11 - TENDÊNCIAS - Propaganda e marketing na informação

Propaganda
TENDÊNCIAS
Propaganda e marketing
na informação nutricional
Emília Y. Ishimoto e Marcia de Araujo Leite Nacif (*)
E
mbora muitas vezes entendidos como
sinônimos, os termos publicidade, propaganda e marketing não têm o mesmo
significado. A expressão publicidade significa o ato de vulgarizar, de tornar público um fato ou idéia; já a propaganda é
definida como a propagação de princípios e teorias; e, finalizando, o marketing é
o processo de descoberta e interpretação
das necessidades, desejos e expectativas
do consumidor e das exigências para as
especificações do produto e serviço e continuar, através de efetiva promoção, distribuição, assistência pós-venda, a con(*) Mestradas em Nutrição, Faculdade
de Saúde Pública, Universidade de São Paulo
28
vencer mais e mais clientes a usarem e
continuarem usando esses produtos e serviços (HASS 1978).
A publicidade significa, portanto, divulgar, tornar público, e a propaganda compreende o objetivo de implantar, de incutir uma idéia ou uma crença na mente
alheia; e ambos fazem parte de uma das
etapas finais do planejamento estratégico
de marketing, que é chamada de comunicação. Desta forma, a publicidade tem o
fim único de estabelecer comunicação com
os consumidores, informá-los de que existe um produto e mostrar como este combina com suas necessidades e desejos, além
de persuadí-los na meta final, que consiste na venda do produto em questão
(GRAZINI & COIMBRA 1997).
Segundo ROCHA (1987), a publicidade
é uma forma impessoal de comunicação,
que pode ser definida como um conjunto
de atividades – como a utilização de meios de comunicação de massa – através das
quais determinadas mensagens são transmitidas a um público-alvo, com o propósito explícito de informar, motivar e persuadir este público a adotar serviços ou idéias, sob o patrocínio de determinada organização (GRAZINI & COIMBRA 1997).
SCHEWE (1982) afirma que a propaganda permite ao público reconhecer um produto, associá-lo a algum benefício ou valores agregados a ele, movendo-os à ação
de compra. Desta forma, atinge o objetivo
(“target”) que o profissional de marketing
aspira (GRAZINI & COIMBRA 1997).
BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001
tos a utilizar meios
A publicidade,
Resumo
publicitários difeusada no sentido
renciados, como a
comercial, atingiu
Nas últimas décadas, verificou-se a evolução do consumidor no sentido de adotar uma
postura
mais
consciente
em
relação
aos
produtos
que
adquire.
Na
área
de
alimentos
esta
divulgação de fosua forma madura
evolução
foi
nítida,
em
função
do
conceito
de
qualidade
de
vida,
cada
vez
mais
difundido
no
lhetos com inforhá cerca de 100
Brasil e no mundo – neste cenário foi agregado à dieta o atributo de saúde, fundamental para
mações técnicas
anos, quando os
manter ou promover a qualidade de vida. A indústria de alimentos e todos os setores da cadeia
juntamente com a
consumidores coagroalimentar acompanharam este maior interesse por parte do consumidor. Discute-se muito
embalagem do promeçaram a depeno papel da propaganda e do marketing, recursos amplamente utilizados pelas empresas de
alimentos
e
o
seu
impacto
na
saúde
do
consumidor,
e,
no
sentido
coletivo,
na
saúde
pública.
duto. Outro recurder de marcas para
Questões
éticas
fazem
parte
desta
discussão,
especialmente
quando
se
verifica,
na
propaganso, que tem desperdistinguir entre os
da enganosa, que as normas legislativas não são cumpridas – aí prepondera a ação do Estado
tado muita polêmidiversos produtos, e
na garantia da segurança alimentar, um direito básico dos cidadãos. Também são consideraca entre setores
tornou-se mais exidos o papel dos órgãos de defesa do consumidor e dos profissionais de saúde no processo de
que representam a
gente, tal a compleorientação e educação alimentar da população. Apesar de mais consciente, o consumidor
continua
em
uma
posição
extremamente
vulnerável
quando
se
trata
de
segurança
alimentar.
