UMA ABORDAGEM TEÓRICA DA SONOLUMINESCÊNCIA COM ENFOQUE HIDRODINÂMICO L. L. Vignoli, L. C. O. Santos, R. C. Paschoal e A. L. F. de Barros Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – CEFET/RJ Departamento de Disciplinas Básicas e Gerais – DEPBG – Unidade Maracanã Resumo- A sonoluminescência é um fenômeno no qual, basicamente, energia sonora é transformada em energia luminosa. O mecanismo de geração de fótons ainda não foi completamente explicado e, portanto, é uma linha de pesquisa em desenvolvimento. O estudo da sonoluminescência envolve diretamente vários campos de estudos como a hidrodinâmica, a termodinâmica, reações químicas e, indiretamente, algumas áreas como a teoria de circuitos, que precisa ser desenvolvida para reprodução deste fenômeno em laboratório. Neste trabalho, iremos abordar predominantemente aspectos hidrodinâmicos usados para descrever a variação do raio da bolha e o movimento de translação da mesma. O movimento da parede da bolha, que causa sua variação de volume, é o aspecto mais estudado, sendo fundamental para o entendimento da emissão de luz. Já o movimento de translação de uma única bolha relaciona-se ao fato de que ela precisa estar estabilizada no centro do ressonador para que ocorra a emissão de luz. Palavras-chave: sonoluminescência, hidrodinâmica, Rayleigh-Plesset, força de Bjerknes Área do Conhecimento: Física Introdução Esta trabalho está sendo desenvolvido como projeto de Iniciação Científica no Laboratório de Física Experimental e Aplicada (LaFEA) do CEFET/RJ, com o objetivo de preparar um material teórico para o estudo da sonoluminescência e, com isso, estabelecer um sólido conhecimento de base para as experiências deste tópico, que são realizadas simultaneamente. Outro objetivo do projeto é fazer uma aproximação com tópicos dos cursos de graduação em Engenharias e Física, como aplicações da Equação de Navier-Stokes, teoria de circuitos e ondas de choque, que algumas vezes não são completamente abordados. A sonoluminescência é reproduzida em laboratório geralmente com a criação de uma única bolha de gás em um meio líquido, geralmente a água (no presente trabalho, assumiremos sempre tratar-se deste líquido). Essa bolha é aprisionada no centro do ressonador por ondas acústicas ultrassônicas criadas por cristais piezelétricos, ou PZT´s (maiores detalhes em GARCIA et al., 2012). Muitas vezes são colocados gases nobres no interior da bolha: a principal vantagem é o aumento significativo da intensidade da luz emitida. A Figura 1 ilustra o esquema experimental com um ressonador cilíndrico: a) Entrada de gases: utilizada quando há mistura de gases nobres na água; b) Transdutor acústico (piezoelétrico): responsável pela criação da onda mecânica; c) Líquido: geralmente utiliza-se a água, onde a mesma precisa ser destilada, degaseificada e deionizada, podendo ser misturada com gases nobres para ampliar a emissão de luz; d) Efeito de cavitação: a bolha é o principal foco do estudo da sonoluminescência; e) Ressonador: frasco onde a água é armazenada; f) Hidrofone: transdutor que capta a resposta do ressonador no aprisionamento da bolha de gás; g) Filamento: é um aquecedor no qual através da passagem de corrente elétrica, as bolhas são criadas; e h) Fotodetector: dispositivo que registra a quantidade de fotóns emitidos durante o processo. Figura 1 - Elementos básicos para obtenção do efeito sonoluminescente. XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 Na primeira parte, iremos apresentar alguns modelos que podem ser utilizados para descrever a expansão e a contração da bolha. Os modelos são deduzidos considerando diferentes propriedades, como, por exemplo, a compressibilidade e a viscosidade do líquido, a presença de um gás nobre ou simplesmente o vácuo no interior da bolha, assim como o equilíbrio termodinâmico de fases. Na segunda parte, serão apresentadas algumas forças responsáveis pelo movimento de translação da bolha. Na hipótese ideal que iremos considerar, a bolha está estabilizada no centro do ressonador e, portanto, está no ponto de maior pressão acústica, ou seja, no antinodo. Todos os resultados do presente trabalho foram obtidos por meio de simulações numéricas e consulta à literatura, tornando o estudo exclusivamente teórico. Em paralelo, estudos experimentais da sonoluminescência, incluindo a automatização do aparato experimental, estão sendo realizados no LaFEA (GARCIA et al., 2012). Nenhum destes resultados experimentais está relatado aqui. Modelo de Rayleigh-Plesset A Equação mais importande na mecânica dos fluidos é a de Navier-Stokes. Por esta Equação não ter uma solução geral analítica conhecida, algumas