1 I – PARTE Aminoácidos Estrutura dos aminoácidos: Da análise de um número vasto de proteínas, chegou-se à conclusão de que todas as proteínas são compostos por 20 aminoácidos, ditos fundamentais. Os aminoácidos mais comuns são os conhecidos por α-aminoácidos, pois possuem um grupo amino (-NH2) e um grupo carboxílico (-COOH): NOTA: A excepção dos α-aminoácidos é a prolina, pois possui um segundo grupo amino (-NH-). Todos os aminoácidos diferem entre si no grupo R. Propriedades Gerais: Os grupos amino e carboxílicos tendem a ionizar-se. Assim, como o pK 1 (pK para o grupo carboxílico) roda o valor 2.2 e o pK 2 (pK para o grupo amino) ronda o valor 9.4, isto vai implicar que no pH fisiológico o grupo amino esteja protonado e o grupo carboxílico esteja na sua forma ionizada COO-. Conclui-se assim que um aminoácido pode comportar-se tanto como ácido como base. Moléculas como estas, que possuem grupos com cargas de sinal oposto são chamadas de zwitteriões ou iões dipolares. Os aminoácidos, tal como outros compostos iónicos, são mais solúveis em solventes polares do que em solventes apolares. Estas propriedades iónicas dos aminoácidos vão influenciar as propriedades químicas e físicas de um aminoácido livre e dos aminoácidos em complexos proteicos. Ligações peptídicas: Os aminoácidos podem ser polimerizados para formar cadeias; este processo pode ser representado como uma reacção de condensação (em que há a eliminação de uma molécula de água). A resultante ligação CO-NH é a chamada ligação peptídica. 2 Polímeros compostos por dois, três, poucos ou vários aminoácidos são chamados dipeptídeos, tripeptídeos, oligopeptídeos e polipeptídeos, respectivamente. Depois de estarem incluídos num peptídeo, os aminoácidos individuais são designados por resíduos aminoácidos. Polipeptídeos são polímeros lineares, em que cada residuo aminoácido participa em duas ligações peptídicas; os resíduos das duas pontas do polipeptídeo apenas participam numa ligação peptídica. O resíduo que tem o grupo amino livre (por convenção, a ponta esquerda do aminoácido) é chamado N-terminal, assim como o resíduo com um grupo carboxílico livre (à direita) é designado por C-terminal. Proteínas vão ser moléculas que contêm uma ou mais cadeias polipeptídicas. Propriedades ácido-base: Os α-aminoácidos possuem dois ou três grupos ácido-base. A valores baixo de pH, ambos os grupos estão totalmente protonados, predominando assim a forma catiónica. Ao longo de uma titulação com uma base forte, estes vão perder dois ou três protões, formando uma curva característica de um ácido diprótico ou triprótico. Os valores de pH dos vários grupos podem ser calculados pela equação de Henderson-Hasselbalch: pH = pK + log [A-]/[HA] O pH a que a molécula adquirir carga electrónica neutra é conhecido com ponto isoeléctrico (pI): pI = ½ (pKi + pKj) “Os valores de pK dos grupos ionizáveis dependem de grupos próximos”: Os valores de pK 1 dos aminoácidos são muito menores do que o valor de pK de um simples ácido carboxílicos. A grande diferença é causada pela influencia electrostática do grupo carregado amónia. O grupo NH3+ estabiliza mais electrostaticamente o grupo COO- do que o grupo COOH. Igualmente o grupo NH3+ possui um pK mais baixo do que uma amina normal, devido à tendência electrónica negativa do grupo carboxílico. Assim, ambas as características electrónicas e electrostáticas influenciam o pK do grupo NH3+. 3 Estereoquímica: Todos os aminoácidos que derivam de proteínas (resíduos) têm uma configuração estereoquímica L. Uma molécua com n centros quirais possui 2n diferentes possíveis estereoisómeros. Todos os aminoácidos L nas proteínas são S aminoácidos excepto a cisteína. Outros aminoácidos para além dos 20 fundamentais: O código genético universal especifica apenas 20 aminoácidos. No entanto, muitos outros fazem parte de certas proteínas. Estes aminoácidos, na maior parte resultam de uma modificação específica de um resíduo aminoácido, depois de uma cadeia polipeptídica ter sido sintetizada. Também os grupos amino e carboxilíco terminais de um polipept ídeo podem ser modificados, modificação esta que é muito importante para a função da proteína. Aminoácidos D: Os resíduos D-aminoácidos são componentes de relativamente pequenos polipeptídeos bacterianos. Estes polipeptídeos são, talvez, grande parte integrante das paredes celulares bacterianas, para assim impedir o “ataque” das enzimas produzidas pelos outros organismos para digerir as bactérias. São também componentes dos antibióticos antibacterianos. Aminoácidos biologicamente activos: Muitos aminoácidos são sintetizados não para serem resíduos de polipeptídeoss, mas para funcionarem como independentes; muitos organismos usam aminoácidos para transportar azoto na forma de grupos amino. Também podem ser oxidados de maneira a produzirem energia, assim como funcionar como mensageiros químicos para comunicação entre células. Proteínas: Estrutura primária: As proteínas são o centro da acção dos processos biológicos. Quase todos os processos do metabolismo celular são catalisados por proteinas; as proteínas também regulam as condições extra e intracelulares, assim como são parte essencial da estrutura celular; enfim, uma lista de todas as funções proteicas teria milhares e milhares de alíneas. Um dos passos para decifrar a função de uma proteína é compr eender a sua estrutura: tal como as outras biomoléculas, as proteínas são polímeros de pequenas unidades, só que não possuem uma estrutura regular, em parte devido aos 20 aminoácidos seus constituintes não possuirem todas as mesmas propriedades físicas e químicas. 4 Diversidade polipeptídica: Como os outros polímeros, as proteínas podem descrever-se em termos de níveis de organização, neste caso em estrutura primária, secundária, terciária e quaternária. A estrutura primária é a sequência de aminoácidos da sua cadeia ou cadeias polipeptídicas, onde cada resíduo está ligado ao outro por uma ligação peptídica. Com os 20 diferentes aminoácidos é possivel obter um número astronómico de diferentes proteínas: para uma proteína de n resíduos, há 20n possibilidades de os sequenciar. Em geral, uma proteína contém pelo menos 40 resíduos, levando a que polipeptídeos mais pequenos que isso sejam apenas chamados de peptídeos; embora haja maiores, a maior parte dos polipeptídeos contêm entre 100 e 1000 resíduos. As proteínas vão depender mais da sua sequência de resíduos do que dos seus resíduos constituintes; podem também formar complexos com iões metálicos, como o Zn2+ e o Ca2+; podem ligar-se por ligações covalentes ou não covalentes a outras pequenas moléculas orgânicas e podem ser modificadas pela ligação covalente de grupos como fosfatos e hidratos de carbono. Purificação proteica: Felizmente, variações nos tamanhos e na composição química dos polipeptídeos tornam mais fácil separar proteínas umas das outras e doutras moléculas biológicas. Normalmente, quando uma substância perfaz <0.1% do peso seco de um tecido, então tem de ser convertida a uma pureza de ≈98%, o que implica certas técnicas de purificação: - O primeiro passo para isolar uma proteína ou qualquer outra molécula biológica, é retirá-la da célula para uma solução: a maior parte dos processos usa uma variação de esmagamento e trituramento das células, seguido por uma filtração e centrifugação para remover as partículas grandes insolúveis. Por outro lado, se a proteína desejada está dentro de uma membrana lipídica, um detergente ou um solvente orgânico podem ser usados para dissolver os lípidos e recuperar a proteína. Processos de estabilização: Depois de uma enzima ter sido removida do seu ambiente natural, fica exposta a vários agentes que a podem danificar irreversivelmente: Ø pH: Existe uma gama onde cada material é estável. Violando essa propriedade pode levar à desnaturação proteica, ou mesmo à degradação química (lise). 