Carmen Regina de Carvalho Pimentel, GEHE-UFS - Profª. da SEED-SE. [email protected]. Ana Márcia Barbosa dos Santos, DEHEA – UFS. E.M.E.F. “Olga Benário”, Aracaju-SE. [email protected]. LEITURA E ESCRITA EM DISCUSSÃO: LER E ESCREVER UM VELHO PROBLEMA. RESUMO: Ao se fazer estudos acerca da leitura e da escrita na escola, constatou-se as deficiências do processo de alfabetização, a pequena quantidade de leitura em sala de aula, a má qualidade do material a ser lido, o meio de comunicação de massa e a Internet afastando o público leitor da matéria escrita. Diante de tais evidências, esse trabalho objetiva fazer uma reflexão acerca da problemática da leitura e da escrita na escola, seus caminhos e descaminhos para o sucesso ou insucesso do aluno. Para subsidiar esse estudo foram utilizados textos de (Soares, 1995; Melo, 1995; Kato, 1995; Zilberman, 1995; Silva, 1995; Bourdieu, Chartier e Bresson, 2001). As etapas desse trabalho estão fazendo parte de uma pesquisa para avaliar mudanças no comportamento dos alunos concernentes a leitura e a escrita em sala de aula, o porquê de seu sucesso ou insucesso. Palavras-chave: leitura, leitor, texto. INTRODUÇÃO Buscar um significado mais profundo e profícuo para os caminhos percorridos pela leitura e escrita dentro da escola é uma meta fundamental deste artigo. Uma resposta para todas essas perguntas envolve um trajeto de investigação cuidadosa e lenta, pois exige uma série de reflexões acerca de tal problemática. Assim, tentou-se mostrar a importância fundamental que a prática de leitura e da escrita na escola trazem para nossos alunos. Essas atividades é que moldarão os “ouvidos” dos alunos e os habituarão ao contato constante com os mais diversos tipos de texto em língua portuguesa, além, é lógico, de servirem como um conduto para o desenvolvimento do pensamento reflexivo e da criatividade. A meta prioritária no ensino da leitura e da escrita na escola perpassa pela competência da comunicação, isto é, possibilitar que o aluno seja capaz de usar um número cada vez maior de recursos da língua para a produção de texto, como também que utilize o texto de forma que haja sentido de efeito adequado a cada situação específica de interação comunicativa em que ele, como usuário da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), esteja envolvido, de modo a ver atingida sua intenção de comunicação. No entanto, no Brasil, as preocupações com estudos acerca da leitura vão ocorrendo de maneira silenciosa, quase imperceptível. Muitas vezes solitária: professor, aluno, escola. Além disso, ideologias surgem como um imaginário da vida escolar. 2 Assim, é comum falar que os alunos não gostam de ler, que as bibliotecas tornam-se espaços inúteis por falta de leitores, que a televisão é uma ameaça à sobrevivência da leitura, que a Internet não ensina o aluno a pensar, que a escola não está ensinando o aluno a ler, que o mercado de livro cai dia a dia, tudo isso é desenhado quase que diariamente no cotidiano da escola. Até onde isto será real? A realidade é que, na sociedade contemporânea, o domínio da língua escrita não se circunscreve apenas às exigências do cotidiano, de tal sorte que tal domínio torna-se uma necessidade para os processos de integração sociocultural e/ou profissional de toda e qualquer pessoa. Assim sendo, o desenvolvimento de habilidades de leitura conduz tanto ao sucesso na vida escolar quanto à melhoria da qualidade de vida de um povo. Por conseguinte, facultar às crianças e/ou jovens a aquisição e domínio de tais habilidades, inserindo-os nos mundos da escrita e, conseqüentemente, das culturas e ideologias, constitui um dos maiores desafios que se impõe àqueles que respondem pela formação humana, principalmente aos professores e, em especial, aos de língua materna. Dessa forma, a atividade do professor converteu-se num fim em si mesmo. Pois, se ler e escrever convivem juntos desde os primeiros anos da escola, nem sempre se explicita sua relação com o que os motiva e possibilita o texto escrito, independentemente de sua natureza, tipo, linguagem empregada, produtor ou destinatário. Por conseqüência, a passagem à condição de leitor e escritor nem sempre acontece de maneira natural, a não ser para as crianças, via de regra pertencentes à camada social mais elevada, que suplantam o impacto inicial e não se deixam afetar pela postura contraditória – caracterizando-a como um saber pronto e sacralizado, cuja posse distingue os usuários, mas que, ao mesmo tempo, é tão vulgar, que se confunde com um hábito – com que a escrita