CONDUTA NA CETOACIDOSE DIABÉTICA EM PEDIATRIA Luiz Claudio G. de Castro CETOACIDOSE DIABÉTICA A Cetoacidose Diabética (CAD) é uma forma grave de descompensação aguda do Diabetes Mellitus (DM) e decorre de um desequilíbrio entre a quantidade de insulina disponível e a necessária para manter a homeostase em um determinado estado fisiopatológico. Pode ser desencadeada por estresse emocional, infeccioso, cirúrgico, uso inadequado da insulinoterapia ou uso de drogas. Clinicamente é caracterizada por poliúria, polidipsia, polifagia, perda ponderal, astenia, náuseas e vômitos, dor abdominal, desidratação em graus variáveis, respiração de Kussmaul, dor abdominal (que pode ser confundida com quadro de abdome agudo), alterações do nível de consciência, podendo evoluir com instabilidade hemodinâmica e até choque hipovolêmico. Laboratorialmente, a CAD se apresenta com os seguintes parâmetros: -hiperglicemia (maior que 300 mg%) -cetonemia (maior que 3 mMol/l) -cetonúria (maior que +) -acidose metabólica (pH < 7,3 ou bicarbonato < 15 mEq/l). Sendo a cetoacidose diabética uma emergência, o setor de referência à admissão destes pacientes é o Pronto Socorro Pediátrico. Desta forma, é fundamental que o pediatra geral saiba reconhecer e atuar adequadamente frente a esta situação. Os esquemas propostos para se conduzir uma CAD variam nos diferentes serviços. É importante ressaltar que não há fórmulas ou esquemas rígidos a serem seguidos, pois o equilíbrio metabólico do paciente é dinâmico e a resposta, individual. É fundamental, pois, que se conheça bem a fisiopatologia da CAD e em que etapas deste processo deve-se intervir, quais são as respostas esperadas, as complicações e as conseqüências dessa intervenção. Independente do esquema proposto, algumas regras básicas devem fazer parte do protocolo de antendimento ao paciente com CAD. -Descobrir a causa da descompensação: irregularidade da dieta, uso inadequado da insulina, estresse infeccioso ou emocional, uso de drogas. -Solicitação de exames iniciais para se confirmar o diagnóstico: glicemia capilar e sérica, Na e K séricos, gasometria arterial, glicosúria e cetonúria. Se possível, osmolaridade plasmática. -Idealmente, o paciente com CAD deve ser monitorizado em UTI, para que se tenha um rigoroso controle dos sinais vitais, estado neurológico e avaliação clínicometabólica sistemática e freqüente, o que é fundamental para eficácia do tratamento. Nos serviços onde a infra-estrutura não permite uma fácil disponibilidade de leitos em UTI, pode-se proceder com o atendimento em PS, mas com monitorização próxima, em esquema de semi-intensiva. -Providenciar acesso venoso adequado para infusão de líquidos. A hidratação deve ser cautelosa. Os sinais clínicos de desidratação são difíceis de serem avaliados devido à hiperosmolaridade sérica e à desidratação intracelular. Deve-se ter cuidado para se evitar a hiperidratação, diminuindo, assim, o risco de edema cerebral. -Proceder com controle rigoroso de diurese, que é um parâmetro importante para avaliação do estado hemodinâmico e na definição da conduta mais adequada quanto à hidratação do paciente. -A hidratação e o controle eletrolítico do paciente são tão importantes quanto à insulinoterapia. -Se não for possível dosar o K sérico antes de iniciar a insulinoterapia, fazer ECG. Se houver alterações ao ECG, fazer primeiro a correção do K antes de iniciar insulinoterapia -Corrigir gradualmente CAD. A finalidade imediata do tratamento é bloquear a cetogênese, reverter a acidose e estabilizar hidroeletroliticamente o paciente. Entretanto, antes da intervenção médica, o organismo já iniciou uma série de alterações metabólicas para tentar compensar o quadro, devendo-se dar tempo para que estas se revertam gradualmente durante a terapia. A glicemia deve ser diminuída no máximo em 80-100 mg% a cada hora. -Deve-se lembrar que a depuração dos corpos cetônicos é variável de indivíduo para indivíduo, podendo durar de 12 a 48 horas. Assim, a cetonúria pode manter-se mesmo durante a