Márcio Alan Moreira

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CORRUPÇÃO E DIREITOS HUMANOS: UM DEBATE SOBRE O PAPEL DO
ESTADO E AS CLASSES SOCIAIS
Márcio Alan Menezes Moreira1
[email protected]
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – CEDECA/CE
1. Para iniciar o debate: a formação histórica da sociedade brasileira e os elementos
neoliberais de nossa política
O debate em torno dos direitos humanos e da corrupção no Brasil passa necessariamente
pela análise da crise do Estado e da Democracia brasileira, e no limite pelas idiossincrasias da nossa
sociedade, oriunda de uma formação histórica baseada na dependência externa e no abismo social.
Analisaremos este último elemento como forma de compreender a crise institucional e sua relação
com a corrupção e os direitos humanos.
O Brasil não nasce como nação, mas sim como colônia portuguesa de exploração, nasce
marcada por um imenso abismo social: colonizadores e colonizados ou portugueses e escravos
(sejam índios ou negros). Um dos principais aspectos que marcou o período colonial foi “a
formação de uma sociedade fortemente influenciada pela cultura européia e marcada pela rígida
divisão entre senhores e escravos.”2
Esse abismo continuou durante toda a história brasileira, com a casa grande e a senzala, os
sobrados e os mucambos, condomínios de luxo e favelas. A dependência econômica acompanhou o
abismo social, constituindo as duas principais marcas da sociedade brasileira. Desse quadro
histórico, surgiu uma sociedade que tem relações sociais extremamente hierarquizadas, com ritos de
mando e obediência bem definidos. Surgem relações de subordinação –determinações de um
Especialista em Movimentos Sociais, organizações populares e democracia participativa pela
UFMG. Advogado do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de
Alencar, Advogado do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará; integrante do
Movimento dos Conselhos Populares – MCP.
2
STEDILE. João Pedro; SAMPAIO. Plínio de Arruda. História, crise e dependência do Brasil. 5. ed. São Paulo:
Movimento Consulta Popular, 2003, p. 08.
1
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superior a um inferior - sustentadas pelas instituições sociais como a família, escola, religião e
trabalho.
Disso resulta a naturalização das desigualdades econômicas e sociais, do mesmo
modo que há naturalização das diferenças étnicas, postas como desigualdades
raciais entre superiores e inferiores, das diferenças religiosas e de gênero, bem
como naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de violência. Essas
condições sociais determinam relações políticas também hierárquicas ou verticais,
que se realizam sob a forma do favor, da clientela ou da tutela, bloqueando tanto a
representação como a participação.3
É difícil a percepção política da esfera pública, o que gera uma cultura política baseada em
clientelismo e paternalismo.
Tem na indistinção entre o público e o privado a forma de realização da vida social
e da política: não há percepção dos fundos públicos como bem comum e porque a
política é oligárquica, a corrupção praticada pelos governantes e parlamentares é
considerada natural (ainda que eticamente seja tida como imoral, embora nunca
seja percebida como anti-republicana e anti-democrática, isto é, nunca é percebida
politicamente).4
A grande mídia se exercita nessa prática da divisão entre os “bons cidadãos” e os
“bandidos”, criando-se o mito de uma sociedade coesa, una e pacífica, ausente qualquer conflito de
importância. Essa lógica é trazida para a luta por direitos, fazendo equivalentes ações de
movimentos sociais a ações de criminosos. Trata-se de rotular todo e qualquer conflito como
algo negativo e não como um desenrolar da luta por liberdades democráticas:
Dispõe de meios para bloquear a esfera pública da opinião como expressão dos
interesses e dos direitos de grupos e classes sociais diferenciados e/ou antagônicos.
Esse bloqueio na é um vazio ou uma ausência, mas um conjunto de ações
determinadas que se traduzem numa maneira determinada de lidar com a esfera da
opinião para impedir a emergência de um espaço aberto de produção e circulação
da informação. Essas ações fazem prevalecer a informação de mão-única,
veiculada pelos meios de comunicação de massa, que universalizam para todas as
classes sociais os interesses e privilégios da classe dominante, operando como
contra-informação, alimentação e reforçando o processo de alienação social e
política das demais classes sociais, identificadas com valores, idéias,
comportamentos e interesses dos dominantes.5
Tais características advêm da formação histórica da sociedade brasileira: o poder político
oligarquicamente administrado, e as relações sociais de mando, centralizadas na figura do homem,
3
CHAUÍ. Marilena de Souza. Considerações sobre a democracia e os obstáculos à sua efetivação. Polis: estudos,
formação e assessoria em políticas sociais. São Paulo: Instituto Polis, n. 47, p. 23-30, jul. 2005, p.26.
