O papel do diálogo em educação à distância - fflch-usp

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O PAPEL DO DIÁLOGO EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Sílvia Dotta1 e Marcelo Giordan2
1,2
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo
Abtract: This paper analyzes verbal interactions in a tutoring service. Our hypothesis is that the teacher
education program for virtual dialogue needs to consider the development of the communicational
capacity to promote the dialogic learning. We verify if the maintenance of the students interest, and if the
meaning construction are related to the flow of the dialogue kept by means of the language adjusted on the
part of the tutor.
Keywords: verbal interaction; dialogia; tutoring through the internet; dialogical education
Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar interações discursivas realizadas em um serviço de tutoria
on-line. Partimos do pressuposto de que a formação de educadores para o diálogo virtual em serviços de
tutoria on-line precisa considerar o desenvolvimento da capacidade comunicativa do educador para as
interações verbais que possam promover a aprendizagem dialogicca. Verificamos se a manutenção do
interesse do aluno e se o sucesso da construção do conhecimento estão diretamente relacionados ao fluxo
do diálogo mantido por meio da linguagem adequada por parte do tutor.
Palavras-chave: interação verbal, dialogia, tutoria pela internet, educação dialógica
Introdução
Pesquisas sobre a Educação a Distância (EaD) sugerem que o diálogo desempenha
função essencial para a aprendizagem [PETERS, 2001; SILVA, 2000, entre outros]. O entendimento
das formas de realização do diálogo virtual pode contribuir para a compreensão da complexidade
dos espaços educacionais não-presenciais e suas inter-relações com os atores da educação. Dentre
as possibilidades de pesquisa nessa área, escolhemos analisar como se dá o processo de
comunicação em atividades educacionais a distância.
Neste trabalho analisamos um episódio de interação entre tutor-aluno, ocorrido em um
sistema de tutoria on-line, durante estágio supervisionado de tutoria pela internet, realizado em
uma disciplina a distância de metodologia de ensino via telemática, oferecida para licenciandos
em química. Pressupomos que, além da preparação técnica para uso de ferramentas de
comunicação a distância ou de ambientes virtuais de aprendizagem, elementos como o
surgimento de novos gêneros discursivos, o conceito de educação dialógica e a importância do
diálogo problematizador para a construção de significados, se tomados em conta na ação do tutor,
podem influenciar na forma como ele irá praticar o processo de tutoria pela internet. Verificamos
se a manutenção do interesse do aluno e se o sucesso da construção do conhecimento estão
diretamente relacionados ao fluxo do diálogo mantido por meio da linguagem adequada por parte
do tutor. Para isso articulamos o conceito de educação dialógica elaborado por Freire [1977],
alguns fundamentos da perspectiva sociocultural sugeridos por Vigotski [2000], e a noção de
dialogia, voz e polifonia desenvolvidas por Bakhtin [1978; 2003].
Características dialógicas na construção do diálogo virtual
Estudos sobre EaD [PETERS, 2001, SILVA, 2000] propõem que a postura do professor
deve ser dirigida para o trabalho em parceria com o estudante. Essa postura requer uma transição
da lógica de distribuição para a lógica da comunicação, de forma a se transformar a sala de aula
em sala de aula (presencial ou a distância) interativa baseada na vivência coletiva. Para isso, o
professor precisa romper com a prevalência da transmissão e converter-se em formulador de
problemas, provocador de interrogações [MARTÍN-BARBERO, 2003]. O professor deixa de ser
transmissor de informações e passa a ocupar o lugar de agenciador de comunicação, de uma
comunicação fundamentada na interatividade.
Em oposição à concepção bancária de educação, na qual prevalece a idéia de transferência
de saberes, Freire [2005] sugere que somente a educação dialógica pode fomentar a
problematização e a co-laboração. Problematizar é exercer uma análise crítica sobre a realidade
problema [FREIRE, 2005: 193]. Isso significa a necessária co-participação dos sujeitos no ato de
compreender a significação do significado. O professor precisa, então, promover situações que
possibilitem a participação ativa e crítica dos estudantes na construção do conhecimento e isso
somente é possível a partir do diálogo. Nessa direção também se situa a proposta de Wells
[1999]. Ao formular o conceito de debate dialógico (dialogic inquiry), no qual o conhecimento é
co-construído por professores e alunos em atividades realizadas em parceria, Wells [1999] sugere
que a natureza dialógica do discurso deve ser explorada para possibilitar a construção
colaborativa do conhecimento. Por meio do discurso dialógico, idéias podem ser refinadas e
esclarecidas.
