MARIA SANTA MÃE DE DEUS

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PERETTI, Clélia (Org.) Congresso de Teologia da PUCPR, 10, 2011, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Champagnat, 2011.
Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/congressoteologia/2011/
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Maternidade divina de Maria
Divine Motherhood of Mary
André Phillipe Pereira1
Resumo
Desde o começo do séc. II, a Fé Católica, professa a maternidade divina de Maria. Os grandes
do séc. III como Santo Inácio de Antioquia, São Justino, Santo Irineu expressam isto de forma
bem clara. É provável que o título de Mãe de Deus (Theotokos) tivesse já sido usado por
Hipólito de Roma e Orígenes, mas de qualquer forma, já aparece nos textos cristãos no fim do
séc. III. Este Dogma foi solenemente proclamado no Concílio de Éfeso em 431, tornando
oficial aquilo que a devoção popular já afirmara, no entanto, o dogma mariano desenvolveu-se
lentamente ao longo de toda história da Igreja. De forma direta e expressa, mas também de
forma indireta, a Sagrada Escritura ensina diversos pontos sobre Maria, assim, torna-se o
ponto inicial de qualquer teologia sobre a Mãe de Deus. No entanto é Maria quem esclarece a
nossa compreensão de Jesus, pois, foi nela e por ela que o Verbo de Deus assumiu
concretamente, totalmente uma natureza igual à nossa unindo-se de algum modo a todo ser
humano. O Concílio Vaticano II, falando explicitamente da maternidade de Maria, aponta
para a dimensão pedagógica da existência daquela que, ao gerar à vida o Salvador, torna-se,
inevitavelmente, mãe e mestra da nova humanidade, mãe e mestra espiritual de todos os
seguidores de Jesus, mãe e mestra da Igreja.
Palavras-chave: Maria. Maternidade divina. Theotokos. Dogma.
Abstract
Since the beginning of the century, the Catholic Faith, professes the divine motherhood of
Mary. The great from third century, as Saint Ignatius of Antioch, St. Justin, St. Irenaeus
express it very clearly. It is likely that the title of Mother of God (Theotokos) had already been
used by Hippolytus of Rome and Origenes, but either way, it appears in Christian texts in the
late third century. This dogma was solemnly proclaimed at the Council of Ephesus in 431,
making official what the popular devotion had already stated, however, the Marian dogma
developed slowly throughout Church history. And in a directly expressed way, but also
indirectly, Sacred Scripture teaches several points about Mary, thus, becomes the starting
point for any theology on the Mother of God. However, it is Mary who clarifies our
understanding of Jesus, because it was in her and through her that the Word of God became
concrete, fully expressed in one of us, by joining in some way to every human being. The
Second Vatican Council, explicitly speaking of Mary's motherhood, points to the pedagogical
dimension of the existence of whom, to generate the life the Savior, it is inevitably a mother
and teacher of the new humanity, mother and spiritual teacher of all Jesus‟ followers, mother
and teacher of the Church.
Keywords: Mary. Divine Motherhood. Theotokos. Dogma.
1
Mestrando em Teologia na PUCPR. Bacharel em Teologia pela PUCPR. Bolsista CAPES-PROSUP.
E-mail: [email protected].
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Introdução
“A Igreja confessa que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus.”
(Catecismo da Igreja Católica, §495)
O caso do dogma Mariano levanta um problema evidente a respeito da natureza e da
legitimidade do desenvolvimento dogmático.
A função do dogma não é produzir novas afirmações, mas extrair e exprimir
de outro modo as implicações racionais da mensagem que se origina na
escritura. A fé deve permanecer idêntica a si mesma, para continuar hoje a fé
dos Apóstolos, sem adições nem subtrações (TIHON, 2005, p. 469).
O dogma mariano desenvolveu-se lentamente ao longo de toda história da Igreja.
Maria é o membro mais eminente da Igreja, mesmo sabendo-se que na Igreja antiga o dogma
mariano se desenvolveu a partir da relação de Maria com Cristo, seu Filho.
A dogmática está sempre ligada ao culto e à liturgia. O antigo adágio segundo o qual a
lei da oração é a lei da fé (Lex orandi, Lex credendi) vale especialmente para o dogma
mariano. Seu desenvolvimento pode ser acompanhado a partir das principais festas:
Theotokos em quinze de agosto, em Jerusalém, a partir de 431, festa da Natividade de Maria
(oito de setembro), a partir do séc. VI depois a da Conceição (oito de dezembro). A festa da
anunciação, centrada primeiro na pessoa de Cristo, depois dará maior relevo a Maria. A Idade
Média desenvolverá uma grande piedade mariana, consagrando a Maria suas catedrais
(Chartres, Paris) e criando numerosos hinos marianos, assim como a devoção do rosário.
Na Bíblia, lida, porém, na Tradição, como costuma fazer a exegese católica, é que se
fundamenta o dogma Cristão e por consequência o dogma Mariano. Expliquemos:
1) Bíblia. Contém materialmente toda a Revelação. Também os quatro dogmas: os
dois primeiros explicitamente ou quase; os dois últimos só implicitamente. Para explicitá-los
é preciso justamente a Tradição. Esta não substitui a Bíblia, mas apenas a esclarece e
interpreta.
