Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60?

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Resenha
Os novos idosos brasileiros:
muito além dos 60?
ANA AMÉLIA CAMARANO
MARIA TEREZA PASINATO
envelhecimento populacional é hoje uma questão importante na agenda das políticas públicas
O
e nos estudos acadêmicos em quase todo o mundo, inclusive no Brasil. Isto se deve, em parte, ao fato do número de
brasileiros com mais de 60 anos ter dobrado nas últimas
duas décadas (passou de 7 milhões em 1980 para 14 milhões
em 2000). Ao mesmo tempo, o ritmo de crescimento da população brasileira desacelerou em função da rápida queda na
taxa de fecundidade. Neste mesmo intervalo de tempo, a
esperança de vida ao nascer aumentou em nove anos entre
os homens e em 11 entre as mulheres. Somam-se a isso as
profundas transformações nas esferas econômica, social e
política, nos sistemas de valores e nos arranjos familiares
que fazem com que o envelhecimento da população seja, ao
mesmo tempo, parte atuante e resultado do processo de desenvolvimento e transformação da sociedade brasileira.
Tendo essas transformações como pano de fundo, o
livro "Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60?"1
procura não apenas analisar o fenômeno do envelhecimento
do ponto de vista demográfico, mas, também, entender a
complexidade e a heterogeneidade deste grupo populacional,
suas demandas por políticas de proteção social e as formas
como a sociedade brasileira vem percebendo e se ajustando
a essa mudança.
A população idosa foi definida como a população de
60 anos e mais, tal como definido pelo marco legal da Política
Nacional do Idoso e pelo Estatuto do Idoso. Reconhece-se
que está-se considerando um intervalo etário com uma amplitude superior a 30 anos, constituído por pessoas que experimentaram trajetórias de vida muito diferenciadas.
Assume-se que a população idosa está vivenciando
a última etapa da vida. É composta tanto por pessoas com
total autonomia, com capacidade de contribuir para o desenvolvimento econômico e social e que desempenham papéis
importantes na família e na sociedade quanto por pessoas
que não são capazes de lidar com as atividades básicas do
cotidiano e sem nenhum rendimento próprio, ou seja, um
grupo com necessidades bastante diferenciadas. Em 2000,
87,1% dos idosos do sexo masculino chefiavam famílias,
72,6% trabalhavam 40 ou mais horas por semana e apenas
12,7% percebiam um rendimento inferior a um salário mínimo
mensal. Por outro lado, quase 20% das mulheres idosas
viviam em casa de parentes, 18,5% não tinham renda, 17,1%
não tinha autonomia para lidar com as atividades do cotidiano e 8,3% não enxergavam. Entre os homens, a proporção
dos que não conseguiam desempenhar as atividades do cotidiano foi de 13,3% e a dos que não enxergavam, de 7,4%.
Reconhece-se que o avanço da idade traz tanto
vulnerabilidades como agravamento de doenças crônicodegenerativas, a perda de pessoas próximas, a proximidade
da morte, perda de papéis sociais, por exemplo, o afastamento da atividade econômica, como potencialidades e oportunidades. A ampliação da cobertura dos sistemas de previdência social e de saúde bem como o avanço da tecnologia
médica possibilitou o surgimento de um subgrupo
populacional formado por indivíduos que ao mesmo tempo
RESUMO
O livro "Os novos idosos brasileiros: muito além dos
60?" apresenta um perfil das condições de vida do idoso brasileiro e sua inserção na sociedade, seja por intermédio do mercado de trabalho, seja por meio da família. Através dessa inserção, discute a relação entre dependência e envelhecimento
de maneira crítica, reconhecendo a heterogeneidade do segmento populacional chamado idoso, a complexidade dos arranjos familiares e as mudanças ocorridas na sociedade brasileira, que têm feito com que os idosos estejam assumindo
papéis não esperados nem pela literatura, nem pelas políticas
públicas.
que não são mais enquadrados na idade ativa não apresentam sinais de senilidade e decrepitude. Estas vulnerabilidades
e potencialidades variam ao longo do tempo e são diferenciadas por grupos sociais, regiões geográficas, etc.
Os atuais idosos brasileiros tiveram a oportunidade
de vivenciar o período ativo em uma época marcada por
altos níveis de emprego, emprego formal e crescimento da
economia. Atualmente, quase a totalidade deles desfruta de
um benefício do sistema de seguridade social. A pergunta
levantada no livro é: "Muito além dos 60, mas como?" De
outra forma, os novos idosos brasileiros ou os idosos do
futuro poderão continuar desfrutando das relativas melhores condições de vida que desfrutam os de hoje?