O
indústria alimentíxidade dos sistemas
consumidor
brasileiro,
em
particular,
apresenta
ainda
uma
postura
passiva,
quando
poderia
cia e a saúde públide distribuição e a
usar seu poder de compra como instrumento para fazer valer seus direitos de cidadão.
ca, é a inclusão de
sofisticação dos proalegações de saúde
dutos industrializa(health
claims)
nos
rótulos
de alimentos,
sagens
adequadas
para
o
meio
escolhido
e
dos. Os objetivos de venda de um produto
que é melhor discutido mais adiante.
são traduzidos para uma mensagem especí- verba disponível (SANT‘ANNA 1989).
Um estudo experimental conduzido na
fica, que na “mercadização” é codificada a
Recursos utilizados em marketing
fim de ser interpretada pelos seus consumi- Califórnia (EUA) teve como finalidade indores. Para isto, a publicidade vale-se de vestigar o impacto dos comerciais de teAlém do estabelecimento dos meios
um meio de comunicação, que pode ser levisão sobre crianças em idade pré-esentendido como todo meio, forma ou recur- colar (de 2 a 6 anos). Uma parte destas através dos quais o mercado de oferta se
so capaz de levar ao conhecimento do con- crianças assistiu a um videotape de de- comunica com o mercado de consumo, o
sumidor a mensagem publicitária elaborada senho animado com personagens conhe- marketing estuda também a influência de
para fazer a propaganda ou divulgar um pro- cidos, onde comerciais de produtos ali- outros elementos que atraem a atenção
mentícios foram inseridos de modo im- do consumidor, tanto a nível do consciduto ou serviço (SANT’ANNA 1989).
plícito, veiculados como elementos nor- ente quanto do inconsciente; alguns desmais do programa. Um 2º grupo assistiu tes elementos, como a cor e a embalaOs meios de comunicação
ao mesmo videotape, mas sem os comer- gem, são considerados de grande imporAs palavras mídia (de médium) ou ciais. Após a exposição do videotape, to- tância, por serem fatores que influencimeio, designam os elementos materiais das as crianças foram questionadas sobre am na decisão de compra.
Quando no cérebro se produz a sensaque divulgam a mensagem e geralmente suas preferências de marcas de produtos,
são classificados como: visuais (jornais, sendo que diversas marcas foram apresen- ção da cor, esta se encontra ao nível do
revistas, periódicos especializados, car- tadas, inclusive as que foram expostas no inconsciente. Sabe-se que o homem reage,
tazes, painéis, luminosos, prospectos, 1º videotape. Os resultados revelaram que muitas vezes, impulsionado pelo inconscifolhetos, cartas, catálogos, “displays”, a escolha das marcas veiculadas no 1º ente coletivo, onde o simbolismo coletivo
vitrines e exposições); auditivos (rádio e videotape foi significativamente maior en- das cores (ex: o verde simboliza a espealto falantes); audiovisuais (televisão e tre as crianças que o assistiram, comparado rança) representa um papel de destaque;
cinema) e interativos (cd-rom e internet) às crianças do 2º grupo (BORZEKOWSKI e reage, também, impulsionado por seu consciente individual, o que caracteriza uma
(GRAZINI & COIMBRA 1997).
ROBINSON 2001).
Diante da vasta gama de produtos, o meio
Outros autores relatam a eficácia dos co- maneira personalizada de responder aos esde comunicação mais acessível à popula- merciais de televisão como um instrumento tímulos que irão determinar suas preferênção é a televisão. Este é, entre os veículos de influência na definição de preferências cias e idiossincrasias (FARINA 1975).
