introdução

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MÁRCIA YURI KONDO
CARACTERIZAÇÃO DO MECANISMO CATALÍTICO DA
SGP, ENZIMA PROTÓTIPO DAS GLUTÂMICO
PEPTIDASES
Tese apresentada à Universidade Federal de São
Paulo – Escola Paulista de Medicina para obtenção
do título de Doutor em Ciências.
São Paulo
2012
Kondo, Márcia Yuri
Caracterização do mecanismo catalítico da SGP, enzima protótipo das glutâmico peptidases/
Márcia Yuri Kondo – São Paulo, 2012. xv, 110 p.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Medicina. Programa de Pósgraduação em Biologia Molecular.
1.Glutâmico peptidases 2. Mecanismo catalítico 3. Especificidade
Tese preparada no Departamento de Biofísica,
durante o curso de Pós-graduação em Biologia
Molecular e apresentada à Universidade Federal de
São Paulo – Escola Paulista de Medicina - como
requisito parcial para obtenção do título de Doutor
em Ciências.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Juliano Neto
Co-orientador: Dr. Iuri Estrada Gouvea
iii
Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética da UNIFESP
CEP: 0316/10
Nossos agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP) pelo auxílio financeiro concedido ao laboratório na
forma de Projetos Temáticos, e também ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa concedida e
pelos auxílios financeiros concedidos ao laboratório e seus membros.
iv
“Science is an imaginative adventure of the mind seeking truth
in a world of mystery”.
Sir Cyril Herman Hinshelwood (1897-1967)
Químico inglês. Prêmio Nobel (1956)
v
Aos meus pais, Toshico e Noboru,
pela formação e educação que me
proporcionaram liberdade para escolher meus próprios caminhos,
e pelo amor e carinho que me
provem coragem e persistência para enfrentar todas as dificuldades.
Não há palavras que sejam suficientes ou exatas para agradecê-los.
vi
Agradecimentos especiais:
Ao orientador, Professor Dr. Luiz Juliano Neto, por ter me
recebido em seu laboratório, pela orientação durante o doutorado e
principalmente
pelas
discussões
dos
trabalhos,
sempre
enriquecedoras,
Ao co-orientador, Dr. Iuri Estrada Gouvêa, que com sua
experiência em enzimologia, muitas idéias novas e vontade de colocálas em prática foi o maior responsável por ensinar, discutir e descrever
todos os experimentos deste trabalho.
Durante estes anos de convivência, a maior lição aprendida com
o exemplo de vocês pode ser descrita na frase do ensaísta inglês Max
Beerbohm:
“Nenhum trabalho de qualidade pode ser feito sem concentração e autosacrifício, esforço e dúvida”.
Meus sinceros agradecimentos por sempre me ajudarem na difícil
tarefa de tentar enxergar mais longe em Ciência.
vii
Agradecimentos:
À Professora Dra. Maria Aparecida Juliano, pela síntese dos
complicados substratos usados neste trabalho e por estar sempre
disposta a ensinar e ajudar,
Ao Dr. Kohei Oda, pelas enzimas usadas neste trabalho,
Às Dras. Izaurinha e Maria Helena, pela disponibilidade em ajudar
sempre que fosse preciso e também pelos pasteizinhos e guloseimas
nas pausas dos experimentos,
Ao Professor Dr. Vitor Oliveira sempre disposto a ajudar, discutir
trabalhos, tirar dúvidas e por ter lido esta tese,
À secretária Verinha, por ajudar com todos os documentos quando
necessário e à Dona Lindalva pelo café de todas as horas,
Ao Professor Tetsuo Yamane, um dos meus maiores incentivadores e
exemplos de dedicação a esta área tão difícil e ao mesmo tempo
fascinante que é a área acadêmica,
Ao Programa de Pós-graduação em Biologia Molecular da UNIFESP,
À Dra. Débora e a Lilian, muitíssimo obrigada por toda a colaboração,
incentivo, companhia, paciência e apoio durante estes anos de
doutorado e também para a formatação desta tese. Vocês foram as
melhores colegas de trabalho que se pode ter :)
Ao Yudi e a Jú Conrado, pela pró-atividade e ajuda a qualquer
momento,
Ao Thiago, à Jú, Douglas, Jorge e Diego, pela ajuda com as amostras
no massa e compartilhar o cotidiano do laboratório,
Às Professoras Adriana, Kátia, Susan e Nilana, aos Professores Marcos
e Rodrigo e aos colegas Vinícius, Allyne, Élide, Marcela, Fernanda,
Piero, Maurício, Marcelo, Ricardo, Larissa, Pollyana, Márcio, Eric,
Raquel, Gabu, Mario, Patrícia, Rafa, Sheila, aos argentinos do
laboratório, Diego e Tito por terem compartilhado vários momentos
durante o doutorado,
A minha irmã Mayumi e meu cunhado Humberto por estarem sempre
por perto me ajudando, e aos meus irmãos Toti e Fábio e a minha
cunhada Paulinha, pelo carinho, incentivo e suporte emocional,
viii
Às minhas avós, tios e tias pelo apoio e palavras de incentivo,
Ao Victor, Angela, Haroldo, Charles, Laila, Jú, Daniels, Marcelo,
Natalia e Tati, amigos para todas as horas em São Paulo: happy hour,
programas culturais, gastronômicos ou apenas uma boa conversa e
um desabafo. Tenho muita sorte de tê-los por perto,
Às amigas Raqs, Júlia, Lili e Jú N, muito bom ter a companhia de
vocês em várias viagens de férias, ano novo, feriados, sempre...
Às mamães Val e Fa, que sempre quando estão em São Paulo tiram um
tempinho para deixar as novis em dia,
Às minhas queridíssimas Pri, Clau K, Cris, Fla e Lu, espero que os
nossos encontros anuais com tudo o que tem direito: mta fofoca, choro,
riso e cumplicidade continuem por muitos e muitos anos,
Aos meus queridos amigos que fiz no Nihon: Mina, Felipe, Rafa, Eli,
Marina, Tetsuko, Edson, Yuka, Francisco, Mara, Carol, Ana entre
outros... Ter conhecido pessoas tão especiais como vocês do outro lado
do mundo e ainda poder desfrutar desta amizade é uma das melhores
coisas que eu trouxe de lá.
Aos queridos amigos da graduação pelo churras anual,
Ao meu grande amigo Alvi e todos os amigos que mesmo estando longe
e com a vida corrida conseguem compartilhar um pouco de suas vidas
e assim manter a amizade há tantos anos...
Enfim, a lista é grande e certamente não acaba por aqui, peço de
antemão desculpas se deixo de formalmente mencionar alguém, mas
gostaria de agradecer sinceramente a todos que me ajudaram durante
os últimos anos.