O livro é composto por 17 capítulos, subdivididos
em cinco partes, além de uma introdução e conclusão. Na
primeira delas, apresenta-se o perfil sóciodemográfico da
população idosa. O aumento da esperança de vida associado a melhorias nas condições de saúde provocados por
uma tecnologia médica mais avançada e a ampliação da
Seguridade Social levam a que "ser idoso", hoje, seja bastante diferente do que foi no passado recente. O perfil do
idoso brasileiro foi traçado levando-se em conta o crescimento populacional por sexo, subgrupos de idade, estado
conjugal, raça/cor, escolaridade, bem como a sua distribuição espacial pelas cinco grandes regiões e condição de domicílio. Além dessas características, também foi analisada a
evolução do padrão da mortalidade por sexo e causas de
morte, as condições de saúde, de autonomia física e financeira e a inserção dos idosos na família e no mercado de
trabalho. Destacou-se a participação na atividade econômica, de acordo com o fato de o idoso estar aposentado ou
não, os seus rendimentos e a composição dos mesmos.
As principais conclusões extraídas são: a) houve um
alongamento do tempo vivido; b) uma parcela não desprezível da população idosa tem dificuldades para lidar com as
atividades da vida diária, ainda que o surgimento dessas
dificuldades pareça estar sendo postergado como a mortalidade; c) o idoso encontra-se, em média, em melhores condições objetivas de vida do que o não-idoso, o que é decorrência, em parte, do sistema de seguridade social vigente no
país e d) o idoso brasileiro participa do mercado de trabalho
mesmo quando aposentado.
As perspectivas que se vislumbram para o médio prazo são a de continuação da redução da mortalidade em todas as idades e, em especial, nas idades avançadas. Uma
das possibilidades que se pode vislumbrar para o futuro
próximo é o crescimento a taxas elevadas do contingente de
idosos vivendo mais tempo. Ao mesmo tempo em que cres-
Livro recém-lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), organizado por Ana Amélia Camarano, com a colaboração de
pesquisadores de diversas áreas do conhecimento e instituições nacionais.
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Resenha
cem as possibilidades de continuação nos ganhos em anos
vividos, cresce também a incerteza das condições de saúde
que experimentarão o segmento de longevos. Na verdade,
não só de saúde, mas também de renda, de apoio familiar, etc.
A segunda parte, composta por três capítulos, chama a atenção para as condições em que ocorre o processo
de envelhecimento da população. Foram mostrados cenários alternativos para a continuação do aumento da expectativa de vida e as suas implicações no crescimento da população idosa. O aumento do número absoluto dos indivíduos
muito idosos traz à tona questões como as deficiências e o
direito de morrer, analisado pela perspectiva da bioética. Essas questões apresentam implicações para os contratos
intergeracionais tanto internos à família como abordado na
terceira parte do livro, quanto em termos de políticas públicas, como apresentado na quarta parte.
A terceira parte aprofunda as relações de troca e de
ajuda entre os membros da família. Assumiu-se que a dependência dos idosos advém da sua falta de renda ou da falta de
autonomia para lidar com as atividades do cotidiano. Uma
das conclusões do capítulo 2 é que as demandas por cuidados por parte do segmento "dependente" recaem quase sempre sobre a família. Além disto, pobreza, desemprego, juntamente com outros choques demográficos como a epidemia
de HIV/AIDS associados a efeitos não esperados de políticas, as instabilidades das relações afetivas entre os jovens
têm contribuído para o "crescimento" das famílias. A coresidência entre idosos e filhos adultos tem sido uma prática
generalizada nos seus arranjos domiciliares. Algumas vezes,
os beneficiados são os idosos e, em outras, os filhos e netos. Dois, dos três capítulos que compõem a terceira parte
deste livro, confirmam essa tendência.
Os resultados empíricos apresentados levam a se duvidar da imagem preconcebida do idoso como um ônus para
a família e para a sociedade. Observa-se que, atualmente, ao
mesmo tempo em que eles recebem cuidados das gerações
mais novas, tem, também, se responsabilizado, de forma crescente, pelo apoio à família, inclusive material. A possibilidade de os idosos proverem apoio material para as gerações
mais jovens está intimamente correlacionada com a ampliação do sistema de seguridade social. A renda dos idosos,
em que os benefícios da previdência são responsáveis por
uma parcela expressiva, tem-se constituído cada vez mais em
um componente importante da renda das famílias brasileiras.