5 Ø Temperatura: A estabi lidade térmica das proteínas varia. Algumas apenas desnaturam a elevadas temperatura, outras a temperatura alguns graus acima do seu ambiente natural; normalmente, a purificação é feita a temperaturas perto dos 0ºC, de maneira a superar esta barreira. Ø Presença de enzimas degradantes: Quando os tecidos são destruídos para libertar moléculas que nos interessam, também são libertadas enzimas, as quais podem ser proteases (estas enzimas degradam, como o próprio nome indica, as proteínas). Estas podem ser inibidas pelo ajustamento do pH ou da temperatura para valores que as inactivam ou por compostos que inibam a sua acção (inibidores). Ø Adsorção a superfícies: Muitas proteínas são desnaturadas pelo contacto com o vapor de água do ar ou com superfícies de vidro ou plásticos. Assim, as soluções proteicas são feitas de forma a minimizar a espuma e mantidas a elevadas concentrações. Ø Soluções proteicas guardadas há demasiado tempo: As soluções proteicas são, muitas vezes, guardadas envoltas em gás de azoto ou árgon e congeladas a –70ºC ou a –196ºC, de maneira a evitar uma lenta oxidação (oxigénio do ar) ou contaminação por agentes microbianos. Técnicas de separação: As características das proteínas e de outras biomoléculas, que são usadas nos vários processos de separação são: solubilidade, carga iónica, tamanho molecular e especificidade da ligação com outras moléculas biológicas. Característica Carga Processo de separação Cromatografia de permuta iónica; Electroforese; Polaridade Cromatografia de interacção hidrofóbica; Cromatografia de gel; Tamanho SDS-page; Ultra-centrifugação; Especificidade da ligação Cromatografia de afinidade; 6 Solubilidade proteica: A solubilidade proteica em soluções de baixa concentração iónica vai aumentando à medida que se adiciona um sal, pois os iões vão formar um “escudo” à molécula proteica, devido aos seus múltiplos grupos carregados, levando a que as forças atractivas entre as várias moléculas proteicas seja menor, forças essas que podem levar à precipitação. No entanto, com a contínua adição de sal vai-se dar uma diminuição da solubilidade, como resultado da competição entre os iões do sal adicionado e outros dissolvidos no solvente. Como cada proteína precipita a concentrações de sal diferentes, esta característica é aproveitada como um meio de purificação proteica. O sal mais usado é o sulfato de amónia (NH4) 2 SO4, pois é muito solúvel. Cromatografia: Ø Cromatografia de permuta iónica: Na cromatografia de permuta iónica, moléculas carregadas ligam-se a grupos de carga oposta que se situam na matriz. A matriz pode ser catiónica (quando fixa catiões)ou aniónica (quando fixa aniões). Para proteínas, a matriz mais usada são resinas celulosas. Ø Cromatografia de interacção hidrofóbica: Na cromatografia de interacção hidrofóbica, o material da matriz é levemente substituído por grupos octil e fenil; grupos apolares da superfície das proteínas interagem com os grupos hidrofóbicos, isto é, ambos os grupos são excluídos pelo solvente polar. Ø Cromatografia em gel: Na cromatografia em gel, as moléculas são separadas de acordo com o seu tamanho e forma; a fase estacionária (matriz) consiste num gel com poros que atingem um certo tamanho. Ao fazer passar uma solução através da coluna, as moléculas que são maiores não vão passar pelos poros, logo, atravessam a coluna mais rapidamente, enquanto que as moléculas mais pequenas, ao terem de atravessar toda a coluna, demoram mais tempo. Ø Cromatografia de afinidade: Uma característica de muitas proteínas é a sua habilidade de se manterem perto de certas moléculas. Esta propriedade é usada para purificar proteínas por cromatografia de afinidade. Nesta técnica, um ligando que tem uma afinidade específica a uma certa proteína é ligado a uma matriz inerte por ligação covalente. Quando uma solução impura dessa proteína é passada através da matriz, a proteína vai ligar-se ao ligando, ficando retida, enquanto que as outras substâncias passam pela coluna. Depois, a proteína desejada pode ser recolhida mudando as condições do eluente, de modo a libertar a 7 proteína da matriz, por exemplo, soluções de grande concentração de ligando livre ou soluções de diferente pH ou força iónica. Electroforese: Ø Electroforese de gel de poliacrilamida: Similar à cromatografia por gel, só que a mobi lidade das grandes moléculas é menor que a mobilidade das moléculas pequenas, com a mesma carga. Como o pH do gel ronda o valor de 9, quase todas as proteínas têm cargas negativas e movem-se assim para o ânodo através do gel. Ø SDS-page: O detergente sulfato-dodecyl de sódio (SDS) é usado para desnaturar proteínas. Estas assumem assim uma forma linear na presença de SDS e algumas até se ligam a este numa proporção de 1.4g SDS/1g proteína. Este tratamento leva a que as proteínas fiquem com forma e carga por massa similares. Assim, são separadas por filtração por gel, de acordo com a sua massa molecular. A mobilidade relativa das proteínas no gel varia linearmente com o logaritmo das suas massas moleculares. Ø Electroforese de capilaridade: Esta técnica é executada em muito finos tubos capilares. Tais capilares, como dissipam rapidamente o calor, permitem o uso de campos eléctricos fortes, que reduzem o tempo de separação em relação à electroforese por gel. No entanto tem a limitação de separar apenas pequenas quantidades de material. Ultracentrifugação: Numa solução de proteínas precipitadas, estas não se sedimentam por acção da gravidade, como soluções de água e areia. Assim, para separar soluções de proteínas saturadas usa-se a ultracentrifugação. Na ultracentrifugação atingem-se velocidades de 80 000 rpm. Sequenciação de proteínas: As sequencias de aminoácidos de centenas de milheres de polipeptídeos são agora conhecidas. Esta informação é valiosa para: - Determinar a estrutura tridimensional da proteína, de modo a entender o seu mecanismo de acção molecular; Comparação das sequencias de proteínas de espécies diferentes de forma a observar relações em termos de evolução; Muitas doenças são causadas por mutações que têm como base a mudança de um aminoácido numa proteína. Logo, a análise da sequencia de aminoácidos pode desenvolver um diagnóstico e a sua apropriada terapia. 8 Primeiros passos: Ø Achar N ou C terminais: Cada cadeia polipeptídica tem um resíduo N-terminal e C-terminal. Logo, sabendo quantos N-terminais há numa proteína, podemos saber quantas cadeias polipeptídicas a proteína possui; os N-terminal de um polipeptídeo podem ser determinados por vários métodos, tal como por um composto fluorescente que se vai “agarrar” ao N-terminal. Por hidrólise separam-se os vários aminoácidos, em que por cromatografia se vai identificar os de cor fluorescente. Também há a possibilidade de através da enzima carboxipeptidase separar o aminoácido C-terminal, que posteriormente pode ser isolado e identificado. Ø Encontrar pontes de dissulfureto: As ligações por ponte de dissulfureto entre as cisteínas têm de ser partidas, de forma a garantir que a cadeia polipeptídica é totalmente linear. Estas ligações, podem ser partidas por oxidação ou redução, através do ácido pe rfórmico ou por “mercaptans”, respectivamente. A primeira reacção tem a desvantagem de também oxidar a metionina e parcialmente destruir a cadeia da tripsina. Ø A combinação aminoácida de um polipeptídeo pode ser determinada: A composição aminoácida de um polipeptídeo é determinada pela sua completa hidrólise, seguida pela análise dos aminoácidos libertados. Visto que a separação por ácido ou base destrói alguns aminoácidos e a separação por enzimas não é completa e, sendo enzimas também elas proteínas, estas podem interferir na análise dos aminoácidos obtidos. Conclui-se assim que nenhum dos processos é totalmente satisfatório. A análise quantitativa vai ser feita num instrumento que separa os vários aminoácidos hidrolisados por cromatografia e identifica-os em termos de % de volume, por técnicas de absorvância e fluorescência. Ø Clivagem polipeptídica: Polipeptídeos com mais do que 40 a 100 resíduos não podem ser identificados por degradação de Edman e logo têm de ser partidos em fragmentos mais pequenos. Ø Degradação de Edman: Depois das reacções de clivagem, a sequência de aminoácidos dos polipetídeos resultantes pode ser determinada através de vários ciclos da degradação de Edman: 9 Proteínas: Estrutura tridimensional: Como vimos, a estrutura primária de uma proteína é a sua sequência linear de aminoácidos. No entanto, no estudo da estrutura de proteínas, mais três níveis de complexidade estrutural são invocados: - Estrutura secundária: é o arranjo espacial dos átomos de um polipeptídeo, sem ter em conta conformações ou cadeias laterias; Estrutura terciária: refere -se à estrutura tridimensional de um polpeptídeo completo; Estrutura quaternária: como a maior parte das proteínas são compostas por duas ou mais cadeias polipeptídicas, então a sua estrutura quaternária será o arranjo espacial das várias cadeias. 10 Estrutura secundária: Ø O grupo dos péptidos: Estudos indicam que o grupo dos péptidos tem uma rígida e planar estrutura como resultado de interacções de ressonância que dão à ligação pe ptídica um carácter duplo. Os grupos de péptidos assumem a conformação trans, na qual sucessivos átomos C α estão em lados opostos da ligação peptídica que os liga. No entanto, a conformação cis no caso da prolina tem uma ocorrência média de cerca de 10%. A cadeia principal de uma proteína são os átomos que participam nas ligações peptídicas, ignorando-se as cadeias laterais dos resíduos aminoácidos. Assim, na cadeia principal vai haver ângulos de torsão para cada resíduo, de modo a adquirirem a conformação trans. Esta torção pode provocar colisões entre átomos adjacentes e mesmo entre átomos de resíduos que estão afastados da sequência. Assim, os valores de φ e ψ podem ser calculados de modo a que os átomos distem da distância mínima de contacto, sem haver ligação entre eles (diagramas de Ramachandran). Estruturas secundárias regulares: Estas estruturas são consideradas regulares, pois os seus valores de φ e ψ são repetitivos. Ø A hélice α : A hélice α é a única hélice polipeptídica que possui uma ligação de hidrogénio favorável e os seus valores de φ e ψ estão dentro da região regulamentar do diagrama de Ramachandran. A hélice α roda na direcção na qual os dedos da mão direita dobram. As ligações de hidrogénio vão dar-se entro o oxigénio do grupo C=O e o hidrogénio do grupo N-H entre os resíduos n e (n+4). Ø Folha β : Neste caso, a ligação de hidrogénio vai ocorrer entre polipéptideos vizinhos, formando duas variantes: - A folha β antiparalela: em que as duas cadeias polipeptídicas se encontram em direcçõe s/posições opostas; A folha β paralela (menos estável, talvez devido à distorção das ligações por ponte de hidrogénio): em que as duas cadeias polipeptídicas estão em posição/direcção igual, ou seja, “paralelas”. Também possui rotação dada segundo a regra da mão direita. 