A embalagem de produtos alimentíutilizados pela mídia, o que parece exercer entre os consumidores (DOYLE e FELDMAN
maior impacto sobre o consumidor a nível 1997; ALMEIDA et al 1997; CARVALHO e cios tem como uma das funções esticoletivo, pois possibilita a transmissão de GALLI 1980). Estes estudos têm suscitado mular o paladar, e a cor é o fator que,
mensagens através da junção de três ele- um amplo debate entre profissionais da saú- em primeiro lugar, atinge o olhar do
mentos: som, imagem e movimento. O nú- de, que levantam questões como a necessi- consumidor. Portanto, é para ela que
mero de vezes que um comercial é exibido dade de se impor limites de exposição das devem se dirigir os primeiros cuidados,
principalmente se considerarmos as liou a freqüência e intensidade de inserção crianças aos comerciais de televisão.
dos comercias de televisão são estabeleciEm relação ao consumidor adulto, foi gações emotivas que envolvem e seu
dos única e exclusivamente pelo planeja- notório o aumento de seu interesse sobre grande poder sugestivo. Torna-se, enmento publicitário, precisamente a parte da a relação entre dieta e saúde, principal- tão, evidente o valor das cores, agregamídia que obedece às recomendações quanto mente a partir da década de 80 (CELESTE do à embalagem, na persuasão do conao mercado a ser atingido, veículos de di- 2001). Este novo perfil levou os setores sumidor. Há todo um complexo procesvulgação, apelos a serem empregados, men- relacionados à comercialização de alimen- so que começa no indivíduo a partir do
BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001
29
TENDÊNCIAS
momento em que é
excitado pelas características externas do
produto, terminando
no ato em que o adquire. Neste processo,
na maior parte das
vezes a razão não intervém, embora o indivíduo esteja sempre
pronto a racionalizar
operacionalmente o
seu comportamento.
Não se pode esquecer
do tr abalho prévio
executado pelos órgãos de publicidade e
marketing, que prepara o subconsciente do
consumidor, condicionando-o a uma escolha (FARINA 1975).
Propaganda e marketing nutricional
Por serem produtos de demanda primária, os alimentos representam um imenso
potencial de mercado consumidor, o que
leva os setores de produção, desenvolvimento e industrialização de alimentos a
investir cada vez mais em publicidade para
despertar efetivamente os motivos para a
aquisição de seus produtos.
É cada vez maior a escolha pelo consumo de alimentos industrializados, por diversas razões, entre elas praticidade e conveniência. Isto levou a um notável crescimento da indústria alimentícia, que tem
apresentado como estratégia básica de diferenciação de seus produtos muitos investimentos em técnicas de processamento e
marketing, como também em pesquisa para
identificação de novas necessidades do consumidor. Sendo fundamental a satisfação das
necessidades do cliente para o êxito de uma
empresa ou de um negócio, considera-se,
no marketing de alimentos, a necessidade
fisiológica de se alimentar, ou de saciar o
prazer em se adquirir determinado gênero
alimentício. Assim, a aquisição de um produto ou serviço vai ao encontro da tentativa de satisfazer uma necessidade já instalada (GONSALVES 1996).
Considera-se que a estrutura de preferências de determinados produtos podem
sofrer alterações ao longo do tempo. É exatamente neste ponto que as empresas têm
condições de influenciar seus consumidores e, portanto, a demanda por meio de suas
30
atividades de marketing. Como mencionado
anteriormente, as últimas décadas mostraram uma crescente conscientização das pessoas quanto à importância de uma vida saudável que, entre outras coisas, inclui o consumo de alimentos considerados saudáveis,
ou seja, com menor conteúdo de gorduras e
calorias, rico em fibras, pobre em sódio, etc.
Neste sentido, existe uma necessidade dos
consumidores em adquirir produtos que possam promover ou manter sua qualidade de
vida (GONSALVES 1996).
Em resposta a este novo perfil, que valoriza alguns alimentos na busca de melhor
qualidade de vida, o setor alimentício, através da propaganda e marketing, tem colocado o consumidor em contato com novos
produtos alimentícios, explorando sua dimensão nutricional. Assim, foi denominado
marketing nutricional o marketing que põe
o consumidor em contato com as diferenças de caráter nutricional dos produtos
(GONSALVES 1996).
