A linguagem é como o vento? Bete Masini A pergunta título nos faz pensar se a linguagem se define por seu dinamismo e, se, por consequência, não admite regramentos absolutos. Como costumo afirmar, a Gramática – aquele livro grosso com todas as regras da norma culta – não dá conta de segurar a linguagem. Principalmente, a falada – dentro de certos limites, é claro. No entanto, o caráter dinâmico de uma língua não nos dá o direito de pensar e de dizer que as suas regras gramaticais não são importantes ou que elas são dispensáveis. O objetivo de uma língua – possibilitar a comunicação entre indivíduos – se alcança a partir de uma padronização; a partir de um conhecimento e de um uso coletivo de um conjunto de regras que norteiam a construção dos sentidos desejados pelos falantes e pelos produtores de textos. Fazer uso de um repertório de signos claros, previsíveis e compreensíveis por todos os que falam e escrevem uma determinada língua é o meio pelo qual se pode construir, de forma coletiva, um sistema eficiente de comunicação. Nesse sentido, a linguagem escrita é o lugar, por excelência, do uso padronizado da linguagem. Esses símbolos/palavras, gravados na memória linguística de um povo, somados às regras objetivas para seu emprego formal criam um sistema de comunicação acessível e compreensível por todos os usuários dessa língua. Com isso, essa língua cumpre seu papel; cumpre seu objetivo. A construção da clareza em um texto se dá em três níveis – no plano lexical, que é o plano da escolha das palavras; no plano sintático, o qual é o resultado da combinação e da sequenciação dessas mesmas palavras e dos demais constituintes estruturais do período e no nível semântico (nível do significado), que é o resultado das escolhas lexicais e das sequências sintáticas. Com isso, a normatização da língua escrita torna­se relevante e importante. Desrespeitar, sistematicamente, a norma culta, tão amada por alguns e tão odiada por outros, poderá nos levar – em casos extremos – à perda do significado de sequências de escrita: o que se tentou escrever pode não ser entendido. Ignorar o uso adequado da língua escrita, convencionado coletivamente por seus usuários, implica atropelar a possibilidade de uma comunicação eficiente. O código – língua portuguesa ­ precisa ser entendido e aceito pelos interlocutores. O “ser tão odiada”, explicitado acima, tem significativa relação com a forma como a norma culta foi e é ainda apresentada, muitas vezes, nos bancos escolares, a esses usuários. Não é admissível querer ensinar gramática (a norma culta) apenas por meio de um blábláblá de regras que não façam sentido algum àqueles que da língua devem fazer uso. Por exemplo, fazer o aluno decorar todos os nomes das orações subordinadas e, ainda, separá­las e classificá­las, ou conjugar verbos para a “chamada oral” sem explicar o uso efetivo que cada tempo verbal tem na construção dos sentidos da nossa escrita. Qual o uso disso no exercício diário do escrever? Nenhum. É preciso mostrar a relação existente entre as regras convencionadas e sua importância para a construção de textos claros, coesos. É preciso sair das nomenclaturas gramaticais e mostrar o uso. É preciso trabalhar com conteúdos gramaticais que, realmente, tenham uso na escrita e na fala. É preciso levar aqueles que estão nos bancos escolares a entenderem o dinamismo da língua e a entenderem a importância do uso da padronização, a qual nasce da própria estrutura da nossa língua materna: Sujeito + Verbo + Complemento(s). Não é preciso – e nem faz sentido ­ fazer os alunos decorarem e devorarem e classificarem cada um dos termos sintáticos. O inerente dinamismo da linguagem possui, na escrita, quase espaço algum – exceto em casos de narrativas que exploram a linguagem oral; em e­mails entre amigos marcando o horário do churrasco do próximo fim de semana ou em recados que deixamos em casa antes de sair para aqueles que ficaram ou que chegarão antes de nós. E, claro, no mundo virtual, com o uso do famoso “internetês” (dentro de certos limites, também). Nem a linguagem falada é o espaço para a criação, para a reinvenção de língua sem seguir alguns regramentos. Tudo depende do contexto e de com quem se fala. Afinal, não dá para enviar um e­mail ao chefe ou ao cliente usando um “E aí, cara, tudo na boa? É preciso manter o grau de formalidade e o uso adequado de vocabulário e de estruturas. A famosa “transgressão da norma culta” é bem lenta para ser aceita pela norma culta. Há flexibilizações de regras gramaticais que já foram incorporadas ao acervo linguístico de comunidades pelo uso que falantes fazem da língua. Um exemplo disso ocorre com o que costumo chamar de “trilogia do horror”: os verbos ganhar, pagar e gastar quando fazem parte de uma locução: havia ganhado, havia pagado e havia gastado, por exemplo. Pela norma culta, frases como Eu havia ganho na loteria eram tidas como inadequadas, pois, pela regra, os auxiliares ter e haver pedem a forma regular do verbo (ganhado, pagado e gastado), mas o uso efetivo dos falantes fez com que se aceitasse o verbo irregular junto aos auxiliares ter e haver. Mas isso não ocorreu da noite para o dia. Embora muitos se escandalizem com frases como “Eu ponhei”, há, nos dicionários, a explicação desses casos como uma variante da norma culta. E as variantes precisam ser discutidas e respeitadas. Entretanto, não são representantes da norma culta da língua. Até que muitas transgressões sejam oficializadas – o que, particularmente, acho difícil ocorrer – a língua segue seu caminho como foi acordada pelos seus usuários. Assim deve ser entendida; ensinada e usada.