TENDÊNCIAS Propaganda e marketing na informação nutricional Emília Y. Ishimoto e Marcia de Araujo Leite Nacif (*) E mbora muitas vezes entendidos como sinônimos, os termos publicidade, propaganda e marketing não têm o mesmo significado. A expressão publicidade significa o ato de vulgarizar, de tornar público um fato ou idéia; já a propaganda é definida como a propagação de princípios e teorias; e, finalizando, o marketing é o processo de descoberta e interpretação das necessidades, desejos e expectativas do consumidor e das exigências para as especificações do produto e serviço e continuar, através de efetiva promoção, distribuição, assistência pós-venda, a con(*) Mestradas em Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo 28 vencer mais e mais clientes a usarem e continuarem usando esses produtos e serviços (HASS 1978). A publicidade significa, portanto, divulgar, tornar público, e a propaganda compreende o objetivo de implantar, de incutir uma idéia ou uma crença na mente alheia; e ambos fazem parte de uma das etapas finais do planejamento estratégico de marketing, que é chamada de comunicação. Desta forma, a publicidade tem o fim único de estabelecer comunicação com os consumidores, informá-los de que existe um produto e mostrar como este combina com suas necessidades e desejos, além de persuadí-los na meta final, que consiste na venda do produto em questão (GRAZINI & COIMBRA 1997). Segundo ROCHA (1987), a publicidade é uma forma impessoal de comunicação, que pode ser definida como um conjunto de atividades – como a utilização de meios de comunicação de massa – através das quais determinadas mensagens são transmitidas a um público-alvo, com o propósito explícito de informar, motivar e persuadir este público a adotar serviços ou idéias, sob o patrocínio de determinada organização (GRAZINI & COIMBRA 1997). SCHEWE (1982) afirma que a propaganda permite ao público reconhecer um produto, associá-lo a algum benefício ou valores agregados a ele, movendo-os à ação de compra. Desta forma, atinge o objetivo (“target”) que o profissional de marketing aspira (GRAZINI & COIMBRA 1997). BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001 tos a utilizar meios A publicidade, Resumo publicitários difeusada no sentido renciados, como a comercial, atingiu Nas últimas décadas, verificou-se a evolução do consumidor no sentido de adotar uma postura mais consciente em relação aos produtos que adquire. Na área de alimentos esta divulgação de fosua forma madura evolução foi nítida, em função do conceito de qualidade de vida, cada vez mais difundido no lhetos com inforhá cerca de 100 Brasil e no mundo – neste cenário foi agregado à dieta o atributo de saúde, fundamental para mações técnicas anos, quando os manter ou promover a qualidade de vida. A indústria de alimentos e todos os setores da cadeia juntamente com a consumidores coagroalimentar acompanharam este maior interesse por parte do consumidor. Discute-se muito embalagem do promeçaram a depeno papel da propaganda e do marketing, recursos amplamente utilizados pelas empresas de alimentos e o seu impacto na saúde do consumidor, e, no sentido coletivo, na saúde pública. duto. Outro recurder de marcas para Questões éticas fazem parte desta discussão, especialmente quando se verifica, na propaganso, que tem desperdistinguir entre os da enganosa, que as normas legislativas não são cumpridas – aí prepondera a ação do Estado tado muita polêmidiversos produtos, e na garantia da segurança alimentar, um direito básico dos cidadãos. Também são consideraca entre setores tornou-se mais exidos o papel dos órgãos de defesa do consumidor e dos profissionais de saúde no processo de que representam a gente, tal a compleorientação e educação alimentar da população. Apesar de mais consciente, o consumidor continua em uma posição extremamente vulnerável quando se trata de segurança alimentar. O indústria alimentíxidade dos sistemas consumidor brasileiro, em particular, apresenta ainda uma postura passiva, quando poderia cia e a saúde públide distribuição e a usar seu poder de compra como instrumento para fazer valer seus direitos de cidadão. ca, é a inclusão de sofisticação dos proalegações de saúde dutos industrializa(health claims) nos rótulos de alimentos, sagens adequadas para o meio escolhido e dos. Os objetivos de venda de um produto que é melhor discutido mais adiante. são traduzidos para uma mensagem especí- verba disponível (SANT‘ANNA 1989). Um estudo experimental conduzido na fica, que na “mercadização” é codificada a Recursos utilizados em marketing fim de ser interpretada pelos seus