reversão e controle do quadro de CAD. -Um registro da evolução clínico-metabólica do paciente e das condutas tomadas durante o controle do quadro deve ser claro e em local de fácil acesso. -É muito importante que o paciente esteja internado por um tempo de observação de pelo menos 24 horas após controlado o quadro. Em pacientes com primodescompensação a estadia adequada seria de 48-72 horas, com o intuito de se conhecer melhor o padrão de resposta do paciente à insulinoterapia e educá-lo em relação ao manejo do diabetes. -Para se planejar a alta hospitalar não se deve basear apenas no controle clínico e laboratorial do paciente, mas também na segurança e familiaridade com o uso da insulina e dos controles a serem feitos em casa. Mecanismo fisiopatológico da CAD disponibilidade ou atividade da insulina atividade de hormônios contra-reguladores glicopenia intracelular gliconeogênese proteólise lipólise (hiperlipemia) triglicérides desvio metabólico para produção de energia HIPERGLICEMIA glicerol ácidos graxos Hiperosmolaridade VIC osmóis idiogênicos Plasmática VEC (evitar desidratação intracelular) ponderal perda ultrapassa TM de glicose Ácidos graxos GLICOSÚRIA Acidose corpos cetônicos Vômitos ácido acético ác -OH-butírico cetona CETONEMIA Poliúria CETONÚRIA Polidipsia Perda de H2O, Na, K cetona: eliminada também pelas vias respirat (hálito cetônico) Desidratação Choque Hemoconcentração viscosidade sangue trombose Hipoperfusão Tecidual TFG Glicemia IRA Respiração de Kussmaul K ic / K ec (hipercalemia) diurese osmótica caliúria aldosterona caliúria K PCO2 vasoconstrição perfusão tecidual nível de consciência catabolismo celular: hipercalcemia calciúria Ca hiperfosfatemia fosfatúria P ACIDOSE O Mecanismo Fisiopatológico da Cetoacidose Diabética A CAD é desencadeada quando a insulina disponível no organismo é insuficiente para atender as necessidades metabólicas de uma determinada situação fisiopatológica e/ou quando há diminuição da atividade da insulina frente ao aumento da atividade dos hormônios contra-reguladores (adrenalina, glucagon, hormônio do crescimento e cortisol). O período compreendido entre o início dos sintomas e a instalação completa do quadro de CAD pode ser de dias a semanas. O mecanismo fisiopatológico da CAD é explicado a seguir. A deficiência de insulina (endógena ou exógena) e a preponderância da ação dos hormônios contra-reguladores (que aumentam a resistência periférica à insulina) conduzem a um quadro de hiperglicemia e glicopenia intracelular. Como a glicose é a principal fonte de energia para as células, estas entram em um estado de déficit energético e o organismo desvia seu metabolismo para produção de fontes alternativas de energia. Ocorre, então, aumento na secreção dos hormônios contra-reguladores, os quais favorecem à gliconeogênese, glicogenólise, proteólise e lipólise, além de causarem resistência periférica à insulina. No processo de lipólise, os triglicerídeos são degradados, pela lipaselipoprotéica, a glicerol e ácidos graxos livres. Os ácidos graxos livres, através da oxidação hepática, transformam-se em corpos cetônicos (ácido aceto-acético, ácido hidroxibutírico e cetona) em grande quantidade, acarretando cetonemia. Esses dissociam-se em ânions (aceto-acetato e -hidroxibutirato) e íon hidrogênio, excedendo a capacidade de tamponamento ácido-básico do organismo e culminando com acidose metabólica. Os ânions são eliminados na urina, manifestando-se, assim, a cetonúria. Eles levam consigo eletrólitos, principalmente Na e K, contribuindo para a sua espoliação. Como a cetona é eliminada também pela via respiratória, produz um hálito cetônico característico. A acidose estimula o centro do vômito, intensificando a perda de água e eletrólitos. Na CAD o acúmulo de -OH-butirato é superior ao do aceto-acetato, fazendo com que a relação -OH-butirato:aceto-acetato atinja valores de até 15:1, enquanto o normal é de 3:1. Como em geral a determinação de corpos cetônicos pelas fitas reagentes é feita com reação de nitroprussiato