CORRUPÇÃO E DIREITOS HUMANOS: UM DEBATE SOBRE O PAPEL DO ESTADO E AS CLASSES SOCIAIS Márcio Alan Menezes Moreira1 [email protected] Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – CEDECA/CE 1. Para iniciar o debate: a formação histórica da sociedade brasileira e os elementos neoliberais de nossa política O debate em torno dos direitos humanos e da corrupção no Brasil passa necessariamente pela análise da crise do Estado e da Democracia brasileira, e no limite pelas idiossincrasias da nossa sociedade, oriunda de uma formação histórica baseada na dependência externa e no abismo social. Analisaremos este último elemento como forma de compreender a crise institucional e sua relação com a corrupção e os direitos humanos. O Brasil não nasce como nação, mas sim como colônia portuguesa de exploração, nasce marcada por um imenso abismo social: colonizadores e colonizados ou portugueses e escravos (sejam índios ou negros). Um dos principais aspectos que marcou o período colonial foi “a formação de uma sociedade fortemente influenciada pela cultura européia e marcada pela rígida divisão entre senhores e escravos.”2 Esse abismo continuou durante toda a história brasileira, com a casa grande e a senzala, os sobrados e os mucambos, condomínios de luxo e favelas. A dependência econômica acompanhou o abismo social, constituindo as duas principais marcas da sociedade brasileira. Desse quadro histórico, surgiu uma sociedade que tem relações sociais extremamente hierarquizadas, com ritos de mando e obediência bem definidos. Surgem relações de subordinação –determinações de um Especialista em Movimentos Sociais, organizações populares e democracia participativa pela UFMG. Advogado do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar, Advogado do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará; integrante do Movimento dos Conselhos Populares – MCP. 2 STEDILE. João Pedro; SAMPAIO. Plínio de Arruda. História, crise e dependência do Brasil. 5. ed. São Paulo: Movimento Consulta Popular, 2003, p. 08. 1 XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 superior a um inferior - sustentadas pelas instituições sociais como a família, escola, religião e trabalho. Disso resulta a naturalização das desigualdades econômicas e sociais, do mesmo modo que há naturalização das diferenças étnicas, postas como desigualdades raciais entre superiores e inferiores, das diferenças religiosas e de gênero, bem como naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de violência. Essas condições sociais determinam relações políticas também hierárquicas ou verticais, que se realizam sob a forma do favor, da clientela ou da tutela, bloqueando tanto a representação como a participação.3 É difícil a percepção política da esfera pública, o que gera uma cultura política baseada em clientelismo e paternalismo. Tem na indistinção entre o público e o privado a forma de realização da vida social e da política: não há percepção dos fundos públicos como bem comum e porque a política é oligárquica, a corrupção praticada pelos governantes e parlamentares é considerada natural (ainda que eticamente seja tida como imoral, embora nunca seja percebida como anti-republicana e anti-democrática, isto é, nunca é percebida politicamente).4 A grande mídia se exercita nessa prática da divisão entre os “bons cidadãos” e os “bandidos”, criando-se o mito de uma sociedade coesa, una e pacífica, ausente qualquer conflito de importância. Essa lógica é trazida para a luta por direitos, fazendo equivalentes ações de movimentos sociais a ações de criminosos. Trata-se de rotular todo e qualquer conflito como algo negativo e não como um desenrolar da luta por liberdades democráticas: Dispõe de meios para bloquear a esfera pública da opinião como expressão dos interesses e dos direitos de grupos e classes sociais diferenciados e/ou antagônicos. Esse bloqueio na é um vazio ou uma ausência, mas um conjunto de ações determinadas que se traduzem numa maneira determinada de lidar com a esfera da opinião para impedir a emergência de um espaço aberto de produção e circulação da informação. Essas ações fazem prevalecer a informação de mão-única, veiculada pelos meios de comunicação de massa, que universalizam para todas as classes sociais os interesses e privilégios da classe dominante, operando como contra-informação, alimentação e reforçando o processo de alienação social e política das demais classes sociais, identificadas com valores, idéias, comportamentos e interesses dos dominantes.5 Tais características advêm da formação histórica da sociedade brasileira: o poder político oligarquicamente administrado, e as relações sociais de mando, centralizadas na figura do homem, 3 CHAUÍ. Marilena de Souza. Considerações sobre a democracia e os obstáculos à sua efetivação. Polis: estudos, formação e assessoria em políticas sociais. São Paulo: Instituto Polis, n. 47, p. 23-30, jul. 2005, p.26. 