2) Tradição. É a própria revelação bíblica enquanto lida piedosamente pela Igreja ao
longo dos séculos. Essa leitura viva não fica só na “letra”, mas chega ao “espírito” da Palavra,
capta seu sentido profundo e o torna pleno e claro. Trata-se da grande Tradição (com T
maiúsculo, a Parádosis), que é imutável em sua substância, mas que cresce em sua
compreensão. É diferente das “pequenas tradições” (com t minúsculo), que são mutáveis e
superáveis.
298
Este artigo apresenta o primeiro dogma mariano: Maternidade Divina de Maria,
proclamado em 431 no Concílio de Éfeso.
Trabalho o tema da Maternidade Divina, apresentando os fundamentos bíblicos para
este dogma onde veremos que Jesus mesmo ensina que mãe para Ele era quem ouvia sua
Palavra e a punha em prática (Lc 8,21; 11,27-28). Aos seus olhos, era o que mais contava.
Ora, Maria foi mãe também e, sobretudo por sua fé.
Na sequência a história do dogma, principalmente no Concílio de Éfeso em 431, que
declarou que Maria é “Mãe de Deus” (Theotokos, Dei Genitrix, Deipara), porém segundo a
carne assumida pelo Verbo.
Encerrando vemos a Maternidade no Concílio Vaticano II, que afirma: “Os Santos
Padres julgam que Deus não se serviu de Maria como de instrumento meramente passivo, mas
julgam-na cooperando para a salvação humana com livre fé e obediência” (LG 56).
Entre os títulos usados na liturgia ortodoxa para venerar a Maria é prática até hoje
dirigir-se a ela como a “progenitora de Deus”, enquanto no Ocidente se impôs, como afirmam
Müller e Sattler (2000, p. 162), o discurso de Maria como “Mãe de Deus”. Este termo, em
linhas gerais, é uma criação originariamente cristã, que nasceu da devoção popular, tornado
obrigatório a todos os crentes.
Este uso lingüístico próprio do ocidente encerra alguns perigos a uma compreensão
teológica adequada do título Theotokos2, em conformidade com as intenções dos padres do
Concílio de Éfeso3 no ano de 431, tendo a definição do Concílio único interesse cristológico,
proclamando a verdade que Maria é Mãe de Deus.
Esse pensamento percorrera um longo caminho desde que Maria fora
considerada a segunda Eva. Foi provavelmente o maior salto em toda a
história a seu respeito, que justifica esse acontecimento com três razões: o
crescimento do título Theotokos, o aumento da observância litúrgica à
“comemoração de Maria”, juntamente com a necessidade de identificar uma
pessoa totalmente humana com a coroação da criação, uma vez que havia
sido declarada inadequada essa identificação com Jesus Cristo, pois Ele era o
eterno Filho de Deus e a Segunda Pessoa da Trindade (ALMEIDA, 2003, p.
78).
O primeiro dos quatro dogmas marianos é o da maternidade divina de Maria. Primeiro
historicamente. Primeiro como razão de todos os outros.
2
O concílio de Éfeso decidiu que Nossa Senhora devia ser chamada de Theotokos, Mãe de Deus e não
Christotokos, Mãe de Cristo, como queria Nestório que fora condenado pelo mesmo Concílio (ROPS, 1991, p.
156).
3
Concílio de Éfeso em 431, o Papa era Celestino I, a matéria de discussão deste Concílio era as heresias
Nestorianismo e Pelagianismo e os decretos finais e definições deste Concílio foram que: Cristo, Deus – Homem
é uma só Pessoa: a união hipostática substancial, não acidental; física, não moral. Maria é Mãe de Deus:
Theotokos (COLLANTES, 2003, p. 1247).
299
“Maria é progenitora de Deus porque o Logos encarnado é verdadeiramente Deus,
porque não se perde sua natureza divina por causa da união com a natureza humana nem é
limitada de qualquer forma” (MÜLLER; SATTLER, 2000, p. 162).
Maria deu à luz o Logos divino segundo a carne, deu a vida a um ser humano, é
Progenitora de Deus.
O discurso de Mãe de Deus parece antes seduzir a aumentar ainda mais o aliás já
existente perigo de um monofisismo latente, de uma percepção e valorização apenas da
divindade de Jesus Cristo.
Maria não pariu a Deus, a origem de todo ser, atemporal e presente em todo
tempo, nem deu à luz e amamentou um ser humano que tivesse sido como
todos os demais seres humanos, antes ela foi exigida espiritual e fisicamente,
de modo integral, a servir, numa hora histórica concreta, à humanação do
Logos de Deus no homem-deus Cristo Jesus (MÜLLER E SATTLER, 2000,
p. 162).
Devemos fazer “jus” à intenção dos padres conciliares de Éfeso. Para isso temos que
entender o discurso de Maria como progenitora de Deus como uma confissão Cristológica em
forma Mariológica.
