Digestão e absorção de proteínas e aminoácidos Índice

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Digestão e absorção de proteínas; Rui Fontes
Digestão e absorção de proteínas e aminoácidos
Índice
1- A estrutura primária das proteínas .................................................................................................. 1
2- A estrutura dos aminoácidos........................................................................................................... 1
3- Os aminoácidos que fazem parte das proteínas .............................................................................. 2
4- A produção de ácido clorídrico e de bicarbonato no sistema digestivo ......................................... 2
5- A secreção de ácido e o seu papel na digestão gástrica .................................................................. 3
6- A secreção de suco pancreático nas células dos canalículos e nas células acinares pancreáticas .. 3
7- Papel das exopeptídases e das endopeptídases na digestão das proteínas ...................................... 3
8- A ativação do pepsinogénio a pepsina ............................................................................................ 4
9- A ativação dos zimogénios pancreáticos ........................................................................................ 4
10-
A ação de ectohidrólases na libertação de aminoácidos no lúmen intestinal ............................. 5
11-
A absorção intestinal de produtos da digestão proteica .............................................................. 5
12-
O transporte transmembranar de aminoácidos e de peptídeos no polo apical dos enterócitos ... 5
13- A hidrólise intracelular de peptídeos e o transporte transmembranar de aminoácidos no polo
basal dos enterócitos .............................................................................................................................. 5
14-
A absorção intestinal de proteínas que não foram digeridas....................................................... 5
1- A estrutura primária das proteínas
As proteínas são formadas por resíduos de aminoácidos ligados entre si (numa cadeia linear) por
ligações covalentes que os químicos designam por ligações amida. No caso particular das proteínas (e na
maioria das ligações entre os resíduos aminoacídicos dos peptídeos), essas ligações também se costumam
designar por ligações peptídicas. As ligações peptídicas são ligações amida que envolvem o grupo αamina de um aminoácido e o grupo carboxilo (que contém o carbono 1) do aminoácido que o precede na
cadeia (ver Fig. 1). A hidrólise destas ligações leva à separação de grupos carboxilo e α-amina de dois
resíduos de aminoácidos contíguos; consequentemente, a hidrólise completa de uma proteína leva à
separação dos resíduos dos aminoácidos componentes dessa proteína (ver Equação 1). A sequência de
aminoácidos de uma proteína designa-se por estrutura primária e escreve-se pela mesma ordem com que
são incorporados durante a sua síntese nos ribossomas: do aminoácido que contém o grupo α-amina livre
(o terminal amina) até ao aminoácido que está no outro extremo da cadeia e contém o grupo carboxilo do
carbono 1 livre (o terminal carboxilo).
Equação 1
proteína ou peptídeo com n resíduos aminoacídicos + n-1 H2O → n aminoácidos livres
2- A estrutura dos aminoácidos
O aminoácido mais simples é a glicina (CH2NH2COOH; com 2 átomos de carbono e 1 de azoto:
2C,1N). A cadeia lateral da glicina é constituída apenas por um átomo de hidrogénio e, porque nenhum
dos carbonos da glicina é assimétrico, não existem enantiómeros da glicina. Com exceção do caso da
glicina, o carbono 2 dos aminoácidos é um carbono assimétrico; ou seja, os quatro substituintes ligados ao
carbono 2 (ou α) são todos distintos: (1) o grupo amina, (2) o carbono carboxílico, (3) um átomo de
hidrogénio e (4) uma “cadeia lateral” que distingue os diferentes aminoácidos entre si. Os aminoácidos
que fazem parte das proteínas são todos α-aminoácidos e, com exceção da glicina, são todos de tipo L1.
1
Alguns polipeptídeos bacterianos (incluindo bactérias existentes no lúmen do colon dos seres humanos) contêm
aminoácidos D, mas não existem aminoácidos D nas proteínas bacterianas. Na tradução proteica todos os aminoácidos
incorporados são L (com exceção da glicina que não tem enantiómeros).
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3- Os aminoácidos que fazem parte das proteínas
Os aminoácidos podem ser classificados tendo em conta características químicas estruturais da
cadeia lateral (ver Fig. 2.)
Na glicina [2C,1N] e na alanina [3C,1N] a cadeia lateral é muito simples: no primeiro caso é um
átomo de hidrogénio e no segundo um grupo metilo (-CH3).