de sódio, que detecta apenas a cetona e o aceto-acetato, fica comprometida a avaliação da real cetogênese. À medida que se controla a CAD, o -OH-butirato converte-se a aceto-acetato, que é detectado pela fita reagente. Este fato pode levar a uma falsa interpretação de aumento na cetonemia e cetonúria durante a evolução do paciente. A acidose atua também sobre os centros bulbares, desencadeando um mecanismo de compensação respiratória com finalidade de eliminar o CO2, caracterizando a respiração de Kussmaul (hiperpnéia compensatória, entremeada por pausas respiratórias, com amplitude elevada na ins e expiração). Se este processo for intenso ao ponto de induzir hipocapnia, pode-se estabelecer vasoconstrição, com queda na perfusão e oxigenação tecidual, comprometendo o nível de consciência do indivíduo. Os aminoácidos (provenientes da proteólise) e o glicerol (originado da quebra dos ácidos graxos) são utilizados na gliconeogênese, aumentando ainda mais a hiperglicemia. A hiperglicemia provoca aumento na osmolaridade plasmática, acarretando a saída de líquido do intra para o extracelular, e conseqüente desidratação intracelular (o que atenua os sinais clínicos de desidratação no paciente). Para combater essa desidratação intracelular, principalmente nas células do sistema nervoso, inicia-se um processo de síntese de substâncias intracelulares osmoticamente ativas, chamadas osmóis idiogênicos, representadas por aminoácidos (taurina e glutamato) e polióis (resultantes do metabolismo da glicose intracelular, como frutose, inositol e sorbitol). Tais substâncias procuram diminuir a perda de líquido do intracelular. Com o aumento da glicemia, a taxa de reabsorção tubular de glicose (TM) é ultrapassada, instalando-se, então, glicosúria e diurese osmótica, a qual contribui para a espoliação de eletrólitos (Na, K, Mg e P). A poliúria é fator agravante da desidratação, e o indivíduo desenvolve polidipsia compensatória. A desidratação diminui a volemia, gerando uma perfusão tecidual inadequada, a qual pode ser agravada pela presença de trombos, predispostos pela hemoconcentração. A hipoperfusão diminui a taxa de filtração glomerular, podendo culminar com a instalação de insuficiência renal aguda. Observa-se também haver comprometimento da eliminação de glicose na urina, aumentando a glicemia. Vários eletrólitos também sofrem alteração no seu metabolismo durante a CAD. A concentração de sódio é variável, podendo estar elevada, normal ou baixa. Com a hiperosmolaridade sérica, ocorre passagem de água do intra para o extracelular, causando expansão do volume extracelular e hiponatremia dilucional. Além disso, na vigência de hiperlipidemia, os triglicérides deslocam a fração hídrica do plasma, de forma que a natremia detectada é menor que a real. Na desidratação, a depleção de água é maior que a de sódio, predispondo à hemoconcentração e hipernatremia. A reserva total de potássio no organismo está diminuída, mas pode-se detectar hipercalemia no período inicial, determinada por vários mecanismos: diminuição da atividade da Na-K-ATPase devida à deficiência de insulina, favorecendo a concentração extracelular de potássio; depleção do potássio intracelular induzida pela hiperglicemia e hiperglucagonemia; troca entre os ions H+ (extracelular) e K (intracelular) para compensar a acidose metabólica; e proteólise, com liberação de potássio para o plasma. Apesar de todos estes mecanismos levarem à hipercalemia inicial, a intensa diurese osmótica acarreta a depleção do potássio sérico, o que é agravado pelos vômitos. A desidratação, ao causar hipovolemia, estimula a síntese de aldosterona, que promove ainda mais depleção de potássio. Os níveis séricos de potássio devem ser rigorosamente monitorizados durante todo o período de estabilização, pois alterações em seus valores estão intimamente relacionados a distúrbios na atividade cardíaca. Com a insulinoterapia e hidratação, o potássio retorna para o intracelular, tendendo a gerar hipocalemia. Se o potássio estiver menor que 