Em um contexto eclesiológico, a maternidade de Maria pode ser considerada como
protótipo da maternidade da Igreja. Também, aqui fica preservado o traço cristológico do
dogma e da Igreja: como uma mãe dá a seu filho a vida preparada por Deus, do mesmo modo
a Igreja o faz para os crentes, que no Batismo morrem com Cristo e Nele ressuscitam para
uma vida incorruptível.
Então, Maria é um sinal de esperança para todos os homens que estão dispostos a se
abrir para a palavra de Deus, para seu Espírito e sua sabedoria.
Fundamentos bíblicos
“Exclamou Isabel em alta voz, „Donde me provém
que me venha visitar a mãe do meu Senhor‟” (LC 1, 42-43).
Qualquer teologia sobre Maria deverá partir da Sagrada Escritura: ora, esta ensina,
sobre Maria, diversos pontos, de forma direta e expressa; outros só indireta e implicitamente.
A Igreja, com o auxílio da tradição extrai toda a sua mariologia.
Todas as glórias de Maria que a teologia elaborou são o desenvolvimento de
doutrinas expressamente contidas na Sagrada Escritura, sobretudo a
maternidade divina tal como no-la descrevem Lucas e João. Muitas dessas
glórias não são apenas dela, mas de todos os que pertencem a Cristo, só que
300
ela as possui de forma especial, em vista de sua posição como Mãe de
Cristo, Filho de Deus (AUTRAN, 1992, p.14).
Os próprios testemunhos marianos do Novo Testamento nos certificam de que a visão
do significado de Maria evoluiu historicamente nas primeiras comunidades.
O ponto de partida do anúncio de Jesus Cristo, que é o tema central do Novo
Testamento, foi a sua Páscoa. Desse evento nasceu a fé e dele partiu a reflexão teológica da
Igreja. Tudo o que se diz de Jesus Cristo, nos escritos neotestamentários, virá iluminado pela
luz de sua ressurreição, inclusive os mistérios de sua infância e, conseqüentemente, a figura
de Maria.
Como afirma Autran (1992, p. 11) a Imagem de Maria “foi aparecendo no horizonte
teológico da Igreja primitiva somente à luz de Jesus e por razões nitidamente Cristológicas.
Em momento algum o Novo Testamento fala de Maria por si mesma”.
Resumidamente podemos apontar algumas etapas da lenta descoberta de Maria, de sua
figura teológico-simbólica:
São Paulo aos Gálatas (4,4-5), fala-nos da mulher de quem foi formado o Filho
enviado pelo Pai, para que recebêssemos a sua adoção. Maria é a garantia da verdadeira
humanidade de Jesus.
“Deus enviou seu Filho, Nascido de mulher”, esta frase afirma a iniciativa salvadora
do Pai e a missão do Filho. O primeiro ato de sua missão é tornar-se filho de uma mulher,
assumindo a condição humana no seio materno de Maria, sendo esse nascimento uma
passagem, vindo a tornar-se novo, tornando-se homem.
Jesus, então, está inserido plenamente na Lei: Ele é judeu como sua mãe e por sua
mãe.
É Maria quem esclarece a nossa compreensão de Jesus4. Foi nela e por ela que o
Verbo de Deus assumiu concretamente, totalmente uma natureza igual à nossa, uma
existência humana na banalidade de nosso dia-a-dia. No seio materno de Maria, o Filho de
Deus uniu-se de algum modo a todo homem. Deus feito homem, é o Verbo encarnado.
Na Encíclica Redemptoris Mater, do papa João Paulo II, é ilustrado o sentido da
locução bíblica em Gálatas 4,4-5: “Essas palavras celebram ao mesmo tempo o amor do Pai, a
missão do Filho, o dom do Espírito Santo, a Mulher pela qual nasceu o Redentor e a nossa
filiação divina” (RM, n. 1).
4
“Graças a sua maternidade bem real: Ele é o homem perfeito que trabalhou com mãos humanas, pensou com
inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano...é verdadeiramente um de nós,
semelhante a nós em tudo exceto no pecado” (AUTRAN, 1992, p. 25).
301
Lucas em Atos dos Apóstolos 1,14: menciona a presença de Maria na Comunidade
pentecostal de Jerusalém. Mateus 12,46-50; 13,53-58: omite qualquer detalhe que possa
lançar descrédito sobre a imagem da Mãe de Jesus. Mateus fala da descendência de Jesus e
não menciona nada que possa deturpar a imagem da Mãe de Jesus. Na infância do Emanuel, o
filho concebido virginalmente por Maria, acentua o caráter extraordinário do seu nascimento.
Mateus divide sua genealogia em três subseções de catorze gerações cada uma (Mt
1,17). Meu interesse aqui é apenas a luz que a genealogia lança sobre a visão que Mateus tem
de Maria, a qual ele menciona no final da lista de ancestrais em Mt 1,16.