Para Freire [1977], a busca do conhecimento se dá necessariamente por uma estrutura
dialógica, na qual o ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza
o primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá por meio dos signos
lingüísticos. Portanto, educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência
de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados.
Para isso, a expressão verbal de um dos sujeitos tem de ser percebida dentro de um quadro
significativo comum ao outro sujeito [FREIRE, 1977: 66, 67, 69]. Para que os interlocutores
possam ter semelhante compreensão de um objeto, sua expressão precisa se dar por meio de
signos lingüísticos pertencentes ao universo comum a ambos. Se, na comunicação, não se pode
romper a relação pensamento-linguagem-contexto ou realidade [FREIRE, 1977: 70], então a
presença de múltiplas vozes [BAKHTIN, 1978] no diálogo em sala de aula estabelecerá a
compreensão em torno da significação do signo, e, conseqüentemente, levará à aprendizagem.
A educação dialógica se dá a partir de um diálogo construído com características que vão
além da troca de palavras entre os interlocutores. O professor deve desenvolver estratégias que
fomentem a aprendizagem dialógica, a construção de sentido. Os estudos sobre interação verbal
desenvolvidos por Bakhtin [1978] podem contribuir para o desenvolvimento dessas estratégias.
Para o autor a interação verbal é constituída pelo diálogo, seja este inserido ou não em uma
situação de comunicação em voz alta entre pessoas colocadas face a face [BAKHTIN, 1978: 123] e
a construção de sentido se dá pela multiplicidade, pelo dialogismo e pela polifonia. O dialogismo
pode ser observado no fato de que um enunciado sempre se relaciona com enunciados
anteriormente produzidos. Todo discurso é constituído ou permeado pelo discurso do outro, que
não necessariamente seja igual, pois podem ser discursos contrários, conflituosos, portanto,
polifônicos, múltiplos. Isso significa que a apropriação do discurso do outro se dá na medida em
que o sujeito recria, reinterpreta, reconstrói a idéia alheia, para torná-la própria e significativa. A
dialogia ocorre, então, quando mais de uma voz é considerada [MORTIMER e SCOTT, 2002], e ela
pode ocorrer no discurso interior, quando há a apreensão da enunciação de outrem, e, em
conseqüência, no discurso citado [BAKHTIN, 1978: 147-148]. Portanto, a aprendizagem dialógica
é um processo que promove o reposicionamento do sujeito no horizonte conceitual do outro e a
apropriação de gêneros de discurso e atitudes científicas. Se a nossa própria idéia – seja
filosófica, científica, artística – nasce e se forma no processo de interação e luta com os
pensamentos dos outros [BAKHTIN, 2003, p. 298], então a aprendizagem se dá a partir das
interações dialógicas e da apropriação do discurso do outro.
O entendimento sobre como se dá o processo de aprendizagem e de construção de
significados é fundamental para compreender as formas que deve tomar o diálogo virtual a fim de
desempenhar o objetivo educacional que se impõe em atividades a distância. O estudo do
processo de aprendizagem e desenvolvimento, proposto por Vigotski [2000], vê o processo de
aprendizagem como o surgimento de novas formas, novos conteúdos de pensamento, que são
acompanhados pela emergência de novas funções mentais, novos modos de atividade e novos
mecanismos de conduta [VIGOTSKI, 2000: 54]. Essa concepção sugere que a aprendizagem pode
não só seguir o desenvolvimento, mas também superá-lo, projetando-o para frente e suscitando
novas formações. Dessa forma, os processos de aprendizagem e desenvolvimento não são dois
processos independentes ou o mesmo processo, mas existem entre eles relações complexas.