4
CHAUÍ. Marilena de Souza. Considerações sobre a democracia e os obstáculos à sua efetivação. Polis: estudos,
formação e assessoria em políticas sociais. São Paulo: Instituto Polis, n. 47, p. 23-30, jul. 2005, p. 26-27.
5
Id. ibid, p. 27.
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branco e heterossexual. A partir do fim dos anos 1980, outra característica pode ser adicionada
como um obstáculo à participação: a ideologia neoliberal. Marilena Chauí6 trata desta em três
versões ideológicas. A primeira é a ideologia da competência, baseada na divisão no trabalho entre
dirigentes e executantes, na qual àqueles recebem uma educação cientifica e estes são os que não
tem tais conhecimentos. Determina-se então quem são os competentes (dirigentes com
conhecimento científico e tecnológico) e quem são os incompetentes, que só podem ocupar cargos
subalternos. Tal ideologia se espalhou para outros espaços sociais, como a família, escola
,universidade e a política. “Isso significa que a política é considerada assunto de especialistas e que
as decisões são de natureza técnica, via de regra secretas ou, quando publicadas, o são em
linguagem perfeitamente incompreensível para a maioria da sociedade.”7
Incide aí a predominância do discurso tecnicista, onde por meio da complexidade do
aparato estatal e da máquina administrativa impõe-se que somente especialistas possam ali estar
trabalhando e discutindo os rumos de políticas públicas. Basta analisarmos os princípios básicos da
Administração Pública para percebemos que esse discurso, além de anti-democrático, pode ser
considerado como incompatível com a Constituição, já que pelo artigo 37 da Constituição Federal
Brasileira de 1988, o Estado-Administração deve pautar-se, dentre outros, pelo princípio da
publicidade. Que adiantaria dar publicidade se os destinatários não entendessem o conteúdo?
A Administração Pública deve portanto ser obrigada a publicizar suas ações em formato e
linguagem acessível à população. Ao invés de relatórios orçamentários no sítio eletrônico do órgão
estatal, dever-se-ia usar outros meios também, levando em conta que a maioria da população
brasileira encontra-se excluída do uso da internet. Esse discurso torna-se mais forte quando se trata
de acesso a informações relevantes para crianças e adolescentes, sob o argumento de que eles
(crianças e adolescentes) são incapazes de discutir assuntos relacionados à Administração Pública.
Reforça-se assim a percepção de crianças e adolescentes como pessoas incapazes de intervenção
política.
A segunda versão ideológica é a da sociedade do conhecimento, que oculta o acesso ao
conhecimento, com a idéia de que estes são difundidos a todos, trabalhando ainda com a
justificativa que a sociedade atual é fundada no trabalho intelectual e não no produtivo:
Sendo a informação um direito democrático fundamental, essa ideologia afirma
que a sociedade do conhecimento é propícia à sociedade democrática e, dessa
maneira, oculta o essencial, isto é, que o conhecimento e a informação – ou seja, a
6
Id. Ibid.
CHAUÍ. Marilena de Souza. Considerações sobre a democracia e os obstáculos à sua efetivação. Polis: estudos,
formação e assessoria em políticas sociais. São Paulo: Instituto Polis, n. 47, p. 23-30, jul. 2005, p. 28.