Muito obrigada!!!
ix
ÍNDICE
ABREVIATURAS AMINOÁCIDOS.........................................................................xii
Abreviaturas .............................................................................................................. xiii
RESUMO ..................................................................................................................xiv
ABSTRACT ............................................................................................................... xv
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16
1. ENZIMAS PROTEOLÍTICAS............................................................................... 16
1.1 IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DAS PROTEASES ............................................ 16
1.2 CLASSIFICAÇÃO DAS PROTEASES............................................................... 21
1.3 MECANISMOS DE AÇÃO DAS ENZIMAS PROTEOLÍTICAS........................... 26
1.3.1 Serino peptidases .................................................................................. 26
1.3.2 Cisteíno peptidases ............................................................................... 29
1.3.3 Aspártico peptidase ............................................................................... 31
1.3.4 Metalo peptidases .................................................................................. 33
1.3.5 Treonino peptidases .............................................................................. 37
1.3.6 Glutamico peptidases ............................................................................ 40
1.3.7 Asparagino peptídeo liases .................................................................... 40
1.4 ESPECIFICIDADE ............................................................................................ 42
1.5 CINÉTICA ENZIMÁTICA ................................................................................... 45
1.6 DEPENDÊNCIA DO pH .................................................................................... 48
1.7 EFEITO ISOTÓPICO CINÉTICO DO SOLVENTE (Solvent Kinetic Isotopic Effect
–SKIE) .................................................................................................................... 53
1.8 SUBSTRATOS SINTÉTICOS ........................................................................... 57
2. PEPTIDASES CARBOXÍLICAS INSENSÍVEIS A PEPSTATINA ......................... 60
2.1 Serino peptidases carboxílicas .......................................................................... 62
2.2 Glutâmico peptidases........................................................................................ 68
2.2.1 Família G1, clã GA ................................................................................ 69
2.2.1.a Scytalidoglutamico peptidase (SGP) ............................................... 72
2.2.2 Família G2, clã GB ................................................................................ 78
OBJETIVOS .............................................................................................................. 80
Artigo publicado ........................................................................................................ 81
1 Publicação: JBC (2010) vol.285, n°28: 21437–21445 .......................................... 81
Descrição ................................................................................................................ 82
DISCUSSÃO & CONCLUSÃO .................................................................................. 84
x
Outros trabalhos: ....................................................................................................... 91
1– Tema: NS2B/NS3 recombinante do virus da febre amarela ............................... 92
Publicação n°1: BBRC (2011), 407: 640–644 ......................................................... 92
Descrição ................................................................................................................ 93
2 – Tema: Enzima halofilica SR5-3 ......................................................................... 95
Publicação n° 2: BBA Proteins and Proteomics (2009), 1794: 367-373................... 96
Publicação n° 3: Protein & Peptide Letters (2010), 17: 796-802 .............................. 96
Descrição ................................................................................................................ 97
3 Tema: SARS-CoV 3CL. ..................................................................................... 100
Publicação n°4: Biol. Chem, (2010) 391:1461–1468 ............................................. 100
Descrição .............................................................................................................. 101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ....................................................................... 103
xi
ABREVIATURAS AMINOÁCIDOS
Aminoácido
3 letras
1 letra
GLICINA
Gly
G
ALANINA
Ala
A
VALINA
Val
V
Cadeia Lateral R
NH2
O
CH3
O
NH2
CH3
O
CH3
NH2
LEUCINA
Leu
CH3
O
L
NH2
CH3
CH3
ISOLEUCINA
Ilê
I
CH3
O
NH2
FENILALANINA
Phe
F
TIROSINA
Tyr
Y
O
NH2
O
NH2
OH
O
TRIPTOFANO
Trp
W
SERINA
Ser
S
NH2
N
H
O
OH
NH2
CH3
TREONINA
Thr
T
O
OH
NH2
O
CISTEINA
Cyst
C
METIONINA
Met
M
O
ASPARAGINA
Asn
N
O
GLUTAMINA
Gln
Q
SH
NH2
S
CH3
NH2
NH2
NH2
O
NH2
O
O
NH2
OH
ÁCIDO ASPARTICO
Asp
D
ÁCIDO GLUTAMICO
Glu
E
O
NH2
O
OH
O
O
NH2
LISINA
Lys
K
ARGININA
Arg
R
NH2
O
NH2
NH2
O
NH
NH
NH2
HISTDINA
PROLINA
His
Pro
H
P
H
N
O
NH2
O
N
H
N
xii
Abreviaturas
Abz:
Ácido -aminobenzóico
ACN:
Acetonitrila
AX:
Absorbância a x comprimento de onda (nm)
DMSO:
Dimetilsulfóxido
DO600:
Densidade óptica a 600 nm
DTT:
Ditiotreitol
EDDnp:
N-(2,4-dinitrofenil-etilenodiamino)
EDTA:
Ácido etilenodiaminotetracético.
ESI-MS:
Espectrometria de massa com ionização por electrospray
FRET:
Transferência de energia entre dois fluoróforos
HPLC:
Cromatografia líquida de alta pressão
IPTG:
Isopropiltio--D-galactoside
K*:
(2,4-dinitrofenil)--NH2-lisina
LC/MS:
Cromatografia líquida/espectrometria de massa
mA:
Miliampère
MALDI TOF: Ionização/Dessorção de Matriz Assistida por Laser
MCA:
7-amino-4-trifluorometil coumarina
MES:
Ácido 2-[N-Morfolino]etanosulfônico
Mr:
Massa molecular relativa
MS:
Espectrometria de massa
PMSF:
Fluoreto de Fenilmetilsulfonila
Pn e Sn:
Nomenclatura para subsítios segundo Schechter e Berger
Q-EDDnp:
Glutamil-[N-(2,4-dinitrofenil)-etilenodiamino]
TFA:
Ácido trifluoroacético
Tris:
Tris(hidroximetil)aminometano
em:
Comprimento de onda de emissão
em:
Comprimento de onda de excitação
UAF:
Unidades arbitrárias de fluorescência
UV:
Ultravioleta
Z:
Benzoiloxicarbonil
xiii
RESUMO
As enzimas proteolíticas estão amplamente distribuídas em todos os
organismos e desempenham diversas funções essenciais a estes. Atualmente
são reconhecidos sete grupos de proteases (serino, cisteíno, aspártico,
metalo, treonino, glutâmico e a recém identificada asparagino peptídeo liases)
que são classificadas de acordo com o seu mecanismo catalítico.
As
glutâmico peptidases são proteases carboxílicas (ou ácidas) insensíveis à
pepstatina e foram reconhecidas como um grupo novo somente em 2004
(Família G1 Merops). Estas peptidases apresentam díade catalítica formada
por ácido glutâmico (Glu) e glutamina (Gln) e estrutura única entre as
proteases.
O protótipo das glutâmico peptidases é a scytalidoglutamico
peptidase (SGP), isolada do fungo decompositor de madeira Scytalidium
lignicolum na década de 1970. A caracterização da estrutura das glutâmico
peptidases scytalidoglutamico peptidase (SGP) e aspergiloglutamico peptidase
(AGP), isolada de Aspergillus Níger, mostra que estas enzimas são
praticamente idênticas, porém baseados nestes dados estruturais, dois
mecanismos catalíticos diferentes foram propostos para SGP e AGP, sendo
inconsistentes entre si. Com o propósito de entender o mecanismo catalítico
das glutâmico peptidases, nesta tese são demonstrados (1) a caracterização
bioquímica do mecanismo catalítico da SGP através da análise da
dependência do pH e efeito isotópico cinético do solvente frente a peptídeos
FRET e (2) a especificidade da protease para as posições P1 e P1’,
descrevendo o papel das interações do subsítio S1 na catálise. Os resultados
destes estudos são apresentados no artigo em anexo (Kondo, MY et al, JBC
2010).
xiv
ABSTRACT
Proteolytic enzymes are widespread in all organisms and are involved in a
wide range of biological roles. There are seven distinct classes of proteases
(serine, cysteine, aspartate, metalloproteases, threonine, glutamate and the
newly identified asparagine peptide lyases), grouped according to their
catalytic mechanism.
The glutamic peptidases are carboxylic (acidic)
proteases insensitive to pepstatin inhibitor and were annotated as a new group
in 2004 (Family G1 Merops). These proteases have a unique catalytic dyad of
residues Glu and Gln and a previously undescribed structure fold.
Scytalidoglutamic peptidase (SGP), isolated from the wood-degrading fungus
Scytalidium lignicolum on the 1970’s, is the forming member of glutamic
peptidases. The three dimensional structures of scytalidoglutamic peptidase
(SGP) and aspergilloglutamic peptidase (AGP) from Aspergillus niger revealed
that the overall structure of these enzymes are almost identical, however two
different catalytic mechanisms were proposed. Aiming at understanding the
reaction mechanism of glutamic peptidases, in this thesis the following topics
are highlighted, (1) biochemical characterization of the catalytic mechanism of
SGP by use of pH rates profiles and solvent kinetic isotopic effects (SKIE) on
the enzyme hydrolysis of FRET peptides and (2) specificity of the protease for
P1 and P1’ positions describing the interactions of S1 subsite during catalysis.