[VIGOTSKI, 2000: 310]. São essas relações complexas que irão impulsionar, dialeticamente, o
aprendizado e o desenvolvimento – a construção do conhecimento. Para Vigotski, todo
conhecimento é construído socialmente antes de ser internalizado pelo indivíduo [VEER e
VALSINER, 1996; REID-GRIFFIN e CARTER, 2004]. A internalização se dá por meio da ação
mediada e a palavra, ou melhor, o signo, de modo geral, é o artefato social utilizado para dominar
e, portanto, melhorar nossos processos psicológicos naturais. Então, o ser humano cria estímulos
(estímulos-meio, signos) para operar sobre outros estímulos (estímulo-objeto). O signo atua,
então, como mediador entre o objeto e a operação, entre o sujeito e o objeto: isso é o ato mediado
[VEER e VALSINER, 1996: 240].
Quando falamos, necessariamente nos apropriamos das palavras de outrem para fazê-las
nossas. Esse processo não ocorre, todavia, de maneira insensata ou leviana, há, sim, uma disputa
pelos significados. Bakhtin [1981] afirma que o falante povoa as palavras dos outros com sua
própria intenção, isto é, submete-as às suas intenções [BAKHTIN, 1981, p. 294]. Nesse sentido, os
agentes envolvidos na comunicação são dotados de poderes volitivos e devem apropriar-se das
palavras de outrem cada vez que quiserem falar. Aceitar, recusar e negociar o sentido das
palavras leva à compreensão e à construção de significados, isto é a interação verbal. No diálogo
virtual, os agentes da comunicação precisam apropriar-se da linguagem utilizada para essa
comunicação. Isso significa que esse tipo de diálogo ganha características diferentes de outros
tipos devido ao contexto em que ocorre. Por essa razão o estudo do diálogo virtual deve
considerar, além dos enunciados emergentes nas interações professor-aluno, as interações
professor-aluno-signos e os gêneros discursivos que constituem essas interações a distância e que
são determinados pelo contexto da interação verbal, no nosso caso, um serviço de tutoria
oferecido pela internet. Mortimer e Scott [2002] identificaram quatro classes de abordagem
comunicativa, definidas por meio da caracterização do discurso entre professor e alunos ou entre
alunos em termos de duas dimensões: discurso dialógico ou de autoridade; discurso interativo ou
não-interativo. Segundo os autores, quando um professor interage com estudantes, a natureza das
intervenções pode ser caracterizada em termos de dois extremos. No primeiro deles, o professor
considera o que o estudante tem a dizer do ponto de vista do próprio estudante; mais de uma voz
é considerada e há uma interanimação de idéias. Este primeiro tipo de interação constitui uma
abordagem comunicativa dialógica. No segundo extremo, o professor considera o que o estudante
tem a dizer apenas do ponto de vista do discurso científico escolar que está sendo construído.
Este segundo tipo de interação constitui uma abordagem comunicativa de autoridade, na qual
apenas uma voz é ouvida e não há interanimação de idéias [MORTIMER e SCOTT, 2002: 5].
Temos observado que o discurso de autoridade limita o fluxo do diálogo, que é
privilegiado quando os agentes da interação lançam mão do discurso interativo dialógico [DOTTA
e GIORDAN, 2006c]. Além disso, em atividades educacionais não-presenciais, os gêneros
discursivos sofrem alterações, devido às próprias influências do meio e da linguagem utilizados
para a comunicação e também pelo fato de que o ambiente virtual, onde essas interações ocorrem,
não reproduz, necessariamente, a hierarquia das salas de aula, possibilitando trocas interativas
simétricas entre professores e alunos.
Tutoria on-line em uma disciplina a distância
O objeto de estudo de nossas análises são interações realizadas entre tutores e alunos em
um serviço de tutoria on-line implementado na disciplina MEQVT – Metodologia de Ensino de
Química Via Telemática. A disciplina faz parte do programa regular de Licenciatura da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e é dirigida para licenciandos em Química.
