REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS DE MATHEW LIPMAN: POR UMA EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA, INVESTIGATIVA E FOMENTADORA DA AUTONOMIA DO INDIVÍDUO Monaliza Alves Lopes Poliana Alves Batista* RESUMO A filosofia inserida na educação possibilita que o indivíduo na infância construa habilidades autônomas, críticas e reflexivas. Matthew Lipman propôs a filosofia para crianças com o intuito de desenvolver a criticidade, a reflexão e a investigação no processo de ensino aprendizagem. Dessa forma questiona-se: Como executar o programa filosofia para crianças de Matthew Lipman nos anos iniciais da educação? Em resposta ao questionamento foi realizada pesquisa bibliográfica com autores que fundamentam e defendem o assunto proposto. O objetivo geral deste trabalho é compreender o FPC e suas contribuições na vida do aluno. Sua especificidade é analisar a sua proposta pedagógica; discutir a possibilidade de instigar a criatividade e os talentos dos alunos e investigar formas de investir na autonomia do discente por meio do contato com o conhecimento filosófico. As instituições escolares, nessa perspectiva, estariam mais aptas a formar cidadãos críticos e não se prendem ao mero repasse de conteúdos. Desse modo, os ideais filosóficos estimulam o pensar na promoção integral de indivíduos mais livres e autênticos. PALAVRAS-CHAVE: Filosofia para crianças. Reflexão. Pensamento crítico. Novelas filosóficas. ABSTRACT Philosophy inserted in education enables the individual in childhood to build autonomic, critical and reflexive skills. Matthew Lipman proposed the philosophy for children with the intention of developing critical thinking and research in the process of teaching learning. In this way it is asked: How to execute the program philosophy for children of Matthew Lipman in the initial years of the education-? In response to the questioning, a bibliographic research was conducted with authors who base and defend the proposed subject. The general objective of this paper is to understand the FPC and its contributions in the life of the student. Its specificity is to analyze its pedagogical proposal; Discuss the possibility of instigating students' creativity and talents and investigate ways of investing in student autonomy through contact with philosophical knowledge. School institutions, from this perspective, would be more apt to form critical citizens and are not concerned with the mere transfer of content. In this way, philosophical ideals stimulate thinking in the integral promotion of freer and more authentic individuals. KEYWORDS: Philosophy for children. Reflection. Critical thinking. Philosophical novels. * Graduandas do curso de Pedagogia da Faculdade Alfredo Nasser. TCC orientado pela prof. MSc. Bruna Milene Ferreira. V 3, N. 1, jan - jun. 2017 151 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE INTRODUÇÃO A educação filosófica auxilia na construção do conhecimento dos indivíduos por intermédio do pensar. O estímulo desde a infância viabiliza o desenvolvimento crítico, reflexivo e investigativo do aluno. Portanto, o ensino filosófico direcionado para crianças possibilita o saber como aliado na resolução de conflitos sociais posteriores. Matthew Lipman ao identificar a dificuldade de interpretação textual dos alunos no ensino superior foi instigado a criar algo para intervir nesse cenário. Elaborou o programa filosofia para crianças com a finalidade de inserir precocemente o pensamento crítico na formação de indivíduos. Dessa forma, ao atingir a fase adulta o indivíduo possui estrutura crítica para a defesa de suas concepções. O FPC oferece material e treinamento que orientam o professor a executar o proposto em sala de aula. Também dispõe de livros, as novelas filosóficas, por meio das quais as crianças são levadas a refletirem sobre os acontecimentos, por intermédio da elaboração de problemas e hipóteses. A resolução dos questionamentos é mediada pelo professor e construída pelos alunos. Portanto, a execução do programa promove a autonomia dos discentes. 1 COMO NASCEU O PROGRAMA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS Segundo Elias (2005) o programa filosofia para crianças foi proposto por Matthew Lipman, que nasceu em 1923, na cidade de Vineland, no Estado de Nova Jersey – Estados Unidos. Concluiu o grau secundário de seus estudos e após sete anos ingressou na Universidade de Standford no ano de 1945. Conquistou seu doutorado em Filosofia com uma tese sobre arte em Nova York pela Universidade de Colúmbia no ano de 1954. Em seguida foi para a França e ministrou cursos de pós-graduação na Sorbone. Tornou-se professor de Filosofia na Universidade em que se doutorou. Assim, permaneceu até a década de 60. De acordo com Elias (2005), ao lecionar na Universidade de Colúmbia a disciplina Introdução à Lógica e Teoria do conhecimento identificou um déficit V 3, N. 1, jan - jun. 2017 152 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE cognitivo dos estudantes para compreender o exposto. Visto que ao analisar os momentos estudantis e a estrutura física da instituição, observou as dificuldades existentes e propôs atividades que tirassem as inferências lógicas com o intuito de desenvolver o raciocínio dos indivíduos. Constatou a importância de