The paper showing results of these studies is attached to this thesis (Kondo,
MY et al, JBC 2010).
xv
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
1. ENZIMAS PROTEOLÍTICAS
Os termos enzimas proteolíticas, peptidases, proteases e proteinases
são considerados sinônimos para a classe de hidrolases EC 3.4, das enzimas
que catalisam a clivagem de ligações peptídicas através da presença de uma
molécula de água, e segundo o Comitê de Nomenclatura da União
Internacional
de
Bioquímica
e
Biologia
Molecular
(NC-IUBMB),
a
recomendação é a utilização do termo peptidase.
No entanto, devido à recente descoberta de que algumas enzimas
proteolíticas utilizam mecanismo de catálise diferente de hidrólise, no caso
enzimas que agem como liases para a clivagem de cadeias polipeptídicas,
alguns autores preferem restringir o termo peptidase apenas às classes de
enzimas proteolíticas que agem como hidrolases [1].
Portanto nesta tese, como ainda não há revisão e nota oficial do NCIUBMB quanto à nomenclatura destas enzimas, os termos protease,
proteinase e enzimas proteolíticas poderão aparecer com a mesma frequência
que o termo peptidase, recomendado pelo NC-IUBMB.
1.1 IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DAS PROTEASES
As proteínas são um dos polímeros biológicos mais estáveis.
As
ligações peptídicas podem resistir por várias horas em ácidos concentrados ou
altas temperaturas, porém duram apenas alguns microssegundos na presença
de proteases específicas. Estas enzimas realizam clivagem proteolítica de
16
INTRODUÇÃO
ligações peptídicas sendo umas das mais importantes e frequentes
encontradas em todos os organismos [2].
Historicamente, o estudo da proteólise enzimática iniciou-se no século
XIX associado à digestão protéica e chamou a atenção de fisiologistas e
bioquímicos interessados no processo de digestão no homem e outros
animais, sendo os pontos marcantes: a descrição da pepsina por Schwann em
1836 e da tripsina por Corvisart em 1856. Assim, as proteases digestivas das
secreções gástricas e pancreáticas estão entre as enzimas melhor
caracterizadas e muito do conhecimento atual de estrutura de proteínas e
função enzimática é derivado do estudo destas proteases [3].
Também no início dos estudos do ramo chamado “química de
proteínas”, a atenção era dada às proteases devido às suas características
como compostos degradantes e muitos métodos foram exaustivamente
desenvolvidos para se evitar a atividade proteolítica indesejada no isolamento
de proteínas [4].
Já por volta dos anos de 1930, em trabalhos realizados principalmente
por Northrop, Kunitz e Herriot, algumas proteases e moléculas relacionadas a
estas foram caracterizadas quanto às propriedades físico-químicas como, por
exemplo, solubilidade e características termodinâmicas segundo os critérios
químicos
de
compostos puros.
Dentre
as proteases e
inibidores
caracterizados destacam-se o pepsinogênio, pepsina e inibidores de pepsina,
quimotripsina,
tripsina,
seus
zimogênios
e
inibidores
além
da
carboxipeptidase, hexoquinase, entre outras [4].
17
INTRODUÇÃO
Porém, devido à difícil obtenção destas proteínas, o campo de estudo
das proteases ficou relativamente estagnado durante alguns anos e só foi
retomado por volta dos anos 1950-60 com o desenvolvimento de técnicas
mais
eficazes
e
métodos
específicos
de
isolamento,
purificação
e
caracterização de proteínas que incluíam métodos de cromatografia,
eletroforese em gel e sequenciamento de proteínas entre outros. [4, 5].
Desde então com os avanços na área biológica, as proteases têm sido
identificadas em quase todos os organismos.
Os dados dos genomas de
organismos sequenciados até o momento estimam que pelo menos 2% das
proteínas codificadas seriam de proteases, sugerindo a participação destas
em muitas vias biológicas e também implicadas em muitas doenças [6].
Hoje, o vasto conhecimento que tem sido gerado sobre as proteases
deve-se à aplicação de conceitos novos e técnicas modernas de biologia
molecular e celular e da bioquímica, tais como clonagem e sequenciamento de
DNA, mutagênese sítio dirigida, amplificação gênica, silenciamento de genes,
uso de sondas fluorescentes, etc. Isto tudo está aliado às tecnologias que
visam aquisições experimentais da estrutura e função de proteínas tais como
espectroscopia de massa, RNM multidimensional e bioinformática, bem como
a triagem de proteases em larga escala (high throughput screening) entre
outras [4, 5].
Dentre os diferentes papéis descritos para as proteases, elas regulam a
função, localização e atividade de muitas proteínas, modulam as interações
proteína-proteína, criam novas moléculas bioativas, contribuem para o
processamento de informação intracelular e geram, traduzem e amplificam
18
INTRODUÇÃO
sinais moleculares.
Como resultado direto destas ações múltiplas, as
proteases influenciam a replicação e transcrição do DNA, proliferação e
diferenciação celular, morfogênese e remodelamento tissular, respostas de
choque térmico e desnaturação
protéica, angiogênese, neurogênese,
ovulação, fertilização, cicatrização, mobilização de células-tronco, hemostasia,
coagulação sanguínea, inflamação, imunidade, autofagia, senescência,
necrose e apoptose [7].
As proteases também desempenham papéis-chave em plantas e
contribuem no processamento, maturação ou destruição de proteínas
específicas em resposta a estímulos de desenvolvimento ou variações em
condições ambientais. Do mesmo modo, muitos microrganismos infecciosos
requerem proteases para replicação e processamento, (ex: enzimas
NS2B/NS3 dos flavivírus causadores da Dengue e Febre amarela, HIV-PR do
vírus HIV-1) ou usam proteases como fatores de virulência (ex: cruzaína do
Trypanosoma cruzi) [8, 9].
Estes
papéis
essenciais
das
proteases
no
comportamento,
sobrevivência e morte de todos os organismos fazem com que alterações nos
sistemas proteolíticos relacionem-se a múltiplas condições fisiopatológicas tais
como câncer, doenças neurodegenerativas, inflamatórias e cardiovasculares
levando as proteases a serem um dos principais focos de atenção das
indústrias farmacêuticas tanto como potenciais alvos de drogas como também
na forma de biomarcadores diagnóstico e prognóstico. Assim, estima-se que
5-10% de todos os alvos farmacêuticos que estão relacionados ao
desenvolvimento de drogas sejam proteases [3, 7].
19
INTRODUÇÃO
De fato, muitos medicamentos com alvo em proteases são usados com
sucesso no tratamento de várias doenças, como por exemplo, os inibidores da
enzima conversora de angiotensina humana (ECA) do tipo captopril, que são
utilizados no tratamento de doenças cardiovasculares tais como hipertensão e
falha congênita do coração já há algumas décadas. Ainda, os inibidores de
HIV protease, tais como ritonavir, atazananvir e tipranavir (Aptivus;
Pfizer/Boehringer Ingelheim) têm desempenhado um papel chave no
tratamento de infecções por HIV desde sua introdução no mercado por volta
de 1990 [3].
Para
visualizar
em
termos
econômicos
a
importância
dos
medicamentos relacionados a proteases podemos citar os inibidores das
proteases trombina e fator Xa, que juntos geram um montante de vendas
global de aproximadamente US$ 1 billhão, com previsão de crescimento para
US$3,5 bilhões em 2014, enquanto as drogas anti-hipertensivas que agem no
sistema renina-angiotensina geram cerca de US$6 bilhões em vendas no
mundo inteiro [3].