Que ele tenha uma atenção especial para com Maria pode-se ver por três
observações: (a) quando Mateus chega ao nascimento de Jesus, ele rompe o
esquema “A gerou (ou foi pai de) B”, que usara para cada um dos outros
nascimentos da lista. Em 1,16, porém, ele se refere a Maria, da qual nasceu
Jesus. (b) em Mt 1, 18-25 passa a esclarecer a razão pela qual ele não disse
em Mt 1, 16: José gerou (foi pai de) Jesus de Maria. Estes versículos são o
ponto crucial da genealogia. (c) Maria não só é a única mulher nessa
genealogia, e mediante a inclusão de um grupo de quatro mulheres do
Antigo Testamento, a saber: Tamar, Raab e a mulher de Urias. Mateus pode
estar chamando a atenção para a função de Maria5 (DONFRIED, 1985, p.
88).
Em Mateus a imagem de Maria, Mãe de Jesus, é conhecida e apresentada, como
alguém que O tendo concebido virginalmente, sabendo por mensagem evangélica que Ele
salvará o seu povo de seus pecados: viu como Deus O protegeu de um rei iníquo, como
planejou geograficamente o Seu destino, conduzindo-O a Nazaré.
Lucas 8,19-21; 11,27-28: não só nos dá um retrato altamente positivo da perfeita
discípula e Mãe de Cristo, como também mostra-a intimamente associada à obra salvífica do
Filho. Lucas procurou contar em palavras humanas o momento estupendo e inefável da
encarnação de Deus no seio de Maria. A Realidade da maternidade divina de Maria está
estreitamente ligado ao mistério da Encarnação do Filho de Deus.
Segundo Neotti, “a partir daquele momento, o mistério e a missão de Cristo – Deushomem e homem-Deus – une-se para sempre ao mistério e à missão de Maria de Nazaré”
(2004, p. 27). Lucas em 8,19-21 sublinha que a Mãe e os irmãos são exemplo da semente que
caiu em terra boa. E como afirma Donfried: “Isso combina plenamente com a forma com que
Lucas descreve a primeira resposta de Maria à palavra de Deus em 1,38: „eis aqui a escrava
do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra‟” (1985, p. 184). Lucas em 11,27-28: essa
5
Neotti afirma que a missão de Maria, porém só têm sentido no mistério e na missão de seu Filho. Jesus, autor
da graça, toma carne daquela que Ele plenificara de Graça já antes da Anunciação. Criaturas humanas e
angelicais olham extasiadas o fato inimaginável: uma mulher ser genitora de seu genitor e a saúdam como filha
de seu filho (2004, p. 27).
302
passagem é exclusiva de Lucas, mas essa frase de Jesus soa quase como uma variante da que
conclui a cena anterior: em ambas se dá valor, não ao parentesco físico, mas à escuta da
palavra de Deus e à sua execução ou conservação.
João insere a figura de Maria no mistério da encarnação, na qualidade de Mãe de Jesus
(2,1.3.5.12; 19,25-27) e, provavelmente, no sentido de uma concepção virginal (1,13). Ele a
insere também no contexto da revelação de Jesus, seja no sinal de Caná (2,1-12), seja na
missão materna para com os discípulos, no momento da cruz e Ressurreição (19,25-27).
Maria é a imagem da Igreja-Mãe, Jerusalém, o novo Povo escolhido.
A narrativa de Caná dedica quatro dos dez versículos principais a Maria, presente e
atuante, dialogante com Jesus e com os serventes, provocando o primeiro sinal de Jesus.
Afirma-nos Autran: “é óbvio que João quis colocar a primeira manifestação da glória de Jesus
em relação com a Mãe de Jesus” (1992, p. 127). “Aos pés da Cruz de Jesus, estavam sua
Mãe...” (Jo 19,25).
Eis o que escreve Laurentin, a respeito de Maria na Sagrada Escritura:
Duração, progresso: foi segundo essa lei que Maria, pouco a pouco, foi–se
tornando conhecida na Igreja. Quase ausente da mensagem primitiva,
ausente da catequese, enquanto esteve sobre a terra, no meio da Igreja, ela
foi, no sentido mais óbvio da palavra, “descoberta” a partir dessa presença
inicial. Duração, progresso: é também segundo essa lei, ou melhor, foi
primeiramente por essa lei que Maria viveu. Sua vida é progressão, da
obscuridade da fé à luz da visão beatífica; da gratuidade do dom original ao
cúmulo de méritos com que deixou a terra; da receptividade inicial às
derradeiras conseqüências de sua missão maternal; da plenitude da graça
pessoal e secreta do primeiro instante à plenitude social e manifesta que ela
irradia do alto do céu (1965, p. 12).
Maria não é apenas uma simples mulher judia; é a personificação do povo de Deus,
filha de Sião. Sua virgindade é o sinal de uma pertença exclusiva ao Senhor. Sua grandeza e o
cerne de sua maternidade residem na sua fé-fidelidade à palavra de Deus.
Denominada nos Evangelhos “a Mãe de Deus” (Jo 2,1; 19,25), Maria é aclamada, sob
o impulso do Espírito, desde antes do nascimento de seu Filho, como “a Mãe de meu Senhor”
(Lc 1,43). Com efeito, Aquele que ela concebeu do Espírito Santo como homem e que se
tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne não é outro que o Filho eterno do Pai, a
Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
A história do dogma
“À vossa proteção recorremos Santa Mãe de Deus”
303
A fé católica na maternidade divina de Maria é professada, já desde o começo do séc.