MEQVT foi organizada em dois módulos. No primeiro, explorou-se a organização de atividades
de ensino a partir do uso de ferramentas computacionais. No segundo, explorou-se o tema
interação dialógica, com o objetivo de desenvolver no licenciando competências para trabalhar
em programas de condução do ensino mediado por computador, na função de tutor. Nesse
módulo o licenciando realiza um estágio supervisionado oferecendo tutoria on-line para
estudantes do ensino médio. Antes de iniciar a prática do estágio supervisionado, os licenciandos
tiveram aulas de orientação teórica e prática para a interação dialógica. O objetivo dessas aulas
era preparar os licenciandos para desenvolver modalidades de interação dialogada pelo
computador que permitissem aos seus orientados buscar, selecionar e analisar informações,
organizar procedimentos de investigação, realizar experimentos simulados, extraindo dados com
o propósito de solucionar problemas propostos em sala de aula ou construídos a partir da
interação.
As aulas seguintes foram dedicadas para a tutoria pela internet, na qual os licenciandos
orientaram, durante quatro semanas, estudantes do Ensino Médio no esclarecimento de dúvidas
de Química. A tônica do processo de orientação era fornecer subsídios para que os estudantes do
Ensino Médio desenvolvessem estratégias de resolução de problemas ou ainda estratégias que
lhes permitissem problematizar o mundo ao seu redor. Portanto, muito mais do que um plantão
de dúvidas, o estágio supervisionado pela internet objetivava introduzir o futuro professor no
processo de tutoria mediada pelo computador considerando os pressupostos teóricos apresentados
nesse trabalho.
Os licenciandos praticaram o estágio utilizando o Tutor em Rede, uma ferramenta de
apoio à tutoria on-line a distância. A característica principal que o diferencia de um fórum de
discussão convencional, é que quando um tutor escolhe de responder a uma dúvida de um
estudante, cria-se um vínculo entre Tutor e Estudante e estes se comunicam por meio de
mensagens assíncronas (perguntas e respostas) que ficam armazenadas no sistema até que o
estudante considera que a dúvida inicial tenha sido esclarecida. Esta troca de mensagem fica
disponível apenas para o tutor e o estudante em questão. Desta forma, o estudante pode expor seu
raciocínio e o tutor pode personalizar as respostas. O funcionamento do Tutor em Rede é simples
e intuitivo. Tutores e estudantes devem realizar um cadastro no sistema para iniciar as interações.
Sendo portador de uma senha, o estudante passa a ter acesso à área de discussões e pode enviar
suas dúvidas, iniciando as interações. Ao selecionar a dúvida a ser respondida, o tutor acessa uma
tela na qual deverá preencher a resposta.
O tutor disponível responsabiliza-se por responder à duvida recebida e por promover a
continuidade da interação. Todas as interações referentes a uma mesma dúvida são registradas em
uma única página web, facilitando ao usuário a visualização de todas as mensagens trocadas e
possibilitando privacidade e controle de suas mensagens. É importante destacar que todos os
usuários do Tutor em Rede têm total controle sobre suas mensagens. Por exemplo, os estudantes,
ao encaminharem suas dúvidas para o sistema podem ver as listas de discussões iniciadas sem
resposta, discussões em andamento e discussões encerradas. O tutor pode selecionar a partir de
uma lista de perguntas ainda não respondidas aquela que preferir e pode acompanhar as
interações por meio de listas de respostas lidas e com novas mensagens enviadas. Detalhes mais
aprofundados sobre o Tutor em Rede podem ser conhecidos em artigos publicados anteriormente
[DOTTA e GIORDAN, 2006c; 2007].
Análise de um episódio de interação
A análise da tutoria considerou as atitudes dialógicas ou não do tutor, isto é, se suas
interações procuravam fazer uma transferência de saberes ou se pretendiam estabelecer um
diálogo problematizador, como estava proposto no programa da disciplina MEQVT. Buscaram-se
os conceitos de dialogismo e polifonia caracterizados por Bakhtin [1978] a fim de estabelecer se
a formulação do discurso pelos tutores enveredou-se pela abordagem comunicativa dialógica ou
de autoridade [MORTIMER e SCOTT, 2002]. Para tanto, selecionamos o seguinte episódio de
interação.
Episódio de interação 48 - Tutor H - Aluno 51
Título
Destilador Artificial (03/11/2006 - 19:11:00 - Aluno 51)
10
Data: 07/11/2006 - 18:07:50 | Mensagem Enviada por: Tutor H
Aluno 51, Estive pensando melhor. Faça a sua sugestão de projetinho do destilador e assim podemos discutir juntos.
