A Maternidade divina de Maria

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A Maternidade divina de Maria
O primeiro dos quatro dogmas marianos é o da
maternidade divina de Maria. Primeiro,
historicamente. Primeiro, como razão de todos os
outros. O dogma que declara verdade de fé que
Maria é Mãe de Deus foi proclamado pelo Concílio
de Éfeso, no ano 431. Maria recebeu o nome de
"Theotokos", palavra grega que diz exatamente
"Mãe de Deus", e foi julgado insuficiente o título de
"Christotokos", ou seja "Mãe de Cristo".
A controvérsia era chefiada, de um lado, pelo
Patriarca de Constantinopla, Nestório, bispo famoso como orador sacro, como líder e
organizador, como conhecedor das Escrituras; por outro lado, o Patriarca de Alexandria, Cirilo,
também exímio pregador, teólogo refinado, excelente bispo. Ambos tinham seguidores bispos,
padres, leigos. Nestório ensinava que Maria era só mãe do Cristo-homem, porque lhe parecia
absurdo uma criatura ser mãe do criador. Cirilo contestava com veemência, afirmando que
não podia haver dois Cristos, um homem e outro Deus. E havendo um Cristo só, embora com
duas naturezas inseparáveis, Maria era mãe do Cristo-homem e mãe do Cristo-Deus, portanto
sua maternidade era tão divina quanto humana, ela era verdadeiramente "Theotokos", Mãe
de Deus. O Concílio deu razão a Cirilo e declarou herética a posição de Nestório que,
humildemente, se retirou da vida pública e voltou à vida que levava antes de ser bispo e
patriarca, a vida de monge.
Na carta encíclica "Fulgens Corona", com que o Papa Pio XII comemorou os cem anos do
dogma da Imaculada Conceição, vem lembrado que a maternidade divina de Maria constitui a
mais alta missão, depois da que recebeu o Cristo, na face da terra, e que esta missão exige a
graça divina em toda a sua plenitude. Continua o Papa: "Na verdade, desta sublime missão de
Mãe de Deus nascem, como duma misteriosa e limpidíssima fonte, todos os privilégios e
graças, que adornam, duma forma admirável e numa abundância extraordinária, a sua alma e
a sua vida. Por isso, com razão declara Santo Tomás de Aquino que a Bem-Aventurada Virgem
Maria, pelo fato de ser Mãe de Deus, recebe do bem infinito, que é Deus, uma certa dignidade
infinita" (n.10).
Depois de Cristo, a maior e mais excelsa missão na terra; por causa de Cristo, revestida de uma
certa dignidade infinita: mais não se pode dizer de uma criatura, privilegiada, plena da graça
divina, mas sempre criatura, sempre mulher de carne e sangue. A partir do Concílio de Éfeso, a
maternidade divina de Maria é doutrina constante e unânime na Igreja. Repete-a o Concílio
Vaticano II, na Constituição Lumen Gentium: "A Virgem Maria, que na Anunciação do anjo,
recebeu o Verbo de Deus no coração e no corpo e trouxe ao mundo a Vida, é reconhecida e
honrada como verdadeira Mãe de Deus e do Redentor" (n. 53).
Acrescenta a Lumen Gentium: "Unida a Cristo por um vínculo estreito e indissolúvel, é dotada
da missão sublime e da dignidade de ser Mãe do Filho de Deus, e, por isso, filha predileta do
Pai e sacrário do Espírito Santo. Por este dom de graça exímia supera de muito todas as outras
criaturas, celestes e terrestres" (n. 53). São Francisco, em sua singela e belíssima oração,
intitulada "Saudação à Mãe de Deus", expressa a mesma verdade, com palavras embebidas de
ternura: "Salve, ó Senhora santa, Rainha santíssima, Mãe de Deus, ó Maria, que sois virgem
feita igreja, eleita pelo santíssimo Pai celestial, que vos consagrou por seu santíssimo e dileto
filho e o Espírito Santo Paráclito! Em vós residiu e reside toda a plenitude da graça e todo o
bem!".
Lucas, o Evangelista mariano, procurou contar em palavras humanas o momento estupendo e
inefável da Encarnação de Deus no seio de Maria. O dogma da maternidade divina de Maria
está estreitamente ligado ao dogma da Encarnação do Filho de Deus. A partir daquele
momento, o mistério e a missão de Cristo - Deus-homem e homem-Deus - une-se para sempre
ao mistério e à missão de Maria de Nazaré. O mistério e a missão de Maria, porém, só têm
sentido no mistério e na missão de seu Filho. Jesus, autor da Graça, toma carne daquela que
ele plenificara de Graça já antes da Anunciação. Criaturas humanas e criaturas angelicais
olham extasiadas o fato inimaginável: uma mulher ser genitora de seu genitor e a saúdam
como filha de seu filho.