II, de forma clara, por Santo Inácio de Antioquia, São Justino, Santo Irineu e pelos grandes do
séc. III. É provável que o título de Mãe de Deus (Theotokos) tivesse já sido usado por
Hipólito de Roma e Orígenes, mas de qualquer forma, já aparece nos textos cristãos no fim do
século terceiro, início do quarto, principalmente nos escritos de Alexandre de Alexandria, a
julgar pela antiqüíssima oração: “Sub tuum praesidium confugimus, Sancta Dei Genitrix”,
reagindo à doutrina de Ário.
O título Theotokos, segundo Pelikan, é o mais compreensível vocábulo inventado no
oriente para designar Maria no cristianismo do Oriente e, na opinião de muitos, o mais
problemático. Esse título não possuía o significado simples de Mãe de Deus, como é
traduzido usualmente nas línguas ocidentais, mas o significado mais preciso e completo é
“aquela que deu à luz Deus” (PELIKAN, 1996, p. 83).
Este título se espalhou principalmente entre os capadócios tornando-se corrente no fim
desse século. Em 428, Nestório6 o questiona indo contra o título tradicional.
Este título é fruto de uma experiência de fé que se tornou consciente de tudo o que
implicava a confissão de Jesus Cristo, Filho de Deus e Deus.
Como afirma Sesboüé:
Se Jesus é título pessoal, Filho de Deus, Maria, sua Mãe, é efetivamente Mãe
de Deus. Ela não é, evidentemente, Mãe de sua divindade: Deus, como Deus,
não pode, por hipótese, ter mãe. Maria é Mãe do Verbo encarnado: é aquela
que, por geração, lhe deu sua humanidade. Mas Aquele que foi carnal e
humanamente gerado nela é o próprio Filho de Deus, que assim tornou-se o
Filho de Maria (2005, p. 482).
Em suas primeiras pregações Nestório principalmente questionou a “comunicação de
idiomas”, ou atribuição “das propriedades entre a divindade e a humanidade que condiciona
todas as outras. Trata-se de saber se os acontecimentos da vida, da paixão e da morte de Jesus
devem ser atribuídos ao Verbo de Deus como tal” (SESBOÜÉ, 2005, p. 482).
Contrariando a Tradição comum da Igreja, que como sabemos é enraizada na Sagrada
Escritura, Nestório se posiciona afirmando que não. Mas não se poderia dizer que o Verbo de
6
“Nestório era Patriarca de Constantinopla, bispo famoso como orador sacro, como líder organizador, como
conhecedor das escrituras. Ensinava que Maria era só mãe do Cristo-homem, porque lhe parecia absurdo uma
criatura ser mãe do criador e assim achava que melhor se chamássemos a Virgem Maria como Chrisotokos, ou
seja, Mãe de Cristo. O Concílio de Éfeso (431) declarou herética a posição de Nestório que, humildemente, se
retirou da vida pública e voltou à vida que levava antes de ser Bispo e patriarca, a vida de monge.” (NEOTTI,
2004, p. 25).
304
Deus morreu na cruz se não se afirmasse, antes, que o mesmo foi gerado por Maria. Se assim
for, nesse caso interpõem uma separação concreta entre o Verbo de Deus e o Homem Jesus.
Esse ponto que causando confusão e escândalo em 428, levou à convocação do
concílio de Éfeso em 4317, cujo principal problema levantado era Cristológico.
As discussões ao redor do título Theotokos, fazem referência também a Maria,
assumindo o valor simbólico de partidos a favor ou contra Nestório, eis a argumentação deste
que é bem clara expressando a sua tese:
Em toda parte da Escritura divina, quando é feita menção à Economia do
Senhor, a geração e a paixão que são apresentadas não são as da divindade,
mas as da humanidade de Cristo, de modo que a santa Virgem deve ser
chamada mais exatamente de Mãe de Cristo e não Mãe de Deus. Escuta
também as palavras dos Evangelhos que proclamam: “Livro da geração de
Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão” (MT 1,1). É claro, portanto, que
o Deus Verbo não era filho de Davi.” (Carta a Cirilo, apud SESBOÜÉ, 2005,
p. 483).
Nestório tem razão quando emprega os termos abstratos divindade e humanidade,
porém, está errando quando passa espontaneamente para os termos concretos Cristo, Verbo e
Deus.
Segundo Sesboüé, “não é só uma confusão no uso dos termos o que está em causa
aqui, mas a recusa, de tipo docetista, do paradoxo da Encarnação” (2005, p. 482).