Já o termo propaganda nutricional está
mais relacionado a informações expressas
nos rótulos dos alimentos. De acordo com
CELESTE (2001), a propaganda nutricional
tem definições e termos diferenciados em
diferentes países. No Reino Unido, por
exemplo, a expressão utilizada para designar propaganda nutricional é Nutrition
Claim, definida como qualquer declaração,
sugestão ou significação em qualquer rótulo, apresentação ou propaganda de alimento de que este tenha propriedades
nutricionais. A legislação brasileira segue
o estabelecido pelo Mercosul, que preconiza a utilização do termo “informação
nutricional complementar (INC)” conceituado como qualquer
representação que declare, sugira ou dê a
entender que o produto tem certas propriedades nutricionais em
relação ao seu valor
energético, conteúdo
de proteínas, carboidratos, gorduras ou fibras, tanto quanto vitaminas e sais minerais. Em 13/01/1998 a
INC foi normatizada
através da Portaria nº
27, do Ministério da
Saúde. Em geral, a propaganda nutricional
aparece de modo destacado na embalagem,
com termos que despertam a atenção, como
por exemplo “rico em fibras”.
É importante ressaltar a questão da
confiabilidade das informações, que se
relaciona diretamente à segurança dos
alimentos. Neste sentido, a discussão do
papel do marketing de alimentos na informação nutricional remete obrigatoriamente a uma avaliação dos fatores que
interferem na segurança alimentar e, portanto, na saúde do consumidor.
Marketing, segurança
alimentar e saúde pública
Pode-se definir segurança alimentar
como o inverso de risco alimentar, ou seja,
a probabilidade de não sofrer nenhum dano
pelo consumo de um alimento (HENSON &
TRAILL 1993). A garantia da segurança
alimentar depende da eficácia nas interrelações entre as diversas etapas da cadeia agroalimentar, envolvendo desde operações de produção até a comercialização,
quando o consumidor irá decidir, na sua
escala de valores, se o preço a pagar é justo. Nesta etapa, é preponderante o papel
da propaganda e marketing na informação
e orientação do consumidor.
Marketing de alimentos: prós e contras
A veiculação de uma gama de informações relativas aos alimentos é um aspecto
que valoriza o marketing na promoção da
saúde coletiva, considerando-se que as informações, quando bem conduzidas, se cons-
BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001
TENDÊNCIAS
tituem num poderoso
instrumento no processo de educação alimentar da população.
Além disso, por ser
um processo de identificação dos desejos e
expectativas do consumidor, o marketing representa uma ponte entre as exigências materiais e padrões econômicos do consumidor.
Assim, as atividades
de marketing podem
tornar possível a realização dos desejos do
público em se adquirir produtos conforme
seu poder aquisitivo.
Entretanto, um dos grandes anseios do
consumidor, ao adquirir produtos, por qualquer razão que seja, é estes serem
confiáveis; para isto, é preciso que as informações apresentadas pelos fabricantes
sejam fidedignas. Se, ao contrário, estas
informações forem falsas, ambíguas, confusas ou vagas, o consumidor será lesado
moral e financeiramente, além de sofrer
riscos à sua saúde. Por ser potencialmente
deletéria à população, a prática da divulgação de qualquer informação que induza a
erro foi condenada pela American Dietetic
Association (ADA). Segundo a ADA, as alegações de saúde e de conteúdo nutricional
(health claims), seja em rótulos ou em publicidade, devem ser baseadas em evidência científica. Estas alegações devem ser
feitas no contexto global da alimentação
diária, e levar em consideração tanto os
efeitos positivos quanto negativos dos componentes alimentares e nutrientes. Devem,
ainda, ser baseadas em critérios pré-determinados e aprovadas pelas agências federais responsáveis (ADA Reports 1990).
