Brenda Moura Assistente Hospitalar Graduada, Hospital das Forças Armadas-Pólo do Porto National Societies Committee of the Heart Failure Association Importância da informação para o diagnóstico e tratamento da insuficiência cardíaca Palavras‑chave: Epidemia global; Sensibilização; Educação; Resultados positivos Resumo A Insuficiência Cardíaca (IC) atinge, a nível mundial, cerca de 26 milhões de pessoas. Em Portugal poderá haver cerca de 400 mil adultos a viver com IC. Nas últimas três décadas assistimos a inúmeros avanços no que concerne o tratamento destes doentes, seja com fármacos, seja com dispositivos. No entanto, uma população não sensibilizada e elucidada para este problema, ou doentes pouco esclarecidos sobre a sua condição, poderão ser obstáculos a que todos recebam o melhor tratamento disponível. O impacto da insuficiência cardíaca A insuficiência cardíaca pode aparecer no estadio final de praticamente todas as doenças que atingem o coração. É uma síndrome de alta morbilidade e mortalidade, e deverá ser considerada uma prioridade na área da saúde a nível global. Estima-se que, a nível mundial, existam cerca de 26 milhões de pessoas a viver com insuficiência cardíaca1, (a título comparativo, existirão cerca de 32 milhões com doenças neoplásicas2 e 34 milhões com HIV/SIDA 3). Se com os dados do estudo EPICA (estudo epidemiológico realizado em Portugal, publicado em 20024) fizermos uma projeção atendendo ao Censos 2011, então teremos em Portugal aproximadamente 400 mil pessoas com mais de 25 anos com IC. O prognóstico destes doentes é mau, com uma sobrevida média inferior à dos doentes com cancro do cólon, da mama e da próstata. Os dados mostram que a mortalidade hospitalar de doentes internados por IC em serviços de cardiologia Europeus é de 4 a 8%5, e dados de Portugal apontam para cerca de 5,5%. Já ao fim de um ano após o internamento, a mortalidade na Europa e Portugal é de respetivamente 17,4 e 16%. A insuficiência cardíaca é responsável por 1,6% de todos os internamentos em Portugal6, e esse número está seguramente subvalorizado, já que ele se refere apenas ao diagnóstico principal mencionado nos processos hospitalares. Na europa, em indivíduos com idade acima dos 65 anos, a IC é a principal causa de internamento. O impacto da IC no sistema de saúde e na sociedade é já imenso, mas com o aumento da longevidade da população, com a longa exposição aos fatores de risco, e com o aumento da sobrevida dos doentes com patologia cardíaca nomeadamente com síndrome coronária aguda, o número de doentes com IC deve aumentar substancialmente nos próximos anos, e com ele o número de consultas, exames subsidiários, internamentos. 69 N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 69-73 Por todos estes motivos o impacto da IC na sociedade, na família e no doente é extremamente marcado. Sensibilização da população Nas últimas três décadas assistimos a um avanço assinalável no tratamento médico da insuficiência cardíaca: os inibidores da enzima conversora da angiotensina, os bloqueadores beta-adrenérgicos, os antagonistas dos recetores mineralocorticóides, a ivabradina e ainda os dispositivos implantáveis levaram a uma melhoria muito significativa da qualidade de vida, a uma redução da morbilidade, nomeadamente dos internamentos, e ao aumento da sobrevida. Poder-se-ia então considerar que a grande fatia do trabalho estaria feita, e que estes avanços teriam evidentes efeitos na população. No entanto, a impressão de quantos trabalham neste campo é de tes mellitus. Estes são os fatores de risco de doença cardíaca, e como tal os fatores que levam à IC. Também por falta de conhecimento, sinais e sintomas de IC, tais como a dispneia, o cansaço, a astenia e os edemas dos membros inferiores, são frequentemente interpretados como próprios da idade e não são devidamente valorizados, ou são atribuídos a outras condições clínicas7. O facto de a IC atingir também cada vez escalões etários mais avançados, leva a que frequentemente os sinais e sintomas sejam menos característicos, como astenia, anorexia e emagrecimento, e portanto de mais difícil interpretação. A educação terapêutica A falta de conhecimento sobre a IC é também manifestada pelos próprios doentes, que não têm noção da gravidade do que os acomete. Em Portugal temos aproximadamente 400 mil pessoas com insuficiência cardíaca que ainda há muito espaço para melhorar. Terapêuticas inovadoras, com repercussão na