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DIREITO DO TRABALHO E TRATADOS INTERNACIONAIS EM DIREITOS
HUMANOS1.
Flávia Moreira Guimarães Pessoa2
Rafael Passos Lima3
RESUMO
O vertente estudo tem a finalidade demonstrar a natureza constitucional inerente aos
tratados internacionais em matéria de direitos humanos, em especial no âmbito do
direito do trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho, Tratados Internacionais em Direitos
Humanos, princípio da norma mais favorável ao ser humano, teoria constitucionalidade
das normas de direito internacional dos direitos humanos.
1. INTRODUÇÃO:
O presente artigo tem por objetivo demonstrar a inserção, em status
constitucional,
dos tratados internacionais relativos aos direitos trabalhistas
fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro.
Para tanto, divide-se em seis partes, sendo ao final expostas as conclusões.
Na primeira, é analisado o conceito de tratados internacionais. Na segunda são expostos
alguns direitos trabalhistas fundamentais previstos em instrumentos supranacionais. Na
terceira, analisa-se a teoria do bloco de constitucionalidade. Na quarta, discute-se a
incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento brasileiro. Na quinta, abordase a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos. Na sexta, estudam-se as
normas materialmente contitucionais e o primado da dignidade da pessoa humana.
2.TRATADOS INTERNACIONAIS: DEFINIÇÕES
Artigo produzido no âmbito do grupo de pesquisa: “Hermenêutica Constitucional Concretizadora dos
Direitos Fundamentais e Reflexos nas Relações Sociais” da Universidade Federal de Sergipe.
2
Juíza do Trabalho (TRT 20ª Região), Professora Adjunto da Universidade Federal de Sergipe,
Especialista em Direito Processual pela UFSC, Mestre em Direito, Estado e Cidadania pela UGF, Doutora
em Direito Público pela UFBA, líder do grupo de pesquisa “Hermenêutica Constitucional Concretizadora
dos Direitos Fundamentais e Reflexos nas Relações Sociais” da Universidade Federal de Sergipe.
3
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe
1
Tendo o seu aspecto formal4 como mais relevante, o tratado internacional5,
pode assumir as mais variadas matérias de fundo, daí o porquê de ser ele reconhecido
como uma das fontes formais do direito internacional, assim como dispõe o art. 38 do
Estatuto da Corte Internacional de Justiça: “1. A Corte, cuja função é decidir de acordo
com o Direito internacional as controvérsias que lhe foram submetidas, aplicará: a) as
Convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras
expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes”; (...)
Para Francisco Rezek “O tratado é um acordo formal: ele se exprime, com
precisão, em determinado momento histórico, e seu teor tem contornos bem definidos.
Aí repousa, por certo, o principal elemento distintivo entre o tratado e o costume, este
último também resultante do acordo entre sujeitos de direito das gentes, e não menos
propenso a produzir efeitos jurídicos, porém forjado por meios bem diversos daqueles
que caracterizam a celebração convencional” (REZEK, 2000, pg.16).
3.DIREITOS TRABALHISTAS FUNDAMENTAIS PREVISTOS EM
INSTRUMENTOS SUPRANACIONAIS
A Constituição estabelece, no caput do seu art. 7º, que são direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social, todos aqueles indicados em seus incisos.
Para Francisco Rezek “O tratado é um acordo formal: ele se exprime, com precisão, em
determinado momento histórico, e seu teor tem contornos bem definidos. Aí repousa, por certo, o
principal elemento distintivo entre o tratado e o costume, este último também resultante do acordo entre
sujeitos de direito das gentes, e não menos propenso a produzir efeitos jurídicos, porém forjado por meios
bem diversos daqueles que caracterizam a celebração convencional” (REZEK, 2000, pg.16).
5
Tratado internacional, na definição de Saulo José Casali Bahia (2000, p. 3) é um “acordo de vontades
entre pessoas de direito internacional, regido pelo direito das gentes”. É bastante comum, porém, o uso
de diversas expressões correspondendo ao vocábulo, de forma que a palavra é entendida como um termo
genérico. Aponta que “deve-se preferir o vocábulo convenção para designar os tratados do tipo
normativo, que estabeleçam normas gerais em determinado campo”. O autor demonstra diversas outras
denominações: o termo “acordo”, “ajuste” ou “convênio” é utilizado quando o objeto do tratado encontrase no campo cultural, comercial, financeiro ou econômico. Já “acordo de sede” refere-se a “tratados que
cuidem da instalação de uma organização internacional no território de um Estado qualquer”. Acordos
executivos, por seu turno, são “os tratados celebrados de modo unifásico, sem participação do Legislativo
nos países onde a mesma é, a princípio, exigida”. Concordatas, por outro lado, são os “tratados firmados
com a Santa Sé cujo objeto tenha cunho religioso”. O termo “Declaração”, por sua vez, embora existam
exceções, “é reservado ao tratado que signifique manifestação de acordo sobre certas questões.
Enumerando muitas vezes princípios, é bastante discutível o valor jurídicos desses tratados. Pode também
servir para o fim de interpretar algum tratado anteriormente celebrado, notificar um acontecimento ou
certas circunstâncias ou servir de anexo a um tratado”. Protocolo, por seu turno, trata-se de um tratado
complementar ou suplementar a outro, termo que também pode significar a ata de uma conferência. . Os
termos “pacto”, “carta”, “constituição” ou “estatuto”, por seu turno, são aqueles utilizados “quando se
trata de criar ou estruturar uma organização internacional” (BAHIA, 2000, p. 8-10)
4
É interessante assinalar que a Constituição não fala em empregados, referindose genericamente a “trabalhadores” urbanos e rurais.
É clara a distinção entre as
figuras, uma vez que empregado é uma espécie do gênero mais amplo trabalhador. Tal
redação poderia dar margem ao entendimento de que os direitos estabelecidos no art. 7º
são aplicáveis a todos os trabalhadores, mas essa leitura do referido dispositivo
constitucional acabou não prevalecendo,
Há que se destacar, igualmente, que o caput do art. 7º é uma consagração do
princípio da proteção, na vertente da aplicação da norma mais favorável.
Pode-se
definir o princípio da proteção, conforme lição de Pinho Pedreira da Silva (1997, p. 29),
como “aquele em virtude do qual o direito do trabalho, reconhecendo a desigualdade de
fato entre os sujeitos da relação jurídica de trabalho, promove a atenuação da
inferioridade econômica, hierárquica e intelectual dos trabalhadores”.
Desdobra-se o princípio da proteção em vários outros, mas, em primeiro plano,
podem-se apontar os princípios in dubio pro operario, o da norma mais favorável e o da
condição mais benéfica. O primeiro estabelece que, “entre várias interpretações que
comporte a norma, deve ser preferida a mais favorável ao trabalhador” (SILVA, 1997,
p. 41). Já os princípios da norma mais favorável e o da condição mais benéfica têm em
comum o pressuposto da pluralidade de normas. Porém, como assinala Silva (1997, p.
65) o “princípio da norma mais favorável supõe normas com vigência simultânea e o
princípio da condição mais benéfica sucessão normativa”.
Assim, ao estabelecer os direitos trabalhistas, “além de outros que visem à
melhoria de sua condição social” , a Constituição deixa claro que o rol apresentado
estabelece apenas os direitos mínimos, que poderão ser aumentados por tratados
internacionais e mesmo pela legislação infraconstitucional.
Os direitos trabalhistas fundamentais estão previstos em diversos instrumentos
supranacionais, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração
dos Direitos e Princípios Fundamentais da Organização Internacional do Trabalho e o
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrada em 1948,
estabelece, em seu art. 23, que toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do
trabalho, a condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o
desemprego.
Prevê, ainda, a igualdade de condições salariais, bem como uma
remuneração eqüitativa e satisfatória, que permita ao trabalhador e à sua família uma
existência digna. Ainda no mesmo dispositivo, a Declaração estabelece que toda pessoa
tem o direito de fundar, com outras pessoas, sindicatos e de se filiar em sindicatos para
defesa dos seus interesses. Já no art. 24, a Declaração Universal dos Direitos Humanos
prevê que “toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma
limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas”.
Ainda tratando de direitos trabalhistas fundamentais, o art. 25 da Declaração
prescreve que toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e
à sua família a saúde e o bem-estar. Tem também direito à segurança no desemprego, na
doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou em outros casos de perda de meios de
subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
Cumpre, ainda, destacar a Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos
fundamentais no trabalho, publicada em 1998. Trata-se de declaração que se aplica a
todos os países-membros daquela organização internacional, entendendo-se que ditos
países têm um compromisso que se deriva de sua mera filiação à OIT. Por esse
compromisso, os Estados signatários devem respeitar, promover e tornar realidade, de
boa fé e de conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos
fundamentais. Especificamente, a Declaração da OIT estabelece, no seu item 2, os
seguintes direitos fundamentais trabalhistas: a) liberdade de associação, liberdade
sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; b) eliminação de
todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; c) abolição efetiva do trabalho
infantil; d) eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.
