Quando indicar a manometria, pHmetria e impedâncio

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42º Curso de Atualização em Cirurgia do Aparelho Digestivo, Coloproctologia, Transplante de Órgãos do Aparelho
Digestivo
Quando indicar a manometria, pHmetria e impedâncio
-pHmetria na avaliação do refluxo gastroesofágico?
Ary Nasi, Angela C. M. Falcão
Introdução
I
nicialmente, convém reforçar que o refluxo gastroesofágico (RGE) ocorre com frequência e só tem importância clínica quando determina sintomas e/ou inflamação
nos órgãos potencialmente atingidos. Nesses casos, caracteriza afecção patológica
bastante prevalente a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE).
Os sintomas típicos da DRGE são pirose retroesternal e regurgitação ácida.
Contudo, várias outras manifestações sintomáticas também podem ser decorrentes
de refluxo; a saber: tosse, asma, disfonia, pigarro, dor torácica e sensação de globus
faríngeo. A avaliação clínica meticulosa é de fundamental importância. É importante
inquerir, de modo sistemático, e interpretar as queixas potencialmente relacionadas
com refluxo. Muitas vezes o paciente queixa-se de refluxo; contudo, quando investigamos mais essa queixa, notamos que de fato o que há é regurgitação de material
estagnado no esôfago e não refluxo gastroesofágico. Outras vezes, o paciente queixa-se de azia; porém, quando questionado sobre o significado do termo, responde de
modo muito variado, podendo significar: queimação e/ou empachamento epigástrico,
“digestão lenta”, boca amarga, dentre outros.
Nem sempre precisamos fazer diagnóstico preciso do refluxo gastroesofágico.
Na prática clínica, frente a paciente com queixas típicas predominantes da DRGE,
podemos fazer a hipótese clínica da doença e iniciar tratamento específico. Contudo,
em algumas situações, tais como: insucesso do tratamento clínico, dúvida diagnóstica, presença de sintomas ou sinais de alarme, decisão de indicação de tratamento
cirúrgico, precisamos fazer o diagnóstico preciso da afecção e, sobretudo, entender
se as queixas clínicas são efetivamente causadas pelo refluxo.
Diagnóstico da DRGE
O diagnóstico baseado exclusivamente em sintomas é bastante impreciso.
Pode haver sintomas típicos, porém, sem confirmação efetiva de DRGE. Por outro
lado, pode haver confirmação da doença mesmo em pacientes sem sintomas típicos.
Em nível primário de assistência médica, usualmente nos baseamos em hipóteses
clínicas para iniciar tratamento. Contudo, não se justifica, indicar tratamento cirúrgico
baseando-se apenas em hipóteses clínicas. Nesses casos, é de fundamental importância o diagnóstico detalhado da afecção.
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Depois da análise clínica sistemática, a próxima etapa diagnóstica é a endoscopia digestiva alta (EDA). Pela conceituação vigente, o achado de erosões no esôfago inferior, em pacientes com queixas compatíveis com DRGE, é suficiente para
caracterização endoscópica da doença. Convém salientar, entretanto, que há mais
de três dezenas de propostas de classificação endoscópica das lesões decorrentes
do refluxo. Cabe ao endoscopista analisar e descrever detalhadamente os achados
encontrados e caracterizá-los, especificando a classificação adotada.
Se a EDA caracterizar alterações sugestivas de DRGE em pacientes com
sintomas compatíveis, firma-se o diagnóstico da afecção. Contudo, se não houver
alterações específicas, não se pode excluir o diagnóstico da DRGE. Nesses casos,
parte-se para a próxima etapa diagnóstica: a monitorização prolongada do refluxo por
pHmetria ou por impedâncio-pHmetria.
