Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):128-130 março/abril Ponto de Vista Bittencourt et al. Importância do Diagnóstico Etiológico na IC Ponto de Vista Importância do Diagnóstico Etiológico na Insuficiência Cardíaca Idiopática Importance of Etiological Diagnosis in Idiopathic Heart Failure Marcelo Bittencourt1, Fernando Carlos Vetromille Ribeiro2, Ricardo Mourilhe Rocha1, Denilson Campos Albuquerque1 Resumo Abstract A insuficiência cardíaca é uma condição altamente grave e importante do ponto de vista epidemiológico para a saúde pública. Resultado da progressão de várias doenças cardiovasculares ou sistêmicas, é responsável por grande número de internações anuais. Apesar da alta prevalência, uma parcela considerável dos casos permanece sem uma etiologia definida. Conseguir identificá-la implica uma melhor abordagem terapêutica e de prevenção. Heart failure is an extremely serious condition that is important to public health from the epidemiological standpoint. Resulting from several cardiovascular or systemic diseases, it accounts for many hospitalizations each year. Despite its high prevalence, the etiology is not defined in a considerable proportion of cases. The ability to identify its etiology offers the possibility of better therapeutic and preventive approaches. Palavras-chave: Insuficiência cardíaca; Cardiomiopatia dilatada; Diagnóstico Keywords: Heart failure; Dilated cardiomyopathy; Diagnosis Introdução As doenças cardiovasculares são a maior causa de morbidade e mortalidade mundial1. A insuficiência cardíaca (IC) é uma grave complicação de várias dessas doenças, que está aumentando em incidência e prevalência globalmente. No Brasil, segundo dados do Datasus 20072, ocorrem 240 000 casos novos por ano, com 293 000 internações e 6,0 % de mortalidade2. A maioria dos casos de IC tem como etiologia a doença arterial coronariana (DAC), a hipertensão arterial, as valvulopatias, e as cardiomiopatias. Porém, uma parcela desses casos está relacionada à cardiomiopatia dilatada (CMPD), cuja etiologia nem sempre é tão clara de início. Além disso, dependendo da causa da doença, poder-se-á investir em tratamento específico, o que resulta em mudanças no prognóstico (Quadro 1)4. A IC é mais prevalente com o envelhecimento, sendo que cerca de 75,0 % dos casos ocorrem em indivíduos com mais de 65 anos. No Brasil há uma estimativa de aumento da população de idosos em mais de seis vezes até 2040, que corresponde a 14,0 % da população do país, o que pressupõe ainda maior prevalência da doença e aumento dos custos para o sistema de saúde3. Assim, o desafio atual é identificar sua prevalência específica, suas causas e novas ferramentas de diagnóstico para atuar na prevenção e tratá-la o mais precocemente possível, melhorando o prognóstico e evitando as complicações da doença e seu impacto no sistema de saúde, redefinindo o planejamento de políticas públicas. Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Programa de Pós-graduação (Mestrado) em Ciências Médicas - Laboratório de Instrumentação Biomédica - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Correspondência: Marcelo Bittencourt E-mail: [email protected] Av. 28 de setembro, 77 - Cardiologia (2º andar) - Vila Isabel - 20551-030 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Recebido em: 08/09/2013 | Aceito em: 09/03/2014 1 2 128 Bittencourt et al. Importância do Diagnóstico Etiológico na IC Ponto de Vista Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):128-130 março/abril Quadro 1 Causas conhecidas de CMPD Toxinas Etanol / Agentes quimioterápicos (antraciclinas / bleomicina) / Cobalto / Agentes antirretrovirais / Fenotiazinas / Monóxido de carbono /Cocaína / Mercúrio Anormalidades metabólicas Deficiências nutricionais (tiamina, selênio, carnitina) / Doenças endócrinas (hipotireoidismo, acromegalia, tireotoxicose, doença de Cushing, feocromocitoma, diabetes mellitus) / Distúrbios eletrolíticos (hipocalcemia, hipofosfatemia) Causas inflamatórias ou infecciosas - Infecciosa Viral (parvovírus, citomegalovírus, HIV) / Ricketssia / Difteria / Micobactérias / Fungos / Parasitas (toxoplasmose / triquinoses / doença de Chagas) - Não infecciosa Doenças do colágeno (dermatomiosite, lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia) / Miocardite por hipersensibilidade / Sarcoidose / Cardiomiopatia periparto Causas neuromusculares Distrofia muscular de Duchenne / Distrofia muscular fascioescapuloumeral / Distrofia muscular de cinturas / Distrofia miotônica / ataxia de Friedreich Cardiomiopatias familiares Fonte: adaptado de Dec e Fuster4 Estratégia Considerando as causas apontadas no Quadro 1, constata-se que a maior parte dos diagnósticos resulta de uma anamnese minuciosa que ou gera a suspeita (confirmada por outros métodos complementares, por exemplo, o hipotireoidismo e a doença de Chagas) ou define o diagnóstico (cardiomiopatia alcoólica ou por quimioterápico). Entre os métodos de imagem é fato que o ecocardiograma (ECO) contribui para o diagnóstico da IC. Suas informações anatômicas e de função cardíaca (motilidade das paredes, alterações valvulares, função de ventrículo direito, pericárdio e pressão de artéria pulmonar) podem dar várias indicações da etiologia da doença: alterações da contratilidade segmentar na cardiopatia isquêmica; hipertrofia ventricular concêntrica na cardiopatia hipertensiva; hipertrofias assimétricas na cardiomiopatia hipertrófica; o fenótipo “átrios grandes e ventrículos pequenos” das cardiomiopatias restritivas, etc. Entretanto, frente ao laudo de cardiomiopatia dilatada, o ECO não fornece dados que sejam específicos para a gênese do problema5. Ainda em relação aos métodos de imagem não invasivos, é indiscutível que a ressonância magnética do coração representa avanço na capacidade em identificar a causa da insuficiência cardíaca dita “idiopática”. Não usa radiação, tem excelente resolução em termos de imagem o que a torna bastante fidedigna na análise estrutural dos ventrículos, além dos benefícios adquiridos com a técnica do realce tardio. É altamente sensível para identificação da infiltração amiloide e ferro do miocárdio, e fornece informações relevantes em outras formas de cardiomiopatias, especialmente na diferenciação da etiologia isquêmica e não isquêmica. A grande dificuldade diz respeito ao seu custo, à exclusão da maioria dos pacientes portadora de marca-passo e à indisponibilidade em boa parte dos centros que atendem esses doentes6. Atualmente observa-se a tendência, preconizada por alguns autores, de lançar mão de técnicas mais invasivas para obter o diagnóstico etiológico, como é o caso da biopsia endomiocárdica (BEM). Entretanto, não existe consenso em relação a essa iniciativa, pois o método ainda apresenta sensibilidade reduzida em boa parte dos Centros (mesmo os de referência em IC), 129 Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):128-130 março/abril Bittencourt et al. Importância do Diagnóstico Etiológico na IC Ponto de Vista devido à impossibilidade da utilização de técnicas mais rebuscadas de análise como imuno-histoquímica e pesquisa de vírus (para os casos de miocardite), além da ausência de padronização dessas técnicas entre os serviços de patologia do Brasil. De acordo com as últimas diretrizes americana e brasileira de IC seria razoável indicar a BEM somente nos casos de IC com início relativamente recente, nos quais se suspeite de uma causa específica cuja confirmação pode implicar mudanças no tratamento7,8. de vista diferentes a fim de estimular discussões com o intuito de melhorar os diagnósticos e os tratamentos dos pacientes. Conclusão 2. A IC idiopática é definitivamente uma condição de importância epidemiológica e motivo de grande dificuldade para médicos e pacientes que lidam com o tema, em função das incertezas da sua origem. Atualmente dispõe-se de métodos complementares de alta tecnologia para auxiliar no diagnóstico. No entanto, o fato constatado na prática clínica é que nada substitui uma anamnese minuciosamente realizada. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica Este artigo é parte das atividades do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências Médicas Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ponto de vista As opiniões apresentadas neste artigo são somente as dos autores. A Revista Brasileira de Cardiologia acolhe pontos 130 Referências 1. 3. 4. 5. 6. 7. 8. World Health Organization. [Internet]. World Health Statistics 2009. Cause-specific mortality and morbidity. Table 2. [cited 2010 Jul 02]. Available from: <http:// www.who.int/entity/whosis/whostat/EN_WHS09_ Table2.pdf> Ministério da Saúde. Datasus. [Internet]. Sistema Único de Saúde – Brasil. Sistema de Informações hospitalares do SUS (SIH/SUS). Brasília, 2007. [acesso em 2013 maio 17]. Disponível em: <http://www.datasus.org.br> Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Estimativas da população. Rio de Janeiro, 2006. [acesso em 2013 maio 17]. Disponível em: <http:www.ibge.gov.br> Dec GW, Fuster V. Idiopathic dilated cardiomyopathy. N Engl J Med. 1994;331(23):1564-75. Vitarelli A, Tiukinhoy S, Di Luzio S, Zampino M, Gheorghiade M. The role of echocardiography in the diagnosis and management of heart failure. Heart Fail Rev. 2003;8(2):181-9. Shehata ML, Turkbey EB, Vogel-Claussen J, Bluemke DA. Role of cardiac magnetic resonance imaging in assessment of nonischemic cardiomyopathies. Top Magn Reson Imaging. 2008;19(1):43-57. 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