O Concílio de Éfeso não trouxe uma definição em sentido estrito, aclamando a
segunda carta de Cirilo8 a Nestório, que afirmava especialmente:
Que o Verbo se tenha tornado carne não é nada mais além disso: o Verbo,
exatamente como nós, participou do sangue e da carne, fez de nosso corpo o
seu próprio corpo e fez-se homem descendente de uma mulher, não por ter
rejeitado o fato de ser Deus e de ter sido gerado de Deus, mas pela assunção
da carne, permanecendo o que era. Eis o que por toda parte proclama o
discurso da verdadeira fé; eis o que descobriremos ter sido pensado pelos
Padres; foi assim que eles se inspiraram para nomear a Santa Virgem Maria
Mãe de Deus, não que a natureza do Verbo ou sua divindade tenha recebido
o início de sua existência a partir da santa Virgem, mas porque foi gerado
nela seu santo corpo animado por uma alma racional, corpo ao qual o Verbo
segundo a hipóstase e por essa razão se diz ter sido gerado segundo a carne
(Segunda Carta de Cirilo a Nestório, apud SESBOÜÉ, 2005, p. 483).
7
Como vimos o Concílio de Éfeso teve três assuntos, nós nos voltaremos aqui apenas em sua dimensão
propriamente mariana.
8
“Cirilo era Patriarca de Alexandria, também exímio pregador, teólogo refinado, excelente bispo. Ele contestava
com veemência, afirmando que não podia haver dois Cristos, um homem e outro Deus. E havendo um só Cristo,
embora com duas naturezas inseparáveis, Maria era mãe de Cristo-homem e mãe do Cristo-Deus, portanto sua
maternidade era tão divina quanto humana, ela era verdadeiramente Theotokos, Mãe de Deus” (NEOTTI, 2004,
p. 25).
305
A maternidade divina de Maria foi solenemente proclamada no Concílio de Éfeso em 431,
tornando dogmaticamente oficial aquilo que a devoção popular já afirmara.
Nas palavras do primeiro Anatematismo de Cirilo de Alexandria contra
Nestório: “se alguém não confessar que Emanuel é verdadeiramente Deus e
que portanto a Santa Virgem é a Mãe de Deus (Theotokos), pois que dela
nasceu de modo carnal e como a Palavra de Deus revestida de carne, que
seja excomungado”. Além disso, foi em honra da proclamação de Maria
como Theotokos pelo Concílio de Éfeso que, logo após esse sínodo, o Papa
Sixto III constituiu o mais importante santuário dedicado a Maria no
Ocidente, a Basílica de Santa Maria Maior, em Roma (PELIKAN, 1996, p.
84).
Proclamando a maternidade divina de Maria o concílio defende contra Nestório, a
unicidade da Pessoa divina de Cristo, com a conseqüente afirmação de que, Maria é
verdadeiramente Mãe de Deus. Esta mesma verdade de fé está contida na fórmula de união
entre alexandrinos e antioquenses, elaborada dois decênios depois no Concílio de Calcedônia.
Tendo resolvido esse problema da Maternidade Divina em Éfeso e reafirmado em
Calcedônia, ficava ainda aberto o campo para uma grande casuística de novas formulações,
que facilmente poderiam levantar dúvidas a respeito da precisão dogmática daqueles dois
Concílios, esses problemas novos são-nos apresentados por Collantes: “1) se era legítimo
professar que Cristo era “Um da Trindade”, como faziam os monges escitas, ou 2) que CristoDeus padeceu em Sua carne, ou 3) que a sempre Virgem Maria era, própria e
verdadeiramente, Mãe do Verbo Encarnado.” (2003, p. 391).
Diante dessas formulações o Papa Hormisdas evitou se pronunciar, mas o Papa João
II, incentivado por Justiniano, enviou uma carta ao imperador de Constantinopla, respondendo
e justificando as três formulações:
Ensinamos, segundo a reta doutrina, que a gloriosa, santa e sempre Virgem
Maria é proclamada, pelos católicos, própria e verdadeiramente, Mãe de
Deus e Mãe do Verbo de Deus, nela encarnado. Ele, de fato, nos últimos
tempos, se encarnou, própria e verdadeiramente, dignando-se nascer da santa
e gloriosa Virgem-Mãe. Se, portanto, o Filho de Deus nela Se encarnou,
própria e verdadeiramente, e dela nasceu, por essa mesma razão
confessamos que ela é, própria e verdadeiramente, Mãe de Deus, que nela Se
encarnou e dela nasceu. E, na realidade, não se pense que o Senhor Jesus
recebeu, por honra ou graça, o nome de Deus, como achava o tolo Nestório;
como também verdadeiramente não se vá pensar que ele tomou da Virgem,
não um corpo humano, mas uma aparência de corpo ou qualquer coisa de
irreal (Carta Olim quidem de João II, apud COLLANTES, 2003, p. 392).
306
A verdade é que o novo realce dado a esse título levou os crentes a considerar com
maior devoção a grandeza de Maria e seu papel junto de seu Filho. A maternidade divina de
Maria constitui a mais alta missão, depois da que recebeu Cristo, na face da terra, e esta
missão exige a graça divina em toda a sua plenitude.
Na verdade, desta sublime missão de Mãe de Deus nascem, como duma
misteriosa e limpidíssima fonte, todos os privilégios e graças, que adornam,
duma forma admirável e numa abundância extraordinária, a sua alma e a sua
vida. Por isso, com razão declara Santo Tomás de Aquino que a BemAventurada Virgem Maria, pelo fato de ser Mãe de Deus, recebe do bem
infinito, que é Deus, uma certa dignidade infinita (NEOTTI, 2004, p. 26).