4 CHAUÍ. Marilena de Souza. Considerações sobre a democracia e os obstáculos à sua efetivação. Polis: estudos, formação e assessoria em políticas sociais. São Paulo: Instituto Polis, n. 47, p. 23-30, jul. 2005, p. 26-27. 5 Id. ibid, p. 27. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 branco e heterossexual. A partir do fim dos anos 1980, outra característica pode ser adicionada como um obstáculo à participação: a ideologia neoliberal. Marilena Chauí6 trata desta em três versões ideológicas. A primeira é a ideologia da competência, baseada na divisão no trabalho entre dirigentes e executantes, na qual àqueles recebem uma educação cientifica e estes são os que não tem tais conhecimentos. Determina-se então quem são os competentes (dirigentes com conhecimento científico e tecnológico) e quem são os incompetentes, que só podem ocupar cargos subalternos. Tal ideologia se espalhou para outros espaços sociais, como a família, escola ,universidade e a política. “Isso significa que a política é considerada assunto de especialistas e que as decisões são de natureza técnica, via de regra secretas ou, quando publicadas, o são em linguagem perfeitamente incompreensível para a maioria da sociedade.”7 Incide aí a predominância do discurso tecnicista, onde por meio da complexidade do aparato estatal e da máquina administrativa impõe-se que somente especialistas possam ali estar trabalhando e discutindo os rumos de políticas públicas. Basta analisarmos os princípios básicos da Administração Pública para percebemos que esse discurso, além de anti-democrático, pode ser considerado como incompatível com a Constituição, já que pelo artigo 37 da Constituição Federal Brasileira de 1988, o Estado-Administração deve pautar-se, dentre outros, pelo princípio da publicidade. Que adiantaria dar publicidade se os destinatários não entendessem o conteúdo? A Administração Pública deve portanto ser obrigada a publicizar suas ações em formato e linguagem acessível à população. Ao invés de relatórios orçamentários no sítio eletrônico do órgão estatal, dever-se-ia usar outros meios também, levando em conta que a maioria da população brasileira encontra-se excluída do uso da internet. Esse discurso torna-se mais forte quando se trata de acesso a informações relevantes para crianças e adolescentes, sob o argumento de que eles (crianças e adolescentes) são incapazes de discutir assuntos relacionados à Administração Pública. Reforça-se assim a percepção de crianças e adolescentes como pessoas incapazes de intervenção política. A segunda versão ideológica é a da sociedade do conhecimento, que oculta o acesso ao conhecimento, com a idéia de que estes são difundidos a todos, trabalhando ainda com a justificativa que a sociedade atual é fundada no trabalho intelectual e não no produtivo: Sendo a informação um direito democrático fundamental, essa ideologia afirma que a sociedade do conhecimento é propícia à sociedade democrática e, dessa maneira, oculta o essencial, isto é, que o conhecimento e a informação – ou seja, a 6 Id. Ibid. CHAUÍ. Marilena de Souza. Considerações sobre a democracia e os obstáculos à sua efetivação. Polis: estudos, formação e assessoria em políticas sociais. São Paulo: Instituto Polis, n. 47, p. 23-30, jul. 2005, p. 28. 