é introduzida a elas. É por isso que não é possível reduzir o ato de escrever a um exercício mecânico. “O ato de escrever é mais complexo e mais demandante do que o de pensar sem escrever”. (FREIRE, 2002, p.09). Assim, o objetivo desse artigo é contribuir de maneira significativa para o processo do ensino-aprendizagem da leitura e escrita na sala de aula, o porquê do sucesso ou insucesso dos educandos, quais os reflexos para o desenvolvimento intelectual, afetivo e social dos nossos alunos, pois, mais do que ensinar a ler e a escrever, consiste em contribuir para o progresso dos sujeitos no domínio da leitura e da escrita, independente da condição social, idade ou escolaridade. ALFABETIZAÇÃO E ESCOLA O estudo da leitura e da escrita perpassa pela alfabetização. Estudar leitura e escrita sem falar um pouco da alfabetização é distanciar-se do problema. Muito mais do que a simples aquisição do sistema de leitura e escrita das sociedades que o utilizam (grafocêntricas), a alfabetização deve ser tratada como um 3 processo permanente de construção de conhecimento ao longo de toda a vida do indivíduo. Como processo, não pode ser encarado num momento isolado da vida do aluno, mas deve ser concretizada durante toda a trajetória da vida deste. Para Paulo Freire (2001, p. 41), a alfabetização deveria ser concebida como um ato de criação, capaz de gerar outros atos criadores: “uma alfabetização na qual o homem, que não é passivo nem objeto, desenvolvesse a atividade e a vivacidade da invenção e da reinvenção, características dos estados de procura”. Dessa maneira, o indivíduo alfabetizado, já não mais seria visto como um objeto, mas como um sujeito capaz de criar e modificar a realidade: um sujeito histórico, com habilidades para pensar e discutir a respeito de sua condição no mundo. Entretanto, transformar o homem em sujeito histórico não é tarefa fácil. Num mundo que quer transformá-lo cada vez mais em massa, em número, em simples objeto. Por isso, a educação deve favorecer a visão crítica e dinâmica do mundo, permitindo “des-velar” a realidade, para que os indivíduos possam desmascarar a mitificação desta, e chegar à plena realização do trabalho humano: “a transformação permanente da realidade para a libertação dos homens” (FREIRE, 2001, p. 29). E o que é que a escola faz? Segundo Mary Kato (1995, p.102), tudo começa pela visão de que a criança tem que trazer para a escola a visão do letrado – aquilo que a Magda chamou de concepção grafocêntrica. O professor, que é letrado, tem uma visão da linguagem calcada na linguagem escrita e espera da criança um comportamento de letrado, quando na verdade, a criança está saindo da oralidade ou está, ainda, na oralidade. Valorizar os conhecimentos trazidos pelo aluno até à escola é de fundamental importância, portanto. Entretanto, muitas vezes o que vemos é o contrário disto. A escola assume práticas que excluem as informações que os alunos possuem, como se o primeiro ano na escola fosse o início da vida do aluno. Por essa razão, a escola deve estar aberta para permitir que o indivíduo chegue a ser sujeito, construindo-se como pessoa, capaz de transformar o mundo, de estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, de criar a cultura e a história. Para isso, a educação deve estar comprometida com a libertação, devendo rever profundamente os sistemas tradicionais, os programas e os métodos, que muitas vezes deixam de lado o aluno, tornando-o objeto, e ignoram sua realidade histórica. É importante ressaltar ainda, o significado da cultura popular. A falta de escolarização não pode ser encarada como ausência de cultura. O analfabeto não é iletrado. Ao contrário, ele envolve-se em práticas sociais de leitura e escrita. Entretanto, numa sociedade grafocêntrica, é relevante que o sujeito apreenda os mecanismos para que conquiste sua cidadania plena. Por isso, é tão importante que a escola valorize todas as potencialidades dos indivíduos, efetivando um caminho de desenvolvimento de todas as pessoas, de todas 4 as idades, para que todos tenham acesso a informações, manifestações culturais, troca de experiências etc. Finalmente, lembramos que “as crianças nunca chegam à escola num estado de ignorância, mas podem chegar analfabetas. Elas talvez não saiam analfabetas, mas podem sair ignorantes” (SILVA, 1981, p. 97). A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM NA ESCOLA É impossível discutir a questão de educação e do ensino, em nosso país, sem situá-los no contexto da sociedade fortemente marcada por diferenças de classe em