Tratados de arte na biblioteca do MASP: A Renascença e seu legado Escrever tratados de arte do Renascimento visava a elevação do estatuto das artes e dos artífices. Por volta de 1400, o pintor Cennino Cennini escreveu O livro da arte, no qual ele fala do homem como “nobremente dotado por Deus” e, então, compara o pintor ao poeta que, sendo letrado, já tinha status social elevado. Em 1435, o humanista Leon Battista Alberti escreveu o tratado Da pintura, no qual ele apresenta a arte da pintura em grau de sistematização inédito. Em sua versão italiana, Alberti dedicou seu tratado a Filippo Brunelleschi, que inventara a perspectiva geométrica, e no prefácio ele enfatiza que o prestígio dos florentinos que, não tendo de quem aprender e a quem imitar como os antigos, “será muito maior se descobrirmos artes e ciências jamais ouvidas e vistas”. O primeiro livro é “todo matemático”, e os dois livros seguintes colocam “arte na mão do artista, distinguindo suas partes e demonstrando tudo” e estabelecem as regras de “como fazer para obter o domínio e o conhecimento perfeito da pintura”. O pintor agora podia reclamar um status social inédito. Os tratados albertianos Da escultura e Da edificação seguem essa orientação. Por volta de 1450, em seu tratado chamado Os comentários, o escultor Lorenzo Ghiberti visou um programa para a formação do “artífice perfeito”: “Convém que letrado seja, perito em escritura e ensinado em geometria, e tenha conhecido muitas histórias ou escutado diligentemente filosofia, e que seja ensinado em medicina e tenha escutado astrologia, e que seja douto em perspectiva e ainda seja desenhista perfeitíssimo, e assim seja o escultor e o pintor.” Seu tratado também apresenta uma breve história dos artífices de Giotto até si próprio em uma autobiografia, que mostra seu elevado prestígio, e uma compilação de textos de óptica e outras matérias, que sugere suas ambições intelectuais. Leonardo da Vinci fazia parte desse contexto. Após sua formação como artífice, Leonardo começou a buscar uma formação ampla. Seus primeiros manuscritos contêm listas de vocábulos, desenhos de máquinas acompanhados de textos e estudos de filosofia natural, especialmente óptica, anatomia e física dos pesos, além de estudos de geometria e matemática. Ao longo dos anos, ele ampliou seus interesses, desenhando e escrevendo milhares de páginas, sem nunca terminar os tratados que planejava. Os tratados de arquitetura de Francesco di Giorgio Martini e de perspectiva de Piero della Francesca, ambos do final do século XV, e os inúmeros tratados de arte do século XVI e XVII continuam a tradição voltada a instruir o artífice. As duas versões de As vidas dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos de Giorgio Vasari fazem parte desse contexto, embora sua ênfase não seja sobre aspectos teóricos das artes, mas sim sobre as vidas e as obras dos artífices, e foram modelos para dezenas de tratados nos séculos seguintes.