Alguns autores acreditam que a propaganda na área de alimentos explora, em sua
maioria, apenas os atributos benéficos, o
que pode resultar em um problema de saúde pública. A propaganda, segundo os mesmos, deveria ser utilizada como um meio de
informação e atualização dos consumidores, orientando-os concreta e lealmente para
a realização da opção de compra que lhes
seja mais adequada e vantajosa. (SPERS
1996; CARVALHO & GALLI 1980).
Outra importante questão que se coloca é a influência do marketing nos padrões
alimentares da população. O Brasil atravessa um período de transição nutricional
que revela um declínio qualitativo da dieta em função do aumento do consumo de
açúcares refinados e gorduras saturadas e
consumo reduzido de fibras e ácidos graxos
poliinsaturados – isto, somado à diminuição
da atividade física, contribui para o aumento da prevalência da obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis, como doenças cardiovasculares (MONTEIRO 1995).
Os níveis crescentes da prevalência da
obesidade nas últimas décadas, tanto em
crianças como adolescentes e adultos, chamaram a atenção de diversos pesquisadores no Brasil e no mundo, que investigaram os possíveis fatores determinantes do
padrão alimentar descrito acima, conhecido como “dieta ocidental”. A influência dos
comerciais de televisão foi apontada como
um destes fatores, especialmente no desenvolvimento da obesidade entre crianças e adolescentes (DOYLE & FELDMAN
1997; OLIVARES et al 1999).
Rótulos e propaganda nutricional
Com o novo perfil do consumidor que
se delineia, ou seja, cada vez mais consciente e interessado por informações, o marketing tem explorado ao máximo os recursos da embalagem e rotulagem dos alimentos, destacando sobretudo os “possíveis”
atributos benéficos à saúde, através da propaganda nutricional.
A portaria nº 42, de 13.01.98, do Ministério da Saúde, que regulamenta a
rotulagem de alimentos embalados, deter-
BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001
mina que: “não devem
ser descritos no rótulo
vocábulos, sinais, denominações, emblemas, ilustrações ou
qualquer representação
gráfica que possam tornar a informação falsa,
insuficiente ou confusa,
induzindo o consumidor
a engano. Da mesma forma, o rótulo não pode
indicar que o alimento
possui propriedades medicinais ou terapêuticas,
aconselhando seu consumo para evitar ou curar doenças”.
Além disso, a Portaria nº 27, que foi elaborada com base no Codex Alimentarius/
97, estabelece normas específicas para a
propaganda nutricional, ou INC – Informação Nutricional Complementar.
Segundo Marília Regini Nutti, coordenadora do Grupo de Trabalho de Rotulagem
de Alimentos do Brasil e de Rotulagem
Nutricional do MERCOSUL, “a INC tem por
objetivo facilitar a compreensão do consumidor quanto ao valor nutritivo dos alimentos e ajudá-lo a interpretar a declaração sobre o nutriente. Todavia, não será
permitido o seu uso quando puder ocasionar interpretação errônea ou engano por
parte do consumidor” (RODRIGUES 1999).
Esta Portaria deverá ser complementada por uma Resolução publicada pela
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária) em 21 de setembro de 2001,
que padroniza as informações de rótulos
de alimentos e bebidas, sobre seus componentes nutricionais. Na tabela de informação nutricional do produto deverão constar dez itens: valor calórico,
carboidratos, proteínas, gorduras totais,
gorduras saturadas, colesterol, ferro, fibra alimentar, cálcio e sódio. A quantidade deverá ser indicada para porções
individuais, expressas em gramas ou mililitros, determinadas pela ANVISA para
cada categoria de alimento. A medida faz
parte das ações do ministério para orientar a população a consumir produtos
mais saudáveis. De acordo com Ricardo
Oliva, diretor de Alimentos e Toxicologia
da ANVISA, estes parâmetros foram criados para a educação alimentar da população – o consumidor terá critérios para
31
TENDÊNCIAS
uma alimentação mais
saudável. Por exemplo,
será mais fácil controlar uma dieta limitada
no teor d e gorduras
saturadas e colesterol.