consumi- Califórnia (EUA) teve como finalidade indores. Para isto, a publicidade vale-se de vestigar o impacto dos comerciais de teAlém do estabelecimento dos meios um meio de comunicação, que pode ser levisão sobre crianças em idade pré-esentendido como todo meio, forma ou recur- colar (de 2 a 6 anos). Uma parte destas através dos quais o mercado de oferta se so capaz de levar ao conhecimento do con- crianças assistiu a um videotape de de- comunica com o mercado de consumo, o sumidor a mensagem publicitária elaborada senho animado com personagens conhe- marketing estuda também a influência de para fazer a propaganda ou divulgar um pro- cidos, onde comerciais de produtos ali- outros elementos que atraem a atenção mentícios foram inseridos de modo im- do consumidor, tanto a nível do consciduto ou serviço (SANT’ANNA 1989). plícito, veiculados como elementos nor- ente quanto do inconsciente; alguns desmais do programa. Um 2º grupo assistiu tes elementos, como a cor e a embalaOs meios de comunicação ao mesmo videotape, mas sem os comer- gem, são considerados de grande imporAs palavras mídia (de médium) ou ciais. Após a exposição do videotape, to- tância, por serem fatores que influencimeio, designam os elementos materiais das as crianças foram questionadas sobre am na decisão de compra. Quando no cérebro se produz a sensaque divulgam a mensagem e geralmente suas preferências de marcas de produtos, são classificados como: visuais (jornais, sendo que diversas marcas foram apresen- ção da cor, esta se encontra ao nível do revistas, periódicos especializados, car- tadas, inclusive as que foram expostas no inconsciente. Sabe-se que o homem reage, tazes, painéis, luminosos, prospectos, 1º videotape. Os resultados revelaram que muitas vezes, impulsionado pelo inconscifolhetos, cartas, catálogos, “displays”, a escolha das marcas veiculadas no 1º ente coletivo, onde o simbolismo coletivo vitrines e exposições); auditivos (rádio e videotape foi significativamente maior en- das cores (ex: o verde simboliza a espealto falantes); audiovisuais (televisão e tre as crianças que o assistiram, comparado rança) representa um papel de destaque; cinema) e interativos (cd-rom e internet) às crianças do 2º grupo (BORZEKOWSKI e reage, também, impulsionado por seu consciente individual, o que caracteriza uma (GRAZINI & COIMBRA 1997). ROBINSON 2001). Diante da vasta gama de produtos, o meio Outros autores relatam a eficácia dos co- maneira personalizada de responder aos esde comunicação mais acessível à popula- merciais de televisão como um instrumento tímulos que irão determinar suas preferênção é a televisão. Este é, entre os veículos de influência na definição de preferências cias e idiossincrasias (FARINA 1975). A embalagem de produtos alimentíutilizados pela mídia, o que parece exercer entre os consumidores (DOYLE e FELDMAN maior impacto sobre o consumidor a nível 1997; ALMEIDA et al 1997; CARVALHO e cios tem como uma das funções esticoletivo, pois possibilita a transmissão de GALLI 1980). Estes estudos têm suscitado mular o paladar, e a cor é o fator que, mensagens através da junção de três ele- um amplo debate entre profissionais da saú- em primeiro lugar, atinge o olhar do mentos: som, imagem e movimento. O nú- de, que levantam questões como a necessi- consumidor. Portanto, é para ela que mero de vezes que um comercial é exibido dade de se impor limites de exposição das devem se dirigir os primeiros cuidados, principalmente se considerarmos as liou a freqüência e intensidade de inserção crianças aos comerciais de televisão. dos comercias de televisão são estabeleciEm relação ao consumidor adulto, foi gações emotivas que envolvem e seu dos única e exclusivamente pelo planeja- notório o aumento de seu interesse sobre grande poder sugestivo. Torna-se, enmento publicitário, precisamente a parte da a relação entre dieta e saúde, principal- tão, evidente o valor das cores, agregamídia que obedece às recomendações quanto mente a partir da década de 80 (CELESTE do à embalagem, na persuasão do conao mercado a ser atingido, veículos de di- 2001). Este novo perfil levou os setores sumidor. Há todo um complexo procesvulgação, apelos a serem empregados, men- relacionados à comercialização de alimen- so que começa no indivíduo a partir do BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001 29 TENDÊNCIAS momento em que é excitado pelas características externas do produto, terminando no ato em que o adquire. Neste processo, na maior parte das vezes a razão não intervém, embora o indivíduo esteja sempre pronto a racionalizar operacionalmente o seu