A partir do Concílio de Éfeso, a maternidade divina de Maria é doutrina da Igreja, por
isso desde esse Concílio as gerações começam a proclamar Bem-aventurada a Virgem
Santíssima, Santa Mãe de Deus.
No encerramento do Concílio de Éfeso, estando a cidade cheia do povo com tochas
nas mãos para uma grande procissão em honra da Mãe de Deus, um anônimo redigiu uma
oração que um dos bispos proclamou, e transcrevendo-a aqui encerro este item.
“Nós vos saudamos Maria, Mãe de Deus, tesouro Venerável do mundo inteiro! Luz
jamais extinta! Templo jamais destruído, que abrigais Aquele que não pode ser contido! Mãe
e Virgem! Por vós a Trindade é santificada! Por vós a Cruz é venerada no mundo inteiro! Por
vós o santo Batismo é dado aos que crêem! Por vós é derramado o óleo da alegria! Por vós as
igrejas são fundadas no mundo inteiro! Por vós os povos são conduzidos à conversão.
Amém!” (NEOTTI, 2004, p. 26).
Maria a Santa Mãe de Deus no Concílio Vaticano II
“Que sublime humildade, é escolhida para
ser Mãe de Deus e se proclama a serva.”
(São Bernardo de Claraval).
Em diferentes ocasiões, o magistério da Igreja considerou a missão educativa de
Maria, abordando os vários aspectos desta missão, o Concílio Vaticano II deu-nos um critério
fundamental para formular retamente a doutrina mariana, como afirma Autran, “a fidelidade à
Sagrada Escritura do jeito como ela é lida e interpretada pela Igreja” (1992, p. 14). A
Constituição Dogmática Lumen Gentium principalmente nos números 55 a 59 é um exemplo
eloqüente de como propor a figura de Maria e falar dela à luz da palavra de Deus descrita na
Bíblia. Vou fixar este item nesta Constituição Dogmática.
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Num momento de extrema importância da renovação eclesial, a Virgem Maria
aparece, na Lumen Gentium, como estrela, como sinal para a nova humanidade, renascida e
fortalecida em Jesus Cristo e no Seu mistério de amor. Avelar afirma que “é no quadro mais
amplo da História da Salvação que, neste documento conciliar, a vocação-missão educativa da
Mãe de Jesus emerge em toda a sua grandeza” (2002, p. 71).
Querendo Deus, sumamente benigno e sábio, realizar a redenção do mundo,
“quando chegou a plenitude dos tempos, mandou o seu Filho, nascido de
mulher... para que recebêssemos a adoção de filhos” (GL 4,4-5). “O qual,
por amor de nós homens e para nossa salvação, desceu dos céus e se
encarnou pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria”9. Este
mistério divino da salvação nos é revelado e continuado na Igreja, que o
Senhor constituiu como seu corpo, e na qual os fiéis que aderem a Cristo,
sua cabeça e estão em comunhão com todos os seus santos, devem também,
e “em primeiro lugar, venerar a memória da gloriosa sempre Virgem Maria,
Mãe de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo”10 (LG, 52).
Enquanto o Concílio Vaticano II, fala explicitamente da maternidade de Maria, aponta
para a dimensão pedagógica da existência daquela que, ao gerar à vida o Salvador, torna-se,
inevitavelmente, mãe e mestra da nova humanidade, mãe e mestra espiritual de todos os
seguidores de Jesus, mãe e mestra da Igreja.
Assim, o Concílio Vaticano II ampliou o horizonte de compreensão da
maternidade de Maria. Renovou a interpretação de Maria e de sua missão ao
utilizar critérios antropológicos, uma vez que põe Maria muito próxima de
Deus e também muito próxima dos filhos de Deus (AVELAR, 2002, p. 72).
No número 53 da Lumen Gentium, o Concílio nos mostra que a Virgem Maria, na
anunciação do anjo recebeu o Verbo de Deus, recebeu no seu coração e também no seu corpo,
dando a vida ao mundo, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus e do
Redentor. “...foi enriquecida com a sublime prerrogativa e dignidade de Mãe de Deus
Filho...”, e a Igreja católica honra-a como mãe amantíssima, dedicando-lhe afeto e piedade.
A Bem-Aventurada Virgem, predestinada, desde toda a eternidade, junto com a
encarnação do Verbo divino, para ser Mãe de Deus, foi na terra, por disposição da divina
providência, a Mãe do Redentor divino, mais que ninguém sua companheira generosa e a
humilde escrava do Senhor.
O Concílio quer esclarecer a função da Bem-Aventurada Virgem no mistério do Verbo
encarnado e do corpo místico e os deveres dos homens para com a Mãe de Deus, “que é Mãe
de Cristo e dos homens, em especial dos fiéis” (LG 54).
9
Símbolo Constantinopolitano.
Missal Romano, Cânon da Missa.
10
308
A Virgem Maria que foi adornada, desde sua conceição, com as belas virtudes e grau
de santidade, quando ouviu a saudação do anjo que Deus enviara e que chamou-a “cheia de
graça”11, prontamente responde “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua
palavra”12. “Assim Maria, filha de Adão, consentindo na palavra divina, tornou-se Mãe de
Jesus...” (LG 56).