3mEq/l no início do tratamento, deve-se fazer sua reposição antes de iniciar a insulinoterapia. Caso não seja possível dosá-lo, deve-se fazer um eletrocardiograma antes da insulinoterapia. O fosfato também tem sua reserva corpórea diminuída frente às alterações metabólicas. Inicialmente sua concentração está elevada pelo fosfato proveniente do catabolismo protéico e alterações na captação e utilização celular do fosfato durante a acidose. Entretanto, existe uma diminuição da sua reabsorção tubular e aumento da perda renal provocada pela diurese osmótica. Um dado importante no metabolismo deste íon é o fato de que sua depleção leva à diminuição do 2,3DPG , desviando a curva da hemoglobina para esquerda (aumentando a afinidade pelo oxigênio, comprometendo sua liberação para os tecidos). Este efeito é compensado pela acidose, que desvia a curva para a direita, sendo mais oxigênio liberado para os tecidos. Com a correção da acidose, essa compensação deixa de existir e a hemoglobina fica mais ávida pelo oxigênio. Estudos revelam que a reposição de fosfato durante a correção da CAD promove aumento na reposição de 2,3DPG, com valores normais sendo atingidos em torno de 24 horas, enquanto que sem sua suplementação, esta normalização se processa em 3 a 4 dias. O cálcio sérico apresenta aumento inicial devido à acidose e mobilização de fosfatos, seguido de diminuição decorrente das perdas urinárias. Reposição rápida e/ou excessiva de fosfato pode causar hipocalcemia. Outras alterações metabólicas encontradas no quadro de CAD são uremia (devido à desidratação), falso aumento da creatinina (por interferência no método de dosagens pela presença de cetonas), leucocitose (conseqüente ao estresse) e amilasemia elevada (pelo componente salivar). As perdas hidroeletrolíticas médias estimadas e suas variações durante o quadro de descompensação são: -água: 100 ml/kg (60-100) -sódio: 6 mEq/kg (5-13) -potássio: 5 mEq/kg (4-6) -cloro: 4 mEq/kg (3-9) -fosfato: 3 mEq/kg (2-5) -Correção da Cetoacidose Diabética O tratamento da CAD é questão de controvérsias e discussões. Não há protocolo rígido a ser seguido. O esquema terapêutico deve ser individualizado e baseado na resposta clínico-laboratorial do paciente. O objetivo do tratamento é retirar o paciente da instabilidade neurológica, hemodinâmica e hidroeletrolítica, conduzindo-o, gradualmente, a um estado de compensação. Essa meta é atingida atuando-se nos mecanismos fisiopatológicos que originaram os distúrbios. Daí a importância de se conhecer bem a fisiopatologia da CAD. Portanto, busca-se bloquear a cetogênese, reverter a acidose metabólica e promover a estabilidade hidroeletrolítica do paciente. Desta forma, os princípios da condução de um caso de CAD são hidratação, insulinoterapia, reposição eletrolítica e correção dos fatores desencadeantes. A cronologia dos procedimentos a ser descrita é mais um esquema didático do que prático, pois muitas vezes várias etapas são efetuadas simultaneamente pela equipe. Como a CAD é um quadro emergencial, que pode colocar em risco a vida do paciente, a atenção primária deve visar a manutenção ou restabelecimento dos sinais vitais. Assim, o ABC da reanimação se impõe como medida inicial. O procedimento prioritário a seguir é a correção dos distúrbios cardiocirculatórios, fundamentalmente do choque (se estiver presente), e rigorosa monitorização hemodinâmica. Sendo o choque da CAD essencialmente decorrente de hipovolemia, a base da sua correção é a reposição volêmica, feita com solução fisiológica 0,9% ou Ringer lactato. Neste período, procura-se conhecer a história do paciente e os fatores que possam ter desencadeado o quadro. A seguir serão detalhadas as etapas dentro de cada uma das intervenções. -Hidratação O reconhecimento dos sinais clínicos de desidratação no paciente com CAD é dificultado pela desidratação ser primordialmente intracelular, cursando com hiperosmolaridade plasmática. A perda média de água dos pacientes que chegam em CAD é de 100 ml/kg. O intuito desta fase