ARTIGO DE REVISÃO Clínica de nsuficiência Cardíaca O Novo Paradigma Heart Failure Clinic - A New Paradigm EVANORO TINOCO MESQUITA Coordenador do Setor de Emergências do Hospital Pró-Cardíaco Professor de Cardiologia da UFF A Síndrome de Insuficiência Cardíaca (IC) é uma condição clínica pandêmica. Nos Estados Unidos é estimado existirem 4 milhões de portadores de I.C. e aproximadamente 400.000 indivíduos desenvolvem a I.C. sintomática a cada ano Esses dados subestimam a real prevalência e incidência. pois os pacientes sintomáticos representam a ponta do iceberg. A incidência da I.C. dobra a cada década após os 45 anos (1.2) Aproximadamente 35% dos pacientes com I.C S80 hospitalizados 8. cada ano. consumindo em média $5.104 (por internação de cada paciente, com 9.1 dias de internação (12) Médicos não especialistas (clínicos oerais. Q8npralist8.s e rnÁdicúS de famíiia) e ca.croloqisra trata'" 08 V8.st8 ~ '::::>1 ia dos pacientes a nível ambulatorial. A experiência do hospital Pró-Cardíaco tem evidenciado elevada taxa de mortalidade nos pacientes classe IV que chegam à Unidade de Emergência: 40% em 16 meses de seguimento. A taxa de reinternaçào tem sido superior a 50% em 6 meses (3). A despeito de dramático au262 Jul/Ago/Set - 1998 mento da nossa habilidade na abordagem diagnóstica e terapêutica, os dados disponíveis sugerem que muitos pacientes, mesmo nos países desenvolvidos. não recebem o estado da arte do ponto de vista diagnóstico e terapêutico. A IC está também associada ao aumento das elevadas taxas de morbi-mortalidade. Estima-se que em um dado momento aproximadamente 30% dos pacientes com I.C. estejam em classe 111 e IV (NYHA). A despeito de recentes avanços terapêuticos. a taxa de mortalidade no primeiro ano com os procedimentos habituais de abordagem está entre 40 a 50% para pacientes em classe III e IV e 15 a 25% nas classes I e 11. (4) . A situação no Brasil é bastante desafiadora. A I.C. é a causa mais freqüente de internação acima dos 60 anos na rede pública (3). Condições endêmicas e epidêmicas que agridem o miocárdio. Doença de Chagas e AIOS ao lado do envelhecimento crescente da nossa população e da ausência de uma polítiRev SOCERJ VoLXI N2 3 ca efetiva do combate aos fatores de risco tornam a I.C uma epidemia de ameaçadoras proporções para o próximo século, O que fazer para mudar esse cenário? Provavelmente observar os caminhos percorridos em outros países e buscar fórmulas de sucesso para que possam ser adaptadas, evoluídos e adaptadas para o contexto brasileiro como as Clínicas de Insuficiência Cardíaca (C,I.C.). 1- POR QUE CRIÁ-LAS? As condições mórbidas crônicas necessitam de mais planejamento, equipe muldisciplinar e uma estratégia educacional, do que da prática isolada de um médico ede sua experiência. Talvez os modelos cubano e inglês de assistência integrada à saúde estejam sendo copiados e adaptados nos Estados Unidos, proporcionando resultados humanos - melhor qualidade de vida, resultados médicos - melhor resposta terapêutica -, resultados sociais, presença do paciente fora do ambiente hospitalar e, portanto, produtivo, além de resultados econômicos, ao reduzir os custos de readmissão hospitalar. . As CIC permitem que pacientes mais graves (Classes 1\1e IV), portadores de co-morbidade (asma brônquica, DBPOC, diabetes), idosos com dificuldade de locomocção e aqueles em uso de anticoagulante oral, possam receber assistência integrada através de cuidados clínico-cardiológicos, educacionais e terapêuticas (inotrópicos venosos), reduzindo desta forma as taxas de readmissão hospitalar. O item internação hospitalar é o ponto mais caro da abordagem terapêutica da I.C. Temos que conscientizar os responsáveis pela saúde pública no Brasil e os médicos de que é possível atuarmos eficazmente reduzindo custos, ofertando a estes pacientes fármacos e medidas educacionais que possibilitem a abordagem multidisciplinar em um centro especializado: as C.I.C's Os custos combinados do manuseio ambulatorial e intra-hospitalar da I.C. nos EUA encontram-se entre 10 e 38 bilhões de dólares/ano. A mortalidade é de aproximadamente 200.000 pacientes/ano A abordagem da síndrome da I.C. freqüentemente requer decisões complexas em r e laç ào à