comportamento. Não se pode esquecer do tr abalho prévio executado pelos órgãos de publicidade e marketing, que prepara o subconsciente do consumidor, condicionando-o a uma escolha (FARINA 1975). Propaganda e marketing nutricional Por serem produtos de demanda primária, os alimentos representam um imenso potencial de mercado consumidor, o que leva os setores de produção, desenvolvimento e industrialização de alimentos a investir cada vez mais em publicidade para despertar efetivamente os motivos para a aquisição de seus produtos. É cada vez maior a escolha pelo consumo de alimentos industrializados, por diversas razões, entre elas praticidade e conveniência. Isto levou a um notável crescimento da indústria alimentícia, que tem apresentado como estratégia básica de diferenciação de seus produtos muitos investimentos em técnicas de processamento e marketing, como também em pesquisa para identificação de novas necessidades do consumidor. Sendo fundamental a satisfação das necessidades do cliente para o êxito de uma empresa ou de um negócio, considera-se, no marketing de alimentos, a necessidade fisiológica de se alimentar, ou de saciar o prazer em se adquirir determinado gênero alimentício. Assim, a aquisição de um produto ou serviço vai ao encontro da tentativa de satisfazer uma necessidade já instalada (GONSALVES 1996). Considera-se que a estrutura de preferências de determinados produtos podem sofrer alterações ao longo do tempo. É exatamente neste ponto que as empresas têm condições de influenciar seus consumidores e, portanto, a demanda por meio de suas 30 atividades de marketing. Como mencionado anteriormente, as últimas décadas mostraram uma crescente conscientização das pessoas quanto à importância de uma vida saudável que, entre outras coisas, inclui o consumo de alimentos considerados saudáveis, ou seja, com menor conteúdo de gorduras e calorias, rico em fibras, pobre em sódio, etc. Neste sentido, existe uma necessidade dos consumidores em adquirir produtos que possam promover ou manter sua qualidade de vida (GONSALVES 1996). Em resposta a este novo perfil, que valoriza alguns alimentos na busca de melhor qualidade de vida, o setor alimentício, através da propaganda e marketing, tem colocado o consumidor em contato com novos produtos alimentícios, explorando sua dimensão nutricional. Assim, foi denominado marketing nutricional o marketing que põe o consumidor em contato com as diferenças de caráter nutricional dos produtos (GONSALVES 1996). Já o termo propaganda nutricional está mais relacionado a informações expressas nos rótulos dos alimentos. De acordo com CELESTE (2001), a propaganda nutricional tem definições e termos diferenciados em diferentes países. No Reino Unido, por exemplo, a expressão utilizada para designar propaganda nutricional é Nutrition Claim, definida como qualquer declaração, sugestão ou significação em qualquer rótulo, apresentação ou propaganda de alimento de que este tenha propriedades nutricionais. A legislação brasileira segue o estabelecido pelo Mercosul, que preconiza a utilização do termo “informação nutricional complementar (INC)” conceituado como qualquer representação que declare, sugira ou dê a entender que o produto tem certas propriedades nutricionais em relação ao seu valor energético, conteúdo de proteínas, carboidratos, gorduras ou fibras, tanto quanto vitaminas e sais minerais. Em 13/01/1998 a INC foi normatizada através da Portaria nº 27, do Ministério da Saúde. Em geral, a propaganda nutricional aparece de modo destacado na embalagem, com termos que despertam a atenção, como por exemplo “rico em fibras”. É importante ressaltar a questão da confiabilidade das informações, que se relaciona diretamente à segurança dos alimentos. Neste sentido, a discussão do papel do marketing de alimentos na informação nutricional remete obrigatoriamente a uma avaliação dos fatores que interferem na segurança alimentar e, portanto, na saúde do consumidor. Marketing, segurança alimentar e saúde pública Pode-se definir segurança alimentar como o inverso de risco alimentar, ou seja, a probabilidade de não sofrer nenhum dano pelo consumo de um alimento (HENSON & TRAILL 1993). A garantia da segurança alimentar depende da eficácia nas interrelações entre as diversas etapas da cadeia agroalimentar, envolvendo desde operações de produção até a comercialização, quando o consumidor irá decidir, na sua escala de valores, se o preço a pagar é justo. Nesta etapa, é preponderante o papel da propaganda e marketing na informação e orientação do consumidor. Marketing de alimentos: prós e contras A veiculação