- - - - INSUFICIENCIA CARDIACA: INTERNAMENTO E AMBULATORIO, UNIDADES ESPECIALIZADAS INTEGRADAS EM REDE TEXTO_ Fátim a Ceia1, Cândid a Fonseca2 Revista Factor es de 38 39 % 20 % 18 16 14 16 Prevalência 12 12 8 4 0 25-49 50-59 60-69 80+ 70-79 10 8 6 4 Homens 2 Mulheres 0 Escalões etários - anos 1. Insuficiência Cardíaca: prevalência global % 10 Homens 8 Mulheres Total % 6 4 2 0 25-49 50-59 60-69 70-79 80+ Escalões Etários - anos 2. Insuficiência cardíaca prevalência por sexos Prevalência Resumo do artigo A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome incapacitante, com elevada mortalidade, que consome uma parcela muito importante das verbas destinadas à Saúde. Apesar do desenvolvimento registado na sua prevenção e medidas de tratamento nos últimos anos e da elaboração, publicação e implementação de sucessivas recomendações para o diagnóstico e tratamento da IC aguda e crónica, a prevalência da IC parece continuar a aumentar, sendo apontada como uma das prováveis epidemias do século XXI. A redução da qualidade de vida destes doentes e o maior consumo de verbas estão sobretudo relacionados com a re-hospitalização. Parte importante da responsabilidade no aumento do número de doentes, bem como na hospitalização recorrente, advem da não adequação da prescrição e da não adesão às medidas de tratamento. Cada vez são mais consistentes os dados a favor das vantagens das redes de tratamento da IC, englobando vários grupos profissionais e estruturas, hospitalares e no ambulatório; estas redes podem favorecer a educação dos doentes, familiares, outros prestadores de cuidados, a divulgação dos conhecimentos, a instituição das medidas mais adequadas a cada situação no tempo certo, a rentabilização dos meios e a comunicação entre todos os envolvidos no processo de prevenção e tratamento da IC. Fig. 1 Prevalência 2. Cândida Fonseca Licenciada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Assistente Graduada de Medicina Interna, Especialista em Cardiologia, Competência em Emergência Médica, Coordenadora da Unidade Funcional de Insuficiência Cardíaca e Consulta de Insuficiência Cardíaca, Hospital de S. Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Assessora do Departamento de Investigação Científica e da Direcção do Internato Médico, Hospital de S. Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Assistente Convidada da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Tesoureira da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. A insuficiência cardíaca (IC) já está no terreno como uma das epidemias do século XXI. A sua prevalência em Portugal varia entre 1,36% no grupo etário dos 25 aos 50 anos e 16%, acima dos 80 anos (Fig.1).1 As co-morbilidades estão frequentemente presentes, especialmente nos mais velhos: insuficiência renal, anemia, diabetes mellitus, doença pulmonar obstructiva crónica, apneia do sono, depressão.2,3 As principais causas/factores de risco para IC em Portugal são a hipertensão arterial, a doença das artérias coronárias e as doenças valvulares e do miocárdio. Cerca de metade dos doentes com IC tem função sistólica preservada; no ambulatório, estes doentes são sobretudo mulheres idosas. No internamento, o número de mulheres é também elevado, com um ligeiro predomínio da IC por disfunção sistólica ventricular (Figs. 1 e 2). 1,4,5 A IC crónica descompensada constitui a principal fatia da IC aguda (67% dos casos, no EuroHeart Survey II).6 O tratamento da IC consome verbas muito elevadas; a hospitalização dos doentes com IC é frequente, recorrente e extremamente dispendiosa.7,8 Por exemplo, no Reino Unido, as despesas com a hospitalização podem fazer triplicar os gastos do tratamento.8 A síndrome de IC é causa de mortalidade elevada e redução drástica da qualidade de vida. Apesar do desenvolvimento crescente de numerosas formas de terapêutica, farmacológica e não farmacológica (Quadro I), não é claro que esteja a haver um progresso real no combate à epidemia. Estudos oriundos de Países Europeus e da Austrália, recentemente publicados, 9,10 Prevalência 1. Fátima Ceia Médica, especialista em Medicina Interna, professora associada convidada da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, (onde rege Terapêutica Geral), coordena a Unidade Funcional de Insuficiência Cardíaca do Hospital de S. Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, o secretariado do Grupo de Estudo de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Cardiologia e o projecto EPICA (Epidemiology of Heart Failure in Portugal). Como investigadora principal ou co-investigadora, colabora actualmente, no Hospital de São Francisco Xavier, nos seguintes estudos multicêntricos internacionais de terapêutica em insuficiência cardíaca: PRIME II, ATLAS; CIBIS II, COMET, CHARM, PORTLAND, LEVICARD, EPHESUS, IPRESERVE, DILLIPO, EMPHASIS. Risco 2007, N º5, (Abr-Jun), pág. 39-45 20 Homens 8 Mulheres Total 6 4 2 25-49 50-59 60-69 70-79 80+ 0 Escalões Etários - anos 3. Prevalência da insuficiência cardíaca com disfunção sistólica ventricular Insuficiência cardíaca na população Portuguesa maior de 25 anos: estudo EPICA. Prevalência global (1) e por sexo (2) e da insuficiência cardíaca com disfunção sistólica ventricular (3) e com função sistólica preservada (4). 25-49 50-59 60-69 70-79 Escalões Etários - anos 4. Prevalência da insuficiência cardíaca com função sistólica preservadar 80+ Fig. 2 IC no ambulatório 2% 11% 10 1% IC por disfunção sistólica ventricular IC com função sistólica preservada Doença valvular Doença do pericárdio IC direita IC “multifactorial” Quadro I Modalidades de tratamento da insuficiência cardíaca 30% 8 16% 6 40% Mulheres Tota Homens Medidas gerais 4 2 0 % 25-49 50-59 60-69 70-79 80+ anos Ceia F, Fonseca C, Mota T, et all, on behalf of the EPICA Investigators Eur J Heart Fail 2002; 4: 531-539 Medidas farmacológicas IC no internamento 3% 10,6% 5,6% 4,1% 32,8% Medidas não farmacológicas 5,4% Eléctricas 18,9% Internamento por IC 48,6% 42,2% IC - Serviço de Medicina 23% IC - Unidade de IC • Educação do doente, familiares e outros prestadores de cuidados e da Comunidade • Auto-controlo • Medidas de vida saudável • Evicção tabágica • Vacinação e prevenção/combate à infecção • Dieta • Manter peso adequado • Exercício físico e medidas de reabilitação • I-ECAs * • Beta-bloqueantes * • Diuréticos ** • ARA II ** • Digoxina ** • Hipocoagulação oral *** • Outros, tratamento etiológico, exemplos: controlo da HTA, doença coronária, disritmia, diabetes mellitus, dislipidemia, anemia, DPOC mulheres Cirúrgicas idade Serviço de Medicina 52% 75,6±14 Unidade de IC 62,8% 73,0± Protésicas Reparação ventricular Tratamento etiológico não farmacológico • • • • • • • • • Pacemaker Cardioversor-desfibrilhador implantado Ressincronização ventricular Revascularização do miocárdio Reparação da insuficiência mitral Transplante cardíaco Balão intra-aórtico Coração artificial Transplante celular Exemplos: Correcção de lesões valvulares Revascularização miocárdica Drenagem pericárdica * Para todos os doentes com insuficiência cardíaca que tolerem estes fármacos. ** Em situações apropriadas; *** Nos doentes com fibrilhação auricular, sem contra-indicações para hipocoagulação oral. I-ECAs: inibidores da enzima de conversão da angiotensina; ARA II: antagonistas dos receptores da angiotensina II; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crónica. Formas de insuficiência cardíaca (IC) no ambulatório (estudo EPICA) e no internamento (Ceia e cols). Prevalência e grupos etários atingidos. 