Maria é chamada pelo anjo de "cheia de graça", porque "a Encarnação do Verbo, a união
hispostática do Filho de Deus com a natureza humana se realiza e se consuma precisamente
em Maria" (João Paulo II, encíclica Redemptoris Mater, n. 9).
São Bernardo, num de seus sermões sobre a Anunciação, demora-se em observar Maria no
exato momento de seu sim à maternidade divina, um sim que mudaria os rumos da história,
que recriaria o mundo, que possibilitaria uma nova e eterna comunhão entre Deus e as
criaturas. Transcrevo um trecho: "Ó Virgem piedosa, o pobre Adão, expulso do paraíso com
sua mísera descendência, implora a tua resposta. Implora-a Abraão, implora-a Davi; e os
outros patriarcas, teus antepassados... suplicam esta resposta. Toda a humanidade, prostrada
a teus pés, a aguarda. E não é sem razão, pois do teu consentimento depende o alívio dos
infelizes, a redenção dos cativos, a libertação dos condenados, a salvação de todos os filhos e
filhas de Adão, de toda a tua raça. Responde depressa, ó Virgem! Pronuncia, ó Senhora, a
palavra esperada pela terra, pelos infernos e pelos céus. O próprio Rei e Senhor de todos,
tanto quanto cobiçou a tua beleza, deseja agora a tua resposta afirmativa, porque por ela
decidiu salvar o mundo. Agradaste a ele pelo silêncio, muito mais lhe agradarás pela palavra ...
Se tu lhe fizeres ouvir a tua voz, ele te fará ver a nossa salvação".
Este trecho não só é retoricamente bonito, mas também nos ensina como Deus respeitou a
liberdade de Maria. Não lhe impôs a maternidade divina. Predestinou-a, mas lhe pediu o
consentimento. Elegeu-a desde antes da criação do mundo, ornou-a com todas as bênçãos e
graças, mas aguardou seu sim, sua disponibilidade.
O sim de Maria veio acompanhado de uma declaração de humildade: "Sou a serva do Senhor"
(Lc 1,38). Volto a citar São Bernardo: "Que sublime humildade é esta que não soube ceder às
honras e não sabe orgulhar-se na gloria! É escolhida para ser a Mãe de Deus e se proclama a
serva. É certamente sinal de grande humildade não se esquecer de ser humilde quando é
oferecida tamanha glória. Não é grande coisa mostrar-se humilde quando se é desprezado; ao
contrário, é virtude insigne e rara ser humilde quando se é honrado".
Com o sim de Maria, o Filho de Deus assumiu a carne humana; "subsistindo na condição de
Deus, não se apegou à sua igualdade com Deus, ... tornou-se solidário com os seres humanos e
apresentou-se como simples homem" (Fl 2,6-7). A paternidade de Deus une-se para sempre à
maternidade da jovem Maria de Nazaré. O "faça-se" de Deus ao criar o universo soma-se ao
"faça-se" de Maria para recriar, em seu Filho, todas as coisas na face da terra. Em Jesus Cristo,
Messias e Salvador, não se separam mais a paternidade de Deus, que fecundou Maria
mediante o Espírito Santo, e a maternidade de Maria, que acreditou no convite.
O "faça-se" de Maria encerra o tempo da espera; as criaturas, tendo à frente o Filho de Deus
concebido no seio virginal de uma mulher, entram na "plenitude dos tempos" (Gl 4,4): "pelo
ingresso do eterno no tempo, do divino no humano, o próprio tempo foi redimido e, tendo
sido preenchido pelo mistério de Cristo, se torna definitivamente tempo de salvação"
(Redemptoris Mater, 1). Maria tornou-se assim, como diz o Prefácio da festa da Imaculada, o
início, as primícias da Igreja.
Estamos diante de vários mistérios unidos, que perfazem o grande e inaudito mistério da
salvação. É estupendo, mas verdadeiro. É inédito e acima de qualquer inteligência humana,
mas é obra, graça e vontade de Deus e, como afirmou o anjo na hora da Anunciação, "para
Deus, nada é impossível" (Lc 1,37).
Embevecido diante do mistério da maternidade divina de Maria, São Boaventura (+1274),
compôs um longo hino de louvor à maneira do Te Deum. Destaco alguns versos:
"Os coros dos anjos, com vozes incessantes, te proclamam: santa, santa, santa, ó Maria, Mãe
de Deus, mãe e virgem ao mesmo tempo! Os céus e a terra estão cheios da majestade
vitoriosa do Fruto do teu ventre! O glorioso coro dos apóstolos te aclama Mãe do Criador!
Celebram-te todos os profetas, porque deste à luz o próprio Deus! A imensa assembléia dos
santos mártires te glorifica como Mãe do Cristo. A multidão triunfante dos confessores
prostra-se diante de ti, porque és o Templo da Trindade!".
Por Frei Clarêncio Neotti, O.F.M
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