Conflitos éticos e paixões políticas na cobertura jornalística do

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Conflitos éticos e paixões políticas na cobertura jornalística
do impeachment
Por José Jance Marques*
Em tempos de impeachment, vimos florescer na imprensa uma série de paixões
políticas, algumas vezes disfarçadas de linhas editoriais, outras escancaradas nas
publicações. Claro que não se pode pensar que o jornal tem que se omitir diante
de um cenário político tão impactante, como é um processo de impedimento de
presidente da República, mas existem limites legais e éticos para cobertura
jornalística.
No último dia 3 de maio tivemos um episódio lamentável na cobertura da sessão
da Comissão que analisa o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff
no Senado Federal. O portal “O Antagonista” fez uma série de postagens atacando
pessoalmente a Advogada-Geral da União Adjunta, Lilian Barros de Almeida,
sugerindo que ela prestava assessoria jurídica privada para senadores petistas
em horário de expediente. Sem qualquer tipo de apuração, o portal postou fotos
da servidora e incitou os senadores a agirem contra a advogada.
Se tivessem feito o menor trabalho de apuração, teriam descoberto que Lilian
tinha designação específica, constante nos autos do processo de impeachment no
Senado, para representar a AGU na referida sessão da Comissão Especial em que
foram ouvidas as testemunhas da acusação.
A defesa judicial de membros e servidores dos Poderes Pú blicos, inclusive o
Presidente da República, quanto aos atos praticados no exercício de suas
atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse pú blico,
especialmente da Uniã o, suas respectivas autarquias e fundaçõ es, está prevista
no art. 22 da Lei no 9.028, de 12 de abril de 1995. Essa defesa deve se pautar
pelos princípios enumerados no art. 37 da Constituição Federal de 1988:
legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência e finalidade.
Uma simples consulta à Constituição ou à lei que rege a atuação dos advogados
públicos já demonstra que não havia qualquer exercício irregular da profissão ou
desvio de finalidade.
Mesmo depois de a assessoria de imprensa da AGU ter entrado em contato com o
portal, explicando a função da servidora, eles não retificaram a informação e nem
retiraram o post.
Quando presenciamos situações como essa, nos questionamos sobre a ética
profissional do jornalista que cobre um episódio como esse. Até onde a paixão
política deve influenciar na cobertura jornalística? O processo de apuração é uma
questão menor nesse cenário? Deve a apuração ser prejudicada por conta do
imediatismo da internet?
Segundo o código de ética do jornalista, em seu Art. 4º, rege: “O compromisso
fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual
ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta
divulgação”.
O inciso VIII e X, do Art. 6º do mesmo código ressaltam a importância do cuidado
que o jornalista deve ter com a imagem e a honra do cidadão e o compromisso
com os princípios constitucionais:
“Art. 6º É dever do jornalista:
(...)
VIII - respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do
cidadão;
(...)
X - defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático
de direito”.
O artigo 7º deixa claro que o compromisso com a apuração é absoluto na
cobertura jornalística:
“Art. 7º O jornalista não pode:
(...)
II - submeter-se a diretrizes contrárias à precisa apuração dos acontecimentos e
à correta divulgação da informação;
III - impedir a manifestação de opiniões divergentes ou o livre debate de idéias;
(...)
V - usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime”.
Para terminar a enumeração dos artigos do código de ética do jornalista que
foram desrespeitados pelo portal no caso analisado, temos o Art. 12, que traz as
obrigações do profissional:
“Art. 12. O jornalista deve:
I - ressalvadas as especificidades da assessoria de imprensa, ouvir sempre, antes
da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em
uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações
não suficientemente demonstradas ou verificadas;
II - buscar provas que fundamentem as informações de interesse público;
III - tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que
divulgar;
(...)
VI - promover a retificação das informações que se revelem falsas ou inexatas e
defender o direito de resposta às pessoas ou organizações envolvidas ou
mencionadas em matérias de sua autoria ou por cuja publicação foi o
responsável;”
Nesse caso específico vimos que nenhum desses incisos foram respeitados.
Simplesmente tiraram uma foto da servidora, afirmaram que ela estava
prestando assessoria a senadores do Partido dos Trabalhadores (apesar da foto
não mostra-la sequer falando com qualquer senador), a expuseram a uma
situação vexatória, sem sequer questioná-la sobre o que estaria fazendo de fato
naquele local.
A resultado não poderia ser outro: o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) fez uma
questão de ordem e exigiu a saída imediata da servidora, acusando-a de desvio
de função e citando a matéria do portal como base para esse argumento. O
próprio presidente da Comissão rejeitou a questão de ordem e consolidou a
legitimidade da presença da AGU, inclusive para garantir o acesso pleno da
defesa da presidente e evitar questionamento sobre o processo no Judiciário.
Esse episódio, além de nos causar espanto, suscita questionamentos sérios sobre
a importância do exercício responsável do Jornalismo. O profissional que faz essa
cobertura deve ficar sempre atento ao que rege o código de ética profissional e
às leis, para que não se torne em um meio de transmissão de ódio e preste um
desserviço à sociedade.
* José Jance Marques é jornalista, relações pública, mestre em Comunicação
estratégica pela Universidade de Tóquio (Japão) e atualmente estuda Direito na
Universidade de Brasília (UnB).
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