Além da indústria farmacêutica, as enzimas proteolíticas são de grande
utilização e interesse em outras indústrias. Uma das primeiras aplicações das
proteases foi na indústria de detergentes onde continua sendo aplicada. As
proteases são também largamente usadas na indústria alimentícia, de
produção de ração animal, de couro, cosmética entre outras. Outra possível
aplicação que vem sendo explorada é a utilização das proteases como
agentes biorremediadores no tratamento de resíduos industriais e esgoto [10].
20
INTRODUÇÃO
1.2 CLASSIFICAÇÃO DAS PROTEASES
As primeiras tentativas de classificação das proteases eram baseadas
em características como peso molecular, carga ou especificidade do substrato.
Atualmente, as proteases são classificadas considerando-se três critérios
principais: (i) tipo de reação catalisada, (ii) natureza química do sítio catalítico,
e (iii) relação evolutiva baseada na estrutura.
De acordo com o tipo de reação catalisada, as proteases são
majoritariamente divididas em dois grupos principais: exopeptidases e
endopeptidases.
As exopeptidases clivam a ligação peptídica próxima à
extremidade amino ou carboxi do substrato enquanto as endopeptidases
clivam as ligações peptídicas distantes das extremidades do substrato.
As exopeptidases agem somente próximas das extremidades das
cadeias polipeptídicas e dependendo do sítio de ação (N- ou C- terminal) são
classificadas como amino ou carboxipeptidase, respectivamente [11].
As aminopeptidases são, em geral, enzimas intracelulares e agem no
terminal amino livre de uma cadeia polipeptídica, liberando um, dois ou três
resíduos de aminoácidos:
 Aminopeptidase: um resíduo liberado
 Dipeptidil peptidase: dois resíduos liberados
 Tripeptidil peptidase: três resíduos liberados
As carboxipeptidases agem nas extremidades carboxi da cadeia
polipeptídica e liberam um ou dois resíduos de aminoácidos:
 Carboxipeptidase: um resíduo liberado
21
INTRODUÇÃO
 Peptidil dipeptidase: dois resíduos liberados
Outros tipos de exopeptidases são:
 Dipeptidase: específicas para certos dipeptídeos.
 Ômega peptidase: removem resíduos na extremidade que são substituídos,
ciclizados ou ligados por ligações isopeptídicas (ligações peptídicas que não
ocorrem entre os grupos carboxila- e amino-).
As endopeptidases são caracterizadas por agirem preferencialmente
nas ligações peptídicas das regiões internas das cadeias polipeptídicas, longe
das extremidades amino ou carboxi.
A presença de um grupo amino ou
carboxi terminal livre pode ter uma influência negativa na atividade destas
enzimas [11-13].
Figura 01.
Modelo de interação enzima-substrato: Tipos de clivagem de substratos por
peptidases, usando catepsinas tipo cisteíno peptidases como exemplo. Endopeptidase
(catepsina L) e exopeptidases, à esquerda aminopeptidase (catepsina H); e à direita,
carboxipeptidase, (catepsina X). O substrato peptídico, esquematicamente representado pelas
esferas azuis claro, atravessa toda a extensão do sítio ativo da endopeptidase (azul) e é
clivado no meio da molécula (ponto de clivagem marcado em amarelo). Nas exopeptidases, o
substrato está estruturalmente comprimido pela cadeia curta da catepsina H em laranja e pela
mini alça da catepsina X em verde. Nas exopeptidases esses elementos adicionais fornecem
a carga negativa (catepsina H) para a ligação ao amino terminal do substrato (positivo) em
azul ou a carga positiva da catepsina X para a ligação à carga negativa da terminação carboxi
do substrato em vermelho. Adaptado de [14].
A classificação das endopeptidases baseia-se no seu mecanismo de
ação e nos resíduos de aminoácidos envolvidos na catálise.
A partir das
idéias de classes de proteases propostas por Hartley em 1960, Rawlings e
22
INTRODUÇÃO
Barret desenvolveram em 1993 um sistema prático de classificação onde
reconheceram inicialmente quatro tipos catalíticos: serino, cisteíno, aspártico e
metalo peptidases [2, 15]
Em 1995, um quinto tipo catalítico foi descoberto quando a estrutura do
proteassoma foi resolvida, mostrando que três das 14 subunidades diferentes
eram peptidases pertencentes a uma nova classe, a das treonino peptidases
[11]. Em 2004, foi sugerido o sexto tipo catalítico, o das glutâmico peptidases,
identificadas em certos fungos [16]. O sétimo e mais novo tipo catalítico é o
das asparagino peptídeo liases proposto em 2010 após ser identificado em
bactérias e vírus [1].
Os mecanismos de catálise das serino, cisteíno e treonino peptidases
envolvem
os
grupos
funcionais
de
aminoácidos
como
nucleófilos,
respectivamente o oxigênio da hidroxila da serina, o enxofre da sulfidrila da
cisteína e oxigênio da hidroxila da treonina. Em aspártico, metalo e glutâmico
peptidases, uma molécula de água ativada pelos respectivos resíduos
catalíticos é usada como nucleófilo para atacar a ligação peptídica do
substrato. Já as asparagino peptídeo liases não são hidrolases e utilizam a
ação de amidino liase para clivar as cadeias polipeptídicas [12].
A vantagem da classificação de proteases através do tipo catalítico é
que, em geral, enzimas do mesmo tipo catalítico costumam ser inibidas pelos
mesmos tipos de moléculas [13].
Por exemplo, a maioria das metalo
peptidases é inibida por agentes quelantes como o EDTA e 1,10-fenantrolina
(orto-fenantrolina) assim como a maioria das cisteíno peptidases é inibida por
iodoacetamida [11, 12]. Porém a classificação somente pelo tipo catalítico
23
INTRODUÇÃO
provê pouca informação a respeito da origem evolutiva das enzimas
proteolíticas.
Como tentativa de traçar a origem evolutiva das proteases, elas são
também classificadas pela similaridade de sequência e estrutura, onde
proteases com sequências homólogas são agrupadas em famílias e as
famílias com estruturas relacionadas são agrupadas em clãs. Um clã contém
uma ou mais famílias que possivelmente se originaram de um ancestral
comum, mas divergiram de tal maneira que sua relação comparada com a
estrutura primária, não pode ser mais comprovada. A homologia no nível de
clã é a traçada pela similaridade tridimensional de estruturas, porém o arranjo
dos resíduos catalíticos nas cadeias polipeptídicas e similaridades na
sequência de aminoácidos ao redor dos aminoácidos catalíticos podem
também ser relevantes [17].
A homologia no nível de uma família de peptidases é mostrada por uma
relação estatística significante da sequência de aminoácidos da região da
molécula responsável pela atividade proteolítica de um membro representativo
(protótipo) ou outro membro da família que já tenha sido relacionado ao
protótipo.
As famílias de proteases podem conter dois ou mais grupos
distintos de proteases divididos em subfamílias [12].
A base de dados chamada MEROPS disponível na
(http://merops.sanger.ac.uk)
possui
atualmente
aproximadamente
internet
3000
peptidases catalogadas seguindo os conceitos de classificação em famílias e
clãs descritos acima [2].