Apesar das normas
estabelecidas pelo Ministério da Saúde, inúmeras
irregularidades são praticadas em rótulos alimentícios, tais como:
• Nomes ou vocábulos que induzem a erros:
- Cremogema: apesar da palavra “gema”
embutida no nome, o
produto é composto à
base de hidratos de carbono, ou seja,
não contém gema;
- Arrosina: farinha para preparo caseiro de alimentos infantis que, apesar
do nome, não contém arroz, mas sim
amido de mandioca;
- ligth: pode expressar significados completamente diferentes de acordo com o
fabricante, ou seja, pode significar conteúdo de açúcar, de gorduras ou de calorias totais reduzidos.
• Indicação de propriedades terapêuticas:
- “Ajuda a reduzir os níveis de colesterol”: propaganda nutricional destacando
as propriedades benéficas do ácido graxo
ômega 3, de um produto à base de cereais
naturais. Entretanto, o rótulo não revela
que a quantidade deste nutriente oferecida pelo produto (34,3 mg/porção) é insuficiente para que haja um efeito benéfico,
uma vez que a recomendação é de 800 mg/
dia (FISBERG 1999).
A propaganda enganosa em rótulos alimentícios pode causar danos às
campanhas de educação alimentar, ou
seja, informações falsas podem levar à
crença de que certos produtos possuem
propriedades medicinais, atrasando a
procura por cuidado terapêutico adequado (CELESTE 2001).
Um estudo sobre rótulos de 62 tipos
de alimentos infantis existentes no mercado concluiu que as informações são em
geral insatisfatórias, confusas e utilizadas mais como apelo comercial do que no
intuito de levar orientação ao consumidor (PHILIPPI et al 1999).
32
O aval da ciência
Em 1992, um comercial de televisão sobre uma conhecida marca de leite fermentado, voltado para o público infantil, veiculou a seguinte mensagem musical: “é bom
prá minha boquinha, é bom prá barriguinha”. Nesta mensagem, além de ressaltar as
características sensoriais do produto, estava embutida a idéia de que se tratava de
um alimento saudável, pelo seu conteúdo
de lactobacilos, cuja função principal é a
de regular a flora intestinal. Os lactobacilos
representam, neste caso, o aval ou a assinatura da ciência, o que permite, autoriza e
justifica o seu consumo (LEFÈVRE 1999).
Um exemplo mais recente é o do creme
vegetal com fitoesteróis – extratos vegetais que, segundo pesquisas, inibem a absorção do LDL (low density lipoprotein),
conhecido popularmente como o “mau
colesterol”, sem alterar os níveis de HDL
(high density lipoprotein) – o “bom
colesterol”. A embalagem deste produto
acompanha um folheto com informações
técnico-científicas, onde se percebe que
houve uma preocupação em se converter o
jargão científico para o jargão popular.
Interessantemente, estas mensagens evitam a utilização de termos que lembram o
estado de morbidade – ao contrário, conseguem projetar saúde sem evocar doença.
Ética e saúde pública
Ao colocar um produto alimentício à venda, a empresa que o produziu está, a partir
deste momento, comprometida com a saúde
do consumidor, e, no sentido coletivo, com a
saúde pública. E quando
se lida com saúde pública, torna-se indispensável
trabalhar a consciência
ética, que deve, em sua
melhor dimensão, prevalecer em todas as etapas
da cadeia produtiva do alimento, até que o alimento seja efetivamente consumido. Isto se aplica não
apenas à classe empresarial, mas também ao Estado e entidades de defesa
do consumidor.
A dimensão ética aplicada à saúde pública deve
ser trabalhada levando-se
em consideração alguns
conceitos, como: justiça, cidadania, direitos
humanos, liberdade, participação, autonomia,
equidade, complexidade, responsabilidade e
qualidade (GARRAFA 1995).