trabalhar o pensamento lógico dos estudantes. Elias (2005) ressalta que as resistências cognitivas observadas por Lipman também eram enfrentadas por vários professores e em outras disciplinas ao ministrarem as aulas, tanto no Ensino Superior quanto no Ensino Médio. Os conteúdos estudados nas instituições educacionais no contexto vivenciado por Lipman não apresentavam, em sua maioria, significado para os alunos e consequentemente resultados com pouco rendimento escolar. Incomodado com a situação vivida, Lipman buscou interferir nesse cenário através da Filosofia. Kohan e Wuensch (1999) apresentam o pensamento de Lipman (1992) que ao perceber as dificuldades existentes teve a ideia de trabalhar com histórias. Porém, não sabia que tipo de relatos utilizar, então, pensou em desenvolver com crianças momentos do partejar das ideias, em que se reuniam e dialogavam entre si. [...] Deveria ser algo que os pequenos descobrissem por si mesmos, com ajuda dos adultos. As crianças da história deveriam formar, de alguma maneira, uma pequena comunidade de pesquisa, na qual cada uma participasse, pelo menos, de alguma medida na busca cooperativa e na descoberta de modos mais efetivos de pensar. [...] (LIPMAN, 1992, p. 22 apud KOHAN; WUENSCH, 1999, p. 22) Nas histórias produzidas eram nomeadas as personagens e o livro os distinguiam um do outro, buscava caracterizá-los de empiristas, intuitivos, analíticos, céticos, etc. Visto que o intuito era induzir o raciocínio lógico através da escrita e ressalta que os fundamentos proviam de Dewey. A propósito durante a Segunda Guerra Mundial possuia um exemplar do livro Inteligência no Mundo Moderno de Dewey no qual havia uma séria de contribuições teóricas educativas. 2 O PROGRAMA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS NO BRASIL Wuensch (1999), mencionada na coletânea organizada por Kohan e Wuensch (1999) comenta que por volta dos anos de 1980 chega ao Brasil o Programa V 3, N. 1, jan - jun. 2017 153 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE Filosofia para Crianças de Matthew Lipman, na cidade de São Paulo. A proposta citada iniciou-se através da intervenção de Catherine Young Silva, de origem americana e naturalizada no território brasileiro, mestre em Filosofia para as crianças na Montclair State University, Estados Unidos. Ao passo que retornou para o Brasil com a autorização de traduzir e adaptar os materiais, assim também a preparação dos professores para executar o Programa Filosofia para Crianças na terra brasileira. No Brasil havia um movimento para reintegração da disciplina de Filosofia no ensino médio. Dado que, os professores da rede estadual e do ensino superior, estudantes universitários de filosofia viviam em um momento eufórico para conquistar a inserção da Filosofia no currículo. “A novidade estava justamente na clara proposta educacional, no fato de ser um programa construído e destinado para as escolas e dirigido para a educação básica [...]”. (WUENSCH, 1999 apud KOHAN; WUENSCH, 1999, p. 50). A precurssora, Catherine, juntamente com professores que apoiaram, criaram e implantaram o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças (CBFC) em 1985 com o objetivo de produzir material traduzido, divulgar e capacitar os professores para execução do programa nas escolas. Esse projeto se estende em várias regiões brasileiras, inclusos capitais e interiores, até meados de 1998, atende cerca de 5.000 professores, 550 escolas, 180.000 alunos. Todavia há escolas públicas e privadas que aderiram trabalhar com os alunos a filosofia mediante a perspectiva apresentada por Matthew Lipman. Wuensch (1999), mencionada na coletânea organizada por Kohan e Wuensch (1999) afirma que no ano de 1985 o Brasil recebeu a visita do professor Lipman que executou diversas palestras sobre o tema Filosofia para crianças, isto é possível? Voltou novamente com Ann Margareth Sharp e quinze representantes de centros de filosofia para crianças de diversos países para organizar e efetivar o II Congresso Internacional de Filosofia para Crianças e participar do I Seminário Nacional de Filosofia, Desenvolvimento do Raciocínio e Educação: Uma Relação Possível em Maringá – PR. Consequentemente desencadeou interesse de educadores na temática abordada, porém houve filósofos universitários resistentes que não aprofundaram o estudo. Os grandes desafios do movimento FPC no Brasil foram: V 3, N. 1, jan - jun. 2017 154 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE revisar as ideias do programa e levá-las para a sala de aula com o objetivo de identificar o resultado obtido. O Programa Filosofia para Crianças proporcionou animação e agitação dos alunos, também uma série de atividades organizadas pelos professores para o alcance de objetivos e, além disso, um significativo interesse na evolução da temática abordada. Por certo que, os professores que abordaram a ideia passaram a buscar o vínculo da educação reflexiva e dialógica, mediante o proposto pelo programa, a reação das crianças favoreceu o desempenho eficaz na aprendizagem. 