11 Proteínas fibrosas: Historicamente, as proteínas são classificadas como sendo fibrosas ou globulares. Ø α -queratina (um “rolo enrolado”): A queratina é uma proteína mecanicamente duradora e que não reage quimicamente. Encontra-se presente em todos os vertebrados superiores. É a principal constituinte do cabelo, do “corno”, das unhas e das penas. A queratina pode ser classificada de α-queratina, que aparece nos mamíferos, e β-queratina, que se encontra nos pássaros e répteis. A α-queratina vai ser o resultado do enrolamento “left-handed” de duas hélices-α, de maneira a formar um “rolo”; as duas hélices estão inclinadas cerca de 18º uma em relação à outra. Ao N e C terminais pode ligar-se outras queratinas (dímeros), de maneira a formar um protofilamento. Dois protofilamentos constituem uma protofibra e quatro protofibras dão origem a uma microfibra. As microfibras associam-se a outras microfibras de forma a formarem macrofibras. A α-queratina é rica em resíduos de cisteína, logo, forma ligações de dissulfureto. Estas ligaçoes podem ser partidas (por meio de um “mercaptan”) e o “rolo” ser assim “esticado”, assumido uma conformação do género da da βqueratina. Ø A fibroína da seda (uma folha β ): As fibras das sedas consistem em folhas β antiparalelas cujas cadeias se extendem paralelamente ao eixo da fibra. As folhas β empilham-se de modo a formar um microcristal. Ø Colagénio (a hélice tripla): O colagénio, que aparece em todos os animais multicelulares, é composto por fibras fortes e insolúveis. É constituinte dos ossos, tendões, pele e vasos sanguíneos. Uma molécula de colagénio é constituída por três cadeias polipeptídicas. Cada uma destas cadeias forma uma hélice “esquerda”, e as três hélices paralelas enrolam-se de forma “right-handed”, formando assim a estrutura da triplahélice de uma molécula de colagénio. No colagénio as ligações entra as hélices não são pontes de dissulfureto, pois quase não existem resíduos de cisteína. Assim, as ligações vão dar-se na lisina e na histidina da cadeia lateral. 12 Estruturas proteicas não repetitivas: Ø Estruturas irregulares: Segmentos de cadeias polipeptídicas cujos resíduos sucessivos não possuem um φ e ψ similar são muitas vezes chamados de “rolos”. Estes “rolos” não devem ser confundidos com a estrutura de “rolo” aleatório que adquirem as proteínas desnaturadas. Ø Variações na estrutura secundária: A hélice-α frequentemente se desvia da sua conformação ideal nas suas curvas finais e iniciais da hélice. Similarmente, uma cadeia de polipeptídeos de uma folha β pode conter um resíduo extra que não “realiza” a ponte de hidrogénio com a cadeia vizinha, produzindo assim distorções. Ø Voltas e loops: Segmentos de estruturas secundárias regulares, como hélices α ou folhas β são tipicamente unidas por cadeias polipeptídicas que abruptamente mudam de direcção. Estas “voltas repentinas” quase sempre ocorrem na superfície da proteína. Podem ser de dois tipos, ambos estabilizados por uma ponte de hidrogénio. Quase todas as proteínas com mais de 60 resíduos têm uma ou mais loops, chamadas Ω-loops; estas loops são entidades globulares compactas, pois as suas cadeias laterais tendem a ser preservadas nas suas cavidades internas. Estrutura terciária: A estrutura terciária das proteínas descreve o envolvimento das suas estruturas secundárias e especifica a posição de cada átomo na proteína. Ø Determinando a estrutura proteica: A estrutura proteica pode ser determinada por cristalografia de raios X. Nem todas as proteínas formam cristais, mas as que formam podem adquirir várias formas, formas essas que possuem 40% a 60% de água no seu volume total. Na cristalografia de raios X, uma resolução de poucos ºA não é suficiente para revelar a posição de átomos individuais, mas chega para observar a cadeia polipeptídica principal, logo, as cadeias laterais são deduzidas, obtendo-se assim o conhecimento da estrutura primária. Para determinar a estrutura de proteínas que não cristalizam, usam-se técnicas de ressonância magnética nuclear (NMR). 13 Estruturas supersecundárias e domínios: Ø A posição das cadeias laterais varia com a polaridade: As estruturas primárias de proteínas globulares geralmente não comportam uma sequência regular. No entanto, as cadeias laterais de aminoácidos das proteínas globulares são espacialmente distribuídas de acordo com as suas polaridades: - - - Os resíduos apolares aparecem quase sempre no interior da proteína, fora do contacto com os solventes aquosos. Este efeito hidrofóbico é um dos grandes responsáveis pela estrutura tridimensional das proteinas. Os resíduos polares com carga estão normalmente localizados na superfície da proteína, em contacto com os solventes aquosos; tal facto é devido a um ião num meio virtualmente anidro se encontrar num estado energeticamente desfavorável. Os resíduos polares sem carga estão normalmente à superfície da proteína, mas também aparecem no seu interior, pois são eles que normalmente fazem as pontes de hidrogénio com os outros grupos. Ø Hélices e folhas podem ter várias combinações: As principais estruturas secundárias das proteínas (folhas β e hélices α), ocorrem nas proteínas globulares em variadíssimas proporções e combinações. Certos grupos de estruturas secundárias, chamados estruturas supersecundárias, ocorrem na maioria das proteínas globulares: - A estrutura βαβ é a mais comum, na qual uma hélice α se liga a duas cadeia paralelas de folhas β. A estrutura “β-hairpin”, consiste em cadeias antiparalelas ligadas por voltas. A estrutura αα é consiste em duas hélices α antiparalelas sucessivas encostadas uma à outra, segundo um eixo inclinado. A estrutura barril β consiste em folhas β extendidas e enroladas de maneira a formar um cilindro. Ø Grandes polipéptidos formam domínios: Cadeias polipeptídicas com mais de 200 resíduos, usualmente juntam-se em dois ou mais empilhamentos globulares, chamados domínios. Estes domínios conferem à proteína uma aparência bi ou multilobal. Uma cadeia polipeptídica movimenta-se dentro de um domínio, mas domínios vizinhos estão apenas ligados por um ou dois segmentos polipeptídicos. Assim, muitos domínios são unidades estruturalmente independentes, que têm características de pequenas proteínas globulares. 14 Ø Família proteica: Os milhares de estruturas proteicas conhecidas, revem ainda um maior número de domínios existentes. Estes podem se agrupados em famílias, tendo em conta o caminho seguido pelas suas cadeias polipeptídicas, sem ter em conta a sua sequência de aminoácidos. Comparando as estruturas dos vários domínios, chega-se à conclusão da existência de apenas algumas centenas de domínios. Surpreendentemente, poucas dúzias delas perfazem praticamente metade das estruturas proteicas conhecidas. Este facto leva a pensar que as estruturas proteicas estão, de algum modo, ligadas evolucionariamente. Estrutura quaternária e simetria: A maior parte das proteínas consiste em mais do que uma cadeia polipeptídica. Estas cadeias estão associadas a uma geometria específica. O arranjo espacial destas subunidades é conhecido como a estrutura quaternária de uma proteína. Ø As subunidades geralmente ligam-se não-covalentemente: Uma proteína de várias subunidades pode possuir idênticas ou não-idênticas cadeias polipeptídicas. Proteínas com mais de uma subunidade são chamadas oligómeros e as suas unidades protómeros; um protómero pode assim possuir uma ou várias cadeias polipeptídicas. A região de contacto entre duas subunidades próximas assemelha-se ao interior de uma proteína de uma só unidade: possui cadeias laterais apolares, pontes de hidrogénio envolvendo as cadeias principais e laterais do polipeptídeo e, por vezes, pontes de dissulfureto. Ø As subunidades formam arranjos simétricos: Na vasta maioridade de oligómeros, os protómeros encontram-se simetricamente arranjados. Como as proteínas não podem ter inversão ou simetria especular, para fazer um protómero coincidir com sua imagem no espelho seria necessário converter os resíduos L em D. Assim, as proteínas só podem ter simetria rotacional. Pode existir simetria rotacional cíclica, onde os protómeros estão relacionados a um único eixo de rotação: C1, C3, Cn (n- número de subunidades). Há também a simetria rotacional diedral, em que um eixo intersecta dois eixos de rotação: D2, Dn (n- 2n subunidades). Para além destes dois tipos de simetria rotacional, há ainda a considerar a ocorrência de simertrias rotacionais tetraédricas, octaédrica e icosaédricas. Dobramento e estabilidade proteica: Por incrível que pareça, medidas termodinâmicas indicam que a maior parte das proteínas apenas são relativamente estáveis em condições fisiológicas. São então os seus efeitos hidrofóbicos, as suas interacções electrostáticas e as suas pontes de hidrogénio que as vão estabilizar. 