24
INTRODUÇÃO
TABELA 01 – Principais proteases classificadas de acordo com seu mecanismo
de catálise.a
CLASSES
PEPTIDASES REPRESENTATIVAS
SÍTIO CATALÍTICO
ASPARTICO PEPTIDASES
Clã AA
Pepsina
Asp, Asp
HIV Peptidase
Clã AC
Signal peptidase II (E.coli)
Asp, Asp
CISTEÍNO PEPTIDASES
Clã CA
Papaína
Clã PA(C)
Endopeptidases
Cys, His, Asn
virais
quimotripsina
His, Glu, Cys
símile
Clã CD
Caspase
His, Cys
Clã CE
Adenaina (Adenovírus tipo II)
His, Asp,Glu,Gln,Cys
GLUTAMICO PEPTIDASES
Clã GA
Eqolisina
Glu, Gln
Cla GB
Proteína “Pre-neck appendage”
Glu, Asp
Termolisina
Glu, Asp, His/ Zn2+
METALO PEPTIDASES
Clã MA
Enzima Conversora de Angiotensina-I
Clã MC
Metalocarboxipeptidase
His, Glu, His/ Zn2+
Tripsina
His, Asp, Ser
SERINO PEPTIDASES
Clã PA(S)
Quimotripsina
Clã SB
Subtilisina
Asp, His, Ser
Clã SC
Carboxipeptidase C
Ser, Asp, His
Clã SE
Carboxipeptidase de Streptomyces
Ser, Lys
Clã SF
Repressor Lexa
Ser, Lys
Clã SH
Peptidase do Herpesvirus
His, Ser, His
TREONINO PEPTIDASES
Clã PB
Componenteβdo precursor do proteasoma
Thr N-terminal
ASPARAGINO PEPTIDEO LIASE
Clã N1
nodavirus peptidase (flock house virus)
Asp, Asn
Clã N4
“Tsh-associated self-cleaving domain” (E.coli)
Asn, Tyr,Glu,Arg
a = Adaptado do banco de dado MEROPS:http://merops.sanger.ac.uk/indexes.clans.htm ( verificado em
11/2011)
25
INTRODUÇÃO
1.3 MECANISMOS DE AÇÃO DAS ENZIMAS PROTEOLÍTICAS
Nesta seção será apresentado um resumo de cada um dos sete tipos
de mecanismos catalíticos conhecidos até o momento.
O mecanismo
catalítico das glutâmico peptidases, tema de estudo desta tese, será discutido
novamente em outro capítulo dedicado a estas proteases.
1.3.1 Serino peptidases
As serino peptidases são as enzimas proteolíticas mais estudadas e
acredita-se que 1/3 de todas as proteases conhecidas pertençam a esta
classe [18].
Dentre os exemplos mais conhecidos estão a tripsina,
quimotripsina, subtilisina, elastase, trombina, plasmina, calicreinas, prolil
oligopeptidase, pró convertases (PCs), Lon peptidases, etc.
O sítio ativo destas proteases é formado pela tríade canônica His, Asp,
Ser, e apesar de conter algumas variações quanto à posição na sequência
primária e presença dos resíduos catalíticos, em todas as serino peptidases o
resíduo Ser está presente e é responsável pelo ataque nucleofílico [18, 19].
Os inibidores mais comuns para estas enzimas são PMSF (fluoreto de
fenilmetilsulfonila), DFP (Fluorofosfato de diisopropilo), aprotinina, entre
outros.
26
INTRODUÇÃO
B
A
Figura 02: (A) Representação da estrutura da subtilisina Carlsberg e (B) da quimotripsina, que
pertencem a clãs e famílias diferentes dentro das serino proteases [18].
O mecanismo de catálise das serino proteases envolve duas fases:
acilação e deacilação. A etapa de acilação se inicia com o ataque da Ser
(nucleófilo) à carbonila da ligação peptídica do substrato, auxiliada pela His
que age como uma base geral levando a formação de um intermediário
tetraédrico no estado de transição. A His protonada é estabilizada por uma
ponte de hidrogênio formada com Asp.
A carga negativa do oxigênio do
intermediário tetraédrico é estabilizada por pontes de hidrogênio com os
resíduos da “cavidade oxiânica” (oxyanion hole).
Com o auxílio da His
protonada, a parte C-terminal do substrato peptídico é liberado levando a
formação da acil-enzima intermediária.
Na etapa de deacilação, a acil-enzima intermediária é hidrolisada por
uma molécula de água para liberar a parte N-terminal do peptídeo e restaurar
a hidroxila da Ser catalítica.
A molécula de água é ativada pela His. O
posicionamento da histidina facilita a remoção do próton da água e a hidroxila
gerada age como nucleófilo atacando o carbono da carbonila e estabelecendo
um segundo intermediário tetraédrico. Com o retorno da carga negativa do
oxigênio da carbonila para o carbono da ligação, quebra-se a ligação com a
serina catalítica, regenerando-se assim a enzima [19, 20].
27
INTRODUÇÃO
1.
Na primeira etapa, a Ser
56
desprotonada pela His .
195
(numeração para tripsina) na tríade Ser-His-Asp é
A Ser
195
ativada age então como nucleófilo atacando o
carbono da carbonila da ligação peptídica;
2.
O oxianion inicia uma reação de eliminação que cliva a ligação peptídica,
56
liberando o novo N-terminal da proteína, protonado pela His ;
3.
A His
Ser
56
desprotona uma molécula de água, que ataca o carbono da carbonila ligada à
195
;
28
INTRODUÇÃO
4.
O oxianion inicia uma reação de eliminação que cliva a acil-enzima, liberando a parte
C-terminal da proteína e a Ser
195
. A Ser
195
então desprotona a His
56
e o sitio ativo é
regenerado.
Figura 03: Esquema do mecanismo catalítico da tripsina. Adaptado de [21].
1.3.2 Cisteíno peptidases
As cisteíno ou tiol proteases possuem mecanismo catalítico que
envolve um resíduo de cisteína.
Nesta família estão presentes muitas
proteínas de plantas como a papaína que é a enzima protótipo deste grupo, a
bromelaina, actinidina, algumas catepsinas lisossomais, as calpaínas,
peptidases 3C entre outras.
Dentre os principais inibidores estão a
iodoacetamida, o E-64 e as cistatinas.
A
B
Figura 04: (A) Representação esquemática tridimensional dos sitios de ligação das
peptidases do tipo papaína. (B) Representação da configuração estrutural da catepsina L.
Adaptado de [22].
29
INTRODUÇÃO
O sítio ativo das cisteíno proteases é constituído pela tríade Cis-HisAsn (clã CA, ex: papaína) com um mecanismo catalítico similar aos das serino
proteases tendo como nucleófilo um grupo tiol ao invés da hidroxila da serina
[23, 24].
Em ambos mecanismos ocorrem formação de um intermediário
covalente, éster ou tio-éster, porém, nas serino peptidases, a formação do
estado de transição e do intermediário tetraédrico é acompanhada por
separação de cargas, onde o próton da hidroxila é transferido para o imidazol
da His56 (numeração da tripsina) por um mecanismo de catálise básica geral
(Figura 05). No caso das cisteíno-peptidases o par iônico tiolato-imidazol já
está presente na enzima livre e a formação do estado de transição e do
intermediário tetraédrico causa apenas uma reorientação das cargas [20].
As etapas que caracterizam a hidrólise por cisteíno proteases são:
1. O tiolato da Cys
25
(numeração da papaína) age como nucleófilo atacando o carbono
da carbonila da ligação peptídica;
30
INTRODUÇÃO
2. Um intermediário tetraédrico é formado e ocorre sua estabilização. O íon imidazólico
protona o nitrogênio da ligação peptídica. Com o rompimento da ligação peptídica
forma-se a estrutura acil-enzima. O grupo amino da nova porção N-terminal da cadeia
peptídica clivada é liberada pela enzima;
3. A His
159
desprotona uma molécula de água, que ataca o carbono da carbonila da
cisteína ligada no intermediário, resultando no produto C-terminal e na regeneração
da Cys
25
ao seu estado inicial.
Figura 05: Mecanismo catalítico de tiol peptidases. Adaptado de [21]
1.3.3 Aspártico peptidase
As aspártico peptidases constituem uma classe de proteases que
possuem resíduos de Asp no sítio catalítico, sendo que a maioria destas
proteases possui uma díade catalítica constituída por dois resíduos de Asp e
hidrolisa ligações peptídicas em pH ácido.