morbilidade e mortalidade são obviamente sempre bem-vindas; no entanto, mesmo sem essas, é possível melhorar o tratamento da IC, por exemplo garantindo que todos tenham acesso às terapêuticas indicadas para a sua situação. Pois isto não acontece. Contribui para isto o facto de o conhecimento da população sobre a IC ser muito escasso. Num registo europeu de 2008, verificou-se que apenas 3% da população é capaz de identificar os sintomas da IC. O reflexo deste desconhecimento, é a adoção de hábitos nocivos como o tabagismo e o sedentarismo, e de estilos de vida que levam à obesidade, à dislipidemia e à diabe70 Sendo a IC uma situação crónica, que exige por vezes alterações marcadas no estilo de vida, desde a alimentação, à toma de múltiplos fármacos com horários distintos, à adaptação das tarefas a realizar, é necessária uma grande motivação do doente para se manter cumpridor do plano terapêutico ao longo dos anos. Por isso, todo tratamento do doente com IC deve começar pela educação, envolvendo preferencialmente o doente e a sua família e /ou cuidador. Esta educação tem habitualmente um enfoque particular no autocuidado, e pode assumir diversas vertentes, desde o esclarecimento sobre a sua condição, sobre os sintomas e os fatores de agravamento, aos eventuais efeitos secundários dos fármacos e às vantagens da toma siste- mática da medicação, bem como o que fazer quando existe agravamento do quadro clínico, e quando recorrer ao médico assistente. Um doente conhecedor destes factos será seguramente corresponsável no que respeita o seu tratamento. Comportar-se-á texto do pós-enfarte, grandes estudos multicêntricos como o Euroaspire8, mostraram como o controle dos fatores de risco se mantém francamente abaixo do desejável. Para além de poder melhorar a qualidade de vida e reduzir a morbilidade, a educação Por falta de conhecimento, sinais e sintomas de IC, tais como a dispneia, o cansaço, a astenia e os edemas dos membros inferiores, são frequentemente interpretados como próprios da idade como um elemento ativo e não como mero alvo do trabalho do médico. Apesar dos benefícios comprovados, a adesão ao tratamento não farmacológico da IC é um aspeto no qual normalmente há pouco sucesso, já que diversos artigos publicados mostraram que as recomendações não são seguidas. Por exemplo, no con- terapêutica pode, eventualmente, também servir um objetivo económico, ao reduzir os internamentos, que são claramente o maior fator de dispêndio na IC. Na área da insuficiência cardíaca há já demonstração de melhoria de qualidade de vida, redução de internamentos e custos, e redução da mortalidade9,10. 71 N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 69-73 A educação dos doentes pode assumir diversas formas. Pode ser feita durante o internamento por IC aguda ou após a alta hospitalar; pode ser realizada por enfermeiros ou médicos isoladamente, ou em equipas multidisciplinares. Podem ser utilizados diferentes tipos de materiais educativos e com recurso às novas tecnologias. Frequentemente os programas de educação do doente funcionam em conjunto com a reabilitação cardíaca, e têm uma duração de cinco a dez horas; no entanto, gestos mais simples como uma sessão com enfer- A Sociedade Europeia de Cardiologia iniciou em 2014 um programa abrangente e ambicioso (Global Heart Failure Awareness Programme)12, com o objetivo de alertar a população, os trabalhadores da área da saúde e os políticos da importância da IC, da necessidade de se tomarem medidas para melhor se lidar com esta epidemia, e de programar as estratégias necessárias no sentido da prevenção. Parte deste programa passa pela divulgação de informação sobre IC, e tem no Dia da Insuficiência Cardíaca (Heart failure awareness days) Na área da insuficiência cardíaca a educação terapêutica tem demonstração de melhoria de qualidade de vida, redução de internamentos e custos, e redução da mortalidade meira, de uma hora, à data de alta, mostraram também conseguir reduzir os internamentos11. Relativamente constantes são os tópicos abordados na educação do doente com insuficiência cardíaca: alimentação, avaliação da tensão arterial, cessação tabágica, informação sobre fármacos, compreensão da doença, sexualidade e adaptação social. As Clínicas de IC, ou Programas de tratamento da IC, muito frequentes no Reino Unido, e na Europa Central e do Norte, são frequentemente lideradas por enfermeiras, e são o exemplo de como a educação terapêutica e a aplicação das guidelines pode melhorar o prognóstico dos doentes. Papel das sociedades científicas As Sociedades de Cardiologia dos Estados Unidos e da Europa, tendo a noção do primordial papel da educação da população, doentes e cuidadores, têm-se debruçado sobre este tema, lançando diferentes programas no sentido de colmatar as falhas existentes. 