15 Forças que estabilizam uma proteína: Ø O efeito hidrofóbico: O efeito hidrofóbico, que faz com que substâncias apolares minimizem o seu contacto com a água, é o efeito mais determinante de uma estrutura proteica. A agregação de cadeias laterais apolares no interior da proteína é favorecida pelo aumento da entropia das moléculas de água que em caso contrário se organizariam ordenadamente à volta dos grupos hidrofóbicos. Ø Interacções electrostáticas: No interior das proteínas, as forças de Van der Waals, embora fracas, são uma importante influência estabilizadora, pois actuam apenas a pequenas distâncias e desaparecem quando a proteína é “desenrolada”. Por incrível que pareça, as pontes de hidrogénio contribuem de uma forma minoritária para a estabilidade da molécula, porque também à formação de pontes de hidrogénio entre a proteína e a água. A associação de dois grupos iónicos de cargas opostas é chamada de par iónico ou ponte salina. Este caso ocorre na maior parte dos resíduos carregados e contribui também para a estabilização de uma proteína, embora de forma minoritária, pois a energia livre de um ião não compensa a perda de entropia e de energia livre aquando da formação de um par iónico. Ø Ligações químicas cruzadas: As ligações de dissulfureto não são essenciais na estabilidade, pois uma proteína sem estas ainda é estável, mas têm um importante papel sob o ponto de vista estrutural. Os iões metálicos que aparecem em muitas proteínas podem interagir com ligandos presentes em muitos resíduos aminoácidos, contribuindo assim para alguma estabilização. Desnaturação e renaturação de proteínas: A baixa estabilidade conformacional das proteínas torna fácil a sua desnaturação: - - O aquecimento faz com que propriedades das proteínas se modifiquem abruptamente, levando ao desenrolamento ou à lise da proteína; Variações de pH alteram os estados de ionização das cadeias laterais dos aminoácidos, modificando a distribuição das cargas na proteína e pontes de hidrogénio. Detergentes associados com resíduos apolares da proteína vão interferir com as interacções hidrofóbicas, grandes responsáveis pela estrutura proteica; Os agentes ião guanidina e ureia, que em elevadas concentrações aumentam a solubilidade de substâncias apolares na água; 16 Ø Proteínas desnaturadas podem ser renaturadas: As proteínas podem enrolar-se espontaneamente para as suas conformações habituais em condições fisiológicas. Isto implica que a estrutura primária de uma proteína dita o seu arranjo tridimensional. Passos do enrolamento proteico: No início pensava-se que proteínas desnaturadas, ao voltar ao seu estado habitual, iriam experimentar todas as conformações possíveis até encontrar a certa. Após muitos anos de estudo, chegou-se à conclusão de que a renaturação por este processo levaria imenso tempo, enquanto se verifica que as proteínas renaturam em apenas alguns segundos. Assim, concluiu-se que as proteínas voltam à sua conformação habitual por passos directos, de maneira à sua estabilidade conformacional aumentar, ou seja, diminuindo a energia livre: começa com a formação das estruturas secundárias, que estabiliza, começando a formar a estrutura terciária. De seguida sofre as transformações estruturais necessárias de modo a produzir as estruturas terciária e quaternária. Isomeria dissulfídrica proteica: No renaturamento das proteínas, muitas vezes há formação de pontes de dissulfureto que na conformação nativa da proteína não existem; estas vão então formar as ligações nativas; a enzima PDI catalisa este processo. “Chaperons” moleculares: “Chaperons” moleculares são proteínas essenciais que se unem a polipeptídeos desenrolados ou parcialmente enrolados, para assim prevenir a associação imprópria de segmentos hidrofóbicos que possam levar ao não enrolamento ou à precipitação do polipeptídeo. Permitem também que proteínas mal enroladas se re-enrolem na sua conformação nativa. Dinâmica proteica: De facto, as proteínas são moléculas flexíveis e rapidamente variáveis, cuja mobilidade estrutural é funcionalmente significante. 17 II - PARTE Catálise Enzimática: • Propriedades Gerais: A catálise enzimática difere de uma catálise química tradicional em vários aspectos importantes: ü Grande aumento da velocidade de uma reacção (de 106 a 1012 vezes superior à velocidade da mesma reacção não-catalisada); ü Condições mais suaves de reacção, ou seja, as condições em que reacções catalisadas por enzimas são médias: temperaturas abaixo dos 100ºC, pressão atmosférica e pH próximo do fisiológico; ü Especificidade muitissimo elevada, que tem a ver com a natureza do substrato e dos produtos finais da reacção; a enzima “reconhece” o seu substrato e catalisa a sua reacção de tal forma que raramente são formados produtos laterais (indesejados) da reacção; ü Capacidade de regulação: a actividade catalítica de muitas enzimas varia de acordo com a concentração de substrato. Os mecanismos de regulação incluem controlo alostérico, modificação covalente de enzimas e variação da quantidade de enzima sintetizada; Especificidade do substrato: As forças não-covalentes pelas quais substratos e outras moléculas se ligam às enzimas, envolvem forças de Van der Waals, electrostáticas, pontes de hidrogénio e interacções hidrofóbicas. Em geral, o local de ligação do substrato consiste num “buraco” na superfície da enzima que tem complementaridade com a forma geométrica do substrato; este modelo tem como base o modelo da “chave -fechadura” proposto por Emil Fisher em 1894 e já abandonado, visto que a ligação enzima-substrato não se resume apenas à complementaridade geométrica entre ambos. Como veremos mais adiante, esta complementaridade geométrica é uma condição necessária mas não suficiente para uma catálise eficiente. Ø As enzimas são estereospecíficas: As enzimas são altamente específicas na sua ligação a substratos quirais e na catálise das suas reacções. Esta estereospecificidade tem origem na quiralidade inerente a todas as proteínas (as proteínas possuem apenas Laminoácidos), que formam centros activos assimétricos. Como veremos, quase todas as enzimas que participam em reacções quirais são absolutamente estereospecificas. Ø As enzimas variam na sua especificidade geométrica: Em adição à sua estereospecificidade, muitas enzimas são muito selectivas quanto à identidade dos grupos químicos nos seus substratos. Assim sendo, uma substância com a quiralidade errada não encaixará no centro activo da enzima pela mesma razão de que não conseguimos encaixar a nossa mão direita numa luva esquerda. Muito poucas enzimas são específicas 18 unicamente para um substrato, catalisando geralmente uma pequena porção de compostos quimicamente relacionados: o YADH catalisa a reacção de vários pequenos álcoois primários e secundários nos seus respectivos aldeídos e cetonas, mas nenhum tão eficazmente como o entanol. Esta especificidade geométrica é bastante mais restrita do que a estereoespecificidade. Cofactores e Coenzimas: Os grupos funcionais das proteínas podem facilmente participar em reacções ácido/base, formando certos tipos de ligações covalentes e tomam parte nas interacções carga/carga. São assim piores para catalisar reacções redox mas, apesar disso, as enzimas catalisam estas reacções, graças à associação nestas de pequenas moléculas, cofactores, que agem como “dente químico” da enzima. Os cofactores são geralmente iões metálicos, Cu2+, Fe 3+ ou Zn2+. A natureza essencial destes compostos explica porque os organismos necessitam deles nas suas dietas (de outra forma não os conseguiriam produzir e as catálises enzimáticas dentro dos próprios organismos não seriam eficazes). Explica-se da mesma forma da mesma maneira a toxicidade do Hg2+ e do Cd2+ que são do mesmo grupo da Tabela Periódica, substituindo o Zn2+ e o Cu2+ como cofactores, inactivando as enzimas. Os cofactores também podem ser moléculas orgânicas, sendo nesse caso denominados como coenzimas e funcionam essencialmente como cosubstratos. Um exemplo de uma molécula deste tipo é o NAD+ (nicotinamida). Outros cofactores chamados grupos prostéticos estão geralmente associados à enzima por ligações covalentes. Um complexo enzima-confactor cataliticamente activo é chamado holoenzima; Quando se remove o cofactor da holoenzima, resulta uma proteína cataliticamente inactiva, denominada apoenzima. Ø As coenzimas têm que ser regeneradas: As coenzimas são alteradas quimicamente pela reacção enzimática em que participam. Assim, para completar o ciclo catalítico, a coenzima tem de voltar ao seu estado inicial. Nos grupos prostéticos a regeneração ocorre numa fase separada da sequência da reacção enzimática. Ø Muitas vitaminas são coenzimas: Muitos organismos não são capazes de sintetizar certas coenzimas. Assim, essas substâncias têm de estar presentes na dieta desse organismo. Certas vitaminas estão assim nesta lista de coenzimas e a sua carência pode provocar uma série de doenças provocadas por catálises enzimáticas incompletas. Mecanismos catalíticos: As enzimas, tal como outros catalisadores, vão baixar a energia de activação duma determinada reacção. O que as torna tão eficientes é o facto de terem uma enorme especificidade de ligação ao substrato, combinada com o arranjo dos seus grupos catalíticos e com a combinação de vários mecanismos catalíticos que iremos agora descrever. Existem assim seis grupos de catálises empregues pelas enzimas. 