3 O ESPANTO COMO PROPEDÊUTICA DO PENSAR De acordo com Chauí (2004) no final do século VII e início do século VI a. C. a filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo e da natureza, com o objetivo de explicar a totalidade das coisas, dado que o estudo filosófico procura compreender o passado, presente e o futuro. Busca a verdade da existência humana e suas complexidades. Segundo Chauí (2004) a tentativa de desvendar os mistérios da criação humana e tudo que a envolve desencadeou questionamentos e provocou o espanto em Aristóteles. O estudo do “Ser enquanto Ser” foi nomeado por ele como filosofia primeira e, posteriormente, metafísica. O estudo da natureza e da essência das coisas é denominado metafísica. “[…] a filosofia primeira é o estudo ou o conhecimento da essência das coisas ou do Ser real e verdadeiro das coisas, daquilo que elas são em si mesmas, apesar das aparências que possam ter e das mudanças que possam sofrer.” (CHAUÍ, 2004, p. 183) Cabe ao filósofo desvelar a essência do mundo além das aparências que levam os fenômenos a sofrerem constantes transformações. Por essa razão é que a filosofia aristotélica ganha o status de busca da verdade, da qualidade dos objetos, acima da aparência e das ilusões, o que é conquistado pelo uso da racionalidade. […] Aristóteles também usará a mudança como critério de diferenciação dos seres, porém o fará de maneira completamente nova. […] Movimento não significado, porém, simplesmente mudança de lugar ou locomoção. Significa V 3, N. 1, jan - jun. 2017 155 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE toda e qualquer mudança que um ser sofra ou realize. […] Numa palavra: o devir, em todos os seus aspectos, é o movimento. (CHAUÍ, 2004, p. 188) O texto (2004) comenta a defesa de Aristóteles em que a filosofia primeira estuda o ser e sua essência desde os primórdios de sua existência, o que é essencial para a construção do saber. O anseio pela verdade instiga o indivíduo a indagar sobre sua origem e tudo que o envolve. Desse modo, o filosofar constrói seres críticos e reflexivos como consequência de suas inquietudes. Aristóteles vê o mundo como essência - mutável ou imutável – e aparência. Aponta que o movimento ou devir não é ilusório, é, portanto, real. A filosofia é marcada por momentos de crise do pensamento e das atitudes cotidianamente sustentados pelo homem. Isto ocorre quando as explicações e respostas fornecidas pela cultura vigente já não satisfazem alguns indivíduos, no tocante à compreensão da existência e do próprio mundo. É neste ponto que surge a crítica, as indagações e o desconforto próprios da atitude filosófica sempre às voltas com o estranhamento e a curiosidade frente ao que aparentemente parece banal e corriqueiro. De acordo com Chauí (2004) a atitude filosófica é vista para Aristóteles como uma espécie de espanto. Visto que, a indagação advém do reconhecimento de sua ignorância ao se deixar espantar com o mundo. A criança nasce e constrói vários questionamentos ao se deparar com o que a rodeia. Por isso, a importância de estimular o raciocínio do indivíduo de maneira a não tolir seus anseios e possibilitar o desenvolvimento pleno do ser. O raciocínio proficiente é a chave mestra da concretização deste projeto e é a filosofia aristotélica a responsável por uma das tentativas mais promissoras da elaboração de um instrumento condutor do pensamento filosófico entre os pensadores da antiguidade. 3.1 A lógica aristotélica Chauí (2004) expõe que segundo Aristóteles a dialética é um conjunto de argumentos persuasivos que possuem o intuito de convencer o outro da tese exposta. Entretanto, se contrapõe a este ponto de vista calcado por Platão e propõe que é viável a análise para o alcance da inferência. Por isso, desenvolveu o procedimento analítico como instrumento para o conhecimento. V 3, N. 1, jan - jun. 2017 156 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE […] Para Aristóteles, a lógica (ou analítica) é um instrumento para o conhecer. […] A lógica aristotélica oferece procedimentos que devem ser empregados naqueles raciocínios que se referem a todas as coisas das quais possamos ter um conhecimento universal e necessário, e seu ponto de partida não são opiniões contrárias, mas princípios, regras e leis necessários e universais do pensamento. (CHAUÍ, 2004, p. 107) De acordo com Chagas (s/d) a lógica aristotélica deveria proporcionar instrumentos mentais primordiais para embasar qualquer tipo de investigação. A lógica de Aristóteles tinha como objetivo único a elaboração de uma metodologia para se chegar a investigação de forma precisa. Portanto, a lógica visa aprimorar as inferências quanto aos questionamentos provindos do ser. Conforme Chauí (2004) a analítica é o caminho para distinguir o que é válido ou não. Visto que é uma ferramenta para todas as áreas de conhecimento. “[…] a lógica aristotélica é um instrumento para o exercício do pensamento e da linguagem, oferecendo-lhes meios para realizar o conhecimento e o discurso.” (CHAUÍ, 2004, p. 77) Segundo Chagas (s/d) a lógica embasa a verdade através do conhecimento prévio adquirido pelo ser. Aristóteles desenvolveu a lógica provinda do raciocínio, como silogismos, em que se obtém uma conclusão através das premissas formuladas. Chauí (2004) ressalta que Sócrates provocou o movimento do pensar, elaborava perguntas que exigiam reflexão do indivíduo para além da aparência e a busca pela essência das coisas. Os questionamentos se referiam a ideias, valores, práticas e comportamentos que a pólis entedia como certos e