vezes não é muito abordada nos cursos de graduação. A Equação de Navier-Stokes descreve o movimento de um fluido por meio de sua densidade (ρ), viscosidade (µ), pressão (p) e velocidade (u ), como mostra a Equação (1), onde campo e ² , ² 3 1 4μ 2# $ ² 2 , 3 % onde c é a velocidade de propagação do som no meio líquido. Para as equações (1) e (2), &'( e 2# )* +* $ * , ) +* &'( ., - 4 5 onde &'( é a pressão atmosférica, + é raio “hard core” de Van der Waals, 0 é o coeficiente termodinâmico de transformação adiabática e . é a pressão acústica imposta pelos PZTs no local da bolha. A Figura 2 é a solução numérica através do software MATLAB da Equação (3), considerando argônio no interior da bolha (isto fixa o valor de h). 1 é a aceleração criada por forças de é a derivada material da velocidade. Se considerarmos agora o fluido como newtoniano, o movimento apenas na direção radial (hipótese ideal) e, para uma primeira abordagem, a compressibilidade do líquido sendo muito menor do que a do gás, podemos então escrever a Equação (2), que é a Equação de RayleighPlesset para líquidos incompressíveis (BRENNEN, 1995), um ponto qualquer distante da bolha e R(t) é o raio da bolha no instante t. Como foi revisado em (VIGNOLI et al., 2012), desprezar a compressibilidade do líquido não é uma boa aproximação para o caso da sonoluminescência. Neste caso, podemos modificar a Equação (2) e reescrever a Equação de Rayleigh-Plesset como a Equação (3): ² 3 1 4μ 2# 2 ² 2 onde S é a tensão superficial, é a pressão no interior da bolha, é a pressão no líquido em Figura 2 – Gráfico representando o comportamento do raio da bolha na presença do campo acústico gerado pelos PZT´s. A emissão de luz ocorre no instante de mínimo raio. Outro ponto importante é a velocidade de expansão ou contração do raio da bolha. De acordo com a teoria de ondas de choque (LANDAU e LIFSHITZ, 1959), uma condição XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 necessária para a criação da mesma é a velocidade de perturbação no fluido. No caso abordado em nosso estudo da sonoluminescência, a água foi o fluido escolhido para a simulação. Quando a velocidade de perturbação da água se aproxima da velocidade em que o som se propaga no meio, a compressibilidade do líquido começa a influenciar e ondas de choque poderão ser criadas. A taxa de variação do raio da bolha para o hélio, para uma bolha com raio inicial de 2 µm é mostrada na Figura 3. ² 2 3 4 1 1 % 2 3% ² 1 1 . 6 % % O segundo modelo alternativo é o de KellerMiksis, que foi derivado de forma parecida ao modelo de Herring-Trilling, mas com o efeito da viscosidade sendo considerado (KELLER, MIKSIS, 1980), como segue na Equação (7): 1 3 1 1 1 % 2 3% 1 Figura 3 – Gráfico que representa a taxa de variação do raio, ou seja, a velocidade de perturbação do líquido. Na Figura 3, podemos perceber que a velocidade máxima ocorre na primeira contração da bolha, se aproximando da velocidade de propagação do som na água. Modelos Alternativos Além do modelo de Rayleigh-Plesset, existem os que consideram diferentes hipóteses para tentar descrever a variação do raio da bolha. Até hoje, ainda não foi criado um modelo que consiga explicar exatamente os dados experimentais e, por isso, ainda há pesquisa nesta área. O primeiro modelo que iremos apresentar é o modelo de Herring-Trilling, que considera a compressibilidade do líquido, mas desconsidera o efeito da viscosidade (TRILLING, 1951) e pode ser escrito como segue a Equação (6): 1 1 4 2# % 4 2# . 7 % Existem ainda outros modelos, como o de Gilmore (VOKURKA, 1986), que não considera a velocidade do som constante no meio e o modelo proposto por Kyuichi Yasui, que considera o não equilíbrio termodinâmico de fases entre o gás no interior da bolha e o líquido da bolha (YASUI, 1997), ou seja, considera que uma parte da água recebe calor e se transforma em gás. Estes modelos não serão mostrados neste trabalho. Estabilidade da Bolha A estabilidade da bolha é outro ponto importante na abordagem hidrodinâmica da sonoluminescência, pois, como dito anteriormente, a bolha precisa estar estabilizada para ser estudada. Além disso, alguns modelos expostos são derivados do fato da bolha estar parada em um campo acústico. Utilizando uma hipótese simplificada, podemos considerar que as forças que atuam na sonoluminescência de bolha única são o empuxo e a força primária de Bjerknes. A força primária de Bjerknes é o resultado da interação entre a oscilação da bolha em um fluido e um campo sonoro ao qual ela é submetida (LEIGHTON et al., 1990). Este tipo de força é o principal responsável pelo movimento de translação da bolha e é um efeito não linear, resultado de um comprimento de onda finito da onda sonora em um liquido. A frequência e o número de onda serão expressos em função de ω e k, respectivamente (k = ω/c = 2π/λ). XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 O comprimento de onda finito implica um gradiente de pressão instantâneo no líquido e uma força atuando que influi na flutuabilidade da bolha. Esta força pode ser expressa matematicamente como a Equação (8) 456789 : 4; <: =. < , 8 onde V(t) é o volume da bolha no instante t. O símbolo <...