19 Ø Catálise ácido-base: A catálise ácida é, geralmente, um processo no qual protões parciais se transferem de um ácido e vão baixar a energia de transição de uma reacção. Uma reacção pode também ser estimulada por catálise básica se a sua velocidade for aumentada por remoção parcial de protões por uma base. Algumas reacções podem ser simultaneamente sujeitas aos dois processos. Muitas reacções bioquímicas são susceptíveis a catálise ácido-base; as cadeias laterais de alguns resíduos proteicos possuem pK’s perto do pH fisiológico, que vai assim permitir que ajam como catalisadores ácidos ou básicos. Assim, a habilidade das enzimas em arranjarem vários grupos catalíticos em volta do seu substrato, faz com que a catálise ácido-base seja um mecanismo de catálise enzimática bastante comum. Logo, vem que a actividade catalítica destas enzimas é sensível ao pH, já que o pH influencia o estado de protonação das cadeias laterais do centro activo. Ø Catálise covalente: A catálise covalente acelera a reacção através da formação de uma ligação covalente catalisador-substrato. Usualmente, esta ligação covalente é formada pela reacção de um grupo nucleófilo catalizador com um electrófilo no substrato. A catálise covalente pode ser decomposta em três partes: 1. A reacção nucleófila entre o catalisador e o substrato para formar uma ligação covalente; 2. A troca de electrões do centro da reacção com o agora electrofílico catalisador; 3. A eliminação do catalisador, uma reacção que é essencialmente a inversa de 1. Um aspecto importante da catálise covalente é que quanto mais estável for a ligação covalente formada, menos facilmente se decompõe a reacção nos seus passos finais. Assim, vem que uma boa catálise covalente é aquela que combina o poder nucleófilo com a habilidade de reverter formação dessa mesma ligação, tal como o fazem certas coenzimas. Ø Catálise metal-iónica: Perto de um terço de todas as enzimas conhecidas necessitam da presença de iões metálicos para a actividade catalítica. Este grupo de enzimas inclui as metaloenzimas que contêm como cofactores iões metálicos (como o próprio nome indica). As enzimas metal-activadas, em contraste, ligam metais iónicos de soluções, usualmente metais alcalinos ou alcalino-terrosos. Os iões metálicos participam no processo catalítico de três formas principais: 1. Ligando-se aos substratos, de maneira a orientá-los adequadamente para a reacção; 2. Permitindo reacções redox, através de mudanças reversíveis nos seus estados de oxidação; 3. Através de estabilização electrostática ou “blindando” cargas negativas. 20 Em muitas das reacções catalisadas por iões metálicos, estes vão funcionar tal qual um protão, neutralizando uma carga negativa. No entanto, estes iões têm a vantagem de poderem existir em mais altão concentrações a pH neutro e de possuirem cargas superiores a +1. Ø Catálise electrostática: A ligação de um substrato geralmente exclui a água do centro activo duma enzima. Assim, pode dizer-se que o centro activo tem as características polares dum solvente orgânico, onde as interacções electrostáticas são muito mais fortes que numa solução aquosa. Depois de muito estudo, verificou-se que as distribuições de carga à volta do centro activo de uma enzima estão arranjadas de maneira a estabilizar os estados de transição das reacções catalisadas. Por outro lado, em muitas enzimas as distribuições das cargas vão, aparentemente, guiar substratos polares aos sítios da ligação, aumentando assim a velocidade da reacção. Ø Catálise através de proximidade e efeitos de orientação: Embora os mecanismos catalíticos das enzimas se assemelhem aos modelos das reacções orgânicas, são muito mais eficientes do que estes últimos. Tal eficiência deve advir das condições físicas específicas nos centros activos das enzimas, que promovem a correspondente reacção química. Os efeitos mais óbvios são proximidade e orientação: os reagentes têm de se “unir” à enzima com a relação espacial própria, de forma a poder dar-se a reacção. Assim, por simplesmente ligarem os seus substratos, as enzimas facilitam a reacção em três aspectos: 1. As enzimas levam os substratos ao contacto com os seus grupos catalíticos; 2. As enzimas ligam os seus substratos na orientação adquada para a reacção; 3. As enzimas param as deslocações de translacção e rotação dos substratos e grupos catalíticos. Este aspecto é importante pois favorece o aparecimento do estado de transição, onde os movimentos relativos aos compostos são mínimos. Ø Catálise por preferência de ligação do estado de transição: Até agora ainda não se considerou um dos mais importantes mecanismos de catálise enzimática: um enzima pode ligar o estado de transição da reacção que catalisa com maior afinidade que os substratos ou produtos. Assim, vem que as enzimas que se ligam preferencialmente ao estado de transição aumentam a concentração deste, aumentando assim proporcionalmente a velocidade da reacção. Por este facto, os estados de transição análogos são inibidores da reacção, uma vez que a enzima os “agarra” como se fossem a molécula a catalisar, 21 inactivando-a. Acontece por vezes que estes análogos tenham maior afinidade com a enzima do que a molécula que pretendemos catalizar. 22 Propriedades cinéticas de enzimas ( Modelo de Michaelis – Menten) Geralmente, a velocidade de catálise V varia com a concentração do substrato [S]. De tal forma que, para uma concentração fixa de enzima, V é quase linearmente proporcional a [S], quando [S] é pequena. Por outro lado, quando a concentração [S] tem valores elevados, a velocidade de catálise é practicamente independente de [S]. O modelo proposto por Michaelis-Menten explica as propriedades cinéticas das enzimas. E + S ↔ ES → E + P Figura 1 – Progressão das curvas para uma reacção simples catalizada por uma enzima. Com excepção da fase inicial da reacção, os declives das curvas de [E] e [ES] são essencialmente zero enquanto [S] >> [E]. Uma enzima E combina-se com o substracto S para formar o complexo ES, com uma constante de velocidade K 1. O complexo ES pode dissociar-se em E e S, com uma constante de velocidade K 2, ou pode prosseguir para formar o produto P, com uma constante de dissociação K3. A equação que explica as propriedades cinéticas das enzimas é a equação de Michaelis-Menten : V=Vmáx* [S]/( [S] + Km ) ( 1 ), sendo Km=(K2+K1)/K3 a constante de Michaelis. De acordo com a equação, verifica-se que para concentrações muito baixas de S, quando [S] muito menor que KM, V=[S] V máx/KM; ou seja , a velocidade é directamente proporcional a [S]. Para concentrações muito elevadas de substrato, quando [S] é muito maior do que K M, V=Vmáx; ou seja, a velocidade máxima é independente da concentração do substrato. Quando a concentração de substrato S é igual ao valor de K M, a velocidade de reacção é metade da sua velocidade máxima; isto é, V=½ Vmáx. 23 Figura 2 – O gráfico de V0 (velocidade inicial) de uma reacção enzimática simples vs. [S] Os valores de V máx e KM podem ser determinados fazendo variar a concentração de S a partir da linearização de Lineweaver-Burk, a qual transforma a equação de Michaelis-Menten num gráfico em linha recta de 1/V em função de 1/[S] , o qual intersecta o eixo de 1/V no ponto 1/Vmáx com uma inclinação de KM/Vmáx. 1/V=1/Vmáx+(1/[S])*KM/Vmáx ( 2 ) Figura 3 – Gráfico de reciprocidade dupla (Lineweaver-Burk). As barras de erro representam ± 0.05Vmax . Influência do pH na actividade enzimática A actividade catalítica aumenta, á medida que o pH aumenta. No entanto, ao atingir um determinado valor de pH, a actividade catalítica atinge o seu máximo - pH óptimo. A partir deste valor de pH, a actividade catalítica das enzimas começa a diminuir, dado que valores pH muito elevados originam a desnaturação das proteínas. 24 Figura 4 – Gráfico da influência do pH na actividade enzimática Influência da Temperatura na actividade enzimática À medida que a temperatura aumenta, a actividade catalítica aumenta também, até atingir um determinado valor - Temperatura Óptima. A partir desta tempe ratura, que corresponde ao valor máximo de actividade enzimática, a actividade catalítica começa a diminuir, pois, a temperaturas elevadas inicia-se a desnaturação térmica das proteínas. -Figura 5 – Gráfico da influência da Temperatura na actividade enzimática Inibição enzimática As enzimas podem sofrer dois tipos de inibição: a inibição irreversível, na qual o inibidor se dissocia muito lentamente da “enzima-alvo”; 25 e inibição reversível, que é caracterizada por uma dissociação rápida do complexo enzima-inibidor. A inibição reversível pode ser de três tipos : Inibição competitiva : a enzima pode ligar-se ao substrato ( formando um complexo ES ) ou ao inibidor ( formando o complexo EI ), porém nunca se pode ligar aos dois ( ESI ). Um inibidor competitivo é semelhante ao substrato, ligando-se ao centro activo da enzima, impedindo assim que o substrato se ligue ao centro activo da enzima. Portanto, este tipo de inibidor diminui a velocidade de catálise, reduzindo a proporção de moléculas de enzima ligadas a um substrato. - Figura 6 - -Figura 7- -Figura 81 - -Figura 92 - Inibição não competitiva : o substrato e o inibidor podem ligar-se à enzima em simultâneo. Então, um inibidor não competitivo age pela diminuição do número de renovação, em detrimento da diminuição da quantidade de complexos ES. 1 Gráfico de V0 em função de [S] para a reacção Michaelis -Menten na presença de diferentes concentrações de inibidor competitivo. 