verdadeiros. Desse modo, a racionalidade instigava a formação de conceitos que são verdades atemporais e universais. O partejar das ideias, iniciado por Sócrates, promove a construção do pensamento lógico. O raciocínio produzido possui teor crítico e reflexivo que permite ao indivíduo não se deixar alienar. Dessa forma, o diálogo filosófico conduzido juntamente com as crianças contribui significativamente para o exercício da criticidade em sua vida. Aranha e Martins (2006) acentua que Sócrates interagia com todas as pessoas da sociedade, não importava a idade ou classe social. Abordava os V 3, N. 1, jan - jun. 2017 157 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE indivíduos com perguntas instigantes e irônicas. Na ocasião, se colocava como não conhecedor do que era posto. Posteriormente executava a etapa que foi nomeada maiêutica, enquanto construção de conceitos ou parto das ideias fruto das indagações que estimulam o pensar. Assim, a reflexão e a crítica se destacavam no processo de busca do saber. A maiêutica socrática tem por objetivo perceber a sabedoria como movimento constante. Visto que, estimula o pensar e visa levar o indivíduo à elaboração de inferências por meio das quais é possível construir o próprio conhecimento de forma autônoma. Por isso, a criança deve ser instigada e mediada, a fim de deixar de lado a passividade diante da aprendizagem que deve representar constantemente o esforço de elaboração ativa do saber. 3.2 A experiência deweyana e o pensar na educação Segundo Ferreira (2011) é na interação mente/corpo que Dewey afirma a comprovação das coisas. Dado que para fornecer a prova de algo considera a experiência essencial. Esta aprimora o conhecimento e a compreensão de algo como um todo (sua contextualização). “[...] a experiência toma um papel importante nas ações de um agente orientando, modificando e interferindo nas ações humanas.” (FERREIRA, 2011, p. 148) As percepções do ser humano contribuem de forma significativa para o aprendizado real. Dado que, o ponto de partida é ação para obtenção do desenvolvimento cognitivo. As crianças internalizam o que é significativo à elas ao vivenciar o conteúdo ministrado. Ao analisar o real geralmente surgem o estranhamento e a dúvida. Desse modo, na infância é possível perceber a constante especulação com o propósito de entender ou comprovar noções adquiridas pela criança por meio do contato com a sociedade. As indagações proferidas pelo infante na tentativa de entender o que é posto a ele na proposta de Dewey é o momento do estímulo para a promoção da reflexão e da criticidade humana. Ferreira (2011) afirma que Descartes concebe a dúvida como estímulo da busca do conhecimento. Ressalta que o não alcançado no físico é conquistado no V 3, N. 1, jan - jun. 2017 158 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE transcendente. Há um dualismo do saber em que o corpo não é o suficiente para entender as coisas como são. Portanto, somente a mente sustenta a verdade. Chauí (2004) comenta que Descartes defende o intelecto como fonte do conhecimento real e propõe um método que direcione o alcance de objetivos que levem ao saber verdadeiro. Nesta perspectiva, a alienação é um ponto a ser considerado para que os indivíduos não se deixem levar pelos ideais de outros. Também é necessário ampliar o conhecimento com eficácia mediante procedimentos que comprovem as inferências alcançadas. Chauí (2004) ressalta que Descartes sugere regras para a condução do pensamento lógico e, portanto, coerente. A regra da evidência busca a obtenção da verdade por meio da não aceitação dos conceitos prontos. Posteriormente, há as regras da divisão e da ordem, citadas por Descartes, que visam dividir as complexidades conforme o grau de dificuldade (a gradação entre o simples e o complexo). E por fim apresenta a regra da enumeração, por meio da qual é feita a revisão do percurso que construiu o novo conhecimento. Para Ferreira (2011) a experiência na filosofia de Dewey acontece na aproximação do ser com a natureza. A assimilação do saber é alcançado através da mente, a experiência interfere nas ações do indivíduo. O pensamento cartesiano auxilia este processo à medida que fornece regras para a condução das investigações e fomenta sempre a dúvida e o debate. […] experiência é a ferramenta para os seres humanos adentrarem e examinarem continuamente a natureza; não é uma singela observação à distância dos objetos da natureza, mas sim uma forma de nos aproximar dela, sentindo - a por completo. […] a experiência permite uma compreensão da natureza extraindo de seus planos mais profundos suas características ainda não reveladas […]. (FERREIRA, 2011, p. 6 – 7) De acordo com Ferreira (2011) a filosofia deweyana utiliza a experiência como instrumento para a assimilação do aprendizado. Visto que, as inquietações vividas pelo indivíduo o levam a entender as coisas reais. O espírito empírico atrelado à cognição possibilita a construção de inferências comprovadas. Para Kant (s/d) a ilustração advém do esclarecimento que o indivíduo conquista ao se libertar do domínio externo e produzir seus próprios conceitos. Depender das inferências dos outros aliena o ser. Ao passo que cada um possui V 3, N. 1, jan - jun. 2017 159 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE capacidade de construir seus próprios conceitos e se desprender dos ideais impostos pelas autoridades que visam impor suas concepções e se beneficiarem disso. 