O papel do governo
Através de uma poderosa campanha publicitária, foi lançado, em 1979, um produto
comercializado como “refresco sabor laranja”,
incluindo slogans como “a força das frutas”,
além de imagens da própria fruta no rótulo,
que continha também a mensagem “excelente fonte de vitamina C”. Tratava-se, na realidade, de um pó à base de açúcar colorido e
aromatizado artificialmente. Posteriormente,
com ações do Ministério da Saúde, tais procedimentos foram condenados e alterados – a
marca registrada, no entanto, já estava difundida na mente dos consumidores com a
mensagem original (CARVALHO 1980).
Desde então, a sociedade continuou presenciando ocorrências semelhantes, onde os
mecanismos regulatórios atuavam tardiamente, quando o produto irregular já havia conquistado a preferência dos consumidores.
Ao Estado cabe adotar as medidas necessárias para garantir a segurança alimentar de seus cidadãos. Estas medidas englobam, principalmente:
- Regulamentação de resoluções
normativas específicas sobre propaganda
e outros recursos publicitários;
- Análise de rótulos, orientação e correção
de possíveis distorções antes do lançamento
do produto no mercado;
- Fiscalização a nível de mercado varejista, com aplicação de medidas corretivas
e punitivas se necessário.
BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001
TENDÊNCIAS
A posição
do consumidor
O capítulo III do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11/
09/90, trata dos direitos
básicos do consumidor,
entre eles “a informação
adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição,
qualidade e preço, bem
como sobre os riscos que
apresentam” – art. 6º, parágrafo III.
Entretanto, esta legislação nem sempre é cumprida, como foi
mencionado nos capítulos anteriores. Constantemente assediado e ludibriado pela
propaganda enganosa, o consumidor é, na
cadeia agroalimentar, o agente mais vulnerável e, paradoxalmente, aquele que detém o maior poder, ou seja, o poder de
compra. Apesar disso, o consumidor brasileiro, ao contrário do europeu ou americano, ainda apresenta uma postura bastante
passiva diante de tantas incertezas e irregularidades.
Perspectivas futuras
Faz parte das estratégias do marketing
considerar os fatores que influenciam – ou
podem influenciar – as preferências dos consumidores, projetando estes fatores numa
perspectiva futura. De acordo com SLOAN
(1998), mudanças demográficas e psico-sociais irão se refletir na preferência alimentar
do consumidor em 2020, mas continuarão
prevalecendo os seguintes atributos:
– Sabor
– Preço
– Nutrição
– Conveniência
– Inovação nos aspectos saúde e tecnologia.
A mídia certamente continuará exercendo um extraordinário poder persuasivo na
mente das pessoas, tanto a nível do consciente quanto do inconsciente. Resta saber qual será o impacto desta influência
na sociedade – se positiva ou negativa –
e, ainda, se os mecanismos regulatórios e
controladores do Estado irão evoluir, protegendo a saúde do consumidor.
Considerações finais
O estabelecimento de um código de ética ou a elaboração de uma regulamentação rígida e específica sobre as informações veiculadas em propaganda e marketing
de alimentos beneficiaria não apenas os
consumidores, mas também privilegiaria as
empresas realmente preocupadas em garantir a boa qualidade de seus produtos,
informando honestamente o consumidor.
O consumidor, por sua vez, deve adotar
uma postura mais crítica, usando seu poder
de compra para impugnar ou prestigiar seus
fornecedores. E no processo de conscientização e educação da população, os profissionais da saúde e órgãos de defesa do consumidor possuem um papel preponderante.
Ao governo cabe coibir as irregularidades
de modo mais eficaz, adotando efetivamente as medidas políticas e sanitárias – individuais e coletivas – garantindo, assim, um
dos direitos básicos do cidadão: a segurança
alimentar. Também é necessário o incentivo
governamental às políticas direcionadas à
educação alimentar da população.
A ampliação do paradigma ético em saúde pública é, com certeza, um dos grandes
desafios para os profissionais da mídia, da
classe empresarial, governo e profissionais
da saúde neste novo milênio.