que vivemos. Em nossa cultura grafocêntrica, o acesso à leitura é considerado como intrinsecamente bom. Atribui-se à leitura um valor positivo absoluto: ela traria benefícios óbvios e indiscutíveis ao indivíduo e à sociedade – forma de lazer e de prazer, de aquisição de conhecimento e de enriquecimento cultural, de ampliação das condições de convívio social e de interação. Até onde isto é verdade? Na verdade, essa interpretação traduz, além de um etnocentrismo, uma perspectiva unilateral: etnocentrismo, porque a leitura é vista com desconfiança, em certas culturas, às vezes, utilizadas como instrumento de opressão; perspectiva unilateral, porque os valores atribuídos à leitura expressam a visão, numa sociedade de classes, dos grupos que mantêm o poder e o controle dos modos de produção. Nessa perspectiva, a aquisição da linguagem, ou seja, da leitura tem sido historicamente um privilégio das classes dominantes. As classes dominantes vêem a leitura como fruição, lazer, ampliação de horizontes, de conhecimentos, de experiências. Sua apropriação pelas classes populares significa a conquista de um instrumento imprescindível não só a elaboração de sua própria cultura, mas à transformação de sua condição social, como instrumento necessário à sobrevivência, ao acesso ao mundo do trabalho, à luta contra sua condição de vida. Em nossa sociedade capitalista, reforça-se essa diferenciação do valor da leitura para dominantes e dominados, pois ela confere à escrita “um papel discriminatório”, que pereniza os privilégios: para os dominados, o valor do ler-escrever é “um valor de produtividade e não um valor que afirma o sujeito e lhe franqueia a diversidade de conhecimento” (OSAKABE, 1982, p. 10). Assim, a aquisição da linguagem, ainda é um problema para os alunos da escola pública. Esse é um fator preponderante para o fracasso escolar, porque na escola a variedade padrão é socialmente prestigiada e as camadas populares que não a dominam se vêem conseqüentemente marginalizadas no interior do aparelho escolar. Isso ocorre porque a escola privilegia a modalidade culta da língua, sobretudo nas atividades de leitura, ao contrário do que ocorre com alunos provenientes das classes socialmente favorecidas. No entanto, somente na escola é que os estudantes oriundos 5 da camada da população mais pobre vêm a ter contato com o livro, ou seja, com essa modalidade culta de leitura, a cujo domínio o ensino pretende levá-los. A aquisição e o desenvolvimento da linguagem, para esses alunos, significa um duplo processo: o aprender a ler e o aprender, simultaneamente um novo dialeto social. Por causa dessa visão, Silva (1995, p.23) vê a leitura como uma lei-dura, isto é, em termos de um conjunto de restrições agudas que impede a fruição da leitura, do livro por milhões de leitores em potencial. É essa mesma lei-dura que vem colocar a leitura numa situação de crise, onde estão presentes a injustiça, a desigualdade, a fome e a falta de liberdade e democracia. Nesse contexto, torna-se muito fácil encontrar pessoas que não têm acesso à informação, aos diversos referenciais inscritos em diferentes tipos de livros. “Assim, somente a elite dirigente deve ler, o povo deve ser mantido longe dos livros. Os livros, quando bem selecionados e lidos, estimulam a crítica. A contestação e a transformação”. No entanto, Roger Chartier (2003, p.11) propõe que se analisem as práticas de utilização dos materiais culturais, ou seja, as diferentes apropriações dos produtos culturais por distintos grupos ou indivíduos. Trata-se de associar o conhecimento sobre a presença do livro com a análise sobre as maneiras de ler, nas quais tomam parte a materialidade dos livros e a corporalidade dos leitores. Propõe uma história de leitura que seja uma história dos diferentes modos de apropriação do escrito no tempo e no espaço – seja ele físico ou social, tomando-se por referência a idéia de que a leitura é uma prática criativa e inventiva resultante do encontro das maneiras de ler e dos protocolos de leitura no texto. Segundo Bourdieu (1989, p.16), “a herança cultural (isto é, o capital cultural que a criança herda do grupo familiar) é a responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência escolar e, conseqüentemente, pelas taxas desiguais de êxito”. Não se pode fazer com que as crianças oriundas das famílias mais desprovidas econômica e culturalmente tenham acesso aos diferentes níveis do sistema escolar e, em particular, aos mais elevados, sem modificar profundamente o valor econômico e simbólico dos diplomas. Dessa