de uma gama de informações relativas aos alimentos é um aspecto que valoriza o marketing na promoção da saúde coletiva, considerando-se que as informações, quando bem conduzidas, se cons- BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001 TENDÊNCIAS tituem num poderoso instrumento no processo de educação alimentar da população. Além disso, por ser um processo de identificação dos desejos e expectativas do consumidor, o marketing representa uma ponte entre as exigências materiais e padrões econômicos do consumidor. Assim, as atividades de marketing podem tornar possível a realização dos desejos do público em se adquirir produtos conforme seu poder aquisitivo. Entretanto, um dos grandes anseios do consumidor, ao adquirir produtos, por qualquer razão que seja, é estes serem confiáveis; para isto, é preciso que as informações apresentadas pelos fabricantes sejam fidedignas. Se, ao contrário, estas informações forem falsas, ambíguas, confusas ou vagas, o consumidor será lesado moral e financeiramente, além de sofrer riscos à sua saúde. Por ser potencialmente deletéria à população, a prática da divulgação de qualquer informação que induza a erro foi condenada pela American Dietetic Association (ADA). Segundo a ADA, as alegações de saúde e de conteúdo nutricional (health claims), seja em rótulos ou em publicidade, devem ser baseadas em evidência científica. Estas alegações devem ser feitas no contexto global da alimentação diária, e levar em consideração tanto os efeitos positivos quanto negativos dos componentes alimentares e nutrientes. Devem, ainda, ser baseadas em critérios pré-determinados e aprovadas pelas agências federais responsáveis (ADA Reports 1990). Alguns autores acreditam que a propaganda na área de alimentos explora, em sua maioria, apenas os atributos benéficos, o que pode resultar em um problema de saúde pública. A propaganda, segundo os mesmos, deveria ser utilizada como um meio de informação e atualização dos consumidores, orientando-os concreta e lealmente para a realização da opção de compra que lhes seja mais adequada e vantajosa. (SPERS 1996; CARVALHO & GALLI 1980). Outra importante questão que se coloca é a influência do marketing nos padrões alimentares da população. O Brasil atravessa um período de transição nutricional que revela um declínio qualitativo da dieta em função do aumento do consumo de açúcares refinados e gorduras saturadas e consumo reduzido de fibras e ácidos graxos poliinsaturados – isto, somado à diminuição da atividade física, contribui para o aumento da prevalência da obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis, como doenças cardiovasculares (MONTEIRO 1995). Os níveis crescentes da prevalência da obesidade nas últimas décadas, tanto em crianças como adolescentes e adultos, chamaram a atenção de diversos pesquisadores no Brasil e no mundo, que investigaram os possíveis fatores determinantes do padrão alimentar descrito acima, conhecido como “dieta ocidental”. A influência dos comerciais de televisão foi apontada como um destes fatores, especialmente no desenvolvimento da obesidade entre crianças e adolescentes (DOYLE & FELDMAN 1997; OLIVARES et al 1999). Rótulos e propaganda nutricional Com o novo perfil do consumidor que se delineia, ou seja, cada vez mais consciente e interessado por informações, o marketing tem explorado ao máximo os recursos da embalagem e rotulagem dos alimentos, destacando sobretudo os “possíveis” atributos benéficos à saúde, através da propaganda nutricional. A portaria nº 42, de 13.01.98, do Ministério da Saúde, que regulamenta a rotulagem de alimentos embalados, deter- BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001 mina que: “não devem ser descritos no rótulo vocábulos, sinais, denominações, emblemas, ilustrações ou qualquer representação gráfica que possam tornar a informação falsa, insuficiente ou confusa, induzindo o consumidor a engano. Da mesma forma, o rótulo não pode indicar que o alimento possui propriedades medicinais ou terapêuticas, aconselhando seu consumo para evitar ou curar doenças”. Além disso, a Portaria nº 27, que foi elaborada com base no Codex Alimentarius/ 97, estabelece normas específicas para a propaganda nutricional, ou INC – Informação Nutricional Complementar. Segundo Marília Regini Nutti, coordenadora do Grupo de Trabalho de Rotulagem de Alimentos do Brasil e de Rotulagem Nutricional do MERCOSUL, “a INC tem por objetivo facilitar a compreensão do consumidor quanto ao valor nutritivo dos alimentos e ajudá-lo a interpretar a declaração sobre o nutriente. Todavia, não será permitido o seu uso quando