2 Gráfico Lineweaver-Burk correspondente à Fig. 8. 26 - Figura 10 - - Figura 11- -Figura 12 – Gráfico Lineweaver-Burk da enzima Michaelis-Menten na presença de um inibidor não -competitivo. Inibição mista : um inibidor tanto afecta a ligação do substrato, quanto altera o número de renovação. -Figura 13- -Figura 14 – Gráfico Lineweaver-Burk da enzima Michaelis-Menten na presença de um inibidor misto. As inibições competitivas são cinéticamente distinguíveis das não competitivas, ou seja, na presença de um inibidor competitivo a equação ( 2 ) é substituída por 1/V = 1/ Vmáx +(KM/Vmáx) * (1/[S]) * (1+ [I]/ KI ) (3) 27 Na qual [ I ] é a concentração do inibidor e KI é a constante de dissociação do complexo E-I ( KI = [E] * [S] / [EI] ). Na inibição não competitiva , o valor de Vmáx diminui, sendo o seu valor dado pela equação : V = Vmáx / ( 1+ [I]/KI ) ( 4 ) Introdução ao Metabolismo: O metabolismo, o processo no qual sistemas vivos adquirem e usam energia para executar as suas variadas funções, pode ser dividido em duas partes: 1. Catabolismo: ou degradação, na qual os nutrientes e os constituintes celulares são “partidos” nos seus componentes ou para gerar energia; 2. Anabolismo: ou biossíntese, no qual biomoléculas são sintetizadas a partir de compostos simples. O Metabolismo: Ø Estratégias “Trophicas”: Os requerimentos nutricionais dum organismo refletem-se na sua fonte de energia metabólica. Alguns procariontes são autotróficos, ou seja, conseguem sintetizar todos os seus constituintes celulares a partir de moléculas simples (H2O, CO2, NH3, etc.); estes seres podem assim obter a sua energia através de duas maneiras: os chemolitotróficos, que obtêm energia através da oxidação de compostos inorgânicos e os fotoautotróficos, que obtêm energia via fotossíntese. Os heterotróficos, por seu lado, obtêm a energia pela oxidação de compostos orgânicos, dependendo assim dos autotróficos para a obtenção dessas substâncias. Ø Caminhos metabólicos: Os “caminhos” metabólicos são séries de reacções enzimáticas interligadas, que produzem produtos específicos. Em geral, processos catabólicos e anabólicos estão relacionados da seguinte maneira: nos processos catabólicos, complexos compostos (metabólitos) são partidos em produtos mais simples; a energia livre libertada neste processo é conservada pela consequente síntese de ATP a partir de ADP+Pi, ou pela redução da coenzima NADP+ para NADPH. Assim sendo, vem que o ATP e o NADPH são as mais importantes fontes de energia para as reacções anabólicas. A acetil-coenzima A participa na maior parte dos processos catabólicos. Uma das características do metabolismo degradativo é que os caminhos desse catabolismo para um grande número de substâncias convergem em poucos campos intermediários comuns: 28 No caso dos eucariontes, cada processo vai ocorrer num organito celular característico; nos procariontes, como não têm organitos celulares, os processos ocorrem num sítio característico do citosol. Assim, nos eucariontes, para que haja a síntese dos vários metabólitos, há que haver mecanismos que transportem as substâncias entre os vários compartimentos celulares. Existem assim proteínas “transportadoras” que são responsáveis por este processo. Ø Considerações Termodinâmicas: 1. Os mecanismos metabólicos são irreversíveis. Um reacção altamente exergónica é irreversível; se se tratar de uma reacção em vários passos, se um deles for irreversível, então todo o processo se torna irreversível; 2. Todos os mecanismos metabólicos têm um primeiro passo cometido. Embora a maioria das reacções metabólicas estejam 29 muito próximas do equilíbrio química, há quase sempre uma reacção exergónica irreversível num dos primeiros passos do metabolismo. 3. Os mecanismos catabólico e anabólico são diferentes. Se um metabolito é convertido noutro metabolito por um processo exergónico, tem que ser fornecida energia livre para converter o segundo metabolito novamente no primeiro e assim diferentes caminhos de reacção têm de ser tidos em conta pelo menos nalguns passos. Se uma célula requere o metabolito 2, tem de se “desligar” o caminho de 2 para 1 e “ligar” o caminho de 1 para 2. Ø Controlo do Fluxo Metabólico: Este controlo é feito no intuito de manter o organismo num estado mais ou menos constante, o que é necessário, tendo em conta que os organismos vivos são sistemas termodinâmicos abertos. Este controlo pode ser feito através de vários mecanismos que contolam o fluxo através do passo determinante da reacção: 1. Controlo alostérico: Muitas enzimas são reguladas alostericamente, geralmente por substratos, produtos ou coenzimas. 2. Modificação covalente: Muitas enzimas controlam os fluxos de vários “ciclos”. Possuem sítios específicos que podem ser fosforilizados ou desforforilados enzimáticamente ou modificados covalentemente; estas alterações vão alterar a actividade das enzimas em causa. 3. Ciclos de substrato: Se vf e vr representarem as taxas de duas reacções opostas em não-equilíbrio que são catalizadas por diferentes enzimas, vf e vr podem ser independentemente variadas. Por exemplo, o fluxo (vf-vr) pode ser aumentado não apenas acelerando a reacção directa mas também abrandando a reacção inversa. Este tipo de controlo é mais sensível às concentrações dos efectores alostéricos do que o fluxo através de um a reacção simples em não-equilíbrio. 4. Controlo genético: A concentração de enzimas pode ser alterada por síntese proteica em resposta às necessidades metabólicas. Este tipo de controlo é a resposta mais lenta de todos os que vimos até ao momento; Ø Compostos de “alta-energia”: Nas várias reacções oxidativas que ocorrem no organismo, muitas delas libertam uma quantidade considerável de energia. Estes pacotes de energia são conservados pela síntese de poucos tipos de compostos “altamente energéticos”, que pela quebra das suas ligações químicas irão libertar essa energia que vai ser utilizada nos processos endoenergéticos. - ATP e grupo de transferência fosfato: O ATP (adenosina trifosfato), que aparece em todas as formas de vida conhecidas, consiste numa adenosina (adenina+ribose) na qual três grupos fosforil (-PO32-) estão sequencialmente ligados por uma ligação fosfoéster e duas ligações fosfoanídricas. A importância biológica do ATP assenta na grande quantidade de energia que acompanha a quebra das suas ligações fosfoanídricas. De notar que a ligação 30 fosfoanídrica não difere muito da ligação fosfoéster, se olharmos para os seus carácteres electrónicos. Então porque é que a ligação fosfoanídrica no ATP é tão energética? Há três factores que dão resposta a esta pergunta: 1. Os requisitos electrónicos dos grupos fosforil são menos satisfeitos numa ligação fosfoanídrica do que nos seus produtos de hidrólise. 2. Existe também o efeito de destabilização das repulsões electrostáticas entre os grupos carregados duma ligação fosfoanídrica comparada com os seus produtos de hidrólise. 3. Outra influência destabilizadora é a pequena energia de solvatação da ligação fosfoanídrica, comparada com os seus produtos de hidrólise. De nota que, como os produtos da hidrólise do ATP são iões, o ∆G desta vai assim também depender do pH e da força iónica. -Reacções Conjuntas: As reacções exergónicas de “alta energia” podem ser combinadas a processos endergónicos e assim completá-los. Exemplo: (1) A+B ó C+D (2) D+E ó F+G ∆G1 ∆G2 NOTA: ∆G1+∆G2<0 Seja ∆G1≥0 e ∆G2<0; como ∆G1≥0, logo o produto D vai existir em baixa concentração; mas como ∆G2<0, então aqui D é convertido em produtos, gastando assim o excesso em (1) levando a que a reacção (1) se dê no sentido directo de forma a repor D(Princípio de Le Chatelier). - A hidrólise fosfoanídrica conduz alguns processos bioquímicos: A energia das ligações fosfoanídricas pode ser usada para conduzir reacções ao seu equilíbrio, mesmo quando os grupos fosforil não são transferidos para outro composto orgânico. Assim, o ATP vai-se ligar a, por exemplo, proteínas, levando-as assim a uma alteração conformacional; após isto, a hidrólise exergónica do ATP e a consequente libertação de ADP e Pi transforma essas alterações conformacionais em irreversíveis, levando a que o processo avance. -A pirofosfatase inorgânica catalisa a quebra de ligações fosfoanídricas adicionais: Embora muitas reacções envolvendo ATP produzam ATP e Pi, outras produzem AMP e PPi. Neste último caso o PPi é rapidamente hidrolisado para dois Pi pela pirofosfatase inorgânica, levando a que a quebra do ATP pela pirofosfatase consuma duas ligações fosfoanídricas. 