maneira, o sistema de ensino, que parece amplamente aberto a todos, é, na realidade, estritamente reservado a alguns. Na análise de Bourdieu, a escola como sempre exclui, alimenta desigualdades e, o que é pior mantém aqueles que excluem ligados à instituição, relegando-os a ramos desvalorizados. Pensamento que também tem acolhido Magda Soares. Daí o papel fundamental da escola, através do processo de alfabetização política pode ser uma prática para a “domesticação dos homens”, ou uma prática para sua libertação. A escola deve exercer um esforço de humanização para que os indivíduos realizem a utopia da conscientização, para a realização de seu compromisso histórico. Isso se dá a partir da experiência que o aluno tem de sua situação em seu contexto real. Assim, a escola mais do que nunca deve valorizar a vivência deste aluno. Ele não irá tomar consciência da realidade ou de si mesmo, se a escola negar tais 6 aspectos. Só o próprio sujeito da história será capaz de transformá-la e para que isto ocorra, é necessário que ele mesmo seja capaz de fazer uma reflexão sobre a realidade. Segundo ZILBERMAN (1985, p. 14), “a sala de aula é um espaço privilegiado para o desenvolvimento do gosto pela leitura, assim como um importante setor para o intercâmbio da cultura literária, não podendo ser ignorado, muito menos desmentido sua utilidade”. Na sala de aula deve existir um espaço mais amplo para se poder ir além do ensinar a ler e do escrever, um espaço reservado para a leitura. A escola diversificada e criativa representando um conjunto de formas de pensar, agir e sentir das crianças. Portanto, é preciso que se faça uma reflexão sobre o ensino da leitura e da escrita nas escolas brasileiras. É necessário que se deixe um espaço para que o alunoleitor elabore suas experiências de leitura e escrita, a partir de suas condições de vida, então esse aluno determinará a forma de apropriação desse instrumento de leitura, o que permitirá que, sendo ele das classes populares, que ela se construa e se represente em sua história de leituras e escritas, que a classe dominante desconhece. Enfim, “ensino que seja coerente com uma pedagogia de contestação, de transformações, de libertação” (SOARES, 1998, p. 47). LEITURA E ESCRITA: DIFERENÇAS QUE SE COMPLETAM Aprender a ler é uma atividade mais sistematizada do que aquela que possibilita aprender a falar. A distância e a proximidade entre a fala e a leitura situam-se na distância e na proximidade entre o domínio e o uso da chamada língua oral e língua escrita. Para alguns, o fato de que, geneticamente, o aprendizado da fala precede o aprendizado da escrita, institui-se a crença segundo a qual a fala facilita a organização da escrita, de modo que, sendo a língua escrita mais precisa e mais rica, ela englobaria as estruturas lingüísticas da oralidade. Assim, a aquisição e o domínio da escrita implicaria uma apreensão, por acréscimo, da língua oral. Para outros, as circunstâncias e/ou os modelos situacionais do uso escrito diferem daquelas do uso oral, de modo que a escrita implica uma outra maneira de exprimir informações, por essa razão, o suporte de cada uma dessas modalidades de uso são diferenciadas. Os defensores dessa segunda hipótese afirmam que o suporte da oralidade é construído pela presença “face a face” dos interlocutores que propicia uma formulação mais rápida das informações, de que resultam uma unificação e organização do pensamento auto-regulada em feedback. Essa auto-regulagem vai garantindo a precisão das informações comunicadas. Essa precisão vai sendo construída por meio de adições ou correções sucessivas, de forma a que os sentidos vão se adequando e/ou ajustando-se a certos efeitos observados nos alocutários, como expressões faciais, mímicas, esboços de intervenções. No entanto, nesse sentido o texto escrito é 7 de elaboração mais difícil, pois a concisão não pode implicar ausência de clareza e nem tampouco presença de ambigüidade e/ou de mal-entendido, dificuldades difíceis de serem sanadas pela distância física entre autor e leitor. Assim, ao contrário do oral, a elaboração do texto escrito é marcada por um processo de reflexão mais demorado, do qual há a necessidade de um tempo para organizar e/ou articular os elementos da sua forma de expressão. Por conseguinte, jamais se escreve como se fala, de modo que esse sentimento de unificação entre a língua falada e a organização do pensamento parece dissolver-se nas atividades da escrita. Assim, quando se está aprendendo a escrever e ou a ler, experimenta-se a sensação