Dentre exemplos de enzimas
pertencentes a esta classe estão a pepsina, renina, algumas catepsinas
lisossomais, proteases de fungos, proteases virais incluindo a protease do
vírus da imunodeficiência humana (HIV-1 protease), entre outras. O principal
inibidor de aspártico proteases é a pepstatina [12].
As aspártico peptidases virais são homodiméricas na forma ativa,
sendo que cada subunidade carrega um resíduo de Asp catalítico.
Já as
31
INTRODUÇÃO
aspártico peptidases de células são geralmente monoméricas e bilobadas com
um Asp em cada lóbulo contribuindo para a díade catalítica ativa [25].
Figura 06: Representação da configuração estrutural da peptidase homodimérica HIV-1
protease complexada com inibidor ampranavir. Adaptado de [26].
As aspártico peptidases não usam um grupo funcional de aminoácido
como nucleófilo. Neste mecanismo catalítico, uma molécula de água ativada
por um dos resíduos de Asp faz o ataque nucleofílico ao carbono da carbonila
da ligação peptídica.
Foi demonstrado que os Asp catalíticos possuem
valores diferentes de pKa, indicando que um dos resíduos estaria agindo
como base geral removendo um próton da molécula de água enquanto o outro
Asp agiria como ácido doando um próton para o oxigênio da carbonila da
ligação peptídica ocorrendo assim a formação de um intermediário tetraédrico
[24].
32
INTRODUÇÃO
1. O resíduo de aminoácido Asp
25
(numeração de HIV-1 protease) desprotona a
molécula de água que age como nucleófilo atacando o carbono da carbonila da
25’
ligação peptídica e o oxianion resultante desprotona o Asp ;
2. O Asp
25’
desprotona a hidroxila do intermediário e inicia-se a clivagem da ligação
25
peptídica. O produto N-terminal então desprotona o Asp , que volta a forma inicial.
Figura 07: Mecanismo catalítico de aspártico peptidases. Adaptado de [21].
1.3.4 Metalo peptidases
As enzimas desta classe diferem muito em suas sequências de
aminoácidos e estruturas, porém elas possuem em comum um ou mais sítios
de ligação para átomos de zinco ou outro metal divalente (cobalto, manganês,
níquel ou cobre) cataliticamente ativo [27].
33
INTRODUÇÃO
Como exemplos de metalo peptidases incluem-se a carboxipeptidase
A, diversas aminopeptidases, termolisina, enzima conversora de angiotensina
(ECA), metaloproteases de matriz (MMPs), Desintegrina-metaloproteases com
um domínio idêntico à trombospondina (ADAMTs), entre outas. Os inibidores
mais comuns são os quelantes de metais como o EDTA e 1,10-fenantrolina.
Figura 08: Representação da estrutura da ECA. Adaptado de [28].
Assim como nas aspártico peptidases, nas metalo peptidases o ataque
nucleofílico à ligação peptídica é mediado por uma molécula de água. Na
maioria das metalo peptidases os ligantes de metal são os resíduos de His,
Glu, Asp ou Lys, muitas vezes formando um motivo [29].
Em relação ao mecanismo de catálise das metalo peptidases, os
mecanismos propostos são baseados principalmente em estudos realizados
com a termolisina e carboxipeptidase A, enzimas protótipos entre as metalo
peptidases [27].
Nesta tese, serão abordados somente os mecanismos
propostos para a termolisina, que atua como endopeptidase.
Há dois mecanismos de ação propostos para a termolisina, no primeiro
modelo sugerido propõe-se que o glutamato do motivo HEXXH age como um
aceptor de próton durante a catálise [30, 31]. Já, no outro modelo, uma das
His do sítio ativo age como base geral ao invés do Glu [32, 33]. O zinco
34
INTRODUÇÃO
catalítico na termolisina é coordenado tetraédricamente pelos resíduos His 142,
His146 do motivo HEXXH, Glu166 do motivo Glu-(Xaa)3-Asp, e a quarta
coordenação é por uma molécula de água.
No primeiro mecanismo sugerido (Figura 9), a clivagem da ligação
peptídica procede por uma reação de catálise envolvendo uma base geral no
qual a molécula de água ativada (íon hidróxido) ataca o carbono da carbonila
da ligação peptídica.
No início da reação, uma molécula de água é
coordenada pelo zinco e a termolisina livre se liga ao substrato. O oxigênio da
carbonila da ligação peptídica se posiciona entre His231, Tyr157 e a molécula de
água próxima ao cátion zinco. A molécula de água é então deslocada em
direção ao Glu143 e sendo ativada nesta etapa promoverá o ataque nucleofílico
ao carbono da carbonila. Ocorre a formação de um intermediário, estando o
zinco pentacoordenado. A clivagem da ligação C-N então ocorre e o Glu143
agora agindo como ácido, doa um próton e a parte N-terminal é liberada.
Ocorre formação de pontes de hidrogênio pelos resíduos Asn112 e Ala113 e
uma segunda transferência de próton pelo Glu143 libera o produto C-terminal
da reação [27].
35
INTRODUÇÃO
Figura 9: 1º Mecanismo proposto para termolisina. Adaptado de [27]
No segundo mecanismo sugerido, outros três aminoácidos (Glu143,
Asp226 e a His231) são considerados importantes para catálise além da água
ativada, do íon zinco e dos aminoácidos que coordenam o zinco.
O Asp226
orienta o grupo imidazol da His231, enquanto a His231 age tanto como um
doador de próton (ácido) como aceptor de próton (base geral) [27].
1.
A His
231
desprotona a água, que age como nucleófilo atacando a ligação peptídica,
resultando na coordenação do oxianion para o cofator zinco;
36
INTRODUÇÃO
2. O oxianion inicia uma reação de eliminação que cliva a ligação peptídica. A região Nterminal do produto desprotona a His
231
;
3. O produto N-terminal então desprotona o produto C-terminal.
Figura 10: 2º Mecanismo catalítico proposto para termolisina. Adaptado de [21].
1.3.5 Treonino peptidases
As treonino peptidases foram descritas por Lowe et al em 1995,
quando
a
estrutura
do
cristal
do
proteassoma
da
arqueobacteria
Thermoplasma acidophilum foi determinada, demonstrando uma treonina Nterminal no sitio ativo [34]. O sistema proteassoma constitui a principal via de
degradação de proteínas no citosol e núcleo de células eucarióticas [35, 36].
Os substratos destinados à degradação são marcados pelas cadeias de
poliubiquitina e são degradados pelo complexo proteassoma eucariótico 26S
37
INTRODUÇÃO
através de um mecanismo dependente de ATP. Este complexo consiste do
proteasoma central 20S, onde ocorre a proteólise e dois complexos
regulatórios 19S.
A unidade catalítica 20S é formada por um complexo
cilíndrico constituído por 7 subunidades distintas formadas por 2 anéis alfa e 2
anéis beta superpostos. A peptidase está localizada na parte beta [37].
A
B
Figura 11: (A) Representação esquemática do proteasoma. (B) Estrutura do proteassoma
20S de levedura. Adaptado de [38].
Nestas peptidades, os resíduos catalíticos de treonina se encontram na
região N-terminal e o mecanismo catalítico proposto é similar ao das serino e
cisteíno proteases, envolvendo a formação de uma acil enzima intermediária.
1
1
1. O N-terminal da Thr desprotona a hidroxila da Thr , que atua como nucleófilo
atacando a ligação peptídica.
38
INTRODUÇÃO
2. O oxianion inicia uma reação de eliminação que cliva a ligação peptídica, o produto Nterminal desprotona o N-terminal da Thr
3. O N-terminal da Thr
1
1
.
desprotona a água, que ataca o carbono da carbonila
covalentemente ligado ao intermediário C-terminal.