Nos “aminoácidos ramificados” (o que inclui a valina [5C,1N], a isoleucina [6C,1N] e a
leucina [6C,1N]) a cadeia lateral é uma cadeia alifática ramificada que tem 3 carbonos no caso da valina
e 4 nos casos da leucina e da isoleucina.
Nalguns aminoácidos a cadeia lateral contém grupos hidroxilo e, assim, a expressão
“aminoácidos hidroxilados” refere-se à serina [3C,1N,1OH], à treonina [4C,1N,1OH] e à tirosina
[9C,1N,1OH].
Dois aminoácidos que fazem parte das proteínas contêm átomos de enxofre e, assim, a expressão
“aminoácidos sulfurados” refere-se à cisteína [3C,1N,1S] e à metionina [5C,1N,1S].
Dois aminoácidos contêm grupos carboxilo no último carbono (o aspartato [4C,1N] e o
glutamato [5C,1N]). Nos valores de pH do meio interno os grupos carboxilo das cadeias laterais dos
ácidos glutâmico e aspártico (pKa de cerca de 4) sofrem protólise e são, de facto, grupos carboxilato
tendo carga negativa. Porque os grupos carboxilo são dadores de protões, o glutamato e o aspartato são
chamados de aminoácidos acídicos.
Há dois aminoácidos que contêm grupos amida (sem carga elétrica) no último carbono: a
asparagina [4C,2N] e a glutamina [5C,2N]. A asparagina distingue-se do aspartato por conter um grupo
amida em vez de um carboxilato no último carbono (o 4); o caso da glutamina em relação ao glutamato é
semelhante mas o carbono em questão é, neste caso, o 5.
Frequentemente os aminoácidos lisina [6C,2N], arginina [6C,4N] e também a histidina [6C,3N]
são associados à expressão “aminoácidos básicos”. A lisina contém um grupo amina no último carbono
(o carbono 6) em que o pKa é 12,5; ou seja, nos valores de pH existentes no meio interno, este grupo
amina está sempre protonado. Uma situação semelhante acontece no caso da arginina: a arginina contém
um grupo guanidina [1C,3N] ligado ao carbono 5. O pKa do grupo guanidina é de 10,8 e, por isso, nos
valores de pH existentes no meio interno, este grupo químico está sempre protonado2.
A expressão “aminoácidos aromáticos” refere-se aos aminoácidos que têm um anel aromático
na cadeia lateral. É o caso da fenilalanina [9C,1N] que tem um anel benzénico [6C], do seu derivado
hidroxilado tirosina [9C,1N,1OH], do triptofano [11C,2N] que tem um anel indol [8C,1N] e da
histidina [6C,3N] que tem um anel imidazol [3C,2N]3. Assim, a tirosina tanto pode ser incluída nos
aminoácidos aromáticos como nos hidroxilados e a histidina tanto pode ser incluída nos aminoácidos
aromáticos como nos básicos.
A prolina [5C,1N] é o único aminoácido presente nas proteínas em que o grupo α-amina é uma
amina secundária: ou seja, o azoto do grupo α-amina liga-se simultaneamente ao carbono α e ao carbono
5 formando um anel heterocíclico com 4 carbonos e 1 azoto4.
4- A produção de ácido clorídrico e de bicarbonato no sistema digestivo
Para além de serem importantes constituintes das células e do espaço extracelular, as proteínas
são também importantes componentes da dieta constituindo na dieta ocidental típica cerca de 15% do
valor calórico total (cerca de 100 g/dia). Tal como os glicídeos, também as proteínas da dieta são
hidrolisadas durante o processo digestivo por ação catalítica de enzimas. O ambiente em que as enzimas
digestivas atuam também é importante e, neste contexto, tem importância a secreção de ácido clorídrico
2
Na histidina a cadeia lateral contém um anel heterocíclico com 3 carbonos e 2 azotos designado por imidazol. Apesar de
ser costume classificar a histidina como um aminoácido básico, a verdade é que o pKa da forma livre do anel imidazol é
6,0 e não será muito diferente de 6 quando a histidina é um resíduo de uma proteína. Assim, é de prever que, ao contrário
do que acontece nos casos da arginina e da lisina, a cadeia lateral da maioria das moléculas livres e dos resíduos de
histidina estejam na forma desprotonada. Apesar de, na histidina, a forma protonada só predominar sobre a forma
desprotonada quando o pH do meio é inferir a 6, é frequente agrupar-se a histidina com os outros dois aminoácidos
básicos.