de que se está usando uma outra linguagem, cujos elementos e regras são estranhos àqueles do uso cotidiano da fala, mas nem por isso não se deixa de reconhecer sua importância. “A escrita constitui uma codificação da linguagem oral, única forma da língua que é ‘natural’, no sentido de que sua utilização na produção do discurso não requer nenhum procedimento de instrução ou educação” (BRESSON, 2001, p.25). Com essa perspectiva, a aprendizagem das formas de produção de sentidos na dimensão da escrita só se justifica à medida que se é capaz de oferecer caminhos que facultem ao aluno deslocar-se do campo dos usos correntes da oralidade para o campo das diversidades dos usos escritos. O problema do ensino da leitura parece situar-se nesse espaço de percursos entre formas diferentes de estruturação e/ou organização das informações, implicando flexibilidade no uso de conhecimentos léxico-gramaticais. Nessa acepção, faz-se necessário compreender que modelo não é molde e que o aluno possui modelos de ação que regulam suas condutas lingüísticas nas diferentes práticas sociais de que participa, de forma que aprender a ler e escrever é aprender a redimensionar esses modelos de ação para atuar participativamente de outros modelos de ação, de outras práticas sociais discursivas diferentes, mas não dissociada daquelas instituídas pela oralidade. Segundo Melo (1995, p.101), a preocupação com a leitura, principalmente nos processos de comunicação de massa, origina-se na emissão. Só poderá ser lido o que for legível. Ou melhor, somente se completará a experiência comunicativa se a mensagem a ser emitida contiver ingredientes simbólicos e culturais capazes de suscitar a atenção do receptor potencial e conduzi-lo à sua leitura (apreensão e compreensão). Nesse sentido, a elaboração da mensagem não pode prescindir do conhecimento antecipado dos elementos que determinam ou potencializam a leitura. Do contrário, a atividade codificadora corre o risco de não encontrar a correspondência pretendida e esperada junto ao receptor. Convém ressaltar, porém, que a leitura do texto escrito está indissociavelmente implicada, por um lado, à aprendizagem e ao domínio do código escrito e, necessariamente, do seu vocabulário: uma das formas de comunicação humana; e, por outro lado, à aceitação da escola como instituição responsável pelo ensino e domínio dessa modalidade do sistema lingüístico. Assim, faz-se necessário reconhecer, por um 8 lado, a real função da escola: instituição que é responsável pelo aprendizado da leitura e da escrita, e, por outro lado, a função da leitura e da escrita nos quadros cultural e ideológico da sociedade atual, não podem ser dissociadas das sociedades escolarizadas e/ou letradas. Logo, rejeitar a leitura do texto escrito é rejeitar a função básica e prioritária da escola; é rejeitar a interação com outros quadros culturais e ideológicos, com outros modelos de representação de mundo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na sociedade contemporânea, o domínio da língua oral ou escrita não se circunscreve apenas às exigências do cotidiano, de tal sorte que tal domínio torna-se uma necessidade para os processos de integração sociocultural e/ou profissional de toda e qualquer pessoa. Por conseguinte, facultar às crianças e/ou jovens a aquisição e domínio de tais habilidades, inserindo-os nos mundos da escrita e, conseqüentemente, das culturas e ideologias, constitui um dos maiores desafios que se impõe àqueles que respondem pela formação humana, principalmente aos professores e, em especial, aos de língua materna. Diante disso, é necessário repensar o papel do professor como articulador do conhecimento, o lugar do conteúdo a ser trabalhado e a linha epistemológica que será adotada. Como também, repensar o comportamento do aluno diante da leitura e da escrita de textos, pois, durante o período regular de estudo, desses alunos, percebe-se uma desmotivação quando se refere às aulas de produção textual. Dessa maneira, pensando na melhoria efetiva do modelo de ensino da leitura, da escrita, é imprescindível redefinir a formação do professor, bem como, oferecer oportunidades que possibilitem o aprimoramento dos profissionais da área, em atividade. O aspecto mais significativo desta proposta refere-se à possibilidade de mudança de posicionamento, tanto do professor como do aluno, frente à busca pelo conhecimento. Essa trajetória “instrumentalizará” ambos para uma ação efetiva sobre como realizar essa busca. Assim, os integrantes dos processos de ensino/aprendizagem