Por sua vez,
o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais - aprovado na XXI Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova
York, em 19 de dezembro de 1966, e ratificado pelo Brasil, em 24 de janeiro de 1992 estabelece, especificamente em seus arts. 6º a 9º, uma série de direitos fundamentais
trabalhistas6.
6
Art. 6º - 1. Os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de ter a
possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito e tomarão medidas
apropriadas para salvaguardar esse direito. 2. As medidas que cada estado-parte no presente Pacto tomará,
a fim de assegurar o pleno exercício desse direito, deverão incluir a orientação e a formação técnica e
profissional, a elaboração de programas, normas técnicas apropriadas para assegurar um desenvolvimento
econômico, social e cultural constante e o pleno emprego produtivo em condições que salvaguardem aos
indivíduos o gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais. Art. 7º - Os estados-partes no
presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis,
que assegurem especialmente: a) Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os
A esse respeito, Piovesan (2007, p. 175) anota que o Pacto dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais estabelece direitos endereçados aos Estados, os quais,
contudo, seriam em tese programáticos. Porém, adverte a autora que o Comitê de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais vem enfatizando que os Estados-partes tem o
dever de assegurar, ao menos, o núcleo essencial mínimo relativamente a cada direito
enunciado no Pacto, cabendo ao Estado o dever de respeitar, proteger e implementar tais
direitos (PIOVESAN, 2007, p. 177).
Outro diploma a ser destacado é a Declaração Sociolaboral do Mercosul7,
firmada em 10 de dezembro de 1998. Nela foram estabelecidos os princípios e direitos
na área do trabalho, que se configuram como direitos fundamentais a serem respeitados
pelos Estados signatários. A Declaração estabelece, inicialmente, o princípio da nãodiscriminação. Seu art. 1º prescreve que todo trabalhador tem garantida a igualdade
efetiva de direitos, tratamento e oportunidades no emprego e ocupação, sem distinção
ou exclusão por motivo de raça, origem nacional, cor, sexo ou orientação sexual, idade,
trabalhadores: i) um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem
qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não
inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles, por trabalho igual; ii) uma existência
decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto; b) Condições
de trabalho seguras e higiênicas; c) A igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu
trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo, de
trabalho e de capacidade;d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias
periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feriados. Art. 8º - 1. Os estados-partes no
presente Pacto comprometem-se a garantir: a) O direito de toda pessoa de fundar com outras sindicatos e
de filiar-se ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização
interessada, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício
desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma
sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional ou da ordem pública ou para proteger os
direitos e as liberdades alheias; b) O direito dos sindicatos de formar federações ou confederações
nacionais, e o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de filiar-se às mesmas; c)
O direito dos sindicatos de exercer livremente suas atividades, sem quaisquer limitações além daquelas
previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança
nacional ou da ordem pública ou para proteger os direitos e as liberdades das demais pessoas; d) O direito
de greve, exercido em conformidade com as leis de cada país. 2. O presente artigo não impedirá que se
submeta a restrições legais o exercício desses direitos pelos membros das Forças Armadas, da Polícia ou
da Administração Pública. 3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que os Estados-partes
na Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à
proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam - ou a aplicar a lei de
maneira a restringir - as garantias previstas na referida Convenção. Art. 9º - Os Estados-partes no presente
Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à previdência social, inclusive ao seguro social.
7
O Mercado Comum do Sul – Mercosul - é composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Criado
em 1991, tem como objetivos a adoção de políticas de integração econômica e comercial, a instalação de
uma zona de livre comércio, a eliminação de barreiras alfandegárias e a união aduaneira (TERRA;
COELHO, 2005, p. 98).
credo, opinião política ou sindical, ideologia, posição econômica ou qualquer outra
condição social ou familiar, em conformidade com as disposições legais vigentes.
A partir do art. 2º, a Declaração cuida da promoção de igualdade, inicialmente
relativa às pessoas portadoras de necessidades especiais, para que tenham a
possibilidade de desempenhar uma atividade produtiva. Estabelece, em seguida, a
igualdade de tratamento e oportunidades entre mulheres e homens e entre trabalhadores
nacionais e migrantes. Cuida, ainda, da eliminação do trabalho forçado, bem como das
medidas para se coibir o trabalho infantil. Garante, além disso, os direitos coletivos, em
especial, a liberdade de associação, liberdade sindical e negociação coletiva, sendo,
também, assegurado o direito de greve.
Em seu art. 7º, estabelece que o empregador tem o direito de organizar e
dirigir, econômica e tecnicamente, a empresa, em conformidade com as legislações e as
práticas nacionais. Dispõe, em seu art. 12, sobre a promoção e desenvolvimento de
procedimentos preventivos e de autocomposição de conflito. No art. 13, estimula o
diálogo social, a partir da instituição de mecanismos efetivos de consulta permanente
entre representantes dos governos, dos empregadores e dos trabalhadores. Busca, com
isso, garantir, mediante o consenso social, condições favoráveis ao crescimento
econômico sustentável e com justiça social da região e a melhoria das condições de vida
de seus povos.
Ocupa-se, ainda, do fomento ao emprego, da proteção aos
desempregados e da formação profissional e desenvolvimento dos recursos humanos,
consagrando, no art. 17, o direito à saúde e à segurança no trabalho.
4.BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE, SISTEMA CONSTITUCIONAL E
OS POSTULADOS DA UNIDADE E COERÊNCIA DO ORDENAMENTO
JURÍDICO
Doutrina recente no Direito Constitucional, a ideia do Bloco de
Constitucionalidade (Bloc de constitucionnalité) ganhou corpo com o leading case do
Conselho Constitucional da França, em 1971, em que foram atribuídos densidade e
valor jurídicos ao Preâmbulo da Constituição de 1958, o qual dispunha quanto ao
respeito da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, bem como ao
Preâmbulo da Constituição de 1946 (NETO, 2002).
Destarte, a importância da referida decisão francesa estava em atribuir valor
de norma constitucional a normas tidas como dispersas na Constituição. Abre-se então o
catálogo constitucional dos direitos fundamentais, que carregam consigo a não
exaustividade material.
A doutrina, debruçando-se sobre o assunto, classificou como existentes na
Constituição o convívio entre normas formalmente e materialmente constitucionais e as
normas materialmente constitucionais8. Estas seriam “o conjunto de fins e valores
constitutivos do princípio da ‘efectiva’ unidade e permanência de um problema da
constituição” (CANOTILHO, 1998, pg. 1016-1017). Ainda que fora do corpus
constitucional (conjunto limitado de materiais normativos que forma a Constituição),
por seu conteúdo, por sua ”natureza intrínseca” e importância podem ser tidas como
normas constitucionais, inseridas entre os direitos fundamentais.
Já às normas formalmente e materialmente constitucionais seriam acrescidas
as vestes da positivação no âmbito da constituição. Como pondera Sarlet, citando
Konrad Hesse, “os direitos fundamentais em sentido formal podem ser definidos como
aquelas posições jurídicas da pessoa que, por decisão expressa do LegisladorConstituinte foram consagrados no catálogo dos direitos fundamentais” (SARLET,
2007, pg. 95).
Não fugindo da possibilidade concreta de serem expandidos os direitos e
garantias fundamentais, o Constituinte não se furtou a este debate, inserindo na
Constituição Brasileira de 1988, mais precisamente no §2 do art. 5 da CF/88, a
denominada cláusula aberta, de “não tipicidade dos direitos fundamentais”
(MIRANDA, 2000), norma de “fattispecie aberta” (CANOTILHO) ou princípio da
complementaridade condicionada (DIMOULIS e MARTINS, 2006). Assim está
preceituado o §2º do art. 5º: Art. 5 (...) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
aludidos, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte9.
8
O jurista português José Carlos Vieira de Andrade aponta ainda a existência de uma terceira
categoria, dos direitos, apenas, formalmente constitucionais. Ingo Sarlet critica tal classificação, haja vista
que, o traço unicamente formal de uma norma constitucional não seria bastante para desautorizar sua
aplicação, bem como, em termos práticos, tal divisão seria destituída de importância (SARLET, 2007, pg.
95).
9
Diversas cartas constitucionais, em todo o globo, têm, em sede do constitucionalismo moderno,
adotado modelo semelhante na abertura material do catálogo de direitos fundamentais. Destaque para o
inédito, até então, dispositivo previsto na IX Emenda da Constituição norte americana.
A partir de leitura da norma acima disposta, classificou Flávia Piovesan em
três vertentes os direitos e garantias fundamentais: “a) o dos direitos expressos na
Constituição; b) o dos direitos expressos em tratados internacionais de que o Brasil seja
parte; e, finalmente, c) o dos direitos implícitos” (PIOVESAN, 2007, pg. 58).