40 41 referem que o internamento por IC pode estar a diminuir; todavia, dados obtidos a partir de Registos também recentes mostram que o acesso a uma terapêutica adequada é ainda reduzido e muito heterogéneo na Europa global.11-13 Não são só os médicos que contribuem para a inadequação da prescrição terapêutica. Muitos doentes e prestadores de cuidados estão insuficientemente esclarecidos acerca da doença; as medidas gerais de tratamento (dieta, exercício, reabilitação física, auto-controlo) não são cumpridas e a adesão terapêutica pode ser muito reduzida, em parte por aspectos económicos 14 mas também por factores como o isolamento, a depressão, a idade avançada, a co-morbilidade.15 A abordagem da IC tem várias vertentes: a prevenção, o tratamento geral e farmacológico da síndrome, o tratamento etiológico, as medidas não farmacológicas (cirúrgicas, eléctricas, protésicas, de reparação e de substituição cardíaca) e o manejo das situações avançadas, em cuidados continuados e/ou paliativos, em instituições apropriadas ou no domicílio. A integração em rede das diversas estruturas que permitem esta abordagem da IC parece poder dar resultados muito positivos; a sua composição e interacção podem variar de Comunidade para Comunidade, de forma a rentabilizar recursos, melhorar a sobrevida, a qualidade de vida e reduzir os gastos. Nesta rede de cuidados são fundamentais as Unidades especializadas em IC. Estas Unidades devem ter uma componente de inter- Fig. 3 ECOCARDIOGRAFIA PATOLOGIA CLÍNICA IMAGIOLOGIA MFR CIRURGIA CARDIO-TORÁCICA CARDIOLOGIA INTERVENÇÃO ELECTROFISIOLOGIA ASSISTENTES SOCIAIS ENFERMAGEM – MÉDICOS com treino em IC OUTRAS ESPECIALIDADES nefrologia, psiquiatria, etc DIAGNÓSTICO TRATAMENTO EDUCAÇÃO DOS DOENTES e PRESTADORES DE CUIDADOS CUIDADOS CONTINUADOS CUIDADOS PALEATIVOS Rede de assistência para doentes com insuficiência cardíaca (IC). Grupos profissionais e estruturas envolvidas. namento hospitalar de agudos e/ou cuidados intermédios, que articula com outras Unidades de tratamento intensivo e com as várias especialidades e métodos de diagnóstico e de tratamento; devem estar articuladas com estruturas para atendimento em Hospital de Dia, bem como com a Consulta de IC e com os cuidados paliativos e no domicílio (Fig. 3). A rede de cuidados para a IC permitirá obter: • O diagnóstico mais rápido da IC e das suas causas de descompensação, com instituição atempada, completa e adequada das medidas terapêuticas no internamento do Agudo; • A selecção dos doentes para as terapêuticas não farmacológicas nos tempos precisos; “AS PRINCIPAIS CAUSAS/FACTORES DIETISTAS DE RISCO PARA IC FARMACÊUTICOS EM PORTUGAL SÃO A HIPERTENSÃO ARTERIAL, INTERNAMENTO A DOENÇA DAS ARTÉRIAS CONSULTA HOSPITAL DE DIA CORONÁRIAS E AS DOENÇAS CUIDADOS NO DOMICÍLIO VALVULARES E DO MIOCÁRDIO. CERCA • A redução da demora média do internamento e da morbilidade intra-hospitalar; • O diagnóstico preciso e a prescrição adequada à saída do internamento, nomeadamente com o doente já terapêutica optimizada incluindo bloqueador adrenérgico, factor importante na adesão futura ao tratamento e no aumento da sobrevida;16,17 • O início da educação do doente e dos familiares para a IC, que vai ser consolidado no Hospital de Dia; • A promoção e a vigilância da adesão à terapêutica, para o que o Hospital de Dia é fundamental; • A diminuição do re-internamento, para o que contribuem a educação do doente e familiares, o reforço da adesão à terapêutica e a abordagem de situações de risco de descompensação, por exemplo: adequação da frequência cardíaca e da volémia, o tratamento da anemia, nomeadamente com terapêutica endovenosa com furosemido e ferro e com eritropoietina, quando indicado, em Hospital de Dia; • O reforço da adesão à terapêutica global, a diminuição da polifarmácia inapropriada e da iatrogenia, a diminuição do re-internamento e a melhoria da qualidade de vida, que os Cuidados no Domicílio permitem; 42 DE METADE DOS DOENTES COM IC TEM FUNÇÃO SISTÓLICA PRESERVADA; NO AMBULATÓRIO, ESTES DOENTES SÃO SOBRETUDO MULHERES IDOSAS.” 