3
Enquanto nos anéis benzénicos (presentes na fenilalanina e na tirosina) os átomos que formam o anel são todos átomos
de carbono, os anéis indol e imidazol dizem-se heterocíclicos porque contêm átomos de carbono e de azoto. O anel indol
(presente no triptofano) pode ser descrito como um anel benzénico ligado a um anel pirrol [4C,1N].
4
Nalguns livros de texto a prolina é classificada como sendo um iminoácido. Na opinião do autor deste texto, a expressão
não é adequada porque num grupo imina existe um átomo de azoto ligado a um átomo de carbono através de uma ligação
dupla e não é isto que acontece na prolina.
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pelas células parietais do estômago e a neutralização deste ácido pelo bicarbonato (HCO3-) presente no
suco pancreático e na bílis.
5- A secreção de ácido e o seu papel na digestão gástrica
O ácido clorídrico é segregado nas células parietais do estômago podendo o pH do estômago
ser da ordem de 1-2. O processo envolve a conversão do CO2 em ácido carbónico por ação catalítica da
anídrase carbónica (ver Equação 2) e a subsequente dissociação do ácido carbónico (protólise) em
bicarbonato + protão no citoplasma das células parietais (ver Equação 3). No polo apical (luminal) destas
células a ATPase do H+/K+ catalisa a troca de H+ que sai (contra gradiente) por K+ que entra (também
contra gradiente); a componente exergónica do processo é a hidrólise do ATP. No transporte de Cl- do
sangue para o lúmen estão envolvidos transportadores: no polo basal (contraluminal) existe um antiporter
que troca Cl- (que entra para a célula) por HCO3- (que sai para o sangue); no polo apical existe um canal
iónico que permite a saída do Cl- para o lúmen. Assim, quando as células parietais são estimuladas a
segregar ácido clorídrico, o bicarbonato que resultou da dissociação do ácido carbónico vai alcalinizar o
plasma sanguíneo. As células que forram o estômago não são normalmente agredidas pelo ácido porque
estão protegidas pelo muco (que é rico em mucina, uma glicoproteína muito resistente à ação hidrolítica
das protéases).
Equação 2
Equação 3
CO2 + H2O ↔ H2CO3
H2CO3 ↔ H+ + HCO3-
O pH ácido do estômago tem importância na digestão gástrica porque é o pH adequado para a
ação das enzimas que aqui atuam (lípase gástrica e pepsina) e provoca desnaturação das proteínas da
dieta facilitando o acesso das enzimas à cadeia aminoacídica destas proteínas. A estimulação da secreção
ácida resulta de estímulos nervosos (via nervo vago), da ação parácrina da histamina (sintetizada por
células, designadas por enterocromafins, localizadas por debaixo da mucosa gástrica) e da hormona
gastrina. A gastrina é sintetizada por células endócrinas localizadas na mucosa gástrica e, para além de
estimular a secreção de ácido, também estimula a secreção das enzimas digestivas gástricas por células
que são designadas por células principais.
6- A secreção de suco pancreático nas células dos canalículos e nas células acinares
pancreáticas
Ao contrário da lípase gástrica e da pepsina, as enzimas que atuam no lúmen do duodeno e do
intestino têm pHs ótimos próximos da neutralidade. No lúmen do duodeno o ácido do estômago é
neutralizado pelo HCO3- dos sucos pancreático e biliar produzindo-se ácido carbónico que rapidamente
(mesmo na ausência de anídrase carbónico) se converte em CO2 e H2O (ver Equação 3 e Equação 2). O
CO2 é um gaz que passa por difusão simples (não mediada) para o sangue e acaba por sair do organismo
nos pulmões. O pH 7-8 do lúmen intestinal é adequado para a ação das enzimas digestivas
pancreáticas e intestinais. O bicarbonato é sintetizado e segregado num processo em que também
participa a anídrase carbónica (ver Equação 2 e Equação 3) e que ocorre nas células dos canalículos
pancreáticos. Tal como nas células parietais do estômago, através da ação da anídrase carbónica e a
subsequente protólise formam-se protões e iões bicarbonato no citoplasma das células (ver Equação 2 e
Equação 3). No entanto, ao contrário do que acontece nas células parietais, o bicarbonato sai no polo
luminal (via trocador Cl-/HCO3-) sendo um componente do suco pancreático, enquanto o protão sai para o
sangue no polo basal via transporte ativo primário ou secundário.