inicial do tratamento é assegurar a estabilidade cardiocirculatória. Em seguida, procura-se reparar as perdas preexistentes e fazer a reposição dinâmica das perdas (repor a poliúria que se mantém nos primeiros instantes e vômitos que possam persistir), de modo lento, para se evitar o aparecimento de edema cerebral e/ou pulmonar. Assim, procura-se repor um volume de 100 ml/kg (perda média estimada) em um período de 12 horas, a ser fracionado conforme a seguir. Caso a osmolaridade sérica seja superior a 340 esta fase deve ser estendida por 36-48 horas. -Fase de expansão inicial: o objetivo é assegurar estabilidade circulatória Paciente com choque- administrar soro fisiológico 0,9% ou ringer lactato, EV, 30-50 ml/kg em 1 hora. Repetir até melhora das condições hemodinâmicas. Paciente sem choque- administrar soro fisiológico 0,9% ou ringer lactato, EV, 20 ml/kg em 1 hora. -Fase de reparação e reposição: Volume de reparação: soro fisiológico 0,9% ou ringer lactato, EV, 80 ml/kg, nas 11 horas seguintes. Volume de reposição: sempre que a diurese for superior a 4 ml/kg/h, adicionar este valor ao volume hídrico de reparação. Caso apareçam sinais de hiperidratação a fase de reparação/reposição deve ser suspensa. Quando a glicemia estiver em torno de 250 mg%, modificar a solução de hidratação, utilizando soro fisiológico e soro glicosado 5% ao meio, mantendo o volume a ser infundido. Isto deve ser feito mesmo que o paciente ainda apresente sinais de instabilidade hemodinâmica ou hidroeletrolítica, para se evitar o aparecimento de hipoglicemia. Neste momento, estando o paciente com nível de consciência adequado, pode-se reiniciar a oferta de alimentos via oral, mantendo-se a hidratação parenteral. Se a cetoacidose persistir e a glicemia cair para valores abaixo de 200 mg%, ou se houver tendência à hipoglicemia, aumentar a concentração de glicose no soro ao meio para 7,5% ou 10%. Deste modo, manter-se-á o anabolismo através do fornecimento de substrato para a insulina. Quando o paciente estiver com nível de consciência preservado, bem hidratado, diurese adequada e boa aceitação oral, pode-se suspender a infusão de líquidos via parenteral. Caso, mesmo estando hidratado, persistir com vômitos ou nível de consciência rebaixado, manter o soro de manutenção parenteral. -Reposição eletrolítica A reposição de potássio é iniciada na 2a hora de hidratação, desde que a função renal esteja preservada e seu nível sérico seja menor que 6 mEq/l. A quantidade de potássio a ser administrada pode ser calculada segundo: K sérico - 4,5 - 6 mEq/l: solução com 20 mEq/l de K K sérico - < 4,5 mEq/l: solução com 40 mEq/l de K Respeitar a velocidade máxima de infusão de potássio, que é de 0,5 mEq/kg/h. Se possível e disponível, utilizá-lo na forma de KH2PO4 e KCl (ao meio), com o objetivo de repor o fosfato e diminuir a chance de aparecer hipercloremia. Se a calemia for baixa antes do início do tratamento, pode-se infundí-lo em concentração até de 60mEq/l (sem monitor cardíaco) ou 80 mEq/l (com monitor cardíaco). -Correção da Acidose O uso de bicarbonato para corrigir a acidose metabólica na CAD é restrito a algumas situações que levem ao risco de disfunção cárdio-respiratória: -pH 6,9 na admissão -pH 7,0 na 2a hora de terapêutica -choque e acidose grave comprometendo função cardíaca e ventilatória A correção deve ser feita baseada na fórmula: mEq HCO3 = 0,3 x Peso x (Bic esperado - Bic observado), em 2 a 4 horas. O excessivo cuidado com o uso de bicarbonato decorre das seguintes constatações: -a insulinoterapia bloqueia a cetogênese, interrompendo a produção de ácidos -a hidratação melhora a perfusão tecidual, limitando o acúmulo de catabólitos ácidos nos tecidos e no plasma -a acidose desvia a curva de dissociação da hemoglobina para a direita, contrabalanceando o déficit de 2,3DPG, que a desvia para a esquerda (aumentando a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio). O uso de bicarbonato desbalancearia esta relação, favorecendo a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, e