Fica desde já constatada a inclusão, por parte do Constituinte de 1988,
daqueles direitos que guardam apenas o traço da fundamentalidade materialmente
constitucional, o que é suficiente para serem insertos no sistema constitucional dos
direitos fundamentais. Logo, a referidas normas seriam empregados institutos próprios,
como por exemplo, a aplicação imediata a estes direitos (art. 5, §1 da CF/88) e, por que
não, a inclusão destes direitos no catálogo do núcleo essencial dos direitos
fundamentais, ou seja, na cláusulas pétreas (art. 60, §4da CF/88), atributos estes
pertinentes às normas de direitos e garantias fundamentais.
Para reforçar a ideia da existência dessas normas materialmente
constitucionais (integrantes do bloco de constitucionalidade) necessário inserirem-nas
na concepção de que as mesmas encontram substrato constitucional por meio de outras
disposições constitucionais, de outros princípios e regras, portanto, participantes do
sistema constitucional dos direito fundamentais.
Antes impende definir o que seria um sistema? Qual prerrequisito para a
inserção de uma norma a um sistema?
Segunda Savigny, sistema seria “a concatenação interior que liga todos os
institutos jurídicos e as regras de Direito numa grande unidade” (SAVIGNY apud
CANARIS, 1989, pg. 10). É a uma concatenação interdisciplinar entre seus elementos
estruturantes.
No campo do Direito - principalmente no Direito Constitucional – destacase a tese defendida pelo jurista alemão G. Dürig que formulou a tese do sistema dos
direitos fundamentais como um sistema isento de lacunas, dado a sua completude a
partir do princípio da dignidade da pessoa humana. “Segundo o pensamento do ilustre
mestre de Tübingen, fundamenta uma pretensão geral de respeito e proteção da
dignidade da pessoa humana, concretizada nos diversos direitos fundamentais
específicos, que, além disso, foram guindados à condição de diretamente aplicáveis”
(SARLET, 2007, pg. 83).
Críticas a esta teoria foram endossadas por Konrad Hesse para quem seria
inviável se pensar um sistema autônomo e fechado dos direitos fundamentais pelos
direitos fundamentais insertos numa Constituição. “Os direitos fundamentais apesar de
comumente agrupados em um catálogo, são garantias pontuais, que se limitam à
proteção determinados bens e posições jurídicas especialmente relevantes ou
ameaçados” (HESSE apud SARLET, 2007, pg. 84).
Os direitos fundamentais reconhecidos no §2 do art. 5 da Constituição de
1988 apontam justamente pela abertura, flexibilidade e reconhecimento como direitos
fundamentais, ainda que em outras partes que não a do capítulo “Dos direitos e
garantias individuais” (Ex. direitos sociais, Meio Ambiente), ou reconhecidos em
tratados internacionais (Direitos Humanos), e ainda os princípios decorrentes da ordem
constitucional (Princípio do Duplo Grau de Jurisdição).
Pode-se ir além! É perfeitamente possível se admitir a existência da nota de
materialidade, mesmo, a disposições que estejam em hierarquia infraconstitucional
(JÚNIOR, 2008, pg. 623). Exemplo do disposto no art. 7º da CF/88 (“São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social”). Ou mesmo, os conceitos de ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa
julgada, os quais recebem guarida constitucional (art. 5º, XXXVI, da CF), porém é
tarefa, dos parágrafos do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC),
conceituá-los.
A Constituição não se fecha ao sistema axiomático-dedutivo, cuja
“objetividade abstrata máxima ocorre com o positivismo formal da Escola de Viena,
nomeadamente na Teoria Pura do Direito de Kelsen (BONAVIDES, 2003, pg. 133). É
necessário dar tons à Constituição de um caráter multidimensional. “A Constituição
normativa, para ser qualificada como conceito de valor, não se basta com um conjunto
de regras jurídicas formalmente superiores; estas regras têm de transportar ‘momentos
axiológicos’ corporizados em normas e princípios dotados de bondade material”
(CANOTILHO, 1998, pg. 1005).
Desta feita, surge da própria ideia de sistema como uma ordem que possui
pretensão de se manter no tempo, a necessidade de unidade e coerência a qual é
sustentada pelo postulado da unidade do ordenamento jurídico.
Por postulado entende-se como condições essenciais utilizadas na
interpretação de um objeto cultural, sem as quais o objeto não pode ser sequer
apreendido (ÁVILA, 2008). Dividem-se eles em postulados meramente hermenêuticos
– destinados a compreensão em geral do Direito – e os postulados aplicativos – “cuja
utilização é necessária à compreensão interna e abstrata do ordenamento jurídico,
podendo funcionar, é claro, para suportar essa ou aquela alternativa de aplicação
normativa” (ÁVILA, 2008, pg. 124). Para a constatação da existência de um conceito
material dos direitos fundamentais, nos valeremos apenas dos postulados aplicativos.
Nesta categoria de postulados, destaca-se o postulado da unidade do
ordenamento jurídico, em que “as normas (da Constituição) devem ser vistas não como
normas isoladas, mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e
princípios, que é instituído na e pela Constituição” (MENDES, MÁRTIRES e GONET,
2008, pg. 114). Como decorrência deste postulado, outros dois subelementos surgem, os
quais sejam o postulado da hierarquia e o postulado da coerência.
O postulado da hierarquia surge do entendimento de um ordenamento
estruturado por normas supra e infra-escalonadas. Dele pode se depreender qual norma
deverá prevalecer em caso de conflito; se algumas das normas possuem hierarquia
superior, quanto à preferência de umas em detrimento doutras; é preciso saber quais as
relações de dependências existentes entre as normas de um mesmo sistema (ÁVILA,
2008, pg. 124). Todavia o postulado da hierarquia envolve uma noção compartimentada
entre normas, movendo-se somente no plano da validade normativa.
Como complementação ao postulado da hierarquia e para dar mais sentido e
finalidade ao sistema ascende o postulado da coerência. Este se mostra como ”um
modelo de sistematização circular (as normas superiores condicionam as inferiores, e as
inferiores contribuem para determinar os elementos das superiores), complexo (não há
apenas uma relação vertical de hierarquia, mas várias relações horizontais, verticais e
entrelaçadas entre as normas) e gradual (a sistematização será tanto mais perfeita quanto
maior for a intensidade da observância de seus vários critérios” (ÁVILA, 2008, pg.
127).
Assevera o jurista gaúcho Humberto Ávila possuir o postulado o plano
formal - o qual daria consistência e completude ao sistema - e o plano substancial – que,
importando em um elenco de normas tidas como coerente e que estabelecem maior
coerência entre si, na medida em que a) haja relação de dependência recíproca entre as
normas e b) quanto maior forem seus elementos comuns (ÁVILA, 2008).
Impende afirmar que da relação entre os postulados da coerência, como
complementaridade do postulado da hierarquia encontra-se confirmada na Carta
Constitucional de 1988, o que, por sua vez, irradia por entre os direitos fundamentais.
Por mais forçoso (e pareça seguro) seja afirmar que os direitos fundamentais seriam
apenas aqueles insertos expressamente na Constituição, revela-se que tal posição revelase inconsistente em duração.
“Para se tratar de uma verdadeira constituição não basta um documento. É
necessário que o conteúdo desse documento obedeça aos princípios fundamentais
progressivamente revelados pelo constitucionalismo” (CANOTILHO, 1998, pg. 1004).
A ideia de bloco de constitucionalidade e a cláusula aberta contida no §2 do art. 5
cumprem à risca esta orientação não estática, cimentada, hermética da Constituição.
Veja-se:
como
afirmou Humberto Ávila
que “a capacidade
de
fundamentação de uma norma constitucional (mais aberta) é tanto melhor quanto mais
intensa for a relação que ela mantiver com outras normas constitucionais” (ÁVILA,
2008, pg. 130). Se tomarmos como exemplo os direitos fundamentais decorrentes dos
tratados de direitos humanos, como contido no §2 do art. 5. As normas decorrentes dos
tratados encontram, prima facie, embasamento constitucional tanto no princípio da
dignidade da pessoa humana (art. 1, III da CF/88), bem como no princípio da
prevalência dos direitos humanos (art. 4, II da CF/88). Portanto ocupam, sim, os direitos
decorrentes dos tratados de direitos humanos assento no sistema dos direitos
fundamentais. Desde já, se adverte que tal tema, permeará futuras discussões neste
trabalho.
5.A
INCORPORAÇÃO
DOS
TRATADOS
INTERNACIONAIS
AO
ORDENAMENTO BRASILEIRO
Toda operação a que está submetida a incorporação dos tratados
internacionais em muito se assemelha aos tantos processos legislativos insertos na
Constituição Brasileira. No entanto, segue o processo de incorporação dos tratados seu
próprio rito.