O estímulo para a secreção de bicarbonato tem origem na secretina, uma hormona sintetizada por
células endócrinas situadas no epitélio intestinal. A secretina também tem ação estimuladora na secreção
exócrina pancreática de enzimas digestivas mas, neste papel, tem maior relevância a colecistocinina. A
colecistocinina é uma outra hormona sintetizada por outras células endócrinas situadas no mesmo epitélio
intestinal e, para além de estimular a secreção de enzimas digestivas pancreáticas (pelas células acinares
do pâncreas), também estimula a contração da vesícula biliar e a consequente descarga de bílis no lúmen
duodenal. A síntese destas duas hormonas é estimulada pela presença de oligopeptídeos no lúmen
duodenal; estes oligopeptídeos resultaram da ação da pepsina nas proteínas da dieta.
7- Papel das exopeptídases e das endopeptídases na digestão das proteínas
Na digestão das proteínas que, num dado momento, estão presentes no lúmen do tubo digestivo
participam protéases (hidrólases de proteínas) com origem nas células principais do estômago (pepsina),
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nas células acinares pancreáticas (tripsina, quimotripsina, elástase e carboxipeptídase A e B) e nos
enterócitos (aminopeptídases e dipeptídases). Por ação destas enzimas ocorre rotura das ligações
peptídicas das proteínas gerando-se peptídeos com tamanho cada vez menor e, no final do processo,
aminoácidos.
A pepsina, a tripsina, a quimotripsina, a elástase e a enteropeptídase (ver abaixo) dizem-se
endopeptídases porque catalisam a rotura de ligações peptídicas situadas no “interior” da estrutura
primária dos seus substratos. Pelo contrário, as carboxipeptídases (libertam o aminoácido da extremidade
carboxílica), as aminopeptídases (libertam o aminoácido da extremidade amina) e as dipeptídases dizemse exopeptídases porque atuam em ligações peptídicas das extremidades e da sua ação catalítica resulta a
libertação de aminoácidos.
Embora sejam muito inespecíficas no que se refere aos seus substratos, cada uma das enzimas
proteolíticas atua preferencialmente em ligações peptídicas que envolvam determinados aminoácidos e
estas “preferências” são diferentes de enzima para enzima 5 . As protéases e peptídases digestivas são
capazes de catalisar a hidrólise das proteínas da dieta, das proteínas que fazem parte das células da
mucosa que “descamam” (em constante renovação), assim como das próprias enzimas digestivas (que
também são proteínas6). De facto, se admitirmos uma ingestão diária de cerca 60-80 g de proteínas na
dieta, uma massa semelhante de proteínas endógenas é diariamente vertida no lúmen digestivo e apenas
uma fração menor (o equivalente a cerca de 10 g de proteínas/dia) de produtos de origem proteica aparece
nas fezes [1]. A maior parte do azoto das fezes é constituinte das proteínas das bactérias que povoam o
intestino grosso. Estas bactérias usam os produtos nitrogenados que escaparam à absorção no intestino
delgado como substratos do seu metabolismo aminoacídico e para a sua síntese proteica [2].
8- A ativação do pepsinogénio a pepsina
A pepsina é segregada no estômago como um zimogénio inativo (pepsinogénio) que, em
contacto com o pH ácido do estômago, se hidrolisa gerando a enzima ativa (pepsina) e um polipeptídeo
inativo (ver Equação 4). A separação do polipeptídeo torna o centro ativo da enzima acessível aos seus
substratos. A ativação do pepsinogénio também ocorre por autocatálise: a própria pepsina tem atividade
hidrolítica sobre o pepsinogénio promovendo a ativação deste a pepsina.
Equação 4
zimogénio + H2O → enzima ativa + polipeptídeo inativo
9- A ativação dos zimogénios pancreáticos
As protéases de origem pancreática também são segregadas como zimogénios inativos; são o
tripsinogénio, o quimotripsinogénio, a pró-elástase e as pró-carboxipeptídases A e B. No duodeno e
jejuno proximal, a enteropeptídase (às vezes impropriamente designada por enteroquínase) catalisa a
hidrólise do tripsinogénio levando à formação de tripsina (ver Equação 4). (A enteropeptídase é uma
endopeptídase e, por isso, na sua ação sobre o tripsinogénio, resulta a tripsina e um polipeptídeo inativo.)