precisam apresentar, efetivamente, atitude de pesquisador, daquele que investiga, que tem compromisso com a construção do conhecimento. Sem dúvida, o professor ao idealizar novas metodologias para o ensino da leitura e da escrita, propicia não só uma reflexão sobre os papéis do professor e do aluno, como também, uma reflexão como pode ocorrer o ensino, a partir do processo de escrita/leitura a ser constituído nesse novo universo. Portanto, o que se torna indispensável é a mudança de atitude do professor, no sentido de abandonar um ensino reprodutor e aderir a um ensino que leve os estudantes à construção de um saber fundamentado no desenvolvimento de capacidades adequadas para ler textos e com ele dialogar, apropriando-se de informações relevantes, para depois produzir textos próprios. 9 Além disso, deve a escola acabar com esse estigma que ensinar leitura e escrita é um problema sem solução. A escola não deve patrocinar exclusivamente roteiros de leituras inspirados nesta ou naquela teoria. A escolar deve centralizar sua reflexão sobre o ato concreto de leitura em curso no espaço da sala de aula e sobre as interpretações que aí ocorrerem, nesse caso, a leitura escolar pode converte-se em uma prática de instauração de significados e, com isso, se transformar. Trabalhando dessa maneira estaremos transformando as aulas de produção textual em um espaço impregnado de realidade e de diferentes possibilidades de leitura, trazendo para dentro delas, não conteúdos vazios, mas com significados reais, que permitam ao aluno questionar a realidade, dessecá-la, enriquecer sua consciência através do contato com diferentes concepções de mundo. Desse modo, estaremos possibilitando ao aluno o acesso a um conhecimento que lhe permitirá entender melhor não só o texto escrito, mas a realidade em que vive, desvelando-a, descobrindo sua identidade e buscando formas de nela atuar. A prática social será, pois, ponto de partida e ponto de chegada para esse caminho. Enfim, se a escola conseguir simular, nas atividades de leitura que patrocina, a circulação social que tais atividades têm fora do âmbito escolar, há uma possibilidade extremamente concreta de que estas atividades adquiram o sentido que elas precisam ter extramuros da escola e não se encerrem com as atividades que terminam no final do ano letivo. Portanto, deseja-se que os órgãos responsáveis pela educação viabilizem em seus planejamentos educacionais incentivos para que a pedagogia se transforme e seja reforçada com novas metodologias motivadoras do interesse de professores e educandos no que concerne à aprendizagem da leitura e escrita. Essa experiência não só comprovou que é possível mudar o processo educacional reforçando a aprendizagem, como também, tornar o professor competente no exercício profissional e, por outro lado, que desenvolva no aluno não apenas sua competência lingüística, mas outras competências, tais como a comunicativa, a textual e a sociolingüística, desenvolvendo um trabalho centrado na significação e voltado aos processos de compreensão, análise e construção de textos, de modo que os alunos possam redimensionar e ampliar, por eles mesmos, sem a intervenção de terceiros, os seus próprios conhecimentos e o seu pensamento através da linguagem como forma de entendimento e de interação dialógica, através de: • Oficinas de leitura; • Leituras e interpretação de um número variado de textos; • Leitura de mundo e leitura do cotidiano do aluno, para que ele possa entender o significado do que está lendo. Estes sim, são pressupostos essenciais para o aluno gostar de ler. 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, Pierre. A Escola e as Classes Sociais. In: Presença Pedagógica. Belo Horizonte, v. 07, nº 42, p. 20, set/out., 1989. BRESSON, François. A Leitura e suas Dificuldades. In: Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade Ltda. 2001, p.25. CHARTIER, Roger. Formas e sentido Cultura escrita: entre distinção e apropriação. Campinas-SP: Mercado de Letras; Associação de Leitura do Brasil (ALB), 2003, p. 11. FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3ª ed. São Paulo: Centauro, 2001, pp. 29/41. _______________. Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa ensinar. 12ª ed. São Paulo: Olho D’Água, 2002, p. 09. KATO, Mary. Natureza Interdisciplinar da Leitura e suas Implicações na Metodologia do Ensino. In: Leituras no Brasil. Antologia comemorativa pelo 10º COLE. Márcia Abreu (Org.). Campinas –SP: Mercado das letras, 1995. 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