Alexandre de Morais divide em três fases o processo de incorporação dos
tratados
internacionais
em
nosso
ordenamento
jurídico:
“1ª
fase:
compete
privativamente ao Presidente da República celebrar todos os tratados, convenções e atos
internacionais (CF, art. 84, VIII); 2ª fase: é de competência exclusiva do Congresso
Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF, art. 49, I).
A deliberação do Parlamento será realizada através da aprovação de um decreto
legislativo, devidamente promulgado pelo Presidente do Senado Federal e publicado; 3ª
fase: edição de um decreto pelo Presidente da República, promulgando o ato ou tratado
internacional devidamente ratificado pelo Congresso Nacional. É nesse momento que
adquire executoriedade interna a norma inserida pelo ato ou ato internacional, podendo,
inclusive, ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade”. (MORAIS, 2003, pg. 38)
Analisando cada uma dessas fases, respectivamente, observa-se já na
primeira fase a preclara lição da exclusiva competência do Presidente da República, mas
também percebe-se que o fato de o Brasil ser signatário de um tratado não dá o condão
de tal tratado se encontrar vigente no ordenamento brasileiro.
Na fase seguinte já constamos a participação de outro entre, no caso o
Congresso Nacional, que também interage a este procedimento complexo. A interação
de ambas as casas do Congresso Nacional nesse processo de averiguação da
constitucionalidade dos Tratados, uma vez já acordados e assinados pela presidência da
república, foi mais uma tentativa do constituinte em equilibrar as forças dos poderes da
República (NIARADI, 2003).
O instrumento formal de incorporação dos tratados será através do Decreto
Legislativo, ao qual se atribui a natureza de um processo legislativo especial, que não
guarda semelhanças com os processos legislativos ordinário ou sumário (Silva, 2006).
Estaria, portanto, ele imune à sanção e ao veto presidencial dos demais processos
legislativos (NALINI apud NIARADI, 2003, pg. 135).
Outrossim, a sanção e o veto presidencial somente recaem sobre projetos de
lei, e sobre as matérias introduzidas no art. 48 da CF (SILVA, 2006). “Sendo um
instrumento de manifestação e não um ato normativo, o Decreto Legislativo deve ser
promulgado dentro do Congresso Nacional pelo seu Presidente” (NIARADI,2003, pg.
136).
Segundo Alexandre de Morais, seguindo à risca o dispositivo Constitucional
(art. 84, VIII), “a simples aprovação do ato ou tratado internacional por meio de decreto
legislativo, devidamente promulgado pelo presidente do Senado Federal e publicado,
não assegura a incorporação da norma ao direito interno” (MORAIS, 2003, pg. 39).
Mesmo averiguada a constitucionalidade do tratado não é suficiente.
Logo, chega-se então à terceira fase, em que a incorporação do tratado ainda
não aconteceu, tendo em vista que a produção de efeitos do tratado se dá com a
publicação de um decreto presidencial. Aqui se dá a ratificação do tratado sucedendo-se
a troca ou depósito dos instrumentos de ratificação que está prevista no plano
internacional de elaboração dos tratados. Desta feita, o Estado-Parte expressa sua
adesão em obrigar-se ao tratado, à uma cessão de parte de sua autonomia em face dos
princípios da boa-fé e o pacta sunt servanda (NIARADI, 2003).
A discussão prossegue quando em comento se está abordando quanto à
aplicabilidade dos tratados internacionais de direitos humanos.
Parte da doutrina defende a tese da aplicabilidade imediata de tais normas,
tidas como self-executing. Para elas se dispensaria todo iter procedimental atribuído aos
tratados internacionais comuns. Na sistemática de incorporação legislativa, não haveria
necessidade da edição de Decreto-Lei para formalizar a incorporação do tratado
internacional em direitos humanos. Para tanto, suficiente seria a ratificação do Estado ao
tratado – na realidade brasileira, da manifestação pelo chefe do Poder Executivo.
A razão desse procedimento especial aplicável aos tratados internacionais de
direitos humanos estaria no fato de que, com a ratificação do tratado, este geraria
direitos subjetivos aos particulares (PIOVESAN, 2007).
Não seria razoável a estes (terceiros), aguardarem o longo e demorado
caminho da incorporação do tratado internacional ao direito interno. A incorporação
seria uma obrigação por parte do Estado face à comunidade internacional e os demais
estados pactuantes (PIOVESAN, 2007).
Outra corrente admite que, mesmo se tratando de tratados internacionais em
matéria de direitos humanos, os mesmo obedeceriam o iter procedimental seguido pelos
tratados internacionais tradicionais, haja vista não haver qualquer previsão
constitucional a respeito deste tratamento diferenciado. Esta concepção – pela
incorporação não imediata – filia-se fielmente à doutrina dualista, pois, a norma
internacional teria validade se transformada em lei por procedimento interno de cada
Estado. Já a tese que admite aplicação imediata aos tratados internacionais sobre
direitos humanos se funda na corrente monista, em que pese manifestar a
desnecessidade de produção normativa interna para incorporação do tratado10.
Enfatizamos desde já que referido tema será reapresentado neste trabalho,
porém antes impende abordarmos a problematização da hierarquia constitucional dos
tratados internacionais em direitos humanos, para então, em momento oportuno (item
3.), reforçarmos o tema aqui explanado.
10
Ver nesse sentido A.A. Cançado Trindade, Tratado Internacional dos Direitos Humanos, 1997,
vol. I, pg. 430-434; e Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Internacional dos Direitos
Humanos, 2007, pg. 80-93.
6. A HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS
A Carta Constitucional de 1988 representou um grande avanço no processo
de redemocratização do Brasil ao elencar como direitos fundamentais como fundamento
do modelo brasileiro de Estado Democrático de Direito. Esse avanço também, de forma
reflexa, alcançou também a matéria quanto ao posicionamento do Brasil frente ao
cenário internacional, como na elevação do princípio da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, CF), e o princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, CF) como
princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.
A Constituição Federal de forma inédita, em nossa história constitucional,
adotou, por conta da essencialidade normativa de seus dispositivos, um sistema aberto
de direitos fundamentais – como o já defendido bloco de constitucionalidade principalmente com o acima citado §2º do art. 5º da Constituição: Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa seja
parte. (grifo nosso)
Conforme o destacado acima, os tratados internacionais também se inserem
neste contexto11. Mas nesse ínterim que se passou desde a promulgação da Lei Maior de
1988 interpretações, das mais diversas, se fizeram acerca da incorporação dos tratados
internacionais de direitos humanos no ordenamento brasileiro, seja quanto ao status
normativo dos dispositivos desses tratados ou mesmo quanto ao plano de aplicabilidade
dos mesmos.
Tentativas de pacificar referida controvérsia que se instaurou na
jurisprudência e na doutrina ocorreram. A principal delas, e com a qual trouxeram
significativas mudanças, se deu com a Emenda Constitucional nº 45/2004 (chamada de
Reforma do Judiciário).
Inseriu referida Emenda mais dois parágrafos ao artigo 5º da Constituição
Federal, com as seguintes redações: Art. 5º: §3º: Os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
11
Para maiores discussões, ver item 1.5, deste trabalho.
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. §4º: O Brasil se submete à
jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.
Eis que inevitáveis questionamentos surgem: os tratados internacionais de
direitos humanos ratificados anteriormente à EC nº 45 possuem qual status hierárquico?
Os mesmos tratados precisariam passar por nova apreciação, conforme a estabelecida no
§3º do artigo 5º da CF/88?
De toda sorte, hoje há na doutrina e na jurisprudência uma grande discussão
do tema quanto ao status normativo dos tratados e convenções de direitos humanos, que
pode ser sistematizada em quatro vertentes, as quais sejam:
a) a corrente que reconhece natureza supraconstitucional (supranacional)
dos tratados internacionais de direitos humanos;
b) a vertente que atribui caráter de lei ordinária (legalidade) aos tratados de
direitos humanos;
c) o posicionamento que estabelece o caráter de supralegalidade aos
tratados de direitos humanos; e por fim
d) a vertente que reconhece o status de constitucionalidade dos tratados de
direitos humanos.
Por ora, nos reservaremos a descrever cada uma das teorias acima referidas
e seus empregos, para então opinarmos quanto ao nosso entendimento.
A
primeira
destas
teorias,
a
da
supraconstitucionalidade
(ou
supranacionalidade) dos tratados de direitos humanos, talvez seja a mais radical entre
todas as demais correntes.
No Brasil, seu emérito defensor é o professor Celso D. Albuquerque de
Mello, para quem, mesmo a atividade primacial e suprema Poder Constituinte estaria ela
subordinada ao Direito Internacional, por sua vez, também as normas provenientes dos
tratados de direitos humanos.