A tripsina formada vai, por sua vez, catalisar a hidrólise do quimotripsinogénio, da pró-elástase e das prócarboxipeptídases A e B levando à formação de enzimas ativas, que se designam, respetivamente, por
quimotripsina, elástase e carboxipeptídases A e B (ver Equação 4).
Até há pouco tempo pensava-se que, à semelhança do que acontece no caso do
pepsinogénio/pepsina, a tripsina podia hidrolisar a ligação peptídica que leva à conversão de tripsinogénio
em tripsina, mas não é essa a convicção atual; esta conversão é estritamente dependente da ação da
enteropeptídase [2]. A enteropeptídase é uma ectohidrólase que está “ancorada” na membrana apical dos
enterócitos do intestino delgado proximal com o centro ativo voltado para o lúmen. Esta localização faz
com que a ativação do tripsinogénio e a consequente ativação dos outros zimogénios apenas ocorra no
lúmen do tubo digestivo prevenindo a autodigestão do pâncreas.
5
A pepsina atua preferencialmente em ligações peptídicas em que o aminoácido que participa com o grupo carboxilo é
um aminoácido aromático e hidrofóbico (concretamente o triptofano, tirosina, fenilalanina ou leucina); ou seja, se
representarmos a proteína alvo pela sequência AA(1-N terminal)-…-AA(x-1)-AA(x)-…-AA(carboxilo terminal), a pepsina tem
preferência por ligações peptídicas AA(x-1)-AA(x) em que o aminoácido AA(x-1) é um dos aminoácidos listados acima. No
caso da quimotripsina a preferência é semelhante. No caso da tripsina o aminoácido AA(x-1) é a arginina ou a lisina e no
caso da elástase é a glicina, a alanina ou a serina.
6
As enzimas digestivas são extensamente glicosiladas e isto faz com que sejam relativamente maus substratos da ação
digestiva; por isso, a sua hidrólise ocorre de forma relativamente lenta e a sua inativação é tardia.
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10- A ação de ectohidrólases na libertação de aminoácidos no lúmen intestinal
Da ação combinada das enzimas proteolíticas pancreáticas e da pepsina resultam alguns
aminoácidos livres e polipeptídeos, mas a digestão destes últimos continua por ação de outras
ectohidrólases (aminopeptídases e outras peptídases) que, tal como a enteropeptídase, estão ancoradas
na membrana apical dos enterócitos. (A fosfátase alcalina é também uma ectohidrólase da membrana dos
enterócitos que catalisa a desfosforilação hidrolítica de fosfoproteínas.) Estes processos podem levar à
formação de aminoácidos livres no lúmen intestinal, mas a absorção pode ocorrer em fases menos
avançadas da digestão das proteínas [3].
11- A absorção intestinal de produtos da digestão proteica
A absorção ocorre nos enterócitos, cuja membrana apical tem múltiplas projeções em forma de
“dedo” que se designam de microvilosidades: ao conjunto dá-se o nome de bordadura em escova. Por sua
vez, os enterócitos e outras células do epitélio intestinal formam uma camada epitelial contínua que limita
projeções digitiformes que se designam de vilosidades intestinais. Quer as microvilosidades quer as
vilosidades intestinais contribuem para aumentar enormemente a área de absorção. A absorção das
proteínas é um processo complexo podendo fazer-se na forma de aminoácidos, de dipeptídeos, de
tripeptídeos ou mesmo de proteínas inteiras.
12- O transporte transmembranar de aminoácidos e de peptídeos no polo apical dos enterócitos
No polo apical dos enterócitos, o transporte dos aminoácidos envolve vários simportes em que,
na maioria dos casos, o Na+ é cotransportado com os aminoácidos (transporte ativo secundário em que o
componente exergónico é o transporte de Na+)7.
No caso dos di- e tripeptídeos o único transportador conhecido é um simporte peptídeo/H+
(PEPT1; da expressão inglesa “peptide transporter 1”) altamente inespecífico relativamente aos
aminoácidos constituintes do peptídeo transportado [3]. A energia envolvida neste transporte é, pelo
menos em parte, a que resulta do gradiente eletroquímico do protão. Os protões têm tendência a entrar nas
células devido ao potencial elétrico ser negativo no interior, acoplando (via PEPT1) a entrada de di- e
tripeptídeos. Os protões presentes no lado luminal da membrana apical dos enterócitos resultaram da ação
de um trocador Na+/H+ que catalisa a troca de um protão que sai para o lúmen por um ião Na+ que entra a
favor do gradiente eletroquímico.