Portanto, como afirmam os Santos Padres, Maria cooperou na obra da salvação de
todos os homens com a liberdade da fé e obediência plena. Compararam dizendo que “a morte
veio por Eva, e a vida por Maria” (LG 66). O Concílio Vaticano II, é bastante explícito em
ressaltar o aspecto educativo da vida de Maria que, gerando na terra o próprio Filho de Deus
Pai, pela fé e pela obediência, exerce a missão da maternidade divina, mediante a qual ela se
torna também mãe, educadora e modelo da Igreja.
Essa função de Maria começou desde o início, já quando Maria estava com Deus em
seu ventre. Ao visitar Isabel, leva o Senhor, e Isabel a proclama bem-aventurada porque
acreditou na promessa de salvação. Essa função continua quando a Virgem Mãe apresenta seu
Filho aos Magos, os quais O adoram. Ao apresentar o Menino no templo, da boca do Simeão
brota a profecia da Redenção. Quando o Menino ficou no templo sozinho, Maria e José O
encontram e Ele diz que estava se ocupando das coisas de seu Pai, ou seja, nossa salvação.
Enquanto todas essas cosias aconteciam a Virgem Mãe guardava todas as coisas em seu
coração como sabemos a partir do Evangelho.
Assim também a bem-aventurada Virgem avançou no caminho da fé, e
conservou fielmente a união com seu Filho até a cruz, junto da qual, por
desígnio de Deus, se manteve de pé13, sofreu profundamente com o seu
Unigênito e associou-se de coração maternal ao seu sacrifício, consentindo
amorosamente na imolação da vítima que havia gerado. (LG 58).
Enfim, Maria concebeu a Cristo, gerando-O, alimentando-O, apresentando-O no
templo do Pai, sofrendo com seu Filho que morria na cruz, cooperando de modo
absolutamente singular na obra do Salvador para restaurar a vida sobrenatural dos fiéis.
Conclusão
Os mistérios da fé expressos em doutrinas e dogmas são historicamente
condicionados. Por isso, seu sentido nem sempre é manifesto para quem se encontra em outro
ambiente histórico. As fórmulas dogmáticas trazem as marcas do pensamento filosófico e
11
LC 1,28.
Ibid 1,38.
13
Conforme Jo 19,25.
12
309
teológico de seu tempo e nem sempre são as mais adequadas para todos os tempos e lugares, e
isso este trabalho conseguiu traduzir de forma mais fácil e proveitosa. Quando os dogmas
expressam e formulam o sentido da Encarnação divina na história humana, os teólogos fazemno no contexto de mudanças sociais à luz das tradições da Igreja e essa é sua missão.
É tarefa de eles refletirem criticamente na experiência da fé, levando em consideração
o fato de tal experiência interpretada, que faz uso dos símbolos e conceitos de um dado tempo
e uma dada cultura. É também tarefa do teólogo recuperar a compreensão do dogma que se
tenha perdido nos tempos modernos, a saber, que os dogmas absorvem a pessoa toda: mente,
sentimentos, corpo, em um encontro existencial com a verdade, do contrário nos veríamos
apenas repetindo fórmulas.
Em seus esforços para responder à Tradição que se concentrou em Maria, os teólogos,
ao ouvir o movimento da comunidade de fé, dedicam-se à busca de fórmulas que dêem
sentido ao mistério de Maria na vida da Igreja e o tornem explícito.
Este artigo trabalho concentrou a atenção no primeiro dogma mariano, o dogma da
Maternidade Divina. Maria nesse dogma é exaltada precisamente em virtudes dos méritos de
Jesus Cristo.
No dogma da Maternidade vimos que na e pela carne de Maria, Deus entrou em nosso
mundo, realizando a profecia que “toda carne verá a salvação de Deus” (Lc 3,6). E neste
dogma vemos o sentido de todos os três outros dogmas marianos. Ele é o primeiro
historicamente e em relação aos outros três a saber, Virgindade Perpetua de Maria, Imaculada
Conceição e Assunção ao céu.
Concluindo este trabalho posso claramente afirmar que a Maternidade da Virgem
Maria perdura até a perpétua consumação dos eleitos e que na carne onde habitou o Verbo
Eterno do Pai, ninguém pode encontrar mancha de pecado ou ainda duvidar da sua integridade
virginal.
Referências
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DONFRIED, K. P. Maria no Novo Testamento. São Paulo: Paulinas. 1985.
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Janeiro: Marques Saraiva. 2004.
PELIKAN, J. Maria através dos séculos. Seu papel na história da cultura. São Paulo:
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ROPS, D. A Igreja dos apóstolos e mártires. São Paulo: Quadrante. 1988
SESBOÜÉ, B., A Virgem Maria. In SESBOÜÉ, B.; BOUGEOIS, H.; TIHON, P. (Dir.), Os
sinais da salvação (séculos XII – XX). A História dos Dogmas, v. 3. São Paulo: Loyola.
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