Monitorização prolongada do refluxo
No final da década de 1950, com o advento de eletrodos miniaturizados sensíveis a oscilações de pH, foi viabilizada a monitorização do pH esofágico. Na década
de 60, passou-se a realizar tal monitorização por tempo mais prolongado. Nos anos
70, DeMEESTER et al. (1976) foram os primeiros a advogar a importância da monitorização continua do pH por 24 horas, como método fundamental para o estudo do
RGE. Entretanto, até então, a monitorização era restrita a ambiente hospitalar, pois os
equipamentos necessários para a análise não eram portáteis. Com a introdução dos
aparelhos portáteis, pôde-se compreender melhor a fisiopatologia do RGE, ao analisá
-lo quantitativa e qualitativamente, tanto em indivíduos normais quanto em portadores
de esofagite de refluxo (ER). Passou-se a saber que ocorre RGE em pessoas normais
em certa porcentagem de tempo e que pode ocorrer refluxo sintomático na ausência
de ER detectável ao exame endoscópico.
A pHmetria, apesar de bastante sensível para o diagnóstico do refluxo ácido
gastroesofágico, apresenta limitações para identificação de outros fatores agressivos
da mucosa esofágica (refluxo não-ácido). Com o advento da impedâncio-pHmetria
esofágica, que associa à pHmetria clássica a detecção do refluxo gastroesofágico por
impedânciometria, pode-se caracterizar o RGE em líquido, gasoso ou misto e ácido e
não-ácido. A impedâncio-pHmetria apresenta vantagens em relação à pHmetria convencional; contudo, ainda é relativamente pouco disponível, não é coberta pela maior
parte dos convênios médicos e apresenta custos bem mais elevados.
Em função disso, devemos eleger cuidadosamente o método de monitorização
prolongada do refluxo a ser utilizado. Quando houver predomínio de queixas típicas
da doença, a pHmetria representa boa opção. Nesse caso, deve ser realizada após
interrupção, por pelo menos 7 dias, dos antissecretores eventualmente em uso. Por
outro lado, se houver predomínio de manifestação atípicas, em especial tosse crônica,
e no diagnóstico da causa de refratariedade ao tratamento clínico do refluxo, a impedâncio-pHmetria representa a melhor opção diagnóstica.
Os inibidores de bomba de prótons (IBP) são as drogas mais utilizadas no tratamento da DRGE. Apesar de não reduzirem expressivamente o número de episódios
de refluxo, propiciam mudança significativa na acidez dos mesmos. Ou seja, continua
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havendo refluxo; porém, os episódios de refluxo passam a ser menos ácidos. Dessa
forma, consegue-se reduzir bastante a ocorrência de sintomas, sobretudo das queixas dependentes da acidez do material refluído.
Estima-se que 20 a 40% dos pacientes com sintomas de DRGE não respondem bem ao tratamento com IBP. Há vários fatores envolvidos; classicamente, considera-se que há influência do tipo da DRGE. Várias publicações referem maior refratariedade na forma não erosiva da doença em comparação com a erosiva. Contudo,
estudos recentes, com melhor caracterização do refluxo, apontam taxas semelhantes,
ao redor de 20%, nas formas erosiva e não erosiva da doença.
Há várias causas de refratariedade ao IBP; dentre elas destacam-se:
a) Uso inadequado da droga. Em casos de refratariedade, o primeiro passo é conferir se o paciente está usando o IBP prescrito de modo correto. Dal-Paz K e cols,
avaliando o grau de aderência ao tratamento em 240 pacientes com DRGE, acompanhados no Hospital das Clínicas da FMUSP, apontam baixa aderência em 114
(47,5%). Salientam que 129 (53,8%) não usavam o medicamento adequadamente
por esquecimento, 124 (51,7%) alteraram o horário de uso, 72 (30,0%) pararam de
usar assim que melhoraram e, apenas, 17 (7,1%) interromperam por intolerância
ao fármaco. Dessa forma, é importante conferir se, efetivamente, o paciente está
usando o IBP prescrito de modo adequado. Convém destacar ainda que muitas
vezes o próprio médico prescreve o IBP de modo errado.
