononucleares e no tecido esofágico, quando comparados com os pacientes com DRGE, colite ulcerativa, Crohn e com controles saudáveis, sugerindo que a EoE não é apenas uma condição local, mas, muito mais do que isso, é uma desordem sistêmica que pode ser detectada também nos espécimes plasmáticos47. Esses indicadores servirão, num futuro próximo, como marcadores substitutos para endoscopia e biópsias esofágicas47. Alguns autores têm demonstrado recentemente, por exemplo, que os fatores de crescimento de fibroblastos têm um papel importante na fisiopatologia da EoE e que podem ser parte de um conjunto de indicadores imunes que poderiam, sem biópsias, diferenciar EoE de DRGE47. Os estudos futuros trarão novas informações sobre o diagnóstico, a patogêneses, os critérios endoscópicos/ histológicos, os marcadores não invasivos, e os tratamentos novos e mais eficazes, assim como vão auxiliar a esclarecer a história natural da doença. É urgente a necessidade de estudos randomizados para nos informar sobre testes não invasivos, marcos da história natural e tratamentos mais eficazes para os pacientes com EoE12. A colaboração entre os pediatras e os médicos de adultos, assim como estudos experimentais, serão de importância capital no entendimento e no manejo dessa doença. Esofagite eosinofílica – Dias EM, et al. Referências 1. Liacouras CA, Bonis P, Putnam PE, Straumann A, Ruchelli E, Gupta SK, et al. 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