31 Reacções redox: Os combustíveis metabólicos são oxidados para CO2, os electrões são transferidos para mensageiros moleculares que, em organismos aeróbicos, transferem os electrões para o oxigénio molecular. O processo de transporte electrónico resulta numa trans-membrana de concentração pr otónica que, pelo gradiente de concentração, guia a síntese do ATP. - NAD+ e FAD: Dois dos mais conhecidos transportadores de electrões são as coenzimas nucleotídicas NAD+ e FAD. A NAD+ pode transportar um electrão, resultando desse transporte um composto sob a forma de NADH. Por seu lado, a FAD é uma coenzima que pode transferir um ou dois electrões sob a forma de FADH e FADH2, respectivamente. As funções metabólicas destas coenzimas levam a concluir que a sua redução é reversível, de forma a que possam aceitar electrões, passá-los para outro transportador electrónico e serem regenerados para participarem em novos ciclos de oxidação e redução. De notar que a FAD não pode ser sintetizada pelos seres humanos, o que implica que a temos de ingerir na nossa dieta. Catabolismo da Glucose: A glicólise é o processo que leva à “quebra” da glucose. É a sequência de dez reacções enzimáticas, na qual uma molécula de glucose é convertida em duas moléculas de gliceraldeído-3-fosfato. Dos três piruvatos carbónicos há o aparecimento de 2 ATP’s. A glicólise é extremamente importante pois tem um papel de destaque no fornecimento de energia sob a forma de ATP e na preparação da glucose e outros composto para seguintes degradações oxidativas. A glicólise pode ser decomposta em duas partes: -Parte I (Investimento energético – reacções 1-5): Na sua fase inicial a glucose é fosforilada e partida de forma a “aguentar” duas moléculas de fosfato. Este processo consome 2 ATP’s. -Parte II (Recuperação energética – reacções 6-10): As duas moléculas de gliceraldeído-3-fosfato são convertidas em piruvato, com a redução de 4 ATP’s. Assim a glicólise vai ter um balanço total positivo de 2 ATP’s, visto que na fase inicial são gastos dois ATP’s. 32 As reacções da glicólise: 33 - Hexocinase: Primeira utilização do ATP A reacção 1 da glicólise é a transferência de um grupo fosforil do ATP para a glucose, formando glucose-6-fosfato (G6P), numa reacção catalisada pela enzima hexocinase. Há que notar que, para que a actividade da enzima seja adequada, tem que haver a presença do ião Mg 2+, pois um ATP não complexado é um potencial inibidor da hexocinase; assim, o Mg 2+ vai funcionar como um escudo para as cargas negativas dos ATP’s, fazendo com que o γ-fósforo seja mais acessível ao ataque nucleófilo do grupo C6-OH da glucose. - Isomerase fosfoglucosídica: A reacção 2 da glicólise é a conversão do G6P em frutose-6-fosfato (F6P), através da acção da enzima isomerase fosfoglucosídica (transformação de uma hexose numa pentose). O mecanismo reaccional proposto envolve catálise ácido-base pela enzima: 1. 2. 3. 4. O substrato liga-se. Um ácido enzimático vai catalisar a abertura do anel da hexose. Uma base abstrai o protão ácido formando um cis-enolato. O protão é reposto em C1. Os protões abstraídos pelas bases rapidamente trocam com os protões do solvente. 5. O anel fecha-se de maneira a formar o produto que é consequentemente libertado da enzima, completando o ciclo catalítico. -Fosfofrutocinase: segunda utilização de ATP A reacção 3 da glicólise é catalisada pela enzima fosfofrutocinase. Esta última fosforila o F6P, formando fructose-1,6-bifosfato (FBP ou F1,6P). Esta reacção é semelhante à reacção 1 e também se dá na presença do ião Mg2+. -Aldolase: A reacção 4 da glicólise é catalisada pela aldolase e é onde há a quebra do FBP para formar duas trioses: gliceraldeído-3-fosfato (GAP) e dihidroxoacetonofosfato (DHAP). -Isomerase Fosfotriose: Apenas o GAP continua o processo glicolítico. No entanto, como o GAP e o DHAP são isómeros funcionais aldeído-cetona, podem ser interconvertidos por uma reacção de isomerização por intermédio de um enodiol. A triosefosfato isomerase catalise este processo: reacção 5 da glicólise. 34 -Gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase: primeira formação energética: A reacção 6 da glicólise é a oxidação e fosforilação do GAP pelo NAD+ e Pi, catalisada pela enzima gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase. Nesta reacção (oxidação aldeídica), uma reacção exergónica conduz à síntese do altamente energético 1,3-bofosfoglicerato (1,3-BPG). -Fosfoglicerato-cinase: primeira formação de ATP: Na reacção 7 da glicólise forma-se 1 ATP, sobrando 3-fosfoglicerato (3PG), numa reacção catalisada pela enzima fosfoglicerato-cinase. De notar a ligação Mg2+-ADP. -Fosfoglicerato-mutase: Na reacção 8 da glicólise 3PG é convertido em 2-fosfoglicerato (2PG) pela enzima fosfoglicerato-mutase. Uma mutase cataliza a troca intramolecular de um grupo funcional de uma posição para outra. -Enolase: segunda formação energética: Na reacção 9 o 2PG é desidratado para fosfoenolpiruvato (PEP), numa reacção catalisada pela enolase. -Pirovato-cinase: segunda formação de ATP: Na última reacção da glicólise, a enzima pirovato-cinase junta a energia livre resultante da “quebra” do PEP, sintetizando ATP e formando piruvato. Controlo da glicólise: Em condições constantes, a glicólise opera continuamente, embora o fluxo glicolítico tenha de variar de acordo com as necessidades do organismo. O controlo dos mecanismos de fluxo, como o da glicólise, envolve m três passos: 1. Identificação da velocidade de cada patamar do ciclo, medindo “in-vivo” o ∆G de cada reacção. 2. Identificação “in-vitro” de modificadores alostéricos das enzimas envolvidas. 3. Medição “in-vivo” dos níveis dos supostos reguladores, debaixo de condições variadas. 35 Ciclo do ácido cítrico (Ciclo de Krebs): O ciclo do ácido cítrico é uma engenhosa série de oito reacções que oxida o grupo acetil da acetil-CoA para duas moléculas de CO2 de uma maneira tal que conserva a energia libertada nos compostos reduzidos NADH e FADH2. Um ciclo completo liberta duas moléculas de CO2, três NADH, um FADH2 e um composto altamente energético: ATP+GTP. 36 -Síntese da acetil-coenzima A: A acetil-coenzima A é formado do piruvato através de descarboxilação oxidativa por um complexo multienzimático (grupo de enzimas associadas entre si não covalentemente que catalizam dois ou mais passos sequenciais de um processo metabólico) chamado desidrogenase pirúvica. Este complexo possui múltiplas cópias de três enzimas: E1, E2 e E3. O complexo desidrogenase pirúvica cataliza cinco reacções sequenciais: - O piruvato é oxidado a acetato, com a libertação de CO2. - Alguma energia da oxidação é conservada pela redução de NAD+ a NADH. - Parte da energia restante é armazenada temporariamente, adicionando a molécula de CoA ⇒ Acetil-CoA. A sequência das reacções é a seguinte: 1. 2. 3. 4. 5. Descarboxilação do piruvato (libertação de CO2). O carbono hidroxietil é oxidado para um grupo acetil. O grupo acetil é transferido para a CoA. Oxidação da desidrolipoamida, para regenerar o grupo lipoamida da E2. A E3 é reduzida e reoxidade, produzindo NADH. Enzimas do ciclo do ácido cítrico: -Reacção 1: Citrato sintase: A enzima citrato sintase medeia a reacção da Acetil-CoA e oxaloacetato a citrato. -Reacção 2: Aconitase: Mediadora da reacção de isomerização do citrato a isocitrato. -Reacção 3: Isocitrato desidrogenase: Esta enzima conduz à descarboxilação oxidativa do isocitrato a αcetoglutarato. -Reacção 4: α -cetoglutarato desidrogenase: Esta reacção é a reacção de descarboxilação oxidativa do α-cetoglutarato a succinil-CoA. 37 -Reacção 5: Succinil-CoA sintetase: Hidrólise da succinil-CoA a succinato por fosforilação do GTP. -Reacção 6: Succinato desidrogenase: Desidrogenação estereospecífica do succinato a fumarato. -Reacção 7: Fumarase: Hidratação estereospecífica do fumarato a L-malato. -Reacção 8: Malato desidrogenase: Oxidação do L-malato a oxaloacetato. Regulação do ciclo do ácido cítrico: A disponibilidade de substratos, a inibição pelos produtos e a inibição por feedback por outros intermediários do ciclo, influenciam a operacionalidade deste ciclo. O ciclo á assim regulado por mecanismos de feedback, que coordenam a produção de NADH com o gasto energético. -Balanço global em termos de número de moléculas de ATP produzidas por molécula de glucose: Os cofactores NADH e FADH2 são reoxidados na cadeia de transporte electrónico, com a redução de O2 a H2O. A energia do transporte electrónico é conservada através da síntese de ATP pela fosforilação oxidativa: - Por cada NADH são produzidas cerca de 3 moléculas de ATP. - Por cada FADH2 são produzidas cerca de 2 moléculas de ATP. Assim, vem que, em condições aeróbias: 38 -Natureza Anfibólica do ciclo de Krebs: Um trajecto metabólico ou é catabólico ou é anabólico. O ciclo de Krebs é catabólico, pois envolve degradação e é um importante sistema de conservação energético nos organismos. No entanto, muitos dos produtos intermediários deste ciclo são usados em biossíntese, ou seja, em reacções anabólicas. O ciclo de Krebs é assi anfibólico (catabólico e anabólico em simultâneo). Reacções anapleróticas-> reacções que permitem repôr os inetermediários do ciclo que forem sendo consumidos. 