CASO CLÍNICO: Cetoacidose diabética HRAS – PEDIATRIA Gustavo Melo Torres Lucas Queiroz Internato-Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) Coordenação: Luciana Sugai www.paulomargotto.com.br Brasília, 26 de fevereiro de 2010 IDENTIFICAÇÃO JALM, 7 anos de idade, Pardo Natural do Ceará Procedente e residente do Guará Hora da GAE 11:52 Data de Admissão no PS – HRAS: 04/10/2010 às 14:40 QUEIXA PRINCIPAL Há 3 dias notou o filho Molinho HISTORIA DA DOENÇA ATUAL - HDA Primeiro Atendimento Médico: Foi realizado pela Policlínica do Corpo de Bombeiros Militar – DF Encaminhou paciente ao PS do HRAS pela seguinte Indicação: Hipoativo, fraqueza, Hidratado no limiar e consciente, Poliúria, polifagia, Hiperglicemia de jejum (413). HISTORIA DA DOENÇA ATUAL - HDA História Colhida no PS: Há 3 dias notou filho molinho e procurou atendimento médico. Há 10 dias com poliúria e polidipssia. HISTORIA DA DOENÇA ATUAL - HDA Conduta médica antes de encaminhar o paciente para o PS do HRAS SF 0,9% 100ml/kg em 1 etapa em 2 horas Insulina Regular 05 UI - EV REVISÃO DE SISTEMAS Perda ponderal de 1,5kg Nega Febre nestes dias HISTÓRIA PREGRESSA Intercorrências na Gestação: Nada digno de Nota – NDN Nasceu de parto normal a termo, chorou ao nascer, pesando 3400g, PC = 34cm, Estatura = 51cm, teve icterícia neonatal, precisou de fototerapia. SME até o 4º mês de vida Vacinação atualizada ANTECEDENTES Nega Internações e cirurgia anteriores Nega uso de medicações crônicas Mãe, 36 anos, Hígida Pai, 41 anos, Hígido 3 Irmãos, Hígidos Nega história de Diabetes na Família EXAME FÍSICO Bom Estado Geral, hipoativo, normocorado, acianótico, anictérico, desidratado e mucosas secas. ACV: RCR, 2T, BNF e sem sopros FC: 100 bpm AR: MV + , sem R.A. FR: 20 rpm ABD: RHA+, indolor e sem VMG Ext: Perf: 3 segundos IMPRESSÃO DIAGNÓSTICA Cetoacidose Diabética Primodescompensação Desidratação moderada CONDUTA - PS Dieta Oral Zero Hidratação Venosa 100% Holliday: correr em 3 etapas - SG 5% - 500 ml - NaCl 20% 4,5 ml 62,5ml/h - KCl 10% 7,5 ml - Correr em 1 etapa - SF 0,9% 500ml 83ml/h CONDUTA - PS Insulina Regular 2 UI IM (0,1 UI/Kg) Cetonúria, Glicosúria e Glicemia Capilar (destrostix – DX) de 1 em 1 hora Colher Hemograma e Gasometria Reavaliar de 1 em 1 hora EVOLUÇÃO DO PS 04/02/2010 – 16 horas Controles: Controle s 11 horas 12horas 14horas 15horas 16horas Glicemia 544 457 297 208 132 Glicosúria +++ Negativa ++ Negativa Negativa Cetonúria +++ ++++ ++++ +++ ++ Tax - - - - 37,2 EVOLUÇÃO DO PS 04/02/2010 – 16 horas Mãe refere que paciente está melhor. Diurese OK. Está com fome. Afebril e sem vômitos Exame Físico: - BEG, ativo, AAA, hidratado, Hipocorado +/+4 - ACV, AR, Abd e Ext: NDN EVOLUÇÃO DO PS 04/02/2010 – 16 horas Conduta: - Libero Dieta - Suspenso Hidratação venosa - Insulina regular conforme esquema: < 200 0 UI 200 – 250 2 UI 250 – 300 3 UI >300 4 UI EVOLUÇÃO DO PS 04/02/2010 – 17 horas Resgatados Exames - Hemograma - Gasometria HEMOGRAMA WBC 9620/ul NEU 78% BAND RBC 4,94 x 10e6/ul 02% HGB 13,8 g/dl LYMPH 15% HCT 40,6% MONO 05% MCV 82,3fL EOSIN 00% MCH 28,0 pg MCHC 34,0 g/dl RDW 16,5% PLT 335 000/ ul BIOQUÍMICA Glicose 414 mg5 Uréia 46mg% Creatinina 0,7mg% TGO 17 U/l TGP 14 U/l Na+ 137 mEq/l K+ 4,1 mEq/l Cl- 104 mEq/l VHS Não realizado pH G ASOMETRIA pCO2 7,316 pO2 113 mmHg BE - 17,6 mmol/l HCO3- 11,9 mmol/l 15,6 mmHg GASOMETRIA A LÓGICA DO RACIOCÍNIO (slide) Autor(es): Paulo R. Margotto GASOMETRIA Acidose metabólica com alcalose respiratória pCO2 abaixo do esperado como compensação EVOLUÇÃO DO PS 04/02/2010 – 21 horas - Paciente no momento estável, sem queixas de febre, urinárias ou gastrointestinais. - Aceitando a dieta. Encontra-se consciente. -Exame Físico: BEG, hidratado, eupneico, AAA. ACV: RCR, 2T, BCNF, s/ sopros AR: MV +, sem R.A. Abd: flácido, indolor, RHA+, sem VMG EVOLUÇÃO DO PS 04/02/2010 – 21 horas