4 MATERIAL DIDÁTICO DE APOIO E METODOLOGIA DO PFC Silveira (s/d) ressalta que o material didático do programa FPC busca estimular o pensar nos diferentes ambientes em que o indivíduo está inserido. Nas novelas filosóficas os personagens se deparam com situações problema que levam a pensar em uma solução. Dessa forma o objetivo é garantir o raciocínio eficaz independente da temática abordada. O material didático possui características filosóficas que a criança internaliza como saber real e significativo. Preocupa-se em desenvolver o interesse das crianças para que haja verdadeiro aprendizado de forma que reforce a participação de todos os envolvidos. Por isso, as histórias retratadas possuem vínculos com a realidade dos alunos. A novela Issao e Guga, que é destinada a crianças de seis a oito anos, aborda, no decorrer das histórias, temáticas que possuem características metodológicas e objetivos. Os métodos envolvem os sentidos das coisas e objetivam construir conceitos e compreender o mundo, seres vivos, seres humanos, direitos, dentre outros aspectos, que englobam a natureza e a percepção. O livro A descoberta de Ari dos Telles tem elementos que desenvolvem a investigação filosófica geral, através do diálogo que envolve temas como objetividade, comunidade de investigação, origem do mundo, artes, direitos das crianças, ciência, educação, etc. O livro Pimpa elaborado por Matthew Lipman (1995) retrata histórias contadas pela personagem principal, uma menina cujo nome é o título do livro, com idade de aproximadamente 9 a 10 anos, que é a faixa etária a que se destina esta novela filosófica. Há em todo o corpo do texto um diálogo com o leitor, cujo intuito é chamar a atenção para não dispersar a compreensão. É repleto de cenas que envolvem crianças de acordo com a idade sugerida de leitores em ambientes diversificados como casa, escola, dentre outros. V 3, N. 1, jan - jun. 2017 160 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE Começarei dizendo meu nome. Meu nome é Pimpa. [...] A razão pela qual eu inventei uma história é que cada aluno da classe teve que inventar uma história. O que eu contar é a história de como a minha história foi inventada. [...] Nós não sabíamos que íamos ter de inventar uma história até que Seu Marcos falou sobre a ida ao zoológico. Seu Marcos é o nosso professor. [...] Ele disse: - Quero que cada um de vocês pense num animal, num pássaro ou num réptil de que goste mais para ser sua criatura misteriosa. [...] Mais tarde enquanto estava sentada recomecei a pensar na criatura misteriosa [...] meu queixo estava apoiado na minha mão e meu cotovelo estava apoiado na carteira. [...] Meu braço tinha adormecido. Eu ainda não consigo entender. Se o meu todo estava acordado, como uma parte de mim podia estar adormecida? [...] Se meu corpo e eu somos um então ele não pode me pertencer. E se meu corpo e eu são diferentes, então quem sou eu? (LIPMAN, 1995, p. 3 – 7) Lipman (1995) busca orientar através do livro Pimpa vários aspectos que envolvem as crianças. O pensar é estimulado nos diversificados momentos vividos na infância. Também a interdisciplinaridade é expressa nas histórias que contém fatores e indagações relacionados ao contexto infantil como, por exemplo, o corpo humano, família, meio ambiente, higiene pessoal, direitos, etc, vinculados à lógica. No livro Pimpa é possível perceber as relações lógicas existentes no texto. É importante lembrar que a lógica é fundamental para aquisição das inferências essenciais para o desenvolvimento do raciocínio dedutivo. Retrata relações de tempo e espaço como mostra o trecho em que Pimpa e seu colega de sala, Bruno, buscam entender esta lógica. - Ah, Bruno – disse eu – acho que sei o que quer dizer. É como o Beto disse: Existe a palavra montanha. [...] Depois voltou à lousa, pegou um pedaço de giz e escreveu: As montanhas estão longe daqui. As casas estão perto do lago. Longe de e perto de são relações espaciais. Ri, bati palmas e falei: - Também sei fazer isso! – E escrevi: Hoje é antes do passeio ao zoológico. Semana que vem será depois do passeio ao zoológico. Antes de e depois de são relações de tempo. (LIPMAN, 1995, p. 09) As novelas filosóficas de Matthew Lipman possuem diálogos que promovem a investigação e a construção de conceitos. Os temas são contextualizados de acordo com a fase vivida pela criança. Assim, aguçam o interesse do leitor que apreende o significado da leitura. Dessa forma, desenvolve habilidades na resolução de conflitos vividos cotidianamente na infância e também no decorrer da sua vida. Os materiais didáticos direcionados aos alunos e professores possuem o objetivo de aperfeiçoar quatro principais habilidades: raciocínio, questionamento e V 3, N. 1, jan - jun. 2017 161 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE investigação, formação de conceitos e tradução. Estas fazem com que o aluno desenvolva a sistematização das ideias. Lipman (1994) ressalta que o professor tem significativa função na condução das metodologias do programa filosofia para as crianças. Sua atuação consiste em mediar e sugerir estratégias para se chegar à determinadas conclusões. Além