I JORNADA EM URGÊNCIAS PEDIÁTRICAS DO HMAF Lana Brasil A cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação aguda do diabetes, decorrente da deficiência de insulina circulante associada ao aumento dos hormônios contrarreguladores. Doença crônica que cursa com hiperglicemia e associada a distúrbio do metabolismo dos lipidios, proteinas e carbohidratos. As causas são ◦ a produção deficiente de insulina pelo pâncreas (parcial ou total) ◦ a resistência à ação da insulina ◦ ou ambos. TIPO 2 Varia de uma predominância de resistência insulínica com relativa deficiência insulínica Ou o inverso TIPO 1 Destruição das celulas beta do pâncreas Ocasiona deficiência total de INSULINA De natureza autoimune ou idiopática Acontece na gravidez Podendo ou não haver remissão OUTROS TIPOS GESTACIONAL Endocrinopatias Sídromes Doenças do pâncreas Induzido por fármacos Defeitos genéticos MODY (Maturity Onset Diabetes of the Young) Causada pela ausência de produção de insulina pelo pâncreas As células beta do pâncreas são lentamente destruídas por meio de um processo auto-imune ou idiopático. O início do processo de destruição pode preceder em muitos anos o aparecimento da doença É o mais comum na faixa etária pediátrica e na adolescência com uma incidência de 7,4 casos para 100.000 habitantes/ano A DMID é mais prevalente em indivíduos com doença de Addison, tiroidite de Hashimoto e anemia perniciosa GENÉTICA AUTO IMUNIDADE INSULINOPENIA Vírus Rubéola congênita, caxumba, sarampo e/ou Lesão das células β STRESS Massa de células (% do max.) 100% SINTOMAS 50% DM1 20% TEMPO anos ETIOPATOGENIA DM TIPO 1 Einsenbarth GS. Type I diabetes mellitus: A cronnic autoimune disease. N Engl J Med 314;1360-68,1986 MARCADORES Anticorpos Anti-ilhotas ( ICA ) Anticorpos Anti-insulina (AAI) Anticorpo Anti-GAD ◦ < 5 anos de doença : positividade de 80% ◦ < 5 anos de doença : quase 100% de positividade ◦ 5 a 15 anos : 62% de positividade ◦ > 15 anos : 15% de positividade ◦ Ácido glutâmico descarboxilase AGUDAS HIPOGLICEMIA HIPERGLICEMIA ◦ CETOACIDOSE DIABÉTICA CRÔNICAS Macroangiopatias Microangiopatias Neuropatias FISIOPATOLOGIA Diminui a produção hepática de glicose Diminui a gliconeogênese Diminui a glicogenólise Síntese protéica Degradação protéica Insulina Estimula lipogênese Reduz lipólise Captação periférica glicose (tec. Musc.e Adiposo) CAD Diabetes Evento inicial Hormônios contrarregulatórios Insulina Glucagon Cortisol Catecolaminas GRH CAD Utilização G Catabolismo proteico Lipólise CAD Utilização G Hiperglicemia Catabolismo protéico Lipólise CAD Utilização G Catabolismo protéico Hiperglicemia Gliconeogenese Lipólise CAD Utilização G Hiperglicemia Catabolismo proteico Gliconeogenese Lipólise TGL Glicerol AGL Cetonemia acetoacetato(AcAc) 3-b-idróxidobutirato(3HB) acetona Acidose CAD Utilização G Hiperglicemia Catabolismo proteico Gliconeogenese Lipólise TGL Glicerol AGL Cetonuria Cetonemia Diurese osmótica Vomitos depleção eletrólitos desidratação Acidose CAD Utilização G Hiperglicemia Catabolismo proteico Lipólise TGL Glicerol Gliconeogenese AGL Cetonuria Diurese osmótica depleção eletrólitos Cetonemia Vomitos desidratação Hipotensão Vasodilatação Hipotermia Acidose Tríade clássica: •corpos cetônicos na urina Intensidade LEVE MODERADA GRAVE Parâmetro BICARBONATO < 15 < 10 <5 pH < 7,3 < 7,2 < 7,1 • Eliminação de fezes aquosas há 7 dias associada a embaçamento visual, dor em mmii e sudorese fria; • Há 1 dia apresenta vômitos e dor abdominal surgindo fraqueza e sonolência; •Nega febre • EF: desidratado, resp. toracoabdominal, ausência de tiragem e retrações • • • Poliúria, polaciúria, polidpsia, nictúria