43 • A melhoria da comunicação entre os membros da equipa terapêutica de cada doente, que é também um factor importante na eficiência e na qualidade do tratamento . Em todas estas vertentes é fundamental a presença de profissionais treinados e motivados, com particular destaque para a enfermagem especializada em IC, para os médicos hospitalares (internistas e cardiologistas) experientes em IC e para os médicos de Medicina Geral e Familiar, que devem integrar estas redes. Os resultados destas redes de cuidados para a IC são já claros na redução da morbilidade e do re-internamento; existe alguma variabilidade Centro a Centro no que se refere à redução da mortalidade e dos custos, provavelmente porque as estruturas e o tipo de doentes assistidos variam bastante 18-20; McDonald e cols, recentemente, chamaram a atenção para as potenciais vantagens das redes de manejo da IC abrangerem não só as populações mais idosas e mais graves, mas também os doentes mais jovens e menos sintomáticos, incluindo doentes em classe II da NYHA nos seus programas.21 As Recomendações para diagnóstico e para tratamento da IC crónica, quer as Europeias quer as Norteamericanas, incluem nas suas linhas de orientação as redes de IC .22-24 No que se refere ao desempenho da Unidade Funcional de IC do Hospital de S. Francisco Xavier/Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, podemos para já referir dois dados importantes: • A criação da Unidade de internamento dedicada a doentes com IC aguda ou crónica agudizada no Hospital de S. Francisco Xavier permitiu uma melhoria assistencial importante: redução da demora média do internamento de 13,8 para 10,5 dias, melhoria da qualidade do diagnóstico e da prescrição à saída, sobretudo no que se refere a beta-bloqueantes (18,6% vs 56,8%, nos doentes com disfunção sistólica ventricular) e da hipocoagulação oral (16,7% vs 32,6, em todos os casos de IC e 17,65 vs 44,4%, nos doentes com disfunção sistólica ventricular). 5 • Nos primeiros 6 meses de funcionamento do Hospital de Dia articulado com esta Unidade, o atendimento de doentes com IC em classes IIIb e IV da NYHA (requerendo terapêutica com furosemido em perfusão e, em cerca de metade dos casos, com anemia e insuficiência renal, necessitando de ferro endovenoso e eritropoietina cronicamente), permitiu poupar 2/3 de internamentos, quando comparado com igual período de tempo, anterior ao Hospital de Dia. Esta redução do re-internamento pode ser contabilizada não só em melhoria da qualidade de vida e redução da morbilidade intra-hospitalar, mas na poupança de cerca de 50 000 euros. 25 Estes dados dão-nos grande alento para continuar o trabalho árduo no combate à epidemia de IC, através da chamada de atenção das entidades da Saúde, da educação da Comunidade e da implementação de redes de tratamento, contribuindo assim para a “…AS MEDIDAS GERAIS DE TRATAMENTO (DIETA, EXERCÍCIO, REABILITAÇÃO FÍSICA, AUTO-CONTROLO) NÃO SÃO CUMPRIDAS melhoria da sobrevida e da qualidade de vida dos nossos doentes e para a redução dos custos com a síndrome. É determinante a tomada de consciência deste problema por parte das Instituições prestadoras de Cuidados de Saúde, nomeadamente Hospitais e Centros de Saúde, tal como é aconselhado pelos autores do EuroHeart Survey: parece assim adequado que mais Instituições “re-orientem espaços e outros recursos existentes para o tratamento mais apropriado da IC”, 12 neste formato de redes especializadas para o seu diagnóstico e tratamento. E A ADESÃO TERAPÊUTICA Fátima Ceia, Cândida Fonseca PODE SER MUITO REDUZIDA, EM PARTE POR ASPECTOS ECONÓMICOS MAS TAMBÉM POR FACTORES COMO O ISOLAMENTO, A DEPRESSÃO, A IDADE AVANÇADA, A CO-MORBILIDADE.” 14 Bibliografia 1. Ceia F, Fonseca C, Mota T, Morais H, Matias F, de Sousa A, Gouveia-Oliveira A, on behalf of the EPICA Investigators. Prevalence of chronic heart failure in Southwestern Europe: the EPICA study. Eur J Heart Fail 2002; 4: 531-539. 2. Ceia F, Fonseca C, Mota T, Morais H, Matias F, Costa C, Gouveia-Oliveira A . 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