A quarta parte do livro analisa as políticas voltadas
para os idosos brasileiros. A universalização da Seguridade
Social, ainda que represente um enorme avanço social e econômico, pressiona os gastos públicos, fazendo com que se
leve a pensar em um conflito entre gerações pela partilha
dos recursos sociais e econômicos. Ou seja, ainda que a
evolução dos sistemas de proteção social tenha possibilitado melhores condições de vida para os idosos, estes são
atualmente percebidos como indivíduos privilegiados pelos
sistemas em detrimento a outros grupos vulneráveis, como,
por exemplo, as crianças.
Na verdade, o debate sobre envelhecimento é recorrentemente vinculado ao aumento dos gastos sociais - privados ou públicos - e na distribuição dos recursos públicos.
A exemplo do que ocorreu em outros países, o conflito entre
gerações pela partilha dos recursos tornou-se um dos temas
centrais na discussão política brasileira e, também, do conhecimento popular através da mídia. Essa tem sido uma
discussão bastante viesada pelo determinismo demográfico.
Uma mudança na distribuição etária por si só não é boa ou
ruim. O envelhecimento não ocorre em um vazio social. Cuidar de uma população idosa saudável é diferente de cuidar
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de um doente. Os paradigmas de saúde ou os modelos
institucionais são outros determinantes importantes dos
custos de saúde. Portanto, o envelhecimento pode ser visto
como um problema ou uma conquista social dependendo da
maneira que a sociedade escolhe lidar com ele.
Por fim, são analisadas, na quinta parte do livro, as
condições materiais e econômicas dos idosos. Os estudos
apresentados tratam desde da importância dos rendimentos
do trabalho como da acumulação dos diversos capitais (financeiro, material, social e humano). Consideram tanto uma
perspectiva dinâmica da acumulação ao longo do ciclo de
vida quanto uma do estoque de capital. Um dos estudos
aborda o processo de acumulação e desacumulação de recursos financeiros ao longo do ciclo da vida, com ênfase
especial na demanda de ativos, crédito e seguros por parte
dos idosos. Os resultados apontam a caderneta de poupança como o ativo financeiro mais popular. São eles os que
mais a utilizam, os que possuem o maior número de contas e
o maior saldo. A predileção dos idosos por cadernetas de
poupança pode estar atrelada a questões geracionais. Por
um lado, os atuais idosos não participaram ativamente das
inovações do mercado financeiro. Por outro lado, supõe-se
que com o avanço da idade as pessoas tendam a apresentar
um comportamento mais conservador e a caderneta de poupança é considerada uma aplicação financeira de baixo risco.
O penúltimo capítulo apresenta um índice de preços
específico para a cesta de consumo dos idosos. Isto representa um avanço em termos de instrumental para o auxílio a
formulação de políticas públicas voltadas para os idosos.
Sintetizando, o livro procura abordar a questão do
envelhecimento não apenas como uma questão referente
aos idosos e sim como um desafio para toda a sociedade. O
desafio que se coloca é o de encontrar caminhos para que se
possa comemorar a grande conquista social que é o fato de
que cada vez mais pessoas experimentam a sua vida
alongada.
Muito embora se reconheça que os idosos tenham
demandas específicas, diferenciadas tanto por idade quanto por sexo, para se alcançar "uma sociedade para todas as
idades", como preconizado pelas Nações Unidas, uma política para a população idosa deve estar inserida numa política de desenvolvimento sustentável, objetivando aumentar
o bem estar de todas a população. Os idosos não vivem
isolados e o seu bem-estar está intimamente ligado ao da
sociedade como um todo.
Assume-se que a finalidade última de qualquer política pública deva ser o bem-estar da população. Para que
isto possa ocorrer de forma sustentada, é preciso equilíbrio
financeiro. No caso brasileiro, a preocupação com o ajuste
fiscal está como a finalidade última das políticas públicas,
ou seja, os fins estão sendo trocados pelos meios.
ABSTRACT
The book "Os novos idosos brasileiros: muito além
dos 60?" (The new Brazilian elderly: way beyond 60 ?) presents
a profile of conditions of life of the Brazilian elderly and their
insertion into society, either by means of the labor market or
through family. Through this insertion, the relationship between
dependence and aging is discussed critically, acknowledging
the heterogeneity of the populational segment called elderly, the
complexity of family arrangements and the changes occurred in
Brazilian society, which cause the elderly to assume roles which
have been foreseen neither by literature nor by public politics.
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