7 XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 ciência e a tecnologia – tornaram-se forças produtivas, passando a integrar o próprio capital, o qual passa a depender deles. Em outras palavras, a nova ideologia oculta que a sociedade do conhecimento aumenta a exclusa social, política e cultural, impede o conhecimento e a informação e, portanto, não é propícia nem favorável à sociedade democrática.8 Acrescentada essa ideologia à dominação do discurso do saber, fica ocultado o autoritarismo das classes dominantes, contido na visão de que o rico é quem tem a leitura, e portanto é o competente, bem como a concepção de universalidade da ciência, colocada como saber único, desprezando o saber popular, tido como um não-saber: De um lado, a suposta universalidade do saber dá-lhe neutralidade e disfarça seu caráter opressor; de outro lado, a “ignorância” do povo serve para justificar a necessidade de dirigi-lo do alto, e sobretudo, para identificar a possível consciência de dominação com o irracional, visto que lutar contra ela seria lutar contra a verdade (o racional) fornecida pelo conhecimento.9 A última versão da ideologia neoliberal é a ideologia pós-moderna, baseada nas transformações sofridas pelo Capitalismo após a fase pós-industrial e de acumulação flexível de capital, na qual ocorre a fragmentação e dispersão da classe trabalhadora, antes concentrada nas grandes fábricas que proporcionam visibilidade à situação de opressão social e exploração do trabalho; agora, as grandes transações dos capitalistas ocorrem no âmbito do capital financeiro e especulativo, ou seja, sem visibilidade e materialidade de mercadorias e produtos. Isso traz uma profunda alteração na compreensão espaço-tempo, pois tudo é globalizado, disperso espacialmente, sem distâncias e com acelerados processos temporais: tudo resolve-se em segundos através das tecnologias: Ora a ideologia pós-moderna é a comemoração entusiasmada dessa dispersão e fragmentação do espaço e do tempo, dessa impossibilidade de distinguir aparência e sentido, imagem e realidade, do caráter efêmero e volátil de nossas experiências. Ela comemora o que designa de “fim da narrativa”, ou seja, dos fundamentos do conhecimento moderno ou a afirmação moderna de idéias como as de racionalidade, identidade, causalidade, finalidade, necessidade, totalidade e verdade, e afirma ser um mito a idéia de história como movimento de contradições e de mediações em direção à emancipação. Em outras palavras, toma a fragmentação econômica e social como um dado positivo e último; toma a ausência de sentido temporal como elogio da contigência e do acaso; transforma a privatização da existência em elogio da intimidade e do desejo e reforça a despolitização da sociedade.10 8 Id. ibid Id. Cultura e democracia. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1989, p. 51. 10 Id. ibid, p. 29. 9 XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 Dessa forma, notamos que o desenvolvimento da nossa sociedade, a partir do nosso nascimento como terra aonde negros (as) eram seqüestrados (as) da África para aqui serem escravizados (as), formou uma nação segregada socialmente e caracterizada pelo autoritarismo como forma de relacionamento social. Tais elementos aprofundam-se atualmente a partir do desenvolvimento do Capitalismo, sob a forma de Neoliberalismo e a ideologia individualista, que fragiliza mais ainda a rede de solidariedade entre os indivíduos. 2. A corrupção como fruto de um Estado classista. A origem do Estado Brasileiro está diretamente ligada ao desenvolvimento capitalista, desde sua formação colonial até os dias atuais. Forjada como nação desde as primeiras instituições políticas do Império até a Proclamação da República, a grande maioria da população brasileira assistiu, nem sempre pacificamente, as elites dominantes disputarem e alternarem-se no poder. Trata-se de compreender como a burguesia nacional construiu essa dominação de forma hegemônica. A burguesia brasileira não assumiu o sentido nacional democrático das reivindicações burguesas francesas consubstanciadas no lema: igualdade, liberdade e fraternidade. A estabilização de uma democracia, mesmo que restrita, não foi sua principal preocupação, o que repercute na formação de um Estado infenso à abertura democrática, permanecendo assim até as manifestações sociais e democráticas dos anos 1980 e a conseqüente construção de uma nova ordem políticojurídica. A crise oligárquica, entre a Proclamação da República e a crise da “política do café com leite” dos anos de 1920, não consistiu em um colapso e sim em um período de transição para um capitalismo, no Brasil, que deixava de ter suas bases na agricultura e começava a se assentar nas grandes fábricas urbanas. As burguesias brasileiras (agrária, urbana, comercial) passaram a estabelecer um pacto de dominação de classe a partir do Estado, mesmo não existindo entre elas um consenso econômico. Este aspecto diferencia o processo de dominação burguesa no Brasil, que passa a ver no Estado o seu local de intervenção, exercendo pressão, orientando e utilizando o poder estatal para os fins burgueses.11 A consolidação conservadora do poder burguês no Brasil se deu em um movimento de conflito de interesses convergentes ou muito afins, na qual a velha oligarquia estagnava, sem conseguir se adaptar à nova fase capitalista, e a nova oligarquia, consistente nos comerciantes financeiros e industriais, finda por determinar a feição da dominação burguesa no Brasil, agregando 11 IANNI Octavio (Org). Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão Popular, 2004. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 a grande burguesia oriunda da classe média (grandes comerciantes) e a velha oligarquia, no pacto que esgotou-se no Golpe de 1964 - a chamada revolução institucional, que trazia a ideologia de que o país deveria ser desenvolvido pela camada esclarecida das elites.12 Diante dessa consolidação, a burguesia passou a ter como estratégia para manutenção de sua dominação a construção hegemônica ideológica e o congelamento dos espaços políticos, de forma que somente se pensava em transformação a partir da ordem já estabelecida. A partir do Golpe de 1964, a burguesia ficou em cômoda posição, 1) para estabelecer uma associação mais íntima com o capitalismo financeiro internacional; 2) para reprimir, pela violência ou pela intimidação, qualquer ameaça operária ou popular de subversão da ordem (mesmo com a “revolução democrático-burguesa”); 3) para transformar o Estado em instrumento exclusivo do poder burguês, tanto no plano econômico quanto nos planos social e político.13 Com a instauração do que se convencionou chamar “redemocratização do país”, alterou-se o sistema político-jurídico, mas não a essência da dominação burguesa. Apesar da forte pressão dos movimentos sociais na construção da Constituição de 1988, o plano burguês de dominação hegemônica continuou, através da ideologia neoliberal, iniciada com o Presidente Fernando Collor de Mello, aplicada plenamente por Fernando Henrique Cardoso, e continuada por Luis Inácio Lula da Silva. Mudam-se as figuras políticas, mas a dominação burguesa continua, ideológica, política e economicamente. O Estado brasileiro tem uma feição nitidamente classista, está a serviço de uma classe dominante. Engels já percebera a apropriação do Estado por uma classe social e o definia como produto irreconciliável das contradições de classes existentes na sociedade. O Estado – diz Engels, resumindo sua análise histórica, não é de modo algum um poder imposto de fora à sociedade; nem é “a realidade da idéia moral”, nem a “imagem, a realidade da razão”, como afirma Hegel. É mais um produto da sociedade quando chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou em uma contradição irremediável consigo mesma e está dividida em antagonismos inconciliáveis, e que é impotente para resolvê-los. Para que esses antagonismos, essas classes com interesses em confronto não se devorem a si mesmas e não consumam a sociedade em uma luta estéril, faz-se necessário um poder situado aparentemente acima da sociedade e chamado para amortecer o choque em mantê-lo nos limites da “ordem”. E esse poder, nascido da 12 13 IANNI Octavio (Org). Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão Popular, 2004. Id. ibid., p. 445. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 sociedade, mas que se coloca acima dela e dele se divorcia cada vez mais, é o Estado.14 A origem do Estado está ligada às contradições existentes em cada sociedade, e o controle dessa institucionalidade (o Estado) é exercido pela classe que detém maior poder econômico, conseqüentemente político, que na história moderna da Humanidade é a burguesia. Gramsci já pensou em uma conceituação ampliada de Estado: Esse estudo leva também a certas determinações do conceito de Estado, que habitualmente é entendido como sociedade política (ou ditadura, ou aparelho coercitivo para adequar a massa popular a um tipo de produção e à economia de um dado momento); e não como equilíbrio entre sociedade política e sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre a inteira sociedade nacional, exercida através de organizações ditas privadas, como a Igreja, os sindicatos, as escolas, etc.)15 O Estado ampliado é composto pela esfera da sociedade política, formado pelas burocracias executiva e militar-policial, e é onde a burguesia detém o