7
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ciência e a tecnologia – tornaram-se forças produtivas, passando a integrar o
próprio capital, o qual passa a depender deles. Em outras palavras, a nova ideologia
oculta que a sociedade do conhecimento aumenta a exclusa social, política e
cultural, impede o conhecimento e a informação e, portanto, não é propícia nem
favorável à sociedade democrática.8
Acrescentada essa ideologia à dominação do discurso do saber, fica ocultado o
autoritarismo das classes dominantes, contido na visão de que o rico é quem tem a leitura, e
portanto é o competente, bem como a concepção de universalidade da ciência, colocada como saber
único, desprezando o saber popular, tido como um não-saber:
De um lado, a suposta universalidade do saber dá-lhe neutralidade e disfarça seu
caráter opressor; de outro lado, a “ignorância” do povo serve para justificar a
necessidade de dirigi-lo do alto, e sobretudo, para identificar a possível consciência
de dominação com o irracional, visto que lutar contra ela seria lutar contra a
verdade (o racional) fornecida pelo conhecimento.9
A última versão da ideologia neoliberal é a ideologia pós-moderna, baseada nas
transformações sofridas pelo Capitalismo após a fase pós-industrial e de acumulação flexível de
capital, na qual ocorre a fragmentação e dispersão da classe trabalhadora, antes concentrada nas
grandes fábricas que proporcionam visibilidade à situação de opressão social e exploração do
trabalho; agora, as grandes transações dos capitalistas ocorrem no âmbito do capital financeiro e
especulativo, ou seja, sem visibilidade e materialidade de mercadorias e produtos. Isso traz uma
profunda alteração na compreensão espaço-tempo, pois tudo é globalizado, disperso espacialmente,
sem distâncias e com acelerados processos temporais: tudo resolve-se em segundos através das
tecnologias:
Ora a ideologia pós-moderna é a comemoração entusiasmada dessa dispersão e
fragmentação do espaço e do tempo, dessa impossibilidade de distinguir aparência
e sentido, imagem e realidade, do caráter efêmero e volátil de nossas experiências.
Ela comemora o que designa de “fim da narrativa”, ou seja, dos fundamentos do
conhecimento moderno ou a afirmação moderna de idéias como as de
racionalidade, identidade, causalidade, finalidade, necessidade, totalidade e
verdade, e afirma ser um mito a idéia de história como movimento de contradições
e de mediações em direção à emancipação. Em outras palavras, toma a
fragmentação econômica e social como um dado positivo e último; toma a ausência
de sentido temporal como elogio da contigência e do acaso; transforma a
privatização da existência em elogio da intimidade e do desejo e reforça a
despolitização da sociedade.10
8
Id. ibid
Id. Cultura e democracia. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1989, p. 51.
10
Id. ibid, p. 29.
9
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Dessa forma, notamos que o desenvolvimento da nossa sociedade, a partir do nosso
nascimento como terra aonde negros (as) eram seqüestrados (as) da África para aqui serem
escravizados (as), formou uma nação segregada socialmente e caracterizada pelo autoritarismo
como forma de relacionamento social. Tais elementos aprofundam-se atualmente a partir do
desenvolvimento do Capitalismo, sob a forma de Neoliberalismo e a ideologia individualista, que
fragiliza mais ainda a rede de solidariedade entre os indivíduos.
2. A corrupção como fruto de um Estado classista.
A origem do Estado Brasileiro está diretamente ligada ao desenvolvimento capitalista,
desde sua formação colonial até os dias atuais. Forjada como nação desde as primeiras instituições
políticas do Império até a Proclamação da República, a grande maioria da população brasileira
assistiu, nem sempre pacificamente, as elites dominantes disputarem e alternarem-se no poder.
Trata-se de compreender como a burguesia nacional construiu essa dominação de forma
hegemônica.
A burguesia brasileira não assumiu o sentido nacional democrático das reivindicações
burguesas francesas consubstanciadas no lema: igualdade, liberdade e fraternidade. A estabilização
de uma democracia, mesmo que restrita, não foi sua principal preocupação, o que repercute na
formação de um Estado infenso à abertura democrática, permanecendo assim até as manifestações
sociais e democráticas dos anos 1980 e a conseqüente construção de uma nova ordem políticojurídica.