piora da oxigenação tecidual. -estimula a entrada de potássio para o intracelular, aumentando o risco de desenvolver hipocalemia -predisposição ao acúmulo de bicarbonato, ao se associar aquela fração decorrente da oxidação dos corpos cetônicos, podendo levar à alcalose metabólica -risco de acidose paradoxal, que compromete o nível de consciência do indivíduo e predispõe ao desenvolvimento de edema cerebral. Com a correção da acidose, pode-se evoluir com rápido aumento do pH plasmático, diminuindo a ventilação compensatória e elevando a PaCO2. A difusão do CO2 produzido através da barreira hematoencefálica é mais fácil que a do bicarbonato, ocasionando diminuição no pH liquórico, em vigência de pH plasmático normal (constituindo a acidose paradoxal do SNC). O aumento da PaCO2 gera vasodilatação, que contribui para o risco de edema cerebral. -Insulinoterapia A insulinoterapia tem como objetivo a redução gradual da hiperglicemia e o bloqueio da cetogênese. Deve-se ter alguns cuidados ao instituí-la: -Iniciá-la logo após a fase de expansão inicial, quando o paciente apresentar diurese adequada, pois o retorno da taxa de filtração glomerular conduz à glicosúria, diminuindo a glicemia, e evitando uso excessivo de insulina. -Se administrada em vigência de pH baixo, não terá atividade adequada. -A velocidade de decaimento da hiperglicemia deve ser de 80-100 mg%/hora, pois correções mais rápidas podem desencadear o aparecimento de edema cerebral. -Enquanto o paciente estiver desidratado, a insulina não deve ser administrada por via sub-cutânea, pois a perfusão estará comprometida, e consequentemente, não haverá absorção adequada da insulina. Assim, a insulina deve ser administrada por via intramuscular enquanto não houver boa hidratação. -A administração de insulina EV deve seguir alguns cuidados. Deve ser diluída em solução fisiológica em uma concentração de 20 UI para cada 100 ml e o equipo deve ser lavado previamente com esta solução para ficar saturado, uma vez que a insulina pode aderir às paredes do equipo. A insulina utilizada para o controle do quadro é a insulina regular, de ação rápida. Deve-se dar preferência ao uso da insulina EV, sempre em bomba de infusão e apenas em UTI. Se o controle for realizado em UTI: -Dose de ataque: 0,1 UI/kg, EV, em bolo, seguida de administração contínua 0,1 UI/kg/h Monitorar a queda da glicemia. Se esta for superior a 100 mg%/h, diminuir a dose contínua pela metade. Quando a glicemia estiver menor ou igual a 250 mg%, com glicosúria menor que 3+, e com cetonúria, reduzir a velocidade de infusão para 0,05 UI/kg/h. Estando o paciente hidratado, com cetonúria negativa, suspender a infusão EV de insulina e iniciar a administração SC. Deve-se ter o cuidado de administrar a dose SC meia hora antes da suspensão da insulina EV. Se o controle for realizado em Pronto Socorro: -Dose de ataque: 0,1 UI/Kg, IM. Apesar de vários autores referirem que a dose de ataque é de 0,1 a 0,3 UI/kg, doses mais elevadas que 0,1 geralmente não são necessárias para controle do quadro, pois aumentam o risco de hipoglicemia e das outras complicações de uma velocidade acelerada de decaimento da glicemia. -Dose de manutenção: 0,1 UI/kg IM, de hora em hora Quando o paciente estiver hidratado e com glicemia menor ou igual a 250 mg%, passar para insulina regular 0,25UI/kg, IM a cada 4 horas, se necessário. Controle de glicemia capilar, glico e cetonúria a cada 2 horas Persistindo a acidemia/acidúria, com glicemia menor que 250 mg%, deve-se aumentar a VIG, adicionando-se 2-4 g de glicose/unidade de insulina administrada. Na manhã seguinte ao controle clínico-laboratorial do paciente, mesmo que parcial, inicia-se a insulina intermediária (NPH), com o seguinte esquema: -pacientes com primodescompensação: 0,5 UI/kg/dia, SC, dose única inicialmente, 30 minutos antes do café-da-manhã -pacientes já diagnosticados: dose 10% maior que a anterior à descompensação O paciente e a família devem ser instruídos quanto ao manejo do diabetes, conhecer