poder da legalidade e da repressão; e a esfera da sociedade civil, que difunde a ideologia burguesa para toda a sociedade através das escolas, igrejas, partidos políticos e meios de comunicação em massa. Até a democracia não está infensa à luta de classes e os avanços democráticos baseiam-se na correlação de forças sociais em jogo: A democracia e a república são o luxo que o capital têm que conceder às massas , dando-lhes a ilusão de que controlam os processos vitais, enquanto as questões reais são decididas em instâncias restritas, inacessíveis, e livres de qualquer controle.16 Com instâncias representativas cada vez mais esvaziadas, surge a descrença popular na política, identificada com a corrupção, fazendo-se sentir ainda os efeitos negativos do fato da democracia brasileira estar inserida no contexto de globalização neoliberal, limitante da soberania nacional por meio de acordos internacionais e instituições monetárias como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio. 14 ENGELS, Friedrich ( apud LENIN, Vladimir Ilich. O estado e a revolução: a doutrina marxista do estado e as tarefas do proletariado na revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 54.) 15 GRAMSCI, Antonio (apud COUTINHO, Carlos Nelson. GRAMSCI um estudo sobre seu pensamento político. 2. ed. [s.l.], Campus, 1998, p. 76). A hegemonia em Gramsci é composta por um processo em que uma parte da classe dominante exerce o controle sobre outra facção dominante; e a as tentativas da classe dominante de dominar ideologicamente, política e moralmente os diversos grupos subordinados. 16 OLIVEIRA Francisco de. Democratização e Republicanização do Estado. Disponível em: http://www.unifesp.br/assoc/adunifesp/others/chicooli.pdf, acesso em: 18 de maio de 2006. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 3 O impacto do Estado Capitalista corrupto na efetivação de direitos humanos ou como a burguesia utiliza o dinheiro público para seus interesses Refletido o caráter classista do Estado brasileiro, faremos a correlação entre corrupção e direitos humanos a partir da análise das opções estatais, seus reflexos no Estado e a crise institucional. Inicialmente ressaltamos o conceito de corrupção como: A palavra corrupção deriva do latim corruptus que, numa primeira acepção, significa quebrado em pedaços e numa segunda acepção, apodrecido, pútrido. Por conseguinte, o verbo corromper significa tornar pútrido, podre. Numa definição ampla, corrupção política significa o uso ilegal - por parte de governantes, funcionários públicos e agentes privados - do poder político e financeiro de organismos ou agências governamentais com o objetivo de transferir renda pública ou privada de maneira criminosa para determinados indivíduos ou grupos de indivíduos ligados por quaisquer laços de interesse comum – como, por exemplo, negócios, localidade de moradia, etnia ou de fé religiosa.17 O conceito de corrupção pressupõe a transferência da renda pública, ou seja, da res publica, para interesses privados. Também podemos relacionar a idéia de corrupção a de crise pois a quebra, o apodrecimento podem ser, dialeticamente, entendidos como desafios, perdas e oportunidades. Especificamente relacionando com a corrupção política temos que o Estado brasileiro é historicamente ligado às elites, atuando com a apropriação da renda pública por grupos privados, dominantes, que utilizam a máquina estatal para reprodução de seu capital. Um exemplo disso é o mecanismo se dá pelo superávit primário, justamente a sobre de recursos públicos após o pagamento de despesas e que pode ser utilizado para pagamento de juros da dívida. Porém, através do pagamento desses juros é que se dá a reprodução de capital na atual fase do capitalismo, pois paga-se juros de uma dívida impossível de ser paga, e possivelmente, fraudulenta na sua origem. Mesmo esquemas como o chamado “Mensalão” são pequenos perto do valor de recursos públicos utilizados para pagamento da dívida, que somente nos três primeiros anos do Governo Lula atingiu a cifra de R$ 455,3 bilhões.18 17 18 http://pt.wikipedia.org/wiki/Corrup%C3%A7%C3%A3o_pol%C3%ADtica DE MELLO, João Alfredo Telles (org). Um mensalão ainda maior. Câmara dos Deputados, brasília, 2006. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 Segundo Márcio Pochmann, 75% dos recursos utilizados para pagamento de juros da dívida são apropriados por cerca de 20 mil clãs familiares. A inversão de prioridade é tamanha que o Bolsa-família, que atinge milhões de pessoas, tem custo de R$ 28,7 bilhões. Para se atingir o superávit primário existem dois caminhos: redução de investimentos e corte nas áreas sociais. Quem sofre com isso? A imensa maioria pobre da população brasileira. Podemos também considerar que nos últimos anos, apenas 3% dos recursos públicos são utilizados para investimentos, enquanto que 40% são para pagamento da dívida. Entre 1981 e 2004 o PIB brasileiro cresceu cerca de 2,4% ao ano, enquanto que a América Latina atingiu indices de 9,0% na Argentina, 6,0% no Chile, e 17,9% na Venezuela. A crise social também só se aguça. O desemprego atinge cerca de 9% da população economicamente ativa. Em 2004, o total de empregos no Brasil atingia era de 84,6 milhões, sendo que 38 milhões são trabalhadores sem carteira assinada (OCDE). O PIB brasileiro precisaria crescer cerca de 5,4% ao ano para criara 3,6 milhões de novas vagas de emprego. O Brasil, segundo o Banco Mundial, é um dos países com maior concetração de renda do mundo. O 1% mais rico da população det~em cerca de 13% da renda nacional, e os 50% mais pobres detém cerca de 13,5%. A renda da classe média (quem ganha mais de R$ 1.050,00 por mês) caiu cerca de 46% entre 2001 e 2006. As classes A e B (mais de dez salários mínimos por mês - R$ 3,8 mil) cresceu 7% em 2007, enquanto que a média nacional é de 5%. Além disso temos uma péssima educação, saúde, e violação de inúmeros direitos, como lazer, cultura, e dignidade. Nossa juventude é uma das que mais morre no mundo. Pesquisa realizada pelo IBASE e Pòlis atestam que 27% dos jovens entre 15 e 24 anos nao trabalham nem estudam. 15.528 jovens morreram por armas de fogo em 2004. Esse quadro de crise social nao existe à toa, ele é fruto de uma prática política de reprodução do capital através do pagamento de juros da dívida. Nesse ponto cabe perguntar: o projeto constitucional de direitos humanos para todos e todas ainda tem possibilidade de realização? Acreditamos que é necessário a adoção de medidas que invertam a lógica de prioridade de investimento estatal para que se invista em políticas estruturantes (moradia, saúde, educaçao, etc) como forma de superação das desigualdades. Também é necessário fortalecer os mecanismos de democratização da gestão, transparência e fiscalização. A maior corrupção hoje é a praticada legalmente dentro do Estado, que destina seus recursos a uma pequena parcela da população. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 Somente um povo organizado e ciente de que a superação da ordem capitalista é necessária pode alterar esse quadro. Pensamos então em algumas medidas: a) prioridade orçamentária para políticas estruturantes (moradia, saúde, educaçao, etc); b) fim do duperávit primário e auditoria da divídia interna e externa; c) radicalização da democracia participativa com instrumentos de poder local, transparência estatal; d) controle de entrada e saída de capitais. Porém, é necessário, para que essas medidas sejam desenvolvidas que existam movimentos sociais fortes, organizados, enraizados, e com unidade na luta anti-capitalista. Nao existe no Brasil o sentimento republicano, cabe ao povo construir o sentimento socialista, para avançarmos rumo ao fim das desigualdades e da exploração de classes. 4 Referências CHAUÍ. Marilena de Souza. Considerações sobre a democracia e os obstáculos à sua efetivação. Polis: estudos, formação e assessoria em políticas sociais. São Paulo: Instituto Polis, n. 47, p. 2330, jul. 2005 ______. Cultura e democracia. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1989. COUTINHO, Carlos Nelson. GRAMSCI: um estudo sobre seu pensamento político. 2. ed. [s.l.], Campus, 1998. IANNI Octavio (Org). Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão Popular, 2004. LENIN, Vladimir Ilich. O estado e a revolução: a doutrina marxista do estado e as tarefas do proletariado na revolução. São Paulo: Global, 1987. MELLO, João Alfredo Telles (org). Um mensalão ainda maior. Câmara dos Deputados, brasília, 2006. OLIVEIRA Francisco de. Democratização e Republicanização do Estado. Disponível em: http://www.unifesp.br/assoc/adunifesp/others/chicooli.pdf, acesso em: 18 de maio de 2006. STEDILE. João Pedro; SAMPAIO. Plínio de Arruda. História, crise e dependência do Brasil. 5. ed. São Paulo: Movimento Consulta Popular, 2003.