A crise oligárquica, entre a Proclamação da República e a crise da “política do café com
leite” dos anos de 1920, não consistiu em um colapso e sim em um período de transição para um
capitalismo, no Brasil, que deixava de ter suas bases na agricultura e começava a se assentar nas
grandes fábricas urbanas. As burguesias brasileiras (agrária, urbana, comercial) passaram a
estabelecer um pacto de dominação de classe a partir do Estado, mesmo não existindo entre elas um
consenso econômico. Este aspecto diferencia o processo de dominação burguesa no Brasil, que
passa a ver no Estado o seu local de intervenção, exercendo pressão, orientando e utilizando o poder
estatal para os fins burgueses.11
A consolidação conservadora do poder burguês no Brasil se deu em um movimento de
conflito de interesses convergentes ou muito afins, na qual a velha oligarquia estagnava, sem
conseguir se adaptar à nova fase capitalista, e a nova oligarquia, consistente nos comerciantes
financeiros e industriais, finda por determinar a feição da dominação burguesa no Brasil, agregando
11
IANNI Octavio (Org). Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
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a grande burguesia oriunda da classe média (grandes comerciantes) e a velha oligarquia, no pacto
que esgotou-se no Golpe de 1964 - a chamada revolução institucional, que trazia a ideologia de que
o país deveria ser desenvolvido pela camada esclarecida das elites.12
Diante dessa consolidação, a burguesia passou a ter como estratégia para manutenção de
sua dominação a construção hegemônica ideológica e o congelamento dos espaços políticos, de
forma que somente se pensava em transformação a partir da ordem já estabelecida. A partir do
Golpe de 1964, a burguesia ficou em cômoda posição,
1) para estabelecer uma associação mais íntima com o capitalismo financeiro
internacional; 2) para reprimir, pela violência ou pela intimidação, qualquer
ameaça operária ou popular de subversão da ordem (mesmo com a “revolução
democrático-burguesa”); 3) para transformar o Estado em instrumento exclusivo do
poder burguês, tanto no plano econômico quanto nos planos social e político.13
Com a instauração do que se convencionou chamar “redemocratização do país”, alterou-se
o sistema político-jurídico, mas não a essência da dominação burguesa. Apesar da forte pressão dos
movimentos sociais na construção da Constituição de 1988, o plano burguês de dominação
hegemônica continuou, através da ideologia neoliberal, iniciada com o Presidente Fernando Collor
de Mello, aplicada plenamente por Fernando Henrique Cardoso, e continuada por Luis Inácio Lula
da Silva. Mudam-se as figuras políticas, mas a dominação burguesa continua, ideológica, política e
economicamente.
O Estado brasileiro tem uma feição nitidamente classista, está a serviço de uma classe
dominante. Engels já percebera a apropriação do Estado por uma classe social e o definia como
produto irreconciliável das contradições de classes existentes na sociedade.
O Estado – diz Engels, resumindo sua análise histórica, não é de modo algum um
poder imposto de fora à sociedade; nem é “a realidade da idéia moral”, nem a
“imagem, a realidade da razão”, como afirma Hegel. É mais um produto da
sociedade quando chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão
de que essa sociedade se enredou em uma contradição irremediável consigo mesma
e está dividida em antagonismos inconciliáveis, e que é impotente para resolvê-los.
Para que esses antagonismos, essas classes com interesses em confronto não se
devorem a si mesmas e não consumam a sociedade em uma luta estéril, faz-se
necessário um poder situado aparentemente acima da sociedade e chamado para
amortecer o choque em mantê-lo nos limites da “ordem”. E esse poder, nascido da
12
13
IANNI Octavio (Org). Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
Id. ibid., p. 445.
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sociedade, mas que se coloca acima dela e dele se divorcia cada vez mais, é o
Estado.14
A origem do Estado está ligada às contradições existentes em cada sociedade, e o controle
dessa institucionalidade (o Estado) é exercido pela classe que detém maior poder econômico,
conseqüentemente político, que na história moderna da Humanidade é a burguesia. Gramsci já
pensou em uma conceituação ampliada de Estado:
Esse estudo leva também a certas determinações do conceito de Estado, que
habitualmente é entendido como sociedade política (ou ditadura, ou aparelho
coercitivo para adequar a massa popular a um tipo de produção e à economia de
um dado momento); e não como equilíbrio entre sociedade política e sociedade
civil (ou hegemonia de um grupo social sobre a inteira sociedade nacional,
exercida através de organizações ditas privadas, como a Igreja, os sindicatos, as
escolas, etc.)15
O Estado ampliado é composto pela esfera da sociedade política, formado pelas
burocracias executiva e militar-policial, e é onde a burguesia detém o poder da legalidade e da
repressão; e a esfera da sociedade civil, que difunde a ideologia burguesa para toda a sociedade
através das escolas, igrejas, partidos políticos e meios de comunicação em massa. Até a democracia
não está infensa à luta de classes e os avanços democráticos baseiam-se na correlação de forças
sociais em jogo:
A democracia e a república são o luxo que o capital têm que conceder às massas ,
dando-lhes a ilusão de que controlam os processos vitais, enquanto as questões
reais são decididas em instâncias restritas, inacessíveis, e livres de qualquer
controle.16
Com instâncias representativas cada vez mais esvaziadas, surge a descrença popular na
política, identificada com a corrupção, fazendo-se sentir ainda os efeitos negativos do fato da
democracia brasileira estar inserida no contexto de globalização neoliberal, limitante da soberania
nacional por meio de acordos internacionais e instituições monetárias como o Fundo Monetário
Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio.