Referida doutrina se coaduna com o monismo internacionalista kelseniano,
o qual referendava primazia ao direito internacional em detrimento ao direito interno,
admitindo ao primeiro supremacia hierárquica.
A dificuldade em acompanhar esse posicionamento estaria em ultrapassar
princípios como o da supremacia formal e material da Constituição os quais repercutem
sobre todo ordenamento jurídico. “Entendimento diverso anularia a própria
possibilidade do controle de constitucionalidade desses diplomas internacionais”
(MENDES, MÁRTIRES e GONET, 2008, pg. 694).
A segunda vertente, da ordinariedade dos tratados internacionais foi adotada
pelos tribunais especialmente a partir do Recurso Extraordinário 80.004/SE, relator
Xavier de Albuquerque, cujo voto vencido defendia a tese do primado dos tratados
internacionais face à legislação infraconstitucional, conforme jurisprudência anterior.
Na ocasião, após voto-vista do Ministro Cunha Peixoto, defendeu este a tese
que o ato normativo internacional – ação em que se discutia sobre a Lei uniforme de
Genebra sobre letras de câmbio e notas promissórias a qual se encontrava em colisão
normativa com o Decreto 427/69. A tese da paridade normativa dos tratados
internacionais com as leis ordinárias brasileiras prosperou a partir de 01/06/1977.
Tal valor paritário, agora pertinente aos tratados internacionais, fora
justificado com a aplicação da regra geral de solução normativa para as antinomias,
desta forma, a lex posterior derrogat legi priori, uma vez que inexistia na Constituição,
há época, critério para resolução de conflito desta ordem.
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal, agora sob a égide da
Constituição de 1988, no Habeas Corpus 72.131/RJ12, de relatoria do Ministro Moreira
Alves, só que agora discutindo ação cuja matéria discutia-se tema relacionado aos
tratados internacionais de direitos humanos, mais especificamente na prisão civil do
depositário infiel na alienação fiduciária em garantia.
Em questão, debatia-se o conflito existente entre o art. 7 (7) do Pacto de San
José da Costa Rica13 e o Decreto-Lei nº 911/69, o qual equipara o devedor fiduciante ao
depositário infiel para fins de prisão civil. Na decisão fora ratificado a jurisprudência da
paridade dos tratados internacionais ao mesmo patamar de lei ordinária, porém o
argumento agora seria outro, o de que, por ser norma geral, a norma do Pacto não teria o
condão de revogar a legislação pertinente ao Decreto-Lei 911/69, a qual teria maio grau
de especialidade14.
12
Ver também ADIn nº 1.480-3/DF em que se debateu a constitucionalidade da Convenção nº 158
da OIT.
13
Art.7º - Direito à liberdade pessoal
7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade
judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.
14
Veja-se referido acórdão: Habeas Corpus. Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil
do devedor como depositário infiel. – Sendo o devedor, na alienação fiduciária em garantia, depositário
necessário por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização, sua prisão civil, em caso
de infidelidade, se enquadra na ressalva contida na parte final do art. 5º, LXVII, da Constituição de 1988.
– Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no § 7º da
Em julgado recente, após a EC nº 45/2004 o STJ, em Recurso Ordinário em
Habeas Corpus 19975/RS, de relatoria do Min. Teori Albino Zavascki fora referendada
a teoria da ordinariedade dos tratados internacionais, em questão um tratado
internacional de direitos humanos, mais uma vez o Pacto de San José da Costa Rica, no
tocante ao dispositivo quanto à impossibilidade de prisão civil por dívida15.
A se somarem aos argumentos citados, para os defensores de tal corrente, a
própria Constituição de 1988, mais especificamente no art. 102, III, b, da CF/88, que
dispõe sobre a competência recursal do STF em apreciar, mediante Recurso
Extraordinário, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado
ou lei federal. Outrossim, estaria a Constituição equiparando os tratados à lei federal.
Em outro artigo (art.105, III, a, da CF), a Constituição também teria
realizado a mesma sistemática ao atribuir ao Superior Tribunal de Justiça competência
recursal quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal.
Para os defensores da terceira vertente, que consideram que os tratados de
direitos humanos possuem natureza supralegal, referidas normativas internacionais
guardariam caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais.
“Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam
afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no
ordenamento jurídico” (MENDES, MÁRTIRES e GONET, 2008, pg. 705).
Tal tese fora levantada no RHC nº 79.785/RJ de relatoria do Min. Sepúlveda
Pertence, em questão discutia-se a admissão do princípio do duplo grau de jurisdição
como norma constitucional16. A esse voto se seguiram outros julgados que, mais tarde,
Convenção de San José da Costa Rica. Habeas Corpus indeferido, cassada a liminar concedida. (HC
72.131/RJ, rel. Min. Moreira Alves)
15
Segue trechos da decisão do recurso susomencionado: Recurso Ordinário em Habeas
Corpus. “Prisão civil de depositário infiel. Alienação das cotas da sociedade pelo depositário.
Transferência do encargo atrelada à autorização judicial. Possibilidade de decretação da prisão mesmo
após o advento da EC 45/2004, que introduziu o §3º no art. 5º da Constituição Federal. Penhora em
execução fiscal. (...) 4. Quanto aos tratados sobre direitos humanos preexistentes à EC 45/2004, a
transformação da sua força normativa – de ordinária para constitucional – também supõe a observância
do requisito formal de ratificação pelas Casas do congresso, por quórum qualificado de três quintos. Tal
requisito não foi atendido, até a presente data, em relação ao Pacto de São José da Costa Rica (...); 5.
(...). Trata-se de exceção à regra geral segundo a qual os tratados internacionais retificados pelo Brasil
incorporam-se ao direito interno como lei ordinária”. (grifo nosso)
16
Mais precisamente, no que diz respeito ao dispositivo inserto no art. 8, 2, h da Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Assim se manifestou Pertence:
“Certo, com o alinhar-me ao consenso em torno da estrutura infraconstitucional, na ordem positiva
brasileira, dos tratados a ela incorporados, não assumo compromisso logo – como creio ter deixado
mudaria
jurisprudência
do
Supremo
Tribunal
Federal,
mediante
mutação
constitucional17, a partir do RE 466.343/SP, em que ficou transparente o novo
posicionamento que aquele tribunal adotaria quanto à hierarquia normativa dos tratados
internacionais.
No Recurso acima enumerado, outra vez, o Tribunal se debruçaria sobre o
tema da prisão civil do depositário infiel em alienação fiduciária. O auge argumentativo
desta nova orientação deu-se com o voto-vista do Min. Gilmar Mendes18.
Com o novo posicionamento do STF, consoante o que advoga Luiz Flávio
Gomes, houve a formação de uma “nova pirâmide normativa”, agora compreendendo o
ordenamento jurídico três patamares, os quais assim estariam escalonados: na base
estariam todo aparato normativo da ordinariedade das leis; no topo, estariam as normas
constitucionais (também os tratados de direitos humanos aprovados pelo procedimento
do §3º do art. 5º da CF); e numa posição intermediária às outras, as normas de DIDH
não aprovadas de acordo com o §3º do art. 5º da CF/88 (GOMES, 2008).
Por fim, a quarta vertente defende a paridade constitucional imanente aos
tratados de direitos humanos. Esta corrente, defendida na doutrina brasileira por A.A.
Cançado Trindade, Flávia Piovesan, Valério Mazzuoli , Luiz Flávio Gomes e Dirley da
Cunha, finca suas bases de defesa, primeiramente, nas disposições constitucionais como
o (super)princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1, III, da CF) e da prevalência
expresso no voto proferido na ADInMc 1.480 – com o entendimento, então majoritário – que, também em
relação às convenções internacionais de proteção dos direitos fundamentais – preserva a jurisprudência
que a todos equipara hierarquicamente às leis. Na ordem interna, direitos e garantias fundamentais o são,
com grande frequência, precisamente porque – alçados ao texto constitucional – se erigem em limitações
positivas ou negativas ao conteúdo das leis futuras, assim como à recepção das anteriores à Constituição
(...) Se assim é, à primeira vista, parificar às leis ordinárias os tratados a que alude o art. 5, § 2º, da
Constituição, seria esvaziar de muito do seu sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos
do seu enunciado, traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização dos direitos
humanos”. (RHC 79.785/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22/11/2002)
Por mutação constitucional entende-se que seja “o processo informal de mudança das
constituições que atribui novos sentidos aos seus preceitos, significados dantes não contemplados”
(BULOS, 2007, pg. 321). Ou seja, “nada mais são que as alterações semânticas dos preceitos da
Constituição, em decorrência de modificações no prisma histórico-social ou fático-axiológico em que se
concretiza a sua aplicação” (MENDES, MÁRTIRES e GONET, 2008, pg. 130).