1
4. O oxianion inicia a clivagem da ligação peptídica, o alcoolato da Thr desprotona o N1
terminal da Thr .
Figura 12: Mecanismo catalítico proposto para treonino proteases. Adaptado de [21].
39
INTRODUÇÃO
1.3.6 Glutamico peptidases
O sexto mecanismo catalítico proposto foi o das glutâmico peptidases
em 2004. A díade catalítica destas enzimas é constituída por resíduos dos
aminoácidos Glu (E) e Gln (Q), o que levou as enzimas deste grupo serem
conhecidas também como “EQolisinas”.
Dentre exemplos de Eqolisinas podem ser citadas a Scytalidoglutâmico
peptidase (SGP), Aspergilloglutâmico peptidase (AGP), T. emersonii glutâmico
peptidase 1 (TGP1), Penicillium marneffei glutâmico peptidase (PMAP-1), etc.
Assim como aspártico e metalo peptidases, nas glutâmico peptidases, o
ataque nucleofílico é realizado por uma molécula de água neste caso ativada
pelo resíduo de Glu com a formação de um intermediário tetraédrico.
A
B
Figura 13: (A) Estrutura mostrando o sítio ativo e (B) mecanismo catalitico proposto para
SGP. Adaptado de [16].
1.3.7 Asparagino peptídeo liases
A sétima e última classe de enzimas proteolíticas foi reconhecida
recentemente (2010).
Diferente das outras proteases, as enzimas
40
INTRODUÇÃO
pertencentes a esta classe não são hidrolases, ou seja, não realizam clivagem
de peptídeos ou proteínas por hidrólise (com presença de molécula de água),
mas através de um mecanismo de autoclivagem nos resíduos de asparagina,
em uma ação de amidino liases.
Dentre exemplos de proteases que foram agrupadas neste tipo
catalítico estão a proteína precursora Tsh de E.coli, proteína do capsídeo de
Picornavírus e Picobirnavírus, outras proteínas virais de Nodavírus, Tetravírus
e Reovírus e proteínas contendo inteínas [12].
Neste mecanismo, a asparagina forma um anel estável de succnimidas
na própria carbonila que é induzida sobre certas circunstâncias à clivagem de
sua própria ligação peptídica [12].
Este mecanismo envolve a ação de liases, ou seja, clivagem entre CC,C-O, C-N e outras pontes por eliminação restando duplas ligações ou anéis,
o que levou alguns autores a postular que estas peptídeo liases são enzimas
proteolíticas mas não são peptidases, que por definição são as enzimas
proteolíticas que utilizam mecanismo envolvendo hidrólise na clivagem de
peptídeos e proteínas [1].
Figura 14: Mecanismo catalítico proposto para precursor de Tsh de E.coli. (A) - quando o
domínio N-terminal passa através do poro da membrana formado pelo domínio
autotransportador, a hidroxila do Glu
1100
(B) - Asn
1249
no domínio autotransportador interage com Asn
1100
.
cicliza para formar a succinimida. (C) - a ciclização leva a clivagem da ligação
1101
Asn1100-Asn
e o domínio N-terminal é liberado. Adaptado de [1].
41
INTRODUÇÃO
1.4 ESPECIFICIDADE
A especificidade das peptidases por determinados substratos é um
aspecto crucial no seu funcionamento. Todas as peptidases são em algum
grau sequência-específicas, ou seja, um ou mais resíduos podem ser
preferidos ou não em posições particulares envolvendo os sítios de clivagem
nos substratos.
O grau de especificidade é variável, algumas proteases
exibem uma especificidade particular frente a uma única ligação peptídica de
somente uma proteína (ex: enzima conversora de angiotensina); já outras são
relativamente pouco específicas para substratos, e algumas clivam diversos
substratos de uma maneira indiscriminada (ex: proteinase K) [39].
O estudo da especificidade de peptidases provê informações sobre a
estrutura e função do sítio ativo, interação proteína-proteína, regulação de vias
intra e extracelulares e evolução dos genes de proteases e substratos [40,
41]. Estas informações sobre a especificidade de uma protease possibilitam o
desenho e a produção de substratos peptídicos específicos e eficientes que
podem ser usados em ensaios in vitro e in vivo ou em cultura de células.
Outra possibilidade é o desenvolvimento de análogos de substratos peptídicos
com grupos químicos direcionados a atacar uma classe específica de
protease, podendo-se produzir inibidores protéicos potentes. Tais inibidores
são úteis tanto para estudos biológicos como para o desenvolvimento de
novas drogas [42].
A descrição da especificidade é baseada no estudo das propriedades
hidrolíticas da papaína realizado por Schechter & Berger (1967) [43], que
propuseram um modelo no qual os subsítios correspondem aos locais do sítio
42
INTRODUÇÃO
ativo que interagem funcionalmente com os resíduos do substrato. O sítio
catalítico está flanqueado em um ou nos dois lados por subsítios de
especificidade onde cada subsítio é capaz de acomodar a cadeia lateral de um
único aminoácido e por convenção, estes subsitios são numerados a partir do
sítio de catálise em direção ao lado N-terminal de S1, S2,..., Sn e para o lado
C-terminal de S’1, S’2,..., S’n. Os resíduos de aminoácidos dos substratos
que estes subsítios acomodam são denominados P1, P2,..., Pn e P’1, P’2, ...,
P’n respectivamente, como mostrado no esquema abaixo:
Figura 15.
Representação esquemática do modelo proposto por [43] da ligação do
substrato à peptidase. A superfície da peptidase é capaz de acomodar a cadeia lateral única
de resíduos do substrato denominados subsitios. Os subsitios são numerados S1-Sn do lado
N-terminal do substrato (lado não linha), e S1´- Sn´do lado C-terminal (lado linha), iniciando a
denominação a partir do ponto de clivagem. Os resíduos de substrato que esses subsitios
acomodam são numerados P1-Pn e P1’-Pn’, respectivamente. A estrutura do sitio ativo da
peptidase, portanto, determina quais resíduos de substrato podem se ligar ao mesmo,
resultando na especificidade da protease. Adaptado de [14].
O reconhecimento do substrato é mediado em parte por interações
entre o sítio ativo da peptidase e o sítio de clivagem no substrato, sendo
assim, a habilidade de uma enzima de discriminar dois ou mais substratos que
competem entre si é função tanto das características químicas dos subsítios
da peptidase quanto das propriedades do substrato que com ela interage [14].
Como exemplo, temos as serino proteases qumotripsina, tripsina e elastase
43
INTRODUÇÃO
que apresentam tríade catalítica (His, Ser, Asp), estrutura e peso molecular
semelhantes entre si, porém diferem quanto à especificidade: o subsítio S1 da
tripsina possui uma carga negativa (Asp189) na sua base que facilita a ligação
com os resíduos positivamente carregados de arginina e lisina, a quimotripsina
possui um subsítio S1 rodeado por resíduos hidrofóbicos e é grande o
suficiente para acomodar a cadeia lateral de um aminoácido aromático. Já a
elastase possui um subsítio S1 pequeno formado pela presença de resíduos
volumosos de treonina e valina na sua abertura e por isso acomoda somente
aminoácidos pequenos [44].
A
B
C
Figura 16: Representação da estrutura do sítio de ligação ao substrato da (A) quimotripsina,
(B) tripsina e (C) elastase. Adaptado de [44].
44
INTRODUÇÃO
1.5 CINÉTICA ENZIMÁTICA
A disciplina conhecida como cinética enzimática é a aplicação mais
antiga e continua sendo uma das mais importantes para entender o
mecanismo enzimático.
Através dela estudam-se as relações entre as
constantes cinéticas de uma reação enzimática e como estas ocorrem em
resposta às mudanças em parâmetros experimentais [20].