13- A hidrólise intracelular de peptídeos e o transporte transmembranar de aminoácidos no
polo basal dos enterócitos
Os di- e tripeptídeos e outros peptídeos incompletamente digeridos que foram absorvidos são
maioritariamente hidrolisados por diversas peptídases do citoplasma dos enterócitos.
No polo basal dos enterócitos os múltiplos sistemas transportadores de aminoácidos são distintos
dos que existem no polo apical e, na maioria dos casos, são uniportes, não envolvendo cotransporte de
iões inorgânicos. Na maioria dos casos, os aminoácidos que entraram para os enterócitos ou foram aí
libertados via hidrólise de peptídeos entram na corrente sanguínea através do sistema porta hepático. No
entanto, alguns aminoácidos (com particular destaque para a glutamina) são, em grande parte, oxidados
nos enterócitos sendo aqui importantes nutrientes do ponto de vista energético [3]. O transporte catalisado
pelos uniportes da membrana basal é passivo, ou seja, o sentido em que ocorre depende do gradiente de
concentrações: participam na absorção de aminoácidos dos enterócitos para o sangue mas, em condições
metabólicas em que os enterócitos estão a consumir aminoácidos presentes no plasma sanguíneo,
catalisam o transporte de aminoácidos em sentido inverso.
14- A absorção intestinal de proteínas que não foram digeridas
Apesar de existirem enzimas capazes de hidrolisar completamente as proteínas da dieta, algumas
moléculas escapam ao processo e podem aparecer intactas no plasma sanguíneo. A absorção de proteínas
inteiras pode ocorrer por dois mecanismos. Um deles, designado por transcitose e envolve a endocitose
no polo luminal dos enterócitos e a subsequente exocitose no polo basal. O outro, designado por
transporte paracelular, envolve a passagem das moléculas proteicas através dos espaços entre os
7
No caso de aminoácidos com carga global positiva (como a arginina e a lisina) o transporte pode não depender do Na+,
mas depende também da ação da ATPase do Na+/K+: a energia envolvida no processo é o potencial elétrico negativo no
interior das células (criado pela ATPase do Na+/K+) que atrai os aminoácidos com carga global positiva.
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enterócitos; isto pode ocorrer quando há lesão das junções impermeáveis (tight junctions) que
normalmente impedem esta passagem.
A entrada de moléculas proteicas do lúmen intestinal para o sangue é mais frequente nos bebés
que nos adultos e permite que os anticorpos presentes no leite materno desempenhem um papel na
proteção do bebé. No entanto, uma outra consequência é a maior propensão para a ocorrência de alergias
alimentares nos bebés.
1. Matthews, D. E. (2006) Proteins and aminoacids in Modern Nutrition in Health and Disease (Shils, M. E., ed) pp. 23-61,
Lippincott, Phyladelphia.
2. Moughan, P. & Stevens, B. (2013) Digestion and absorption of proteins in Biochemical, physiological and molecular aspects of
human nutrition (Stipanuk, M. H. & Caudill, M. A., eds) pp. 162-178, Elsevier, St. Louis.
3. Daniel, H. (2004) Molecular and integrative physiology of intestinal peptide transport, Annu Rev Physiol. 66, 361-84.
Fig. 1. O tetrapeptídeo seril-valil-alanil-glicina. Os peptídeos são designados nomeando os aminoácidos
constituintes da extremidade amina até à extremidade carboxilo. Com exceção do aminoácido da extremidade
carboxilo os outros aminoácidos são referidos substituindo os seus nomes pelos respetivos acilos. Por exemplo
em vez de alanina escreve-se alanil, em vez de valina escreve-se valil, etc; a alanil-glicina é um dipeptídeo que
contém o grupo carboxilo da alanina ligado por uma ligação peptídica à glicina.
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Fig. 2: Vinte aminoácidos dos 21 aminoácidos que são incorporados nas proteínas durante a
tradução. O aminoácido que não está representado é a selenocisteína; é semelhante à cisteína
contendo uma átomo de selénio (Se) em vez de enxofre (S).
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