18
Veremos diversos trechos deste respeitável voto o qual referenda a tese da
supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos. “Assim, a premente necessidade de se
efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional tornou imperiosa uma
mudança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos na ordem jurídica nacional.
Era necessário assumir uma postura jurisdicional mais adequada às realidades emergentes em âmbitos
supranacionais, voltadas primordialmente à proteção do ser humano. (...) Portanto, diante do inequívoco
caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil
entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação
previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina
normativa infraconstitucional com ela conflitante”. (RE 466.343/SP, voto do Min. Gilmar Mendes)
17
dos direitos humanos (art. 4, II, da CF). Estes princípios fundamentais por meio de uma
interpretação teleológica e sistemática envidariam de força constitucional os tratados
internacionais ratificados pelo Estado Brasileiro, consoante o preceituado no §2º do art.
5º.
A cláusula de abertura material da Constituição, no caso do §2º do art. 5º da
CF/88 inseriu os tratados internacionais como integrantes do catálogo normativo
constitucional ao claramente expor que “os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele
adotados, ou tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte”. As normas do DIDH, uma vez ratificadas pelo Estado brasileiro, seriam normas
constitucionais de índole material, o suficiente para que as mesmas já façam parte da
Constituição. Ademais, se as mesmas normas do DIDH passassem pelo crivo
procedimental inserto no §3º do art.5º da CF as mesmas seriam, também, formalmente
constitucionais.
A regência dos direitos fundamentais não se limitaria ao campo da forma.
Para
tais
fontes
normativas
internacionais,
antes
importaria
a
materialidade/fundamentalidade principiológica das mesmas. Razão porque os tratados
internacionais comuns – os que não versam sobre direitos humanos – não possuírem
estatura de norma constitucional, mas de lei ordinária, uma vez ratificados.
Ademais, a interpretação da constitucionalidade dos tratados internacionais
estaria em consonância com o princípio da máxima efetividade (ótima concretização)
das normas constitucionais, haja vista que “a nenhuma norma constitucional se pode dar
interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser” (PIOVESAN, 2007, pg. 59).
Corolários desta vertente seriam os temas da aplicabilidade imediata (§1º do
art. 5º, da CF) dos tratados internacionais de direitos humanos e impossibilidade, por
meio de Emenda Constitucional, tendente a diminuir ou suprimi-los (art. 60, §4º, da
CF), vez que coabitariam entre os chamados direitos e garantias fundamentais.
Acrescente-se ainda que os defensores desta vertente admitem que, na
interpretação das normas do DIDH deve-se aplicar, como decorrência dos princípios da
dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos, o intérprete deve
primar pela norma mais favorável ao ser humano.
7.AS NORMAS MATERIALMENTE CONTITUCIONAIS E O PRIMADO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Parece incontestável que os direitos fundamentais não se esgotam
unicamente no texto constitucional. A abertura material dos direitos fundamentais,
consoante o já comentado §2º do art. 5º da CF, - além de estar presente de forma
expressa na Constituição – reconhece constitucionalidade material (substancial) aos
tratados internacionais em matéria de direitos humanos, bem como aos direitos
implícitos.
Aqui
convergem,
antes,
conceitos
como
constitucionalização
e
fundamentalidade. Por constitucionalização entende-se a “incorporação de direitos
subjetivos do homem em normas formalmente básicas” (CANOTILHO, 1993, pg. 498).
Já o segundo conceito (fundamentalidade), seria a atenção especial depositada na
proteção dos certos direitos, quer num sentido formal ou material (JÚNIOR, 2008).
A fundamentalidade formal geraria consigo, como assevera J. J. Canotilho,
conseqüências, as quais sejam: “(1) as normas consagradoras de direitos fundamentais,
enquanto normas fundamentais, são normas colocadas no grau superior da ordem
jurídica; (2) como normas constitucionais encontram-se submetidas aos procedimentos
agravados de revisão; (3) como normas incorporadoras de direitos fundamentais
passam, muitas vezes, a constituir limites materiais da própria revisão (cfr. CRP, art.
288. 1º, d e “e”); (4) como normas dotadas de vinculatividade imediata dos poderes
públicos constituem parâmetros materiais de escolhas, decisões, acções e controlo, dos
órgãos legislativos, administrativos e jurisdicionais (cfr. afloramento desta ideia no art.
18.71 da CRP)”. (CANOTILHO, 1993, pg. 499)
Por sua vez, num sentido material, a fundamentalidade está associada aos
contornos dados pelo conteúdo dos direitos (JÚNIOR, 2008). A fundamentalidade
material de uma norma constitucional não estaria, necessariamente, associada a sua
expressa disposição em uma Constituição.
Ademais, reconhece o §2º do art. 5º da CF a constitucionalidade material
dos direitos fundamentais sejam eles decorrentes dos tratados internacionais em direitos
humanos ou de princípios implícitos, conforme acima visto.
Observando a inteligência do §3º do art.5º da CF, a qual teve sua redação
dada com a EC nº 45/2004, não pode haver leitura deste dispositivo se não for feita a
partir da leitura do §2º do art.5º da CF. Veio este inserir norma procedimental daquilo
que já era sabido ter reconhecimento constitucional. Quer dizer, apesar de ser um norma
procedimental, não retira ela a constitucionalidade material antes já presente no tratado
internacional em direitos humanos.
O §3º do art. 5º foi aprovado como uma tentativa de solucionar (e dar
contornos mais nítidos) o tão acirrado debate jurisprudencial e doutrinário a respeito da
hierarquia dos tratados internacionais em direitos humanos. Solução para muitos pontos
não ocorreram, talvez tenham sido acrescentados mais alguns, chegando muitos
duvidarem da sua constitucionalidade – invocando então a tese do alemão Otto Bachoff,
das normas constitucionais inconstitucionais – vez que ele (o §3º do art. 5 da CF)
“violaria os limites materiais à reforma constitucional” (SARLET, 2007, pg. 153).
Assim, veja-se sua redação: Art. 5º. §3º: Os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Observa-se, de pronto, a semelhança existente entre o parágrafo
susomencionado e o §2º do art. 60 da CF, o qual prevê o procedimento de reforma
(emenda) à Constituição. Não por acaso, de forma expressa, o §3º do art. 5º mencionar
serem equivalentes os tratados internacionais sobre direitos humanos às emendas
constitucionais.
Vê-se também que ficou mais nítida a separação da fundamentalidade dos
tratados internacionais formal e materialmente constitucionais e outros materialmente
constitucionais. Ou seja, aqueles tratados que não passassem pelo crivo de aprovação
inserto no §3º do art. 5º, seriam apenas materialmente constitucionais, o que não os
tornam menos ou mais constitucionais.
Ademais algumas incongruências – talvez incontornáveis, senão através de
uma nova redação ao §3º do art. 5º da CF – vale a pena ressaltar o avanço do legislador
constituinte-derivado na redação §3º ao expressamente dotar os tratados internacionais
de direitos humanos como distintos dos tratados tradicionais. Reconhece-se sua
especialidade perante os demais tratados em virtude de seu conteúdo, visto que,
diferentemente dos tratados comuns os quais regulamentam interesses adstritos aos
Estados-parte, os tratados internacionais em direitos humanos refletem a assunção de
uma obrigação do Estado para com indivíduos.
Como afirma, quase em forma de desabafo, A.A. Cançado Trindade: “Com
efeito, não é razoável dar aos tratados de proteção dos direitos do ser humano (a
começar pelo direito fundamental à vida) o mesmo tratamento dispensado, por exemplo,
a um acordo comercial de exportação de laranjas ou sapatos, ou a um acordo de isenção
de vistos para turistas estrangeiros. À hierarquia de valores, deve corresponder uma
hierarquia de normas, nos planos tanto nacional quanto internacional, a ser interpretadas
e aplicadas mediante critérios apropriados. Os tratados de direitos humanos têm um
caráter especial, e devem ser tidos como tais”. (TRINDADE, 1999, pg. 47)
Aos tratados internacionais comuns se reconheceria a hierarquia
infraconstitucional, porém supralegal. Para Flávia Piovesan: “Esse posicionamento
coaduna com o princípio da boa-fé, vigente no direito internacional (o pacta sunt
servanda), e que tem como reflexo o art. 27 da Convenção de Viena, segundo a qual
não cabe ao Estado invocar disposições de seu direito interno como justificativa para o
não-cumprimento de tratado19”. (PIOVESAN, 2007, pg. 60)
Outro aspecto relevante que houve com a inserção do novo parágrafo do art.
5º está na rejeição daquilo que os tribunais, majoritariamente, interpretavam possuir os
tratados internacionais em direitos humanos status de lei ordinária.