Os principais fatores que afetam uma reação enzimática são:
concentração da enzima, concentração do ligante (substratos, produtos,
inibidores e ativadores), pH, força iônica e temperatura; estes quando
analisados
conjuntamente
provêm
informações
importantes
sobre
o
mecanismo cinético da reação [45].
As enzimas catalisam reações bioquímicas primeiramente interagindo
com as moléculas do substrato e depois as transformando quimicamente em
estados intermediários até o produto final [45].
Através de modelos matemáticos pode-se deduzir uma equação
cinética para uma dada enzima. Esta equação descreve como os ligantes de
um
sistema
interagem
para
afetar
a
velocidade
da
reação
e
consequentemente, o modelo pode ser testado experimentalmente [20].
Em 1913, Leonor Michaelis e Maud Menten descreveram um dos
modelos mais simples e conhecidos para a relação das constantes cinéticas
de uma reação enzimática simples com um sítio único de reação:
k1
k2
ES
E+S
k -1
E+P
K-2
45
INTRODUÇÃO
Onde:
E= enzima
ES= complexo enzima substrato
kX= constante da etapa da reação
S= substrato
P= produto
Neste modelo, assume-se que quando k2 for muito menor que k-1,
ocorre o equilíbrio rápido, onde: Ks = k-1/k1 e k2/Ks=k1.k2/k-1. Neste caso, E, S
e ES entram rapidamente em equilíbrio, quando comparado à velocidade de
transformação do complexo ES em E + P. Aqui, k2 é o fator limitante da
velocidade da reação, e em condições de velocidade inicial de reação, k-2 é
desprezível, pois a concentração de produto [P] é extremamente baixa e a
velocidade da reação será proporcional a [ES]. Portanto, em condições de
velocidade inicial da reação, v0 = k2 [ES]. A equação que descreve este
modelo, também conhecida como equação de Michaelis Menten é:

Onde,  é a velocidade inicial, Vmax representa a velocidade máxima
adquirida pelo sistema quando a concentração de substrato for máxima
(saturante).
KM (às vezes representada como Ks) é a concentração de
substrato na qual a velocidade da reação é 50% da Vmax. [S] é a concentração
do substrato S. Esta equação é a expressão da relação quantitativa entre a ,
Vmax, e [S], todas relacionadas à KM [46].
A partir da equação de Michaelis-Menten, George Briggs e JBS
Haldane propuseram em 1925 o modelo cinético com o tratamento do “Estado
Estacionário”, ou seja, nas reações enzimáticas a velocidade com que ES
forma E + P é próxima àquela em que este se dissocia de volta a E + S, então,
E, S e ES não estarão em equilíbrio rápido, sendo que, k2 é comparável a k-1,
e é então estabelecido o estado estacionário no qual a concentração de ES
46
INTRODUÇÃO
permanece praticamente constante num certo período de tempo. A inferência
sobre o estado estacionário em uma reação enzimática permite desenhar
experimentos nos quais se mede a velocidade das reações em que a
formação de produto é linear com o tempo.
Os parâmetros aqui são dados
por: KM = k-1 + k2 /k1 e k2/KM=k1.k2/(k-1+k2), observando-se que KM é uma
constante dinâmica, ou de pseudoequilíbrio, que expressa a relação entre as
concentrações reais no estado estacionário, ao invés de concentrações no
equilíbrio [20].
O plote v x [S] de uma reação de cinética enzimática indica que a
equação de Michaelis Menten possui a forma de uma hipérbole equilátera,
sendo difícil a obtenção de valores precisos das constantes Vmax e KM. Para se
determinar graficamente estes parâmetros cinéticos, diversos rearranjos
(linearização) da equação de Michaelis Menten foram descritos e podem ser
traçados nos seguintes plotes: plote de Hanes-Woolf ([S]/v versus [S]), plote
de Woolf-Augustinsson-Hofstee (v versus v/[S]), plote de Eadie-Scatchard
(v/[S] versus v) e plote do duplo recíproco/Lineweaver–Burk (1/v x 1/[S]),
sendo este último o mais utilizado para linearização da equação [46].
47
INTRODUÇÃO
1.6 DEPENDÊNCIA DO pH
O arranjo de cargas e os resíduos ionizáveis das proteínas
desempenham papéis importantes na determinação da estrutura protéica,
solubilidade, tipos de ligação e atividade funcional. A dependência do pH na
atividade enzimática e estabilidade também estão diretamente relacionadas a
estes resíduos, sendo portanto essencial que as proteínas mantenham o
estado apropriado de ionização das cadeias laterais [20].
O valor de pH no qual a carga líquida de uma enzima é zero
é
chamado de ponto isoelétrico (pI), que é característico para cada enzima e
neste pH a enzima geralmente possui solubilidade mínima em soluções
aquosas. Abaixo do pI, a carga liquida é positiva e acima do pI é negativa
[46].
A identificação dos resíduos catalíticos essenciais para a atividade de
uma determinada protease pode ser obtida através do efeito da ionização
destes grupos catalíticos nas cinéticas enzimáticas. Os plotes das curvas de
pH obtidos através de parâmetros cinéticos determinam valores de pK
significativos que podem sugerir quais são estes resíduos catalíticos (Tabela
02).
O valor de pK de uma enzima determina o estado de protonação e
assim a carga de um resíduo em um determinado pH. Esta informação é
importante para racionalizar a interação entre proteínas determinando a
energia requerida para protonar ou desprotonar um grupo e para descrever o
mecanismo enzimático ou o processo de transferência de prótons [20].
48
INTRODUÇÃO
Os valores de pK dos resíduos de aminoácidos ionizáveis de uma
enzima muitas vezes diferem dos valores de pK correspondentes aos
determinados para a forma livre do aminoácido.
Este efeito ocorre devido à
proteção contra a exposição dos grupos ionizáveis ao meio aquoso exercido
tanto pelo substrato quanto pela própria proteína [46].
A determinação dos valores de pK de uma enzima pode ser feita
assumindo-se que [20]:
1. Os grupos agem como titulantes ácidos ou básicos.
2. Ocorre somente uma forma iônica (protonada ou desprotonada) da
enzima durante a catálise.
3. Todos os intermediários estão em equilíbrio protônico; ou seja, as
transferências de próton são mais rápidas que as etapas químicas.
Relembrando alguns conceitos básicos da ionização de uma base B ou
ácido HA em termos de seu conjugado ácido BH ou base A - temos a
constante de ionização definida por:
E o pKa (o valor de pH no qual resíduos individuais ácidos ou básicos
estão 50% em seu estado ionizável), dado pela seguinte equação:
pKa= -log Ka
Estas duas equações podem ser rearranjadas resultando na reação de
Henderson Hasselbalch:
pH= pKa + log
49
INTRODUÇÃO
Para estudos dos efeitos do pH em reações catalisadas por enzimas
considera-se o modelo no qual o substrato não ioniza, enquanto os grupos
ionizáveis estão presentes na enzima livre e no complexo enzima substrato
(ES). A forma reativa da enzima e do complexo é a forma monoionizada
(EH ou EHS) de espécies diácidas (EH2) [46]:
E+S
ES
kes2
Ke2
ks
S + EH
Ke1
EH2
EHS
kcat
EH + P
Kes1
EH2S
Outro parâmetro útil na identificação da natureza química das cargas
dos grupos envolvidos nas reações é a entalpia de ionização (H). Esta
entalpia de ionização é determinada pela dependência da temperatura do
equilíbrio da constante de ionização (Ka). Os aminoácidos presentes no
sítio ativo de uma enzima podem ser identificados por seu pK e H
característicos [46].
Através da equação de Van’t Hoff, é possível
determinar as constantes termodinâmicas da ionização:
50
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