disso, a interação ocorre em vários ambientes formados pela família, os meios de comunicação e a comunidade. Então, a escola tem a função de unir os aspectos sociais e familiares de maneira a formar seres críticos e reflexivos. De acordo com Lipman (1995) o professor deve lançar perguntas que estimulem a participação de todos com conteúdos que fazem parte da vivência dos alunos. Também sugere que sejam elaborados questionamentos ainda não assimilados pelos discentes e que os levem a investigar a problemática para a busca da resposta a ser alcançada. Desse modo, a investigação é o caminho que levará a novos conhecimentos. Conforme Lipman (1995) a atitude investigativa foi ressaltada por John Dewey em decorrência de que julgava que o processo para se chegar a determinado resultado não era visto, mas tão somente os resultados. Por isso, enfatiza a importância de investigar. O objetivo é estimular o indivíduo a buscar por si só as respostas para os problemas, o que permite a superação da mera transmissão de informações por parte do professor. A comunidade de investigação no programa FPC representa a divisão das opiniões que são respeitadas de maneira recíproca. Também as ideias de outrem são influenciadas e desafiadas para a obtenção de razões que ainda não foram fundamentadas. Outro aspecto é compartilhar o conhecimento aprimorado por cada um para formar conclusões significativas. Dessa forma, o aluno internaliza o saber e o utiliza no decorrer da sua vida. O autor (1995) ressalta que as crianças adquirem e aprimoram suas habilidades cognitivas quando estimuladas. Visto que, nas habilidades de investigação o indivíduo associa uma ação com algo vivido ou presenciado ou até mesmo com a expectativa de alcançar a resposta para determinado questionamento. Por intermédio da investigação há formação de inferências, construção de hipóteses, conceitos, analogias, lida-se com a coerência e V 3, N. 1, jan - jun. 2017 162 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE contradições, reconhecem-se imprecisões, dentre outros aspectos, assim, o indivíduo se torna esclarecido no seu cotidiano. Lipman (1994) ressalta que os pensamentos estudados por vários teóricos não são verdades absolutas. O contato com a filosofia não pode ser doutrinador, pelo contrário, é fundamental manter a chama da crítica e a constante indagação diante dos temas abordados. [...] Uma meta da educação é livrar os estudantes dos hábitos mentais que não são críticos, que não são questionados, para que assim possam desenvolver melhor a habilidade de pensar por si mesmos, descobrir sua própria orientação perante o mundo e, quando estiverem prontos para isso, desenvolver seu próprio conjunto de crenças acerca do mundo. [...] O que importa é que adquiram uma melhor compreensão a respeito do que pensam e por que pensam, sentem e agem do jeito que fazem e de como seria raciocinar efetivamente. [...] As atitudes do professor, quaisquer que sejam, terão um peso considerável para os mais jovens que estão inseguros quanto ao significado de sua própria experiência. [...] A investigação livre proporciona uma incomparável estrutura para o desenvolvimento. (LIPMAN, 1994, p. 121 – 124) Platão e Sócrates desenvolviam habilidades de raciocínio através do diálogo. Assim, o programa FPC preserva a conversação organizada como fator primordial para a aquisição da logicidade no processo de construção do conhecimento. De acordo com Lipman (1994) o raciocínio infantil acontece antes da aquisição da linguagem. Alguns pensamentos indutivos estão presentes e podem ser considerados como conclusão de um silogismo. Portanto, a criança possui inferências que são desenvolvidas por meio do pensamento. O pensar filosófico é percebido no momento em que a criança questiona todas as coisas, isso acontece quando ela quer descobrir uma explicação causal para determinado efeito. O raciocínio é uma habilidade cognitiva que tem o intuito de estimular o pensar através da compreensão da realidade fundamentada no ponto de vista filosófico. Através das habilidades de leitura direcionadas é possível promover e aprimorar o raciocínio. A lógica se relaciona diretamente com o raciocínio por meio da elaboração de teses e premissas que auxiliam a sua fundamentação. Ao ler e comparar os pontos de vista dos autores com o seu cotidiano o estudante forma uma visão crítica das coisas. Segundo Lipman (1995) a formação de conceitos é construída mediante a capacidade cognitiva de cada um. O processo de organização do conhecimento V 3, N. 1, jan - jun. 2017 163 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE adquirido é a guinada para a aquisição do conceito. “O pensamento conceitual envolve relacionar conceitos entre si a fim de formar princípios, critérios, argumentos, explicações, etc.” (LIPMAN, 1995, p. 72) A formação de conceitos é construída através dos conhecimentos adquiridos na comunidade de investigação. Dado que todo conceito tem significado próprio, pois é formulado conforme o saber prévio dos envolvidos no diálogo. O aluno tem a oportunidade de expor suas ideias e assim (re) construir novos pressupostos. Por isso, na comunidade de investigação formam-se indivíduos autônomos. A interpretação textual é destacada como uma habilidade no programa FPC que objetiva preservar o significado. O