39 Transporte electrónico e fosforilação oxidativa: Os organismos anaeróbicos consomem oxigénio e geram dióxido de carbono num processo de oxidação dos “combustíveis” metabólicos. A completa oxidação da glucose, por exemplo, pelo oxigénio: C6H12O6 + 6O2 → 6CO2 + 6H2O Esta reacção pode ser separada em duas “meias” reacções que a máquina metabólica leva a cabo. Na primeira dá-se a oxidação dos átomos de carbono da glucose (glicólise e ciclo de Krebs): C6H12O6 + 6H2O → 6CO2 + 24H+ +24e Na segunda, o oxigénio molecular é reduzido: 6O2 + 24H+ + 24e - → 12H20 Assim, verificou-se que os 12 pares electrónicos libertados durante a oxidação da glucose não são directamente transferidos para o O2, são é transferidos para as coenzimas NAD+ e FAD, formando 10NADH e 2 FADH2. Os electrões depois passam para a cadeia de transporte electrónico mitocondrial, um sistema de percursos electrónicos interligados. 40 -A mitocôndria: Nos eucariontes, a fosforilação oxidativa ocorre na mitocôndria. A mitocôndria é um organelo celular que possui uma membrana externa permeável à maioria das moléculas pequenas e uma outra membrana interna, que contém uma vasta área de invaginações. O número de invaginações chama-se cristae e reflecte a actividade respiratória da célula, pois é aí que se dá o transporte electrónico. Esta membrana interna divide a mitocôndria em dois compartimentos, o espaço intermembranar e a matriz interna. -Fosforilação oxidativa: A fosforilação oxidativa é um processo pelo qual é formado ATP quando os electrões são transferidos do NADH e do FADH2 para o O2, através de uma série de transportadores electrónicos. A fosforilação ocorre na membrana interna da mitocôndria. O ciclo de Krebs e a oxidação dos ácidos gordos, que fornecem a maior parte dos cofactores reduzidos, dão-se na matriz mitocondrial. A oxidação do NADH origina 3 ATP’s, enquanto que a oxidação do FADH2 origina 2 ATP’s. A oxidação e a fosforilação são processos acoplados. A transferência electrónica dá-se passo a passo, do NADH ou FADH2 para o O2, através de uma série de transportadores electrónicos (I, III, IV), o que produz um bombardeamento de protões para fora da matriz mitocondrial. Gera-se assim uma força, que consiste num gradiente de pH e num potencial electroquímico transmembranar. O ATP é assim sintetizado quando os protões voltam a entrar na matriz mitocondrial através de um complexo enzimático (V-ATPase). A cadeia respiratória consiste em 3 complexos enzimáticos (I, III, IV), ligados por dois transportadores electrónicos: CoQ e Citocromo C. 41 -O transporte electrónico: Complexo I → NADH – CoQ reductase NADH + CoQ (ox) → NAD+ + CoQ (red) NOTA: O complexo II (succinato-CoQ-reductase) também participa nesta reacção redox. Complexo III → CoQ – Citocromo C – reductase CoQ (red) + Cit C (ox) → CoQ (ox) + Cit C (red) Complexo IV → Citocromo C oxidase Cit C (red) + ½ O2 → Cit C (ox) + H2O Fosforilação Oxidativa: A energia livre libertada no transporte electrónico é conservada de modo a ser utilizada pela ATP sintetase. Tal conservação energética é chamada de acoplamento energético de transducção de energia. Vamos então explorar este mecanismo de acoplamento e a operação da ATP sintetase. Ø Hipótese Quimiosmótica: Esta teoria pressupõe que á acoplamento do transporte electrónico gerando a síntese de ATP devido à criação de um gradiente protónico na membrana mitocondrial interna. Dados experimentais que comprovam a Teoria de Mitchell: 1. A fosforilação oxidativa requer membranas intactas. 2. A membrana mitocondrial interna é impermeável a iões, pois a sua livre difusão iria descarregar o gradiente electroquímico. 3. Durante o transporte electrónico é gerado um gradiente protónico através da membrana. 4. Compostos que aumentam a permeabilidade da membrana a H+, dissipando assim o gradiente electroquímico (desacopladores), permitindo o transporte electrónico, mas parando a síntese de ATP. 5. O aumento artificial da acidez no exterior da membrana estimula a síntese do ATP. Ø Força protomotriz: Força protomotriz = Gradiente Químico (∆ ∆ pH) + Potencial da membrana (E m) 42 ∆ G= 2.3 RT ∆ pH + Z ∆ Ψ F Z – carga do protão ∆Ψ- potencial da membrana F- constante de Faraday ∆ pH = (pH matriz) – (pH citosol) -Desacoplamento da fosforilação oxidativa: Este desacoplamento é efeito de desacopladores (DNP, FCCP), que são ácidos fracos, lipofílicos, que atravessam a membrana na forma protonada, dissipando assim o gradiente protónico e destruindo o acoplamento entre o transporte electrónico e a fosforilação oxidativa, libertando energia na forma de calor. -Desacoplamento da fosforilação oxidativa induzido hormonalmente: 1. 2. 3. 4. 5. 6. A norepinefrina liga-se ao receptor O receptor estimula a adenilato ciclase a produzir cAMP O cAMP activa a cinase cAPK A cAPK fosforila a lipase Dá-se a hidrólise dos triglicéridos Desacoplamento e entrada de H+. Metabolismo do glicogénio e gluconeogénese: O glicogénio funciona nos animais como uma reserva de glucose (polimerizada) de fácil mobilidade, sendo uma constante fonte de glucose/energia para todos os tecidos. O glicogénio é armazenado principalmente no fígado. O glicogénio é assim um polímero de glicose, com ligações α-1,4 em cadeia e ligações α-1,6 para as ramificações (cada ramificação tem de 8 a 12 resíduos). Ø Porquê glicogénio? 1. Regulação dos níveis de glucose no sangue, pois o gerado pelo metabolismo das gorduras é insuficiente; 2. Libertação da glucose entre refeições e durante a actividade muscular, pois os músculos não mobilizam a gordura tão rapidamente como o glicogénio; 43 Ø Porquê estrutura ramificada? 1. Maior solubilidade; 2. Maior número de pontos de metabolização, ou seja, vai possuir vários extremos não redutores por onde a remoçã sequencial se dá, tendo por seu lado apenas um extremo redutor. Degradação do Glicogénio. A degradação do glicogénio dá-se através de um processo que inclui 3 enzimas: glicogénio fosforilase, transferase e fosfoglucomutase. 1. Glicogénio fosforilase: Glicogénio + Pi ó Glicogénio + G1P (Glucose 1-P) (n resíduos) (n-1 resíduos) 2. “Debranching enzyme” (transferase) Esta enzima remove as ramificações do glicogénio, tornando os resíduos de glicose acessíveis para a acção da enzima glicogénio fosforilase. 44 3. Fosfoglucomutase: Converte G1P em G6P, que pode ter vários destinos metabólicos. Síntese do Glicogénio: Existem caminhos diferentes para a degradação e para a biossíntese. Biossíntese: 1. Activação da Glucose 1-P: G6P → G1P (reacção mediada pela enzima mutase) G1P + UTP ⇔ UDGP (uridinadifosfato glucose) + PPi 2. Glicogénio sintetase: Formação de ligações glicosídicas α-1,4 no glicogénio UDP-Glucose + Glicogénio (n resíduos) → UDP + Glicogénio (n+1 resíduos) Mas, é de notar que esta reacção apenas prolonga uma cadeia de glicogénio já existente. Como se inicia então a sítese do glicogénio: Ø Uma glucosiltransferase tirosina junta uma glucose a uma tirosina duma proteína chamada glicogenina; então, a glicogenina autocataliza a extensão da cadeia de glucose através da enziza glicogénio sintetase, até sete resíduos. 45 3. Ramificação da cadeia de glicogénio: Quebra de ligações glicosídicas α-1,4 e formação de ligações α-1,6, através da enzima amilo (1,4→1,6) transglicosilase. Controlo do metabolismo do glicogénio: A síntese e degradação do glicogénio são exergónicos em condições fisiológicas, logo, tal facto torna a sua regulação importante, de acordo com as necessidades celulares. Assim, a glicogénio fosforilase entra em “competição” com a glicogénio sintetase, consoante as necessidades do organismo em questão. O controlo dá-se por: 1. Regulação alostérica: controlo da concentração de cada uma das enzimas anteriores por inibidores. 2. Modificações covalentes, por controlo hormonal: - Insula, situado no fígado, estimula a síntese do glicogénio. Epinefrina (músculo) e glucagon (fígado), estimulam degradação do glicogénio, mediada pelo AMP cíclico (cAMP). a 3. Regulação em cascata: fosforilação/defosforilação/controlo hormonal. 46 Assim, vem que a cAMP controla a percentagem de enzima na forma fosforilada, o que implica uma maior velocidade de activação da enzima e a consequente menor velocidade de desactivação. Para uma taxa de glucose baixa no sangue, temos: Pâncreas segrega glucanona ↓ Receptores da glucanona no fígado activam a adenilato ciclase ↓ Aumento da cAMP ↓ Aumento da ve locidade de degradação do glicogénio ↓ Aumento da G6P intra celular ↓ G6P + H2O ↓ Glucose + Pi ↓ Sangue Para uma taxa alta de glucose no sangue, temos: Pâncreas segrega insulina ↓... Diminui cAMP ↓ Aumenta a velocidade de síntese do glicogénio 47 Gluconeogénese: Questão central: Substituir as três reacções irreversíveis da glicólise. 48 Regulação da glucanogénese: - Para níveis elevados de glucose no sangue: Síntese de glicogénio ↓ Activação da glicólise ↓ Produção de Acetil-CoA ↓ Biossíntese de ácidos gordos e armazenamento de gorduras - Para níveis baixos de glicose no sangue: Estimulada a degradação do glicogénio ↓ Estimulada a gluconeogénese ↓ Maior produção de glucanona ↓ Maior produção de cAMP ↓ Fosforilação das enzimas ↓ Activação do FBP-2 (inactivação do PKF-2) ↓ Maior concentração de F2,6P ↓ Inibição da fosfofrutocinase (PFK) activada a frutosebifosfatase (FBP) ↓ Aumento da gluconeogénese