sua história natural, a importância dos controles domiciliares, da insulinoterapia e da dieta adequada. -Alimentação Deve ser reiniciada assim que o nível de consciência e os controles clínicolaboratorias permitam. Dar preferência carboidratos de absorção lenta, por apresentarem baixo índice glicêmico (como maçã, banana, pão integral, feijão, leite, ...), gorduras insaturadas, por serem menos cetogênicas (como óleos vegetais) e alimentos ricos em potássio. -COMPLICAÇÕES DO TRATAMENTO DA CETOACIDOSE DIABÉTICA -Hipoglicemia Decorre de uma monitorização inadequada do paciente, conseqüente à administração insuficiente de glicose após queda da glicemia abaixo de 250 mg%, excesso de insulina ou atraso na introdução da dieta oral. Tratamento: administração em bolo de SG 10%, 2 ml/kg, EV instalar soro com VIG suficiente para se atingir uma glicemia adequada. -Neuroglicopenia Os carreadores que facilitam o transporte da glicose para o SNC estão diminuídos durante a hiperglicemia. Se a queda da glicemia é mais rápida que a reposição destes carreadores, pode haver comprometimento do transporte da glicose para o SNC, ocasionando a neuroglicopenia. Sintomas: tontura, confusão mental, diminuição do nível de consciência e coma. Para se evitá-la, deve-se respeitar a velocidade de decaimento da glicemia. -Hipocalemia Tende a ocorrer com a correção da acidose, com o uso da insulina e com a depleção do K pela diurese osmóstica e ação da aldosterona. Para prevení-la, monitorizar o K (dosagem sérica e sinais eletrocardiográficos) e iniciar sua reposição a partir da 2a hora de hidratação. Tratamento: administrar 3 a 5 mEq/kg em 4-6 horas (velocidade máxima de 0,5 mEq/kg/h) em uma solução de até 60 mEq/l (sem monitor cardíaco) ou 80 mEq/l (com monitor cardíaco). -Hipofostatemia Ocorre pela perda de fosfato, pelos mecanismos já descritos. A deficiência deste íon é, em geral de pequena intensidade. Para evitá-la ou corrigí-la, utiliza-se parte do K a ser reposto na forma de KH2PO4. -Acidose hiperclorêmica A hipercloremia pode decorrer de uma oferta excessiva de cloro nas soluções utilizadas na reparação/reposição hidroeletrolítica. Durante o tratamento da CAD, os cetoânions são oxidados à bicarbonato, que é eliminado na urina, levando à acidose. Para manter a eletroneutralidade plasmática, ocorre retenção de Cl, podendo desencadear a acidose metabólica hiperclorêmica. -Acidose persistente Se após 8 horas de tratamento o bicarbonato persistir menor que 10mEq/l, estando a dose de insulina adequada e a via de administração efetiva, deve-se estar diante de resistência insulínica devido aos altos níveis de hormônios contra-reguladores. Neste caso, deve-se proceder com a correção da acidose com bicarbonato. -Edema Pulmonar O edema pulmonar pode decorrer do desbalanço entre a pressão oncótica (que diminui durante a hidratação) e da pressão hidrostática (que aumenta na hiperidratação). Outro mecanismo que o explica é a taquipnéia com volume corrente constante, que leva à diminuição da pressão intra-pleural, fazendo com que a pressão intersticial fique mais negativa e puxando o líquido do intravascular para o interstício. -Edema cerebral É a mais séria complicação do tratamento da CAD. Geralmente, aparece após a estabilização hemodinâmica e metabólica do paciente. É de instalação rápida e caracterizada por confusão mental, seguida de diminuição do sensório, cefaléia intensa, vômitos, sinais de hipertensão intracraniana, convulsões e coma. As hipóteses para sua etiopatogenia são controversas, sendo atribuído, entre outras causas, à rápida hidratação, secreção de hormônio anti-diurético, insulinoterapia inadequada (com rápida queda da hiperglicemia), hiponatremia, uso de bicarbonato na correção da acidose (aumentando a PaCO2 e gerando vasodilatação cerebral) e hipercoagulabilidade. Tratamento: administrar Manitol, 0,5-2 g/kg, EV, rápido, repetindo se necessário avaliar a necessidade de restrição hídrica Intubação orotraqueal e hiperventilação (reduzir a pressão intracraniana).