puder ocasionar interpretação errônea ou engano por parte do consumidor” (RODRIGUES 1999). Esta Portaria deverá ser complementada por uma Resolução publicada pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 21 de setembro de 2001, que padroniza as informações de rótulos de alimentos e bebidas, sobre seus componentes nutricionais. Na tabela de informação nutricional do produto deverão constar dez itens: valor calórico, carboidratos, proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas, colesterol, ferro, fibra alimentar, cálcio e sódio. A quantidade deverá ser indicada para porções individuais, expressas em gramas ou mililitros, determinadas pela ANVISA para cada categoria de alimento. A medida faz parte das ações do ministério para orientar a população a consumir produtos mais saudáveis. De acordo com Ricardo Oliva, diretor de Alimentos e Toxicologia da ANVISA, estes parâmetros foram criados para a educação alimentar da população – o consumidor terá critérios para 31 TENDÊNCIAS uma alimentação mais saudável. Por exemplo, será mais fácil controlar uma dieta limitada no teor d e gorduras saturadas e colesterol. Apesar das normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, inúmeras irregularidades são praticadas em rótulos alimentícios, tais como: • Nomes ou vocábulos que induzem a erros: - Cremogema: apesar da palavra “gema” embutida no nome, o produto é composto à base de hidratos de carbono, ou seja, não contém gema; - Arrosina: farinha para preparo caseiro de alimentos infantis que, apesar do nome, não contém arroz, mas sim amido de mandioca; - ligth: pode expressar significados completamente diferentes de acordo com o fabricante, ou seja, pode significar conteúdo de açúcar, de gorduras ou de calorias totais reduzidos. • Indicação de propriedades terapêuticas: - “Ajuda a reduzir os níveis de colesterol”: propaganda nutricional destacando as propriedades benéficas do ácido graxo ômega 3, de um produto à base de cereais naturais. Entretanto, o rótulo não revela que a quantidade deste nutriente oferecida pelo produto (34,3 mg/porção) é insuficiente para que haja um efeito benéfico, uma vez que a recomendação é de 800 mg/ dia (FISBERG 1999). A propaganda enganosa em rótulos alimentícios pode causar danos às campanhas de educação alimentar, ou seja, informações falsas podem levar à crença de que certos produtos possuem propriedades medicinais, atrasando a procura por cuidado terapêutico adequado (CELESTE 2001). Um estudo sobre rótulos de 62 tipos de alimentos infantis existentes no mercado concluiu que as informações são em geral insatisfatórias, confusas e utilizadas mais como apelo comercial do que no intuito de levar orientação ao consumidor (PHILIPPI et al 1999). 32 O aval da ciência Em 1992, um comercial de televisão sobre uma conhecida marca de leite fermentado, voltado para o público infantil, veiculou a seguinte mensagem musical: “é bom prá minha boquinha, é bom prá barriguinha”. Nesta mensagem, além de ressaltar as características sensoriais do produto, estava embutida a idéia de que se tratava de um alimento saudável, pelo seu conteúdo de lactobacilos, cuja função principal é a de regular a flora intestinal. Os lactobacilos representam, neste caso, o aval ou a assinatura da ciência, o que permite, autoriza e justifica o seu consumo (LEFÈVRE 1999). Um exemplo mais recente é o do creme vegetal com fitoesteróis – extratos vegetais que, segundo pesquisas, inibem a absorção do LDL (low density lipoprotein), conhecido popularmente como o “mau colesterol”, sem alterar os níveis de HDL (high density lipoprotein) – o “bom colesterol”. A embalagem deste produto acompanha um folheto com informações técnico-científicas, onde se percebe que houve uma preocupação em se converter o jargão científico para o jargão popular. Interessantemente, estas mensagens evitam a utilização de termos que lembram o estado de morbidade – ao contrário, conseguem projetar saúde sem evocar doença. Ética e saúde pública Ao colocar um produto alimentício à venda, a empresa que o produziu está, a partir deste momento, comprometida com a saúde do consumidor, e, no sentido coletivo, com a saúde pública. E quando se lida com saúde pública, torna-se indispensável trabalhar a consciência ética, que deve, em sua melhor dimensão, prevalecer em todas as etapas da cadeia produtiva do alimento, até que o alimento seja efetivamente consumido. Isto se aplica não apenas à classe empresarial, mas também ao Estado e entidades de defesa do consumidor. A dimensão ética aplicada à saúde pública deve ser trabalhada levando-se em consideração alguns