Referências bibliográficas
1. Almeida MDV, Graça P, Lappalainem R, Giachetti
I, Kafatos A, Remault de Winter A et al. Sources used
and trusted by nationally-representative adults in the
European Union for information on health eating. Eur
J Clin Nutr 1997; 51(Suppl 2):S16-S22.
2. American Dietetic Association. Position of the
BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001
American Dietetic Association:
nutrition and health information on food labels.
3. Borden apud Santánna,A
. Prática da publicidade, planejamento publicitário. In:
Propaganda: teoria, técnica e
prática. 4ªed. São Paulo, Pioneira, p.101-43, 1989.
4. Borzekowski DLG, Robinson
TN. The 30-second effect: An
experiment revealing the impact
of television commercials on food
preferences of preschoolers. J Am
Diet Assoc 2001 (101):42-44.
5. BRASIL, Leis etc. Código
de Defesa do Consumidor. Lei nº
8078, de 11 de setembro de
1990. Diário Oficial da União,
Brasília, 12/09/90.
6. BRASIL, Leis, etc. Portaria nº 42, de 14 de janeiro de
1998. Diário Oficial da União,
Brasília, 16/01/98.
7. Carvalho LE, Galli MLZ. Rotulagem e propaganda na educação alimentar. Alimentação & Nutrição,
1980; 2:28-37.
8. Celeste RK. Análise comparativa da legislação
sobre rótulo alimentício do Brasil, Mercosul, Reino Unido e União Européia. Rev Saúde Pública 2001;
35(3):217-23.
9. Doyle EI, Feldman RHL. Factors affecting
nutrition behavior among adolescents. Rev Saúde
Pública, 1997 31 (4): 342-50.
10. Farina M. Psicodinâmica das cores em Publicidade. Edgard Bluncher Ltda, 1975.
11. Garrafa V. Dimensão da Ética em Saúde Pública. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública/USP, 1995.
12. Gonsalves MIE. Marketing Nutricional.
Epistéme, 1996 1(1)239-248.
13. Grazini JT; Coimbra A F. II Workshop “Não coma
pelos olhos - Nutrição x Publicidade”- novembro 1997.
14. Hass, 1978 apud Cobra M. Conceituação do
Sistema de Marketing. In: Marketing Básico: uma perspectiva brasileira. 3 ª ed. São Paulo, Atlas, p.21-39, 1985.
15. Henson S, Traill B. The Demand for Food
Safety. Market imperfections and the role of
government. Food Policy, 1993, 152-162.
16. Lefèvre F. É bom pra minha boquinha, é bom
prá barriguinha: o pseudo-recuo. Mitologia Sanitária –
saúde, doença, mídia e linguagem. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, p.31-33,1999.
17. Monteiro CA, Mondini L, Souza AL, Popkin
BM. The nutrition transition in Brazil. Eur J Clin Nutr
1995; 49:105-13.
18. Olivares SC, Albala CB, Garcia FB, Jofré IC.
Publicidad televisiva y preferencias alimentarias en
escolares de la Región Metropolitana. Rev Méd Chile
1999; 127:791-99.
19. Philippi ST et al. Avaliação de rótulos e embalagens de alimentos infantis: bebida Láctea, iogurte e
queijo tipo “Petit Suisse”. Hig Alimentar, 1999
60(13):21-28.
20. Rodrigues H.R. Manual de Rotulagem. Embrapa
Agroindústria de Alimentos, Rio de Janeiro, março/99.
21. Sloan AE. Food Industry Forecast: Consumer trends
to 2020 and Beyond. Food Technology, 1998; 52:37-44.
22. Spers EE. A Segurança dos Alimentos: uma preocupação crescente. Hig Alimentar, 1996 44(10):18-21.
23. Yetley EA, Rader JI. The Challenge of Regulating
Health Claims and Food Fortification. J Nutr 1996;
126:765S-72S.
33
Download