polifagia e perda de peso Sonolência/fadiga há 2 semanas ; - Idade - Peso anterior, para avaliar o grau de desidratação - Detalhar ◦ o início ◦ duração e progressão dos sintomas(polis/perda de peso) - No paciente COM diagnóstico prévio de Diabetes - Tempo de doença: ◦ - Regime atual de insulinoterapia: ◦ ◦ pacientes com diagnóstico recente ainda não tem um bom conhecimento sobre como lidar com a doença, enquanto aqueles com muitos anos de diabetes já podem ter outras complicações associadas; -nome da insulina (NPH, Regular, Humalog [Lispro], Lantus [Glargina]), - doses de cada uma delas, locais de aplicação, conservação, - É fundamental perguntar sempre sobre o último horário e dose de insulina administrada antes de vir para a Unidade de Emergência; - Conduta tomada em casa ou em outro PS para tratar a CAD; - Método de monitoração domiciliar da glicose (glicemia) e seus resultados mais recentes; - Hospitalizações prévias devido ao diabetes: ◦ quantas vezes, por que razões, necessidade de UTI, data e motivo do último internamento; ◦ transgressão alimentar, infecção, omissão da insulina, etc; - Nome do endocrinologista que o acompanha e quando foi realizada a última consulta. - Motivo para a descompensação: No paciente SEM diagnóstico prévio de Diabetes Diferenciar de algum diagnóstico diferencial ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ - Infecção grave; Abdome agudo. Intoxicação por salicilatos; Intoxicação por organofosforados; Gastroenterite aguda; Desidratação hipernatrêmica; Tubulopatia renal; Pneumonia; Broncoespasmo; Coma; O exame físico deve enfatizar os seguintes aspectos: - Sinais vitais - Peso - Avaliar grau de desidratação, o que muitas vezes é difícil pelo fato da desidratação ser predominantemente intracelular. - Checar: umidade das mucosas, turgor, cor e temperatura da pele, freqüência e amplitude dos pulsos periféricos e centrais, enchimento capilar, nível de consciência e pressão arterial. - Investigar presença de respiração de Kussmaul. - Verificar a existência de hálito cetônico; - Checar nível de consciencia: - Pensar sempre em possíveis diagnósticos diferenciais. ◦ ◦ ◦ ◦ habilidade de ingestão VO, necessidade de SNG, sonda vesical O2; Glicemia capilar e plasmática Gasometria arterial ou venosa Hemograma Uréia e creatinina ◦ presença de leucocitose sem desvio para a esquerda é freqüente na cetoacidose e não necessariamente indicativo de infecção; ◦ pode mostrar também hemoconcentração devido à desidratação ◦ a presença de cetoácidos causa uma falsa elevação do nível sérico da creatinina, a qual isoladamente não tem valor diagnóstico. A uréia tende a ser elevada devido à desidratação; Eletrólitos (Na+, K+) Medida da glicosúria e cetonúria com fitas reagentes Sumário de urina Osmolaridade sérica medida ou calculada •Protocolos do serviço TRATAMENTO Fases Situação Clínica Desidratação SEM choque 1a Fase ou Fase de Expansão Desidratação COM choque Solução - SF 0,9% ou Ringer Lactato Administrar 10-20 ml/Kg/EV, em 1-2 horas, repetindo 1-2 vezes, se necessário. Se o paciente estiver bem, esta fase não necessita ser administrada. - SF 0,9% ou Ringer Lactato Administrar 20 ml/Kg/EV, em até 20 min., repetindo 1-5 vezes, SN Se não houver melhora após 100ml/kg de SG ou RL, procurar outras causas ( NN + DEFICIT -- EXPANSÃO) Subtrair o volume infundido na 1a fase da hidratação Não passar de 4000ml/m2/dia 2a Fase ou Fase de reposição/24hs NN (Holliday & Segar) DEFICIT (Défi ml= Grau de desidratação (%) x 10 x P (Kg)] EXPANSÃO - Fase rápida Glicemia capilar > 250 Glicemia capilar < 250 Soro Fisiológico Soro glicofisiológico ½ ◦ Nos casos com osmolaridade > 320, a reposição do déficit deverá ser acima de 12 horas . ◦ Osmolalidade sérica = 2(Na sérico + K sérico) + glicemia/18 Valor normal: entre 275-295 mOsm/Kg água ◦ O volume total não deve ultrapassar 4l/m2/dia, Parâmetro Desidratação leve Desidratação moderada Desidratação grave Perda de peso Lactente (5%) Criança maior (3%) Lactente (10%) Criança maior (6%) Lactente (15%) Criança maior (9%) - Lactente de 10 Kg, com desidratação grave, em choque, que recebeu na 1a fase ou fase de expansão, um volume de 500 ml de SF 0,9%, EV. 10kgx 30ml + 10Kg x 20ml =500ml SF Houve melhora da perfusão e o paciente deverá prosseguir para a 2a fase da hidratação ou fase de reposição. NN = 1.000 ml + Deficit (15% = desidratação grave em lactentes) [Grau de desidratação (%) x 10 x Peso (Kg)] 15% x 10 x 10 Kg Deficit = 1.500 ml EXPANSÃO = 500 ml de líquidos na 1a fase ◦ 1.500 – 500 = Déficit = 1000 ml NN = 1.000 ml + Déficit corrigido = 1000 ml TOTAL = 2.000 ml/ 24 horas, ou 83 ml/h EV. Não ultrapassar 4 litros/m2/dia de líquidos nas primeiras 24 horas TRATAMENTO A acidose grave é corrigida pela reposição de fluídos e insulina, A insulina interrompe a produção de cetoácidos, além de permitir a metabolização destes em bicarbonato (Bic). Estudos clínicos não evidenciaram benefícios na administração de bicarbonato e consideram até desvantajoso o seu uso American Diabetes Association Somente deve ser reposto se pH < 6.9 ou se houver hipotensão arterial, arritmia ou coma com pH < 7,1. Reposição deve ser feita lentamente, para evitar NaHCO3 a ser administrado = peso x Base Excess x 0,3 arritmia. Deste total infundir 1/3 de forma lenta e reavaliar a necessidade dos outros 2/3 pela repetição da gasometria NÃO ADMINISTRAR NaHCO3 SE pH > 7,1. Efeitos colaterais: Hipocalemia pela rápida correção da acidose, Diminuição da recuperação do metabolismo dos corpos cetônicos, Acidose do fluido cérebro-espinhal paradoxal, Efeitos colaterais: Aumento do risco de edema cerebral crianças, Além de desviar a curva de dissociação de oxihemoglobina para a esquerda, reduzindo a oferta de oxigênio tecidual. TRATAMENTO Ocorre uma pseudohiperpotassemia Para cada redução de 0,1 no pH ocorre um aumento de 0,6 mEq/l no potássio sérico. ◦ potássio sérico em níveis normais ou baixos na presença de acidose metabólica é indicativo de acentuado déficit do potássio corporal. A queda do potássio plasmático se deve à diurese osmótica, acidose e perdas gastrointestinais. De acordo com calemia inicial K inicial (mEq/L) Antes da 1ªdiurese K Após 1ªdiurese >6* -------- ---------- 4a6 ------------- 20-30 mEq /L ou 0,2-0,3 mEq/Kg/hora <4 -------------- 40 mEq/L ou 0,3-0,5 mEq/Kg/hora A administração de K não deve ultrapassar 0,5mEq/Kg/hora KCl 19,1% (1 ml = 2,5 mEq de K) O K deverá ser monitorizado periodicamente ( 0,2, 4, 8,12h) durante a correção da CAD A “pseudohiponatremia” é frequente ◦ hiponatremia dilucional (transporte osmótico de água), ◦ Natremia não reflete o grau de concentração do EEC: ◦ É de prever que o nível de Na+ aumente durante a terapêutica ◦ Se o Na+ não aumentar, pode existir uma verdadeira hiponatrémia (possivelmente aumentando o risco de edema cerebral) que deve ser tratada ◦ Na vigência de hiperglicemia, quanto mais elevado for o sódio sérico maior será o grau de desidratação e maior o risco de desenvolvimento de edema cerebral ao se iniciar a terapia. TRATAMENTO A insulina utiliza-se para tratar a acidose, não a hiperglicemia ◦ Protocolos de insulina não deve nunca ser suspenso enquanto persistir acidose Quando a acidose estiver corrigida, o protocolo pode