Você já pensou em montar o destilador na sua escola, com ajuda de colegas - tipo cada um traria um "pedaço" do
destilador? Tutor H
9
Data: 07/11/2006 - 18:01:32 | Mensagem Enviada por: Tutor H
Bom, talvez dê para fazer um teste com lata mesmo. Mas ao conectar a mangueira deve ter uma boa segurança para
que o vapor não se solte. Você não me avisou que tinha uma feira!!! Tutor H
8
Data: 06/11/2006 - 23:07:06 | Mensagem Enviada por: Aluno 51
enquanto isso xega o dia da feira de conhecimento e tuh num da a dica… bom… brigado por td aew =/ vlw
7
5, 6
Data: 05/11/2006 - 12:00:20 | Mensagem Enviada por: Tutor H
É realmente interessante a descrição do destilador no livro. Não li o livro, e portanto não conhecia a descrição. Pela
descrição parece ser simples, mas volto a frisar sobre os cuidados e pensando na "lata grande", como diz o texto, o
volume de líquido não deve ser muito, pois para ficar resfriando manualmente o vapor formado deve ficar cansativo.
(…)
4
Data: 04/11/2006 - 11:55:23 | Mensagem Enviada por: Aluno 51
opa, naum informei direito ... nesse livro aew, eles estão produzindo cachaça
3
Data: 04/11/2006 - 11:48:36 | Mensagem Enviada por: Aluno 51
No livro Carandiru de Drauzio Varela tem uma parte q ele fala assim: "Na destilação o líquido é transferido para (…)
nome dado ao destilador de bebida" bom... se isso aew ajudar
2
Data: 03/11/2006 - 22:17:11 | Mensagem Enviada por: Tutor H
Olá Aluno 51,
Estive (...) temos que tomar vários cuidados. Álcool é uma substância inflamável e utilizar-se de qualquer material para
"fabricar" um destilador, pode ser perigoso. (...) como resfriar o vapor formado (que é o álcool) em um destilador
artificial precisa ser bem pensado. Estou pesquisando. Aguardo discussão Tutor H
1
Data: 03/11/2006 - 19:09:00 | Mensagem Enviada por: Aluno 51
quero fazer um destilador artificial pra dividir o suco do alcool no vinho e naum sei como fazer o destilado… quero
ajuda… agradeço desde jah
As mensagens do episódio estão numeradas pela ordem em que foram postadas. Trechos
que não compõem esta análise foram cortados e substituídos por (…). A escrita original foi
mantida.
A primeira informação a ser observada nesse episódio de interação é que o aluno retornou
ao serviço por seis vezes. O aluno revela sua intenção em construir um destilador (mensagem 1),
mas somente explicita que o destilador seria utilizado em uma feira de conhecimentos na
mensagem 8, quando seu discurso deixa entrever uma insatisfação com a falta da resposta
objetiva e agradece não mais retornando ao serviço para continuar a interação com o tutor, que
somente na mensagem 9 revela "Você não me avisou que tinha uma feira!!!".
O discurso utilizado pelo aluno é muito similar aos gêneros utilizados em sala de aula, no
qual se pressupõe uma resposta pronta à pergunta enviada. Quando o tutor encaminha sua
primeira mensagem (mensagem 2) a resposta não é objetiva, mas permeia a reflexão e convida o
aluno para a construção da resposta. O aluno, ao responder, traz para o episódio uma terceira voz,
trecho do livro, como sua parte para a construção da resposta. Quando o tutor continua tentando
construir a resposta, o aluno demonstra uma certa impaciência, pois a feira onde utilizará o
experimento está chegando (mensagem 8). Isso nos leva a inferir que o aluno espera mesmo uma
resposta pronta e uma relação assimétrica com o tutor, na qual este último deve dar uma resposta.
Na tentativa de problematizar as dúvidas do estudante, o tutor inicia, na mensagem 2
apresentando suas reflexões sobre a pergunta e convida o aluno para continuar a interação
"Aguardo discussão". O aluno, em resposta ao convite, retorna ao serviço citando um exemplo
retirado de um livro sobre a construção do destilador. O tutor considera rapidamente o discurso
citado e continua a interação discutindo os problemas que podem ser encontrados nesse
experimento quando na mensagem 7 afirma "... mas volto a frisar sobre os cuidados...".