que é novo para o aluno é mediado pelo professor, como o raciocínio lógico, para a compreensão do que é abordado. Desse modo, a mudança que possibilita a internalização do conhecimento é uma tradução. “[...] a tradução é aquela forma que preserva o significado através da mudança.” (LIPMAN, 1995, p. 73) A habilidade interpretativa busca desenvolver características pessoais e de socialização que visam escutar os outros, ser sensível à dimensão afetiva, inferir visões do mundo, ser empático, aberto intelectualmente, respeitar os outros, dialogar, por o ego em perspectiva, ter autocontrole, propiciar confiança, etc. Assim, esta proposta inclui o aluno no meio social e promove a evolução pessoal de valores essenciais para a vida. As ideias compartilhadas entre os indivíduos envolvidos na comunidade de investigação propiciam a liberdade de serem investigadores e questionadores. Visto que, a interação possibilita o crescimento individual e social. Na ocasião os estudantes expressam o que sabem e aprendem com o outro de maneira a valorizar o crescimento individual e coletivo. 5 PAIDÉIA: a construção do intelectual no período clássico e na contemporaneidade Segundo Silva (2010) no século V a. C. a palavra Paideia era entendida como “educação dos meninos”. Visto que buscava formar indivíduos em sua integralidade: formação política, moral, artística corporal e intelectual. Os gregos chamavam a educação ideal de aristocrática – pretendia cultivar a aretê, a virtude heroica ligada à força, bravura, coragem e a honra. Características V 3, N. 1, jan - jun. 2017 164 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE como beleza e bondade exerciam a função de integrar a estética e a moralidade. Assim percebe-se que havia preocupação com a mente e o corpo. A paidéia é o processo de ensino que prepara a criança para a vida adulta. O alicerce do conhecimento é construído desde a mais tenra idade. Do mesmo modo, o programa FPC instiga o pensar desde a infância com intervenções que orientam e possibilitam a formação do saber eficaz que permeia por toda a vida e os diversos ambientes frequentados pelas pessoas. Dessa forma é possível afirmar que esta proposta busca, mesmo em um contexto histórico distinto, resgatar elementos importantes da educação grega na abordagem filosófica junto à criança, no intuito de promover uma educação mais ampla e eficaz. Conforme Cabral e Teodósio (2010) a filosofia e a pedagogia nasceram na Grécia Antiga. A pedagogia provém de do grego paidós (criança) e agogé (condução), ou seja, condução da criança ao saber. Por isso, até a atualidade há uma visão de que o pedagogo é responsável por dar continuidade à educação das crianças de maneira a aprimorar o que já foi ensinado no seio familiar. Neste cenário surge o desafio de considerar a pedagogia uma ciência. Consequentemente foram elaboradas obras como O tratado sobre a educação de Luís Vives no século XVI com o intuito de inserir a pedagogia no campo científico. De acordo com Saviani (1990) o objeto de estudo da filosofia é o pensamento. Dado que todo homem pensa, consequentemente é de interesse universal os ideais filosóficos. A filosofia inserida no ambiente educacional provoca a reflexão acerca dos problemas que assolam a escola. Conforme Cabral e Teodósio (2010) a pedagogia abrange os meios da educação. Dado que, busca compreender os indivíduos inseridos no mundo e as suas atitudes. A filosofia objetiva entender o que é educação e as razões mínimas que levam à necessidade de educar. De acordo com as autoras (2010) a filosofia complementa a pedagogia no sentido de esclarecer situações que exigem reflexões acerca dos pressupostos que as envolvem. Dessa forma, “[...] é necessário acompanhar reflexiva e criticamente a atividade educacional de modo a explicitar os seus fundamentos, esclarecer a tarefa e a contribuição das diversas disciplinas pedagógicas e avaliar o significado das soluções escolhidas.” (SAVIANI, 1990, p. 17 apud CABRAL; TEODÓSIO, 2010, p.7) V 3, N. 1, jan - jun. 2017 165 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE Segundo as autoras (2010) para Saviani os conhecimentos dos filósofos clássicos contribuem para o saber e o progresso educacional. Dessa forma, “[...] a filosofia seria fundamental para assegurar a promoção da reflexão, não uma reflexão qualquer, mas uma reflexão radical, rigorosa e global sobre os problemas que a nossa sociedade apresenta.” (SAVIANI, 2002, p. 29 apud CABRAL; TEODÓSIO, 2010, p. 4) Conforme Saviani (1990) a teoria clássica referia-se à problemática do período em que foi escrita, no entanto reflete na busca da compreensão das questões e dilemas existentes na atualidade, especialmente no tocante ao desenvolvimento da ciência. A educação tem como alvo o indivíduo inserido no mundo de maneira a orientar o seu desenvolvimento que abrange todos os aspectos que o envolve. Compreender o ser humano e suas complexidades é uma tarefa que cabe aos princípios filosóficos. Por isso, os ideais clássicos promovem o progresso intelectual do ser. Desse modo, percebe-se a importância e os reflexos dessas teorias na contemporaneidade. Cabral e Teodósio (2010) comentam que é função do professor ser investigador. O educador precisa se preparar para as adversidades existentes no meio educacional. Desse modo, suas