polifarmacoterapia, revascularização, troca valvar e transplante. A criação da clínica de Insuficiência Cardíaca proporcionaram redução da internação hospitalar e de visitas a unidades de emergência Ijp ::-~rCd de até 80% em 6 meses. (6) 2- QUAIS OBJETIVOS SÃO PRETENDIDOS NAS ele? Estratégias que-possam reduzir custos, otirnizar os cuidados cardiovasculares e clínicos, bem como melhorar a qualidade de vida. A equipe rnulti-dis-' Rev SOCERJ Vol XI W 3 ciplinar deve procurar desenvolver objetivos centrados na prática arnbulatoriaí e no contexto dos pacientes hospitalizados. Pacientes com Insuficiência Cardíaca avançada estão geralmente entre os mais críticos doentes cardíacos; têm pior prognóstico e representam um grande custo. Infelizmente não existem protocolos ou procedimentos padrões para o manuseio das IG. nas fases avançadas. OBJETIVOS: Serviço de pacientes ambula'toriais: • Estabelecer protocolos de tratamento • Estabelecer programas de educação • Estabelecer programa de Home-Care • Estabelecer projetos de pesquisa • Estabelecer protocolos de infusão de inotrópicos de curta duração (4h-3x semana) • Estabelecer protocolos de manuseio de condições co-mórbidas (diabetes, asma, tabagismo, retirada do álcool) • Estabelecer programa de telemedicina oferecendo ao paciente cobertura 24h (Telemanegement) • Vacinação para vírus da gripe e pneumococos. Serviço de pacientes internados • Estratégias terapêuticas otimizadas e guiaca monitoração hemodinâmica invasiva ("Taylored Therapy") • Estabelecer protocolos de estudo de inovações cirúrgicas (cirurgia de Randas) • Estabelecer programas para redução de hospitalização A implementação destes objetivos depende de uma integração da equipe da c.l.e. com médicos generalistas e médicos de família, responsáveis pelo manuseio de 83% dos pacientes com I.C .. Outro ponto crítico é o relacionamento com os cardiologistas para que possa haver encaminhamento dos pacientes de alta complexidade para as C.I.C's. 3- QUAL O PAPEL DA ENFERMAGEM NAS C.I.C.? /'\ enfermagem exerce um importante papel nas C.I.C. promovendo intensa função na educação do paciente e familiares. Orientação em relação à monitorização diária do peso, reconhecimento dos sintomas e sln;=,is d'? rlAscoml')ensacão "SI') correto dos diuréticos, entanzando a i~pc:'~~ncia da aderência ao tratamento. Atuação no controle da pressão arterial, da hipecolesterolemia, do tabagismo e da supressão de álcool são pontos críticos onde a participação da enfermagem tem importante contribuição. O médico deverá supervisionar toda a atividade do paciente nas c.le. (7,8) JuVAgo/Set - 1998 263 4- TELEMEDICINA E TELEGERENCIAMENTO Uma nova fronteira nas C.I.C. tem sido o surgimento do telegerenciamento, propiciando a que o paciente possa contactar a equipe de saúde da C.I.C. a qualquer hora e lugar para esclarecer dúvidas ou em caso de piora clínica. O telegerenciamento tem permitido o seguimento diário de pacientes com enfoque na adesão terapêutica e emissão transtelefônica de sinais físicos e eletrocardiográficos A utilização dos recursos da Internet para oferecer informações ao leigc e à comunidade cientifica sobre a C.I.C. está disponível no endereço www.heartinfo.clinics/htf/cata74.htm#sectA. 5- INFUSÃO DE INOTRÓPICOS A meta atual na I.C. avançada é a melhoria da qualidade de vida seguida pelo aumento da sobrevida. Atualmente, portanto, ressurge a importância do uso de inodilatadores (dobutamina, milrinona) infundidas em baixas doses durante 4h, três vezes por semana em pacientes que não apresentam resposta clínica satisfatória (Classe NYHA > li), apesar do uso de polifarmacoterapia maximizada (digoxina e diurético em combinação), IECA (ex. captopril> 150mg dia) e nitratos-orgânicos. O uso de inodilatadores promove melhora hemodinâmica de curto e médio prazos, podendo aumentar o grau de isquernia miocárdica e de arritmias que podem contribuir para maior mortalidade. 6- O IMPACTO DO EMPREGO DE MEDIDAS GERAIS - VACINAÇÃO, EXERCíCIO FíSICO, ATIVIDADE LABORATIVA E PRÁTICA SEXUAL. A utilização de vacinação anti-pneumocócica e antigripal parece reduzir as taxas de pneumonia e internação hospitalar. A prática de exercício deve ser estimulada e realizada sob supervisão de médicos e profissionais da área de reabilitação cardiovascular. O exercício regular promove importante melhora da qualidade de vida, pois acrescenta meihoria do desempenho físico 6 do humor do paciente, além de aumentar a tolerância ao esforço e acentuar o humor. A adequação da quantidade de horas da :'J! 1.