conceitos, como: justiça, cidadania, direitos humanos, liberdade, participação, autonomia, equidade, complexidade, responsabilidade e qualidade (GARRAFA 1995). O papel do governo Através de uma poderosa campanha publicitária, foi lançado, em 1979, um produto comercializado como “refresco sabor laranja”, incluindo slogans como “a força das frutas”, além de imagens da própria fruta no rótulo, que continha também a mensagem “excelente fonte de vitamina C”. Tratava-se, na realidade, de um pó à base de açúcar colorido e aromatizado artificialmente. Posteriormente, com ações do Ministério da Saúde, tais procedimentos foram condenados e alterados – a marca registrada, no entanto, já estava difundida na mente dos consumidores com a mensagem original (CARVALHO 1980). Desde então, a sociedade continuou presenciando ocorrências semelhantes, onde os mecanismos regulatórios atuavam tardiamente, quando o produto irregular já havia conquistado a preferência dos consumidores. Ao Estado cabe adotar as medidas necessárias para garantir a segurança alimentar de seus cidadãos. Estas medidas englobam, principalmente: - Regulamentação de resoluções normativas específicas sobre propaganda e outros recursos publicitários; - Análise de rótulos, orientação e correção de possíveis distorções antes do lançamento do produto no mercado; - Fiscalização a nível de mercado varejista, com aplicação de medidas corretivas e punitivas se necessário. BRASIL ALIMENTOS - n° 11 - Novembro/Dezembro de 2001 TENDÊNCIAS A posição do consumidor O capítulo III do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11/ 09/90, trata dos direitos básicos do consumidor, entre eles “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam” – art. 6º, parágrafo III. Entretanto, esta legislação nem sempre é cumprida, como foi mencionado nos capítulos anteriores. Constantemente assediado e ludibriado pela propaganda enganosa, o consumidor é, na cadeia agroalimentar, o agente mais vulnerável e, paradoxalmente, aquele que detém o maior poder, ou seja, o poder de compra. Apesar disso, o consumidor brasileiro, ao contrário do europeu ou americano, ainda apresenta uma postura bastante passiva diante de tantas incertezas e irregularidades. Perspectivas futuras Faz parte das estratégias do marketing considerar os fatores que influenciam – ou podem influenciar – as preferências dos consumidores, projetando estes fatores numa perspectiva futura. De acordo com SLOAN (1998), mudanças demográficas e psico-sociais irão se refletir na preferência alimentar do consumidor em 2020, mas continuarão prevalecendo os seguintes atributos: – Sabor – Preço – Nutrição – Conveniência – Inovação nos aspectos saúde e tecnologia. A mídia certamente continuará exercendo um extraordinário poder persuasivo na mente das pessoas, tanto a nível do consciente quanto do inconsciente. Resta saber qual será o impacto desta influência na sociedade – se positiva ou negativa – e, ainda, se os mecanismos regulatórios e controladores do Estado irão evoluir, protegendo a saúde do consumidor. Considerações finais O estabelecimento de um código de ética ou a elaboração de uma regulamentação rígida e específica sobre as informações veiculadas em propaganda e marketing de alimentos beneficiaria não apenas os consumidores, mas também privilegiaria as empresas realmente preocupadas em garantir a boa qualidade de seus produtos, informando honestamente o consumidor. O consumidor, por sua vez, deve adotar uma postura mais crítica, usando seu poder de compra para impugnar ou prestigiar seus fornecedores. E no processo de conscientização e educação da população, os profissionais da saúde e órgãos de defesa do consumidor possuem um papel preponderante. Ao governo cabe coibir as irregularidades de modo mais eficaz, adotando efetivamente as medidas políticas e sanitárias – individuais e coletivas – garantindo, assim, um dos direitos básicos do cidadão: a segurança alimentar. Também é necessário o incentivo governamental às políticas direcionadas à educação alimentar da população. A ampliação do paradigma ético em saúde pública é, com certeza, um dos grandes desafios para os profissionais da mídia, da classe empresarial, governo e profissionais da saúde neste novo milênio. Referências bibliográficas 1. Almeida MDV, Graça P, Lappalainem R, Giachetti I, Kafatos A, Remault de Winter A et al. Sources used and trusted by nationally-representative adults in the European Union for information on health eating. Eur J Clin Nutr 1997; 51(Suppl 2):S16-S22. 2. American Dietetic Association. 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