Conduta: mantida e vigilância clínica EVOLUÇÃO DO PS 04/02/2010 – 21:10 O médico de plantão foi abordado pela enfermagem pois criança c/ DX = 428mgldl, cetonúria ++ e glicosúria ++ Conduta: - Suspenso dieta - Repeto 2 Ui IM de Insulina R - Refazer controles em 1 hora (Dx, glicosúria e cetonúria) EVOLUÇÃO DO PS 04/02/2010 – 23 horas Paciente tranquilo, acordado, estável, sem queixas DX = 303mg/dl, cetonúria + e glicosúria + Conduta: - Libero dieta - Refazer controles em 1 hora (Dx, glicosúria e cetonúria) EVOLUÇÃO DO PS 04/02/2010 – 24 horas Apresentou: DX = 410 mg/dl, cetonúria ++ e glicosúria ++ Conduta: - Repito 2 UI IM de insulina R - Repetir DX em 1 hora EVOLUÇÃO DO PS 05/02/2010 7:30 Controles Controles 21 horas 22horas 24horas 03horas 7horas Glicemia 428 303 441 515 88 Glicosúria ++ + +++ ++ +++ Cetonúria ++ + ++ + + EVOLUÇÃO DO PS Criança afebril, sem queixas álgicas, nega vômitos, acordado. Exame físico: NDN Conduta - Inicio NPH 0,5 UI/Kg 2/3 pela manhã e 1/3 à noite - Encaminho a Ala B ALA B Foi realizado o ajuste das dose de insulina, e feito o trabalho psicossocial com o paciente e familiares sobre o manejo da injeção de insulina Paciente evoluiu bem clinicamente recebendo alta dia 10/02/2010 devendo retornar dia 18/02/2010 para reavaliação. CETOACIDOSE DIABÉTICA DEFINIÇÃO Estado de diabetes severo e não controlado devido a deficiência de insulina Caracterizada por altas concentrações de glicose sanguínea e cetona corpórea e acidose Urgência endocrinometabólica mais comum na infância Primeira manifestação do DM1 em 30-40% das crianças e adolescentes Principal causa de morte em diabéticos <20 anos Se tratada adequadamente, mortalidade <5% GRUPOS DE RISCO Crianças com controle metabólico precário ou episódios prévios de CAD Adolescentes e pré-púberes do sexo feminino Crianças com desordens psiquiátricas Crianças com problemas familiares Baixas condições socioeconômicas CAUSAS Sem diagnóstico estabelecido – 43% Infecções – 28% Erros de tratamento – 13% Diagnóstico de exclusão Novos casos de DM1 – 10% Diversas – 5% IAM – 1% FISIOPATOLOGIA Deficiência absoluta ou relativa de insulina ↑ Hormônios contra-regulatórios Estado hipercatabólico Hiperglicemia (glicogenólise e gliconeogênese) ↑ lipólise e cetogênese – Acetoacetato (AcAc) e 3-βHidroxidobutirato (3HB) FISIOPATOLOGIA Hiperglicemia (>180mg/dl) excede capacidade de reabsorção tubular renal e hipercetonemia causam diurese osmótica; Vômitos associados Resistência a insulina Desidratação e perda de eletrólitos Liberação de catecolaminas Piora da hiperglicemia e da hipercetonemia Deficiência insulínica Glicogenólise Resistência insulínica Lipólise Gliconeogênese Hiperglicemia Diurese osmótica Contração da volemia Desidratação Perda de eletrólitos Acidose metabólica Perda de potássio Perda de fosfato Captação periférica de glicose Oxidação de ácidos graxos livres Cetonemia Conseqüências do Déficit de Insulina Tecido Hepático Insulinopenia Glicogenólise Gliconeogênese Inibição da lipogênese Cetogênese Muscular Não captação de glicose Oxidação de ács. Graxos Glicogenólise/ Proteólise Adiposo Não captação da glicose Liberação de triglicerídeos Lipólise (liberação ács. Graxos) CAD X EHH QUADRO CLÍNICO Irritabilidade (crianças menores Confusão, tonturas e queda da consciência Coma (10% dos casos) Sinais de desidratação Hipotensão Taquicardia Hipotermia (hiper, se infecção) Poliúria e nictúria; sede Perda de peso Fraqueza Visão borrada Respiração acidótica (Kussmaul) Dor abdominal (principalmente em crianças) Cãimbras nas pernas Náuseas e vômitos DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Situações de choque GECA Broncoespasmo Intoxicação exógena (salicilatos, álcool) Abdome agudo (apendicite), pancreatite. Síndrome de Reye DIAGNÓSTICO BIOQUÍMICO Hiperglicemia (>200 - 250mg/dL) Cetonemia (>3mmol/L) Acidose (pH<7,3 