=..1a de trabalho e do tipo de atividade deverá ser discutido com o paciente e em casos específicos com auxílio de terapeuta ccupacíonet. A vida sexual do paciente e o impacto da l.C. na atividade sexual é parte importante na qualidade de vida do paciente. Este ponto deverá ser discutido com o paciente e o cônjuge. 264 Jul/Ago/Set - 1998 7- O IMPACTO NA OTIMIZAÇÃO DA POLlFARMACOTERPIA NA LC. A I.C. é atualmente uma síndrome onde, nas formas avançadas, é comum o uso de 5 ou mais íárrnacos. A adequação das drogas é difícil. O risco de interações farmacológicas e efeitos adversos são comuns. A detecção precoce de efeitos indesejáveis, o auto-cuidado e a educação do paciente e familiares permitem maior aderência e melhor otimização do uso dos fármacos cardiovasculares. O ponto crítico é o uso eficaz de diuréticos. Manter o paciente "seco" melhora a qualidade de vida, porém o uso de diuréticos e principalmente a sua combinação promovem distúrbios hidro-eletrolíticos (hipopotassemia, hipomagnessemia), bem como acentua o risco de hipotensão arterial. Recentemente tem sido enfatizado o uso de diurético SOS quando surgir sintomas de congestão ou ganho rápido de peso, estratégia que tem reduzido a necessidade de internação. (> 2.5 Kg nas últimas 2 semanas). (7) O recente estudo ATLAS demonstrou que dores aitas de inibidores das enzimas das conversoras da angiotensina foram capazes de reduzir as taxas de internação para I.C. descompensado. As CIC aumentam as chances dos pacientes de receberam dores maiores de IECA. Os beta-bloqueadores represetam uma nova estratégia terapêutica na I.C. em pacientes com classe I, II e 111 (NYHA). O seu uso promove piora dos sintomas e dos sinais de edema/hipoperfusão sistêmica, necessitando de vigilância semanal nos primeiros meses de tratamento As C.I.C. têm facilitado o emprego do uso de beta-bloqueadores na I.C. A sua utilização tem demonstrado reduzir as taxas de reinternação hospitalar. A anticoagulação é um ponto importante particularmente naqueles com disfunção do VE grave (FE < 30%), na presença de fibrilação atrial e/ou trombo intr a-cavitário A dificuldade do manuseio da anticoagulação é um dos grandes desafios da prática ambulatorial. Somente uma equipe multidisciplinar atuando junto ao paciente e familiares pode reduzir o potencial iatrogênico destes fármacos. 8- O NOVO PARADIGMA Toda mudança de paradigmas exige coragem, compromisso filosóíico, visão social e embasamento científico através de evidências que comprovem a sua efetividade. As C.I.C. têm oferecido em alguns ensa~l:;c::::, ,,(;(,S "3SV'lCA1()2 que traduzem impacto clínico e econômico. A prática isolada na terapêutica de condiçõe-s crônicas tem sido progressivamente substituíds pela abordagem da especialidade multidisciplinar - Clínica de Asma, Clínica de Câncer, Clínica de Anticoagulação, Clínica de Lipídeos, Centros de Dor Torácica. O impacto no nosso país será importante pois poderíamos reduzir custos com readmissães .Rev SOCERJ Vot XI NQ3 e util.izar estes recursos em programas de prevenção cardiovascular e de pesquisa de condições endêmicas no Brasil, capazes de reduzir a epidemia de I.C. que encontra-se em expansão no Brasil e no mundo. 4- Packer M. Bristow Mr, Cohn JN, et aI, for ttie U. S. Carvedi/o/ Heart Failure Study Group. The effect of carvedi/ol on morbidity and morta/ity in patients with cbronic, heart teilure. N Eng/ Med. 1996; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 5- Health Care Financing Administratio~ Med PAR database, 1994. 6- Rich MW, Beckham \I, Witterberg C, et aI. A multidisciplinary intervention to prevent the readmission of e/der/y patients with congestive heart faiJure. N Engl J Med. 1995; 333: 1190-1195. 7- Dracup K, Walden JA Stevenson LlN, et aI. Qua/ity of fife in patients with eavenced heart fai/ure. J Heart Lung Transplant 1992; 11:273-279. 8- Grady KL, Jalowiec A, White-Williams C, et aI. 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