atitudes são fundamentadas na cientificidade do saber que exige o espírito empírico e assegura o conhecimento real das coisas. [...] a formação do educador e o seu papel diante da sociedade deverão estar pautadas na formação de um educador autônomo e crítico, capaz de enfrentar os problemas colocados pela realidade educacional de seu tempo e produzir respostas teóricas e práticas a esses problemas por meio da pesquisa, o que faz com que o professor seja ele próprio um pesquisador. (CABRAL; TEODÓSIO, 2010, p. 7) Saviani (1990) a atividade reflexiva garante a execução do trabalho pedagógico mediante a finalidade a ser atingida. A crítica leva à excelência das tarefas e fundamentos nas instituições, como consequência tem-se alunos com nível elevado no aprendizado, o que amplia seu cotidiano. Esta proposta só pode ser concretizada com base na preparação precoce de futuros cidadãos mais conscientes. Rodrigues (2011) cita a construção do conceito de intelectual orgânico para Gramsci, a partir do qual o indivíduo utiliza o saber adquirido para promover a V 3, N. 1, jan - jun. 2017 166 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE ascensão intelectual de uma classe seja ela dominante ou proletária. O conhecimento destaca-se como foco para a aquisição da libertação consciente ao desenvolver ações para a construção de uma sociedade justa e equilibrada. Desse modo o ambiente escolar é visto como possível produtor de seres que ao adquirir o saber possuirão ferramentas para a transformação social. De acordo com Rodrigues (2011) para Gramsci a escola humanista transmite o saber completo e constrói indivíduos capazes de pensar na condição vivida em sociedade, esta proposta, geralmente, se restringe à classe dominante. A classe trabalhadora, no entanto, tem acesso ao saber para fins profissionais e mecânicos em que o pensar não é proporcionado. Portanto, os interesses da minoria se perdem por não haver, na maior parte dos casos, indivíduos instruídos para o alcance dos objetivos propostos pela sociedade. Saviani (1990) comenta que a filosofia tem o pensar como essência, volta-se, assim, para as ações reflexivas e pressupõe essa prática a todo ser racional. Visto que, a filosofia propõe a construção de respostas na incessante compreensão de fatos ocorridos em sua existência. Somente o conhecimento filosófico possui características capazes de promover ações reflexivas que decorrem da vida humana pelo exercício do pensamento. A proposta de Lipman no PFC é que o indivíduo na infância seja estimulado a refletir e desenvolver o pensar de forma racional, a fim de construir seus conceitos acerca do que lhe é posto. Este será o intelectual orgânico citado por Gramsci no futuro, dado que a conscientização realizada pelos intelectuais de determinada classes fomenta a crítica contra a imposição da ideologia dominante e interfere de forma significativa nas transformações sociais. A criança preparada com habilidades que promovem o senso crítico de suas concepções, no futuro conscientizará sua classe quanto às necessidades de se posicionar contra questões que não a favorecem. Chauí (1980) afirma que a ideologia representa as ideias da classe dominante concebidas de modo natural e universal como verdades absolutas. Dessa forma, a sociedade segue parâmetros que alienam e não permitem o desprendimento do que é posto. Somente o conhecimento como emancipador dos indivíduos contribui para o combate à alienação. V 3, N. 1, jan - jun. 2017 167 REVISTA ACADÊMICA EDUCAÇÃO E CULTURA EM DEBATE CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi possível compreender através da pesquisa realizada que é de fundamental importância que o programa apresentado por Lipman seja executado nas escolas, visto que instiga a autonomia do pensamento do aluno. Além disso, proporciona integração social que favorece o desenvolvimento de uma sociedade plena. A necessidade de formar indivíduos autônomos possibilita o exercício constante da reflexão. As metodologias adotadas no programa FPC de Matthew Lipman levam os alunos a relacionar o conteúdo ensinado com o seu cotidiano. Desse modo, o contato com a filosofia proporciona o combate da alienação propiciada pela reprodução de conteúdos como simples informações transmitidas e acatadas como se os estudantes fossem meros recipientes vazios. Com a criticidade em foco o futuro adulto torna-se ativo e participativo, não se deixará, portanto, levar por pensamentos alheios. Assim, os seres humanos dotados de autonomia influenciarão nas decisões particulares e globais que possibilitam o bem estar da população. O referido trabalho sugere a ampliação de pesquisas que colaborem com o desenvolvimento eficaz do que é proposto no programa FPC de Matthew Lipman. Visto que o processo investigativo é primordial para constantes inferências relacionadas ao processo educacional. Aprofundar o conhecimento é relevante para a execução da proposta com prioridade, a fim de ampliar e obter resultados com reflexo na vida dos envolvidos. REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. São Paulo: Moderna, 2006. CABRAL, Carmen Lúcia de Oliveiral; TEODÓSIO, Hosiene Araújo. As interfaces entre filosofia e pedagogia. Congresso Internacional de Filosofia e Educação, 2010. 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