Apesar de não haver disposição explícita sobre isso – até por que
desnecessária, visto a existência do §2º do art. 5º da CF em dar resposta suficiente para
a constitucionalidade desta espécie de tratados – o legislador – como acima afirmado –
reconheceu a especialidade desses tratados, que, por sua vez, não possuem a mesma
estatura normativa no ordenamento jurídico brasileiro. O legislador teve apenas uma
visão prospectiva, na medida, não só os tratados que fossem ratificados pelo Brasil a
partir da data em que foi promulgada a EC. nº 45/2004 poderiam passar pelo iter
procedimental inserto no §3º do art. 5º, mas também todos os tratados internacionais em
direitos humanos anteriormente ratificados e incorporados no ordenamento brasileiro.
Compartilhamos com a opinião de Flávia Piovesan: “O quorum qualificado
está tão somente a reforçar tal natureza, ao adicionar um lastro formalmente
constitucional aos tratados ratificados, propiciando a “constitucionalização formal” dos
tratados de direitos humanos no âmbito jurídico interno”. (PIOVESAN, 2007, pg. 72)
Eis uma verdadeira questão teratológica! É sabido também que, com o
advento do novo parágrafo do artigo 5º da CF, pode-se vislumbrar a ocorrência da
quebra da harmonia do sistema de integração dos tratados de direitos humanos no
Brasil, na medida em que “cria ‘categorias’ jurídicas entre os próprios instrumentos
19
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, art. 27: Um Estado não pode invocar disposições de
seu Direito interno para eximir-se do cumprimento das regras de um determinado tratado.
internacionais de direitos humanos retificados pelo governo, dando tratamento diferente
para normas internacionais que têm o mesmo fundamento de validade” (MAZZUOLI,
2005).
Conquanto não tenha sido empregada a melhor técnica legislativa na
aprovação do §3º do art.5º da CF, é louvável o avanço estabelecido pelo o mesmo em
realocar os tratados de direito em lugar de merecido destaque em face aos demais
tratados clássicos. Mas outros questionamentos, como quanto à corrente adotada (e mais
apropriada) à realidade constitucional, ainda merecem acurado aprofundamento, visto
que são eles que tanto dividem doutrina e jurisprudência.
Outro relevante argumento a se somar na defesa da tese da
constitucionalidade normativa dos Tratados em direitos humanos estaria no primado da
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), o qual, como um princípio
fundamental da República Brasileira seria o responsável por “compendiar a unidade
material da Constituição” (BONAVIDES, 2001, pg.233). Ou seja, é no princípio da
dignidade humana que os postulados da unidade e da coerência entre as normas
constitucionais e em todo ordenamento infraconstitucional que a ele deve obediência
(princípio
normogenético).
O
que
torna
incontestável
a
força
imperativa,
fundamentadora e interpretativa deste princípio (GOMES, 2008).
O reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos o qual recebe a
legitimidade de ser humano, independentemente de qualquer condição prévia, com o
exercício e a proteção de sua dignidade, é hoje o valor sobre o qual orbitam todos os
outros valores (normas) da Constituição. Em seu reconhecimento principiológico, a
dignidade da pessoa humana comporta-se, consoante a doutrina de Robert Alexy, como
um mandado de otimização na medida em que permite uma mais ampla forma de
realização de algum comando normativo (ALEXY, 2008, pg. 139).
Pois bem, a um só tempo, percebe-se que ao conceito (ou discurso em
defesa) do princípio da dignidade da pessoa humana – dado estar inserido como
categoria axiológica aberta – não se pode atribuir conceito fechado, fixista, vez que, por
sua qualidade como princípio basilar a todo ordenamento jurídico, tal tentativa se
mostraria afrontosa à própria percepção do Estado Democrático de Direito pluralista
(SARLET, 2006).
Com efeito, à dignidade da pessoa humana, enquanto tentativa de sua
conceituação, remonta (quase) sempre ao plano existencial do indivíduo como uma
qualidade intrínseca e imanente ao mesmo. Outrossim, tal noção do valor dignidade da
pessoa assimila-se como uma ordem anterior ao Direito, como um direito imanente ao
indivíduo.
Muito embora se reconheça a originalidade e independência da dignidade da
pessoa humana, seria, em verdade, um retrocesso retirar da esfera do Direito o papel que
a este cabe, em proteger (afirmar) e atender às demandas que exigem repressão às ações
atentatórias aos direitos humanos violadores (SARLET, 2006). Desse modo, é papel do
juiz apreciar as demandas as quais, ainda que não encontrem regramento expresso no
ordenamento jurídico, se mostrem conflitantes à força normativa dada ao valor
primacial da dignidade da pessoa humana.
E mais, é dever do juiz ponderar sobre os valores que permeiam as causas.
Por ponderação se entende ser aquela técnica de decisão a qual, fugindo da tradicional
subsunção normativa tradicional, tem por ocupação a solução de conflitos de razões,
valores, bens e interesses protegidos por normas constitucionais. Seu propósito seria a
“solução de conflitos normativos de maneira menos traumática para o sistema como um
todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver, sem a negação de
qualquer delas” (BARCELLOS, 2008, pg. 57).
Valendo-se de um poderoso recurso hermenêutico na interpretação das
normas de direitos humanos, o intérprete (ou a sociedade dos intérpretes) deve dar por
superado o famigerado dilema de primazia do direito interno ou internacional. No
contexto hodierno, fica assegurado ao indivíduo a aplicação da norma mais protetiva e
garantidora de seus direitos (princípio pro homine ou favor debilis).
A primazia da norma mais favorável ao ser humano (às vítimas20, ao
consumidor21) corresponde ao “diálogo” travado entre as fontes internacionais e internas
(MAZZUOLI, 2009). Esse diálogo permite a comunicabilidade e a complementariedade
entre as normas de Direitos Humanos, o que estabelece entre os sistemas internos e
internacionais verdadeira simbiose (GOMES, 2008).
Na ordem constitucional brasileira esse diálogo já é admitido, na medida em
fica garantida a prevalência dos direitos humanos (art.4º, II, da CF), independentemente
de qual fonte essa norma se origine. Por meio da cláusula aberta presente no §2º do art.
5º da CF/88 se reconhece a constitucionalidade material das normas do DIDH, logo,
20
Ver apontamentos precursores feitos por A.A.Cançado Trindade, especialmente em seu
Tratado de Direito Internacional de Direitos Humanos, Vol. 1, pg. 434-436.
21
Em artigo publicado na Revista de Direito do Consumidor 2009 - RDC 70, a professora Cláudia
Lima Marques em parceria com o jurista Valério Mazzuoli levantam esta tese a partir da ADIn nº 2.591,
em que se aplica o princípio da norma mais favorável ao consumidor na hipótese do depositário
(consumidor) infiel em leasing ou alienação fiduciária de garantia bancária.
qualquer instrumento internacional que preze com mais garantias e proteção ao ser
humano
terá
primazia
sobre
qualquer
norma,
seja
ela
constitucional
ou
infraconstitucional.
Vejamos o que preceitua o art. 29, b, - denominada cláusula de reenvio - da
Convenção Americana de Direitos Humanos: “Artigo 29 - Normas de interpretação:
Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de: b)
limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos
em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que
seja parte um dos referidos Estados”
Pois bem, como é de fácil aferição, também o próprio instrumento
internacional abdica de seu jus cogens, na medida em que o que se releva é aquela
norma que mais vá favorecer ao ser humano no exercício de sua liberdade e garantis.
Essa norma de reenvio estabelece um sistema de vasos comunicantes entre as fontes
internacionais e nacionais, tendo sempre como norte a proteção da dignidade da pessoa
humana. Por exemplo, vejamos o seguinte caso da prisão civil do depositário infiel em
alienação fiduciária, sobre o qual a jurisprudência brasileira por diversas vezes já se
debruçou sobre o tema, especialmente no RE 466.343/SP, o STF se posicionou
favorável à aplicabilidade da proibição da prisão civil por dívida – com exceção do
devedor em alimentos -, vez que a Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu
art. 7, §7º veda expressamente a prisão civil por dívidas, dando por inválida a norma do
Decreto-Lei 911/69 a qual, por ser mais restritiva – logo menos favorável à liberdade
humana -, permitia a prisão civil do devedor infiel em alienação fiduciária.
Como movimento reflexo da limitação dos poderes e a expansão dos
direitos fundamentais nos mais diversos ordenamentos jurídicos, podemos apontar a
relativização do conceito de soberania como um fenômeno recente do Direito
Constitucional, constatado, principalmente, na segunda metade do Século XX. Numa
fórmula cartesiana, asseveramos que a normatização dos direitos fundamentais é quase
que inversamente proporcional ao conceito de soberania.
Por soberania, entende-se que suas origens remontam ao propósito de
oferecer fundamento jurídico às conquistas territoriais no Novo Mundo por parte dos
Estados europeus22 que, de forma incipiente, concentravam forças e ganhavam
Destaca-se aqui a falsa “missão” cultural por parte dos Estados europeus em levar aos povos
primitivos colonizados o modelo de ‘estado civil’ àqueles povos que se encontravam sob condições do
“estado da natureza”.