ser suspenso e iniciada insulina basal Com este esquema, a CAD é em geral corrigida em 24 a 48 horas O objectivo é diminuir lentamente a glicemia (70- 100 mg/dL/h) Insulinização ◦ Infusão cotínua endovenosa Bomba – UTI ◦ Administração por via IM SC 1a. dose: 0,25 U/Kg IM INSULINA R EV - BOMBA MONITORIZAÇAO 1/1H HGT E CETONÚRIA Soluçaõ : 50U IR + 50ml SF = 50U IR + 250ml SF = INSULINA R IM SC 1ml=1U 5ml=1U GC > 250 0,1-0,2 U/kg/h GC < 250 0,05 U/Kg/h cetonúria > 2 Suspender : GC < 180 e cetonúria < 2+ Fazer IR 0,2U/Kg 30’ antes de suspender bomba GC > 250 e cetonúria >2+ 0,1U/Kg 1/1h GC > 250 e cetonúria < 2+ 0,2U/Kg 2/2h GC < 250 e cetonúria > 2+ 0,1U/Kg 2/2h GC < 250 e cetonúria < 2+ monitorar HGT 4/4hs GC > 250 0,2U/KG Glicemia / Cetonúria de hora em hora nas primeiras seis horas (fase de insulinização), Coleta de gasometria e eletrólitos com 6h de tratamento, Insulina NPH SC 0,3-0,5 U/kg ◦ divididas em 2 tomadas ◦ controle com HGT pré refeições Insulina Regular SC se necessário (4/4hs) ◦ HGT >300 mg/dl – 0,2 U/kg ◦ HGT 200-300 mg/dl – 0,15 U/kg ◦ HGT 160-200 mg/dl – 0,1 U/kg. Efeito insulínico Regular Regular Regular NPH/Lenta/Basal D A J Refeições NPH/Lenta/Basal C D PERFIL MÉDIO DE AÇÃO DAS INSULINAS HUMANAS E ANIMAIS INSULINAS HUMANAS PERFIL DE AÇÃO (horas) Início Pico Duração Efetiva Duração Máxima Ultra-Rápida (UR) < 0,25 0,5-1,5 3-4 4-6 Rápida (R) 0,5 - 1,0 2-3 3-6 6-8 NPH (N) 2-4 6-10 10-16 13-14 Lenta (L) 2-4 6-12 12-18 16-20 Ultralenta (U) 6-10 10-16 18-20 20-24 Glargina 4 Não tem 24 24 PERFIL DE AÇÃO (horas) INSULINAS ANIMAIS Início Pico Duração Efetiva Duração Máxima Rápida (R) 0,5-2,0 3-4 4-6 6-10 NPH (N) 4-6 8-14 16-20 20-24 Lenta (L) 4-6 8-14 16-20 20-24 Ultralenta (U) 8-14 Mínimo 24-36 24-36 Análogos de insulina * Adaptado de: Medical management of type 1 diabetes – 3rd edition - 1998 - American Diabetes Association 51 TRATAMENTO 1ºdia - manter dieta zero até 6 horas após a compensação glicêmica ou após boa consciência e sem vômitos. Iniciar com líquidos principalmente suco de laranja, para ajudar na reposição de K. 2ºdia – branda. 3ºdia - dieta normal para diabético; a própria criança, segundo sua vontade é o fator limitante da quantidade a ser ingerida, dentro de uma quantidade considerada adequada. Evoluir para seis refeições ao dia. TRATAMENTO É definida como glicemia de 50 mg/dl ou menor, associada às ◦ manifestações clínicas de neuroglicopenia (confusão mental, torpor, coma e até morte) ou de ◦ hiperatividade autonômica (taquicardia, palpitações, sudorese, tremor e náuseas). Conduta: - Glucagon: 0,1-0,3mg/kg peso (máximo de 1mg), via IM ou IV. - Reposição de glicose : Criança: solução de glicose a 25% 0,5 g/Kg peso, IV em bolo. Após, manter infusão de SG 10% de modo a manter os níveis glicêmicas dentro dos limites normais. Raro, mas geralmente é fatal ou associado com sequelas neurológicas graves. Encontrado mais em crianças e adolescentes. Causas prováveis: - rápida administração de fluidos e correção da diferença osmótica entre o sistema nervoso central e o líquido extracelular; - uso excessivo de bicarbonato; - hiponatremia ; - queda rápida da glicemia abaixo de 200 mg/dl . Hiperosmolaridade Quadro clínico: cefaléia severa, alterações do comportamento, alterações pupilares e da pressão arterial, bradicardia e distúrbios da regulação térmica. Conduta: - Manitol 1-2 g/kg de peso; - entubação com hiperventilação, se o paciente estiver comatoso. É importante destacar que a agilidade no atendimento e a supervisão constante do médico são fundamentais para a boa evolução e garantia de melhor prognóstico, nos casos de CAD. Lana Brasil