b) Supressão ácida inadequada. Cerca de 10 a 15% dos pacientes refratários ao
IBP apresentam sintomas decorrentes de refluxos ácidos que não foram adequadamente bloqueados pela droga em uso. Nesses casos, pode-se aumentar e fracionar a dose do IBP em uso ou trocar de tipo de IBP. Na prática, inicialmente eleva-se a dose, fraciona-se a dosagem total em duas tomadas e reserva-se a troca
de IBP para os casos que não responderem bem a essa medida inicial.
c) Sintomas decorrentes de refluxo não-ácido. Cerca de 30 a 40% dos pacientes
refratários apresentam sintomas decorrentes de refluxos não-ácidos. Nesses casos seria útil contar com drogas que pudessem, efetivamente, reduzir a ocorrência
de refluxo e não simplesmente, como fazem os IBPs, reduzir sua acidez. O baclofen (agonista GABA B) se enquadra nessa categoria de drogas: moduladores
da ação do esfíncter inferior do esôfago (EIE). Sabe-se que os relaxamentos transitórios do EIE representam o principal mecanismo favorecedor de refluxo. Tais
drogas tem a ação de reduzir a ocorrência desse tipo de relaxamento esfincteriano
e, consequentemente, efetivamente diminuem a ocorrência de refluxo. Contudo,
pelo grande número de efeitos colaterais que usualmente determinam, tem uso
clínico bastante restrito. Espera-se que no futuro possa haver novas drogas com a
mesma ação sem efeitos colaterais expressivos. Pacientes muito bem selecionados, com sintomas decorrentes de refluxo não-ácido, podem ser bons candidatos
ao tratamento cirúrgico do refluxo.
d) Pirose funcional. Pacientes que apresentam pirose, mas não apresentam refluxo
patológico à monitorização do refluxo pelo método mais abrangente de análise
(impedâncio-pH-metria) e que não apresentam relação temporal entre a queixa
(pirose) e o refluxo são caracterizados como portadores de pirose funcional e merecem abordagem específica.
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e) Diagnóstico equivocado da DRGE. Apesar de apresentado em último lugar,
representa causa frequente de insucesso do tratamento clínico. Um dos passos
iniciais na análise da refratariedade é avaliar se, efetivamente, há DRGE comprovada. Pacientes com outras afecções, tais como: esofagite eosinofílica e até com
megaesôfago podem ser equivocadamente caracterizados como tendo DRGE.
Nesses casos, o problema não é o tratamento, mas sim o diagnóstico.
Como avaliar pacientes com sintomas refratários ao tratamento clínico?
Inicialmente, devemos conferir se o diagnóstico da DRGE é correto; avaliando
e intrepretando cuidadosa as queixas clínicas, revendo os resultados dos exames realizados (endoscopia digestiva alta e monitorização prolongada do refluxo: pH-metria
ou impedâncio-pHmetria esofágica). Se o diagnóstico da DRGE for confirmado, passamos a tentar entender a causa do insucesso do tratamento. Conforme já destacado,
é de fundamental importância avaliar se o IBP prescrito está sendo utilizado de modo
adequado. Em estando, o próximo passo é realizar impedâncio-pH-metria esofágica
na vigência do IBP em uso. Com isso, podemos avaliar se há refluxo ácido não bloqueado, se os sintomas são decorrentes de refluxo não-ácido ou se os sintomas não
são relacionados com refluxo.
A impedâncio-pHmetria tem se mostrado útil para auxiliar na indicação cirúrgica de alguns pacientes com DRGE. Torquati e cols avaliaram 13 pacientes com sintomas persistentes apesar do uso de IBP em dose dupla. Destes, sete tiveram índice de
sintoma positivo — um deles para refluxo ácido e seis para refluxo não-ácido. Isto significa que a maioria (6/7) dos pacientes tinha sintomas persistentes devido a refluxo
não-ácido, ou seja, não detectados por pH-metria e nem bloqueados adequadamente
por IBP. Dez pacientes que foram submetidos à fundoplicatura à Nissen foram reavaliados no pós-operatório, observando-se supressão do refluxo (ácido e não-ácido).