72 a sua face pública13. Nestes dias, habitualmente num dos primeiros fins-de-semana de Maio, os vários países membros da Sociedade Europeia de Cardiologia/Associação de Insuficiência Cardíaca, levam a cabo programas dirigidos à população para divulgação e educação – palestras e distribuição de folhetos sobre IC, avaliação de fatores de risco, esclarecimentos quanto à prática de exercício físico e de alimentação. Este programa abarca outras ações, como a formação médica referente ao diagnóstico e tratamento da IC. A mais ambiciosa é a tentar chamar a atenção dos media com o objetivo de alertar todos os intervenientes para a importância da IC numa perspetiva de saúde pública e o fim último de assim se conseguir uma melhoria na prevenção, na detecção precoce e nas condições de tratamento da mesma. Faz parte integrante deste projeto o White Book on Heart Failure, subscrito por cerca de 40 Sociedades de Cardiologia, e onde são sugeridas medidas a implementar pelos governos dos diversos países de modo a levar a cabo este projeto. Uma ferramenta disponibilizada pela Heart Failure Association é o website «heartfailurematters.org». Este portal está presentemente disponibilizado em nove línguas, incluindo o português desde há cerca de dois anos14. Aqui é possível encontrar a informação necessária e validada para uma correta educação do doente, e também muita informação prática sobre como lidar com os problemas e percalços do dia-a-dia, que podem ajudar e dar conforto aos doentes e cuidadores. É uma excelente ferramenta para médicos e enfermeiros aconselharem aos seus doentes. Conclusão Os avanços científicos são fundamentais para o diagnóstico precoce e a melhoria do tratamento dos doentes de qualquer patologia, nomeadamente da insuficiência cardíaca. No entanto podem ser manifestamente insuficientes se não chegarem a todos os doentes. É pois fundamental que a população esteja sensibilizada, que os trabalhadores na área da saúde sejam conhecedores, e que os doentes estejam motivados e tenham acesso à educação terapêutica. Só então, o programa será eficaz. Referências 1. Bui Al, Horwich TB, Fonarow GC et al. Epidemiology and risk profile of heart failure. Nat Rev Cardiol 2011;8:30-41 2. International Agency for research on Cancer. Estimated cancer incidence, mortality and prevalence worldwide in 2012 (GLOBOCAN 2012) Lyon, 2012. (globocan.iarc.fr/Pages/fact_ sheets_population.aspx) 3. World Health Organization. Global Health Observatory: HIV/AIDS Geneva 2014. (who.int/ gho/hiv/en/) 4. Ceia F, Fonseca C, Mota T, et al; EPICA Investigators. Prevalence of chronic heart failure in Southwestern Europe: the EPICA study. Eur J Heart Fail. 2002;4:531-9. 5. White Paper on Heart Failure. Heart Failure Association /European Society of Cardiology. 2014 6. Direcção Geral de Saúde. Doenças cérebro-cardiovasculares em números. 2015. 7. Remme WJ, McMurray JJ, Rauch B, et al. Public awareness of heart failure in Europe: first results from SHAPE. Eur Heart J. 2005;26:2413-21 8. Kotseva K, Wood D, De Bacquer D, et al. EUROASPIRE Investigators. EUROASPIRE IV: A European Society of Cardiology survey on the lifestyle, risk factor and therapeutic management of coronary patients from 24 European countries. Eur J Prev Cardiol. 2016;23:636-48 9. McAllister FA, Stewart S, Ferrua S, et al. Multidisciplinary strategies for the management of heart failure at high risk for admission: a systematic review of randomized trials. J An Coll Cardiol 2004;44:810-9. 10. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. Eur J Heart Fail. 2016. doi:10.1093/eurheartj/ehw128 11. Koelling TM, Johnson ML, Cody RJ, et al. Discharge Education Improves Clinical Outcomes in Patients with Chronic Heart Failure. Circulation 2005;111:179-185 12. https://www.escardio.org/The-ESC/Communities/Heart-Failure-Association-(HFA)/Advocacy-&-Awareness/Global-Heart-Failure-Awareness-Programme 13. https://www.escardio.org/The-ESC/Communities/Heart-Failure-Association-(HFA)/Advocacy-&-Awareness/European-Heart-Failure-Awareness-Day 14. http://www.heartfailurematters.org/pt_PT/ 73