> significa a média com relação ao tempo. Supondo que o eixo vertical seja o eixo z, podemos então escrever a Equação anterior como a Equação (9), na qual T é o período da oscilação 456789 ' 4? A.B sinAF G * sinH . 9 3@ Figura 5 – Gráfico das forças que atuam na bolha, de acordo com o modelo simplificado que foi considerado aqui. ) A força primária de Bjerknes é resultado da pequena diferença de pressão entre os dois lados da bolha. A força pode tanto aproximar quanto afastar a bolha do antinodo da onda acústica como ilustra a Figura (4) (MATULA et al., 1997). Figura 4 – A Figura ilustra a ação do gradiente de pressão sobre a bolha (MATULA et al., 1997). No nosso caso simplificado, não estamos considerando outras forças, mas apenas o empuxo e a força primária de Bjerknes. Então, como o empuxo é sempre no sentido positivo do eixo z, a forca primária de Bjerknes será no sentido negativo, como vemos na Figura (5). Conclusão Neste artigo, foi mostrado parte do trabalho desenvolvido por alunos de Iniciação Científica do CEFET/RJ, que tem por objetivo geral melhor compreender os aspectos teóricos e operacionais da sonoluminescência de única bolha, estimulando outros estudos e a pesquisa nesta área. Com a nossa simulação, foi possível demonstrar a importância da compressibilidade do líquido no caso especifico da sonoluminescência, quando o numero de Mach se aproxima de um. A simulação realizada mostrando a atuação da força de Bjerknes foi um caso simplicado, ou seja, uma primeira aproximação em que algumas forças, como a força de arrasto, não foram consideradas. A sonoluminescência pode ser uma ligação entre diversos laboratórios de pesquisa e entre pesquisadores teóricos e experimentais, além de uma opção interessante de abordagem de temas importantes na formação acadêmica de alunos de graduação e de pós-graduação, abarcando áreas diversas, como mecânica dos fluídos, termodinâmica, teoria de circuitos e cálculo numérico. Esse trabalho faz parte de um material de ensino que está sendo preparado para os alunos ingressantes no grupo de pesquisa e para os demais interessados no assunto, tendo como objetivo contribuir para a divulgação científica da sonoluminescência em língua portuguesa e complementar a formação acadêmica dos estudantes. XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 4 Referências - BRENNEN, C.E. Cavitation and Dynamics, Oxford University Press, 1995. Bubble - GARCIA, R. O., VIGNOLI, L. L., ZACHI, A. R. L., De BARROS, A. L. F., Automatização do processo de obtenção de sonoluminescência em laboratório. In: Congresso Nacional de Engenharia Mecânica, 7, 2012, São Luís, Anais, Maranhão, 2012. - KELLER, J. B.; MIKSIS, M., Bubble oscillations of large amplitude, Journal of the Acoustical Society of America 68, 628–633, 1980. - LANDAU, L. D.; LIFSHITZ, E. M., A Course of Theoretical Physics Volume 6: Fluid Mechanics Pergamon Press Oxford, 1987. - LEIGHTON, T.G., Derivation of the RayleighPlesset Equation in Terms of Volume, ISVR Technical Report No. 308, 2007. - LEIGHTON, T. G., WALTONT, A. J., PICKWORTH, M. J. W., Primary Bjerknes forces, Eur. J. Phys 11, 47-50, 1990. - MATULA, T. J., CORDRY, S. M., ROY, R. A., CRUM, Lawrence A., Bjerknes force and bubble levitation under single-bubble sonoluminescence conditions, J. Acoust. Soc. Am. 102 (3), September, 1997. - SUTHERLAND, D. A., Models of Ultrasound Contrast Agents. 2008. 59f. Monografia (Bacharelado em Matemática Aplicada) – Universidade de Sydney, Sydney. - TRILLING, L., The collapse and rebound of a gas bubble, Journal of Applied Physics 23, 14–17, 1951. - VIGNOLI, L. L., SANTOS, L. C. O., GARCIA, R. O., PASCHOAL, R. C., ZACHI, A. R. L., BARROS, A. L. F., MEJA, C. F., Theoretical and Simulational Aspects of Single Bubble Sonoluminescence. In: Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada, 35, Águas de Lindóia, Anais. São Paulo, 2012. - VOKURKA, K., Comparison of gas bubble models, Acustica 59, 214–219, 1986. - YASUI, K., Alternative model of single-bubble sonoluminescence, PHYSICAL REVIEW E, VOLUME 56, NUMBER 6, 1997. XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 5