Isto indica que, diferentemente do tratamento com IBP, o tratamento cirúrgico elimina
também o refluxo não-ácido.
Convém salientar que há pacientes com sintomas típicos que respondem à
IBP; porém, não tem DRGE. A cirurgia anti-refluxo não deve ser indicada nesse grupo
de pacientes. Em função disso, sugere-se que a monitorização prolongada de refluxo
deva ser incluída na investigação pré-operatória da DRGE.
Manometria esofágica
A manometria esofágica teve grande importância no entendimento da fisiopatologia de várias afecções esofágicas. Contudo, na prática clínica assistencial, não
representa método diagnóstico adequado para a DRGE. A maior parte dos portadores
da afecção não apresenta alterações características ao exame manométrico. Contudo, apesar disso, tem utilidade clínica em algumas situações:
- na presença de achados clínicos ou de outros exames sugestivos de distúrbios
motores do esôfago ou de afecções associadas, em especial, das doenças do
colágeno.
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- na avaliação pré-operatória da DRGE. Nesses casos a avaliação manométrica
tem sido importante para diagnosticar distúrbios motores graves, que podem contraindicar o tratamento cirúrgico e, sobretudo, para servir de referencial, útil nos
casos que evoluírem com disfagia no período pós-operatório. Nesses casos, se
tivermos um referencial manométrico pré-operatório, podemos entender melhor as
eventuais alterações encontradas no pós-operatório.
- localização dos esfíncteres do esôfago para posicionamento adequado dos sensores de monitorização prolongada do refluxo.
Finalmente, convém salientar as seguintes recomendações práticas:
- para o tratamento clínico é lícito embasar o tratamento em hipótese diagnóstica de
DRGE. Contudo, para o tratamento cirúrgico, é necessário estabelecer diagnóstico preciso e comprovar que as queixas do paciente são de fato decorrentes do
refluxo;
- os melhores candidatos ao tratamento cirúrgico são os que respondem bem ao
tratamento clínico. Porém, os que não respondem bem também podem ser bons
candidatos desde que tenham queixas clínicas comprovadamente decorrentes do
refluxo. Os antissecretores não tratam o refluxo, apenas reduzem sua acidez. As
queixas dependentes da acidez do refluxo costumam melhorar com os antissecretores; porém, as dependentes mais da presença física do refluxo que da sua
acidez não costumam melhorar com o tratamento antissecretor;
- interprete adequadamente as queixas clínicas. Lembre-se que, para o paciente,
azia pode não significar pirose retroesternal e que refluxo pode significar regurgitação de material estagnado no esôfago;
- suspeita clínica de refluxo com endoscopia normal não exclui o diagnóstico da
DRGE, tampouco caracteriza DRGE não erosiva; nesses casos, convém monitorizar prolongadamente o refluxo;
- se a queixa predominante for típica e o paciente não estiver em uso de antissecretores, a pHmetria representa boa opção de monitorização;
- a impedâncio-pHmetria é mais adequada que a pHmetria no estudo dos sintomas
atípicos, em especial, na tosse crônica e na DRGE refratária ao tratamento clínico.
Pacientes sem resposta adequada ao tratamento clínico devem ser submetidos
à impedâncio-pHmetria esofágica na vigência dos antissecretores em uso, para
saber se as queixas são decorrentes de refluxo ácido não bloqueado, de refluxo
não ácido ou se não são relacionadas com refluxo;
- sinais de alerta como: presença de disfagia, ou alterações cutâneas sugestivas de
doença do colágeno devem ser investigados cuidadosamente com manometria
esofágica e estudo radiológico contrastado do esôfago;
- a manometria representa parâmetro referencial útil nos pacientes a serem operados por DRGE. Os casos que evoluírem com disfagia poderão ser melhor compreendidos se tiverem manometria pré-operatória.
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