14
ENGELS, Friedrich ( apud LENIN, Vladimir Ilich. O estado e a revolução: a doutrina marxista do estado e as
tarefas do proletariado na revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 54.)
15
GRAMSCI, Antonio (apud COUTINHO, Carlos Nelson. GRAMSCI um estudo sobre seu pensamento político. 2. ed.
[s.l.], Campus, 1998, p. 76). A hegemonia em Gramsci é composta por um processo em que uma parte da classe
dominante exerce o controle sobre outra facção dominante; e a as tentativas da classe dominante de dominar
ideologicamente, política e moralmente os diversos grupos subordinados.
16
OLIVEIRA Francisco de. Democratização e Republicanização do Estado. Disponível em:
http://www.unifesp.br/assoc/adunifesp/others/chicooli.pdf, acesso em: 18 de maio de 2006.
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3 O impacto do Estado Capitalista corrupto na efetivação de direitos humanos ou como a
burguesia utiliza o dinheiro público para seus interesses
Refletido o caráter classista do Estado brasileiro, faremos a correlação entre corrupção e
direitos humanos a partir da análise das opções estatais, seus reflexos no Estado e a crise
institucional.
Inicialmente ressaltamos o conceito de corrupção como:
A palavra corrupção deriva do latim corruptus que, numa primeira acepção,
significa quebrado em pedaços e numa segunda acepção, apodrecido, pútrido. Por
conseguinte, o verbo corromper significa tornar pútrido, podre.
Numa definição ampla, corrupção política significa o uso ilegal - por parte de
governantes, funcionários públicos e agentes privados - do poder político e
financeiro de organismos ou agências governamentais com o objetivo de transferir
renda pública ou privada de maneira criminosa para determinados indivíduos ou
grupos de indivíduos ligados por quaisquer laços de interesse comum – como, por
exemplo, negócios, localidade de moradia, etnia ou de fé religiosa.17
O conceito de corrupção pressupõe a transferência da renda pública, ou seja, da res
publica, para interesses privados. Também podemos relacionar a idéia de corrupção a de crise pois a
quebra, o apodrecimento podem ser, dialeticamente, entendidos como desafios, perdas e
oportunidades. Especificamente relacionando com a corrupção política temos que o Estado
brasileiro é historicamente ligado às elites, atuando com a apropriação da renda pública por grupos
privados, dominantes, que utilizam a máquina estatal para reprodução de seu capital.
Um exemplo disso é o mecanismo se dá pelo superávit primário, justamente a sobre de
recursos públicos após o pagamento de despesas e que pode ser utilizado para pagamento de juros
da dívida. Porém, através do pagamento desses juros é que se dá a reprodução de capital na atual
fase do capitalismo, pois paga-se juros de uma dívida impossível de ser paga, e possivelmente,
fraudulenta na sua origem. Mesmo esquemas como o chamado “Mensalão” são pequenos perto do
valor de recursos públicos utilizados para pagamento da dívida, que somente nos três primeiros
anos do Governo Lula atingiu a cifra de R$ 455,3 bilhões.18
17
18
http://pt.wikipedia.org/wiki/Corrup%C3%A7%C3%A3o_pol%C3%ADtica
DE MELLO, João Alfredo Telles (org). Um mensalão ainda maior. Câmara dos Deputados, brasília, 2006.
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Segundo Márcio Pochmann, 75% dos recursos utilizados para pagamento de juros da
dívida são apropriados por cerca de 20 mil clãs familiares. A inversão de prioridade é tamanha que
o Bolsa-família, que atinge milhões de pessoas, tem custo de R$ 28,7 bilhões. Para se atingir o
superávit primário existem dois caminhos: redução de investimentos e corte nas áreas sociais.
Quem sofre com isso? A imensa maioria pobre da população brasileira.
Podemos também considerar que nos últimos anos, apenas 3% dos recursos públicos são
utilizados para investimentos, enquanto que 40% são para pagamento da dívida. Entre 1981 e 2004
o PIB brasileiro cresceu cerca de 2,4% ao ano, enquanto que a América Latina atingiu indices de
9,0% na Argentina, 6,0% no Chile, e 17,9% na Venezuela.
A crise social também só se aguça. O desemprego atinge cerca de 9% da população
economicamente ativa. Em 2004, o total de empregos no Brasil atingia era de 84,6 milhões, sendo
que 38 milhões são trabalhadores sem carteira assinada (OCDE). O PIB brasileiro precisaria crescer
cerca de 5,4% ao ano para criara 3,6 milhões de novas vagas de emprego.
O Brasil, segundo o Banco Mundial, é um dos países com maior concetração de renda do
mundo. O 1% mais rico da população det~em cerca de 13% da renda nacional, e os 50% mais
pobres detém cerca de 13,5%. A renda da classe média (quem ganha mais de R$ 1.050,00 por mês)
caiu cerca de 46% entre 2001 e 2006. As classes A e B (mais de dez salários mínimos por mês - R$
3,8 mil) cresceu 7% em 2007, enquanto que a média nacional é de 5%. Além disso temos uma
péssima educação, saúde, e violação de inúmeros direitos, como lazer, cultura, e dignidade. Nossa
juventude é uma das que mais morre no mundo. Pesquisa realizada pelo IBASE e Pòlis atestam que
27% dos jovens entre 15 e 24 anos nao trabalham nem estudam. 15.528 jovens morreram por armas
de fogo em 2004.
Esse quadro de crise social nao existe à toa, ele é fruto de uma prática política de
reprodução do capital através do pagamento de juros da dívida. Nesse ponto cabe perguntar: o
projeto constitucional de direitos humanos para todos e todas ainda tem possibilidade de realização?
Acreditamos que é necessário a adoção de medidas que invertam a lógica de prioridade de
investimento estatal para que se invista em políticas estruturantes (moradia, saúde, educaçao, etc)
como forma de superação das desigualdades. Também é necessário fortalecer os mecanismos de
democratização da gestão, transparência e fiscalização. A maior corrupção hoje é a praticada
legalmente dentro do Estado, que destina seus recursos a uma pequena parcela da população.
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Somente um povo organizado e ciente de que a superação da ordem capitalista é necessária pode
alterar esse quadro.
Pensamos então em algumas medidas: a) prioridade orçamentária para políticas
estruturantes (moradia, saúde, educaçao, etc); b) fim do duperávit primário e auditoria da divídia
interna e externa; c) radicalização da democracia participativa com instrumentos de poder local,
transparência estatal; d) controle de entrada e saída de capitais.
Porém, é necessário, para que essas medidas sejam desenvolvidas que existam movimentos
sociais fortes, organizados, enraizados, e com unidade na luta anti-capitalista. Nao existe no Brasil o
sentimento republicano, cabe ao povo construir o sentimento socialista, para avançarmos rumo ao
fim das desigualdades e da exploração de classes.
4 Referências
CHAUÍ. Marilena de Souza. Considerações sobre a democracia e os obstáculos à sua efetivação.
Polis: estudos, formação e assessoria em políticas sociais. São Paulo: Instituto Polis, n. 47, p. 2330, jul. 2005
______. Cultura e democracia. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1989.
COUTINHO, Carlos Nelson. GRAMSCI: um estudo sobre seu pensamento político. 2. ed. [s.l.],
Campus, 1998.
IANNI Octavio (Org). Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão
Popular, 2004.
LENIN, Vladimir Ilich. O estado e a revolução: a doutrina marxista do estado e as tarefas do
proletariado na revolução. São Paulo: Global, 1987.
MELLO, João Alfredo Telles (org). Um mensalão ainda maior. Câmara dos Deputados, brasília,
2006.
OLIVEIRA Francisco de. Democratização e Republicanização do Estado. Disponível em:
http://www.unifesp.br/assoc/adunifesp/others/chicooli.pdf, acesso em: 18 de maio de 2006.
STEDILE. João Pedro; SAMPAIO. Plínio de Arruda. História, crise e dependência do Brasil. 5.
ed. São Paulo: Movimento Consulta Popular, 2003.
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