Finalmente a última mensagem do tutor, apresenta a sugestão para a construção coletiva do
destilador, mensagem 10, mas a essa altura o aluno parece já ter se despedido do serviço e não
mais retornou.
Considerações preliminares
Nossa análise revela que a pergunta formulada pelo estudante traz características dos
gêneros discursivos praticados em sala de aula, portanto estruturados pelo discurso escolar, no
qual se pressupõe uma relação assimétrica entre professor e aluno, e que se espera uma resposta
pronta às perguntas enviadas. Como aponta Freire [1977], em seu estudo sobre a prática do
diálogo entre camponeses e agrônomos, a dificuldade em dialogar dos camponeses tem sua razão
na estrutura social em que vivem, fechada e opressora [Freire, 1977, p. 49], e, para Bakhtin
[1978], a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente a
estrutura da enunciação. Considerando essas afirmações, é de se esperar que os estudantes tentem
reproduzir o gênero discursivo escolar, mas de acordo com nossos pressupostos, o tutor deve
subverter essa situação e tentar uma ação dialógica. No episódio analisado, o tutor convida o
aluno para a reflexão, lançando mão de um discurso interativo de autoridade, mas coloca-se em
uma posição também de reflexão e revela não ser conhecedor de todas as respostas, mas, sim, de
quem irá buscar uma resposta, por exemplo, na mensagem 2 “estou pesquisando”.
Os inúmeros retornos do aluno ao sistema para estabelecer novas interações indicaram
que essa atitude do tutor foi importante para criar um fluxo de diálogo, entretanto, ele utiliza um
discurso de autoridade ao fazer afirmações imperativas sobre os perigos do experimento. Nessa
oportunidade de reflexão gerida pelo tutor, o aluno convoca a presença de um livro na construção
do diálogo, disputando, com a presença de outras vozes, a autoridade com o tutor. Apesar desta
disputa, ou justamente por causa dela, o tutor consegue estabelecer um fluxo de diálogo e
promover o retorno do aluno ao sistema. O tutor considera o discurso citado pelo aluno, fazendo
um breve comentário na mensagem 7: “É realmente interessante a descrição do destilador no
livro. Não li o livro, e portanto não conhecia a descrição. Pela descrição parece ser simples, mas
volto a frisar...” e retoma seu próprio discurso. O tutor
manteve o discurso interativo de
autoridade [Mortimer e Scott, 2002], sem convocar outras vozes, como fez o aluno, o que talvez
pudesse ter contribuído para a construção da resposta esperada pelo aluno.
A participação do tutor H nas atividades das aulas foi bastante reduzida. Não é possível
saber se o ele realizou as leituras básicas, mas sua não participação nos fóruns e a maneira como
conduziu essa interação, leva-nos a inferir que o fato de não ter cumprido todas as atividades da
disciplina tenha prejudicado seu desempenho durante a tutoria. Mesmo superadas as dificuldades
técnicas de uso do sistema Tutor em Rede, o tutor H, que não se engajou na reflexão sobre a
interação dialógica, não cumpriu os objetivos mínimos esperados para a proposta de uma
educação dialógica, isto é, não realizou o diálogo virtual composto pelos elementos descritos em
nosso quadro teórico. Portanto, o domínio técnico das interfaces de comunicação é insuficiente
para garantir a interação dialógica. Além da preparação técnica para uso de ferramentas de
comunicação a distância ou de ambientes virtuais de aprendizagem, outros elementos devem ser
abordados em programas de formação de educadores. Por ora, podemos dizer que a manutenção
do interesse do aluno encerrou-se pelo fato de o tutor não ter sido bem-sucedido na parceria com
o aluno para a construção do conhecimento. Ainda assim, outras análises precisam ser realizadas
para podermos verificar regularidades no diálogo virtual e se se amplia a qualidade e a
quantidade dos enunciados de professores e alunos, a partir da dialogia.
Agradecimentos
Agradecemos à FAPESP-Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pela
bolsa de doutorado concedida para desenvolvimento da pesquisa que possibilitou gerar este
artigo.
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