22
legitimidade (FERRAJOLI, 2007). A legitimidade dos Estados nacionais em suas novas
conquistas estava intimamente ligada à noção de soberania. Esta seria “poder supremo
que não reconhece outro acima de si (suprema potetas superiorem non recognosens si).
Bem apontado por Luigi Ferrajoli como manifestações dessa noção de
soberania são os conceitos de soberania interna e soberania externa. O primeiro - como
a própria terminologia já tem muito a dizer – é a face sobre a qual o Estado volta-se para
seus cidadãos, impondo a estes a unificação e reconhecimento deste Estado como única
fonte normativa legitima a pacificar os conflitos internos. Já a soberania externa, cujo
conceito não perde a noção de poder supremo incontrastável aos demais poderes, portase frente aos demais Estados - comunidade mundial (communitas orbis) - também
detentores de seus respectivos poderes soberanos.
Diversos foram teóricos prosélitos ao princípio máximo da soberania,
dentre eles Jean Bodin, Hugo Grotius e Thomas Hobbes. Há época (Século XVII), os
Estados nacionais ganham novos contornos, na medida em que os mesmos,
progressivamente, concentram mais poderes, tornando-se mais “absolutos”, bem como,
é com esse novo modelo de Estado que, com a Reforma Protestante, ocorre o processo
de secularização do Estado. É justamente nessa época que por parte da soberania
externa, o Estado se “absolutiza”, cujo ápice encontra-se na primeira metade do século
XX (FERRAJOLI, 2007).
Nesse momento histórico, tamanha é a concentração de poderes por parte do
Estado que ganham espaço as teorias da personificação do Estado a ser preenchida pelo
modelo organicista. A decisão soberana do governante, neste momento, confunde-se
como fonte única e incontestável de direitos, como se legalidade stricto sensu se
confundisse com legitimidade.
Como reposta à excessiva concentração de poderes nas mãos do um único
representante (ou classe) e ultrapassando os entraves das relações estáticas entre
soberano e súditos, diversos foram os acontecimentos em prol da limitação desse poder
soberano - como em momento anterior comentamos (item 1.) – principalmente após a
Revolução liberal francesa. Diversas cartas constitucionais seguiram a este, então,
fenômeno que acabou se tornando realização através de afirmações de direitos
fundamentais (naquele momento, direitos de primeira dimensão) projetados aos
cidadãos e de princípios como o da legalidade (legítima) e da separação de poderes,
tomando o Estado forma nítida de um Estado de Direito.
Ainda que, por enquanto, essa limitação do poder soberano ocorresse no
plano da soberania interna, já é o suficiente para proporcionar o mesmo que a negação
do princípio da soberania em seu sentido original de poder absoluto. A crescente
convergência do indivíduo da periferia ao centro valorativo da Constituição, realizada
por meio da afirmação dos direitos fundamentais, tornou-se uma auto-limitação
intransponível.
Como se vê, o programa dos direitos fundamentais (humanos) estava bem
estruturado internamente, mas, paralelamente, a soberania externa percorria outro
caminho. A face externa da soberania do Estado, progressivamente, não encontra
obstáculos a sua desenfreada luta em conquistas por territórios (especialmente colônias
de exploração) e liderança no campo da economia, por parte dos países capitalistas, em
defesa dos conglomerados industriais que começavam a se formar, ignorando, na
maioria das vezes os direitos humanos em sua perspectiva além-estado. Bem demonstra
Hannah Arendt tal panorama: “Os Direitos do Homem, supostamente inalienáveis,
mostraram-se inexequíveis — mesmo nos países cujas constituições se baseavam neles
— sempre que surgiam pessoas que não eram cidadãos de algum Estado soberano. A
esse fato, por si já suficientemente desconcertante, deve acrescentar-se a confusão
criada pelas numerosas tentativas de moldar o conceito de direitos humanos no sentido
de defini-los com alguma convicção, em contraste com os direitos do cidadão,
claramente delineados”. (ARENDT, 1989, pg. 327).
Haja vista a não existência de nenhuma via que proclame a defesa da
universalidade dos direitos humanos (fundamentais) num plano acima dos Estadosnações, foi na primeira metade do século XX que a soberania externa alcançou seu
ápice. O profundo desinteresse com as causas humanitárias sempre esbarrava com a
evocação do poder legítimo dos Estados em exercerem sua soberania e seu poder de
intervenção, maior exemplo disso se deu com o Estado máximo totalitário nazista.
Houve, portanto, um esvaziamento do direito (enquanto em sua perspectiva de justiça)
frente às relações internacionais, sob o postulado do “princípio da efetividade” em que o
direito cede em face dos fatos (FERRAJOLI, 2007).
No pós-guerra, com todas as lembranças das atrocidades direcionadas à
dignidade da pessoa humana (seja ela cotejada aos grupos ou indivíduos em particular),
era notória a necessidade em também limitar discricionariedade absoluta com que os
lideres das nações dirigiam seus Estados. Para tanto, necessário seria repensar a
soberania, então absoluta, atribuída aos Estados.
Com a carta da ONU, de 1945, e a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, em 1948, o mundo conheceu uma nova realidade, até então pouco evocada –
e, quando suscitada, de forma inconsistente -, da supremacia da dignidade da pessoa
humana e o reconhecimento do indivíduo como novo sujeito do Direito Internacional.
Referindo-se aos dois documentos internacionais, assim assevera Luigi
Ferrajoli: “Esses dois documentos transformaram, ao menos no plano normativo, ordem
jurídica do mundo, levando-o do estado de natureza ao estado civil. A soberania,
inclusive a externa, do Estado – ao menos em princípio – deixa de ser, com eles, uma
liberdade absoluta e selvagem e se subordina, juridicamente, a duas normas
fundamentais: o imperativo da paz e a tutela dos direitos humanos”. (FERRAJOLI,
2007, pg. 39-40).
Impende, neste momento, uma indagação. O que sobrou da soberania?
Muito embora esteja inserta na Constituição de 1988 como um dos
princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 1º, I), como afirma L.
Ferrajoli “isso não passa de uma simples homenagem verbal ao caráter democráticorepresentativo dos atuais ordenamentos” (FERRAJOLI, 2007, pg. 33), uma vez que, por
soberania se entende um poder absoluto, sem reservas ou limites, porém não é isso que
se aduz na interpretação da própria Lei Fundamental de 1988. Senão vejamos o
parágrafo único do art. 1 da CF: Art. 1º (...) Parágrafo único: Todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente, nos termos desta
Constituição. (grifo nosso)
Ora, se a própria soberania popular se encontra condicionada à obediência
aos termos da Constituição, a mesma deve antes respeito ao princípio basilar da
dignidade da pessoa humana, bem como ao princípio da prevalência dos direitos
humanos.
Portanto, já não prospera o argumento insistente em posicionar a soberania à
frente de valores, como o princípio da dignidade humana, os quais dão unidade e
coerência a todo ordenamento jurídico.
5. CONCLUSÃO
A Constituição de 1988 se permitiu abrir seu catálogo de direitos
fundamentais também aos direitos humanos insertos nos tratados internacionais. Não só
concedeu-lhes o status de norma constitucional de índole material como também dotoulhes com a prerrogativa de aplicabilidade imediata dada a todos os direitos e garantis
fundamentais (§1º art. 5º da CF) e os incluiu no chamado núcleo essencial da
Constituição (§4º art. 60 da CF).
Muito embora as tensões presenciadas entre as diversas teses reproduzidas
na doutrina e jurisprudência a respeito da hierarquia normativa dos tratados
internacionais de direitos humanos nos posicionamos favoráveis à vertente que
reconhece aos tratados internacionais em matéria de direitos humanos a estatura de
normas constitucionais.
Essa posição ainda mais se justifica no tocante às normas supranacionais de direitos
fundamentais trabalhistas. Com efeito, esta tese é a única, entre as outras posições – que
reverbera o valor da dignidade da pessoa humana, buscando dar aos direitos
fundamentais trabalhistas uma máxima efetividade, haja vista que, uma vez ratificados
pelo Brasil, pois tais tratados teriam aplicabilidade imediata, podendo ser evocado por
qualquer cidadão que se encontre em situação de restrição de sua dignidade.
o mais importante nessa discussão se concentra na proteção da pessoa
humana, e, para tanto, independente da origem da norma, na ponderação de valores, a
interpretação mais adequada será aquela que mais vá proteger o ser humano. Deve-se
estabelecer, portanto, um diálogo entre as fontes interna e internacionais com vistas à
dar primazia ao ser humano. Somente assim será possível construir uma ordem de
valores condizente à realidade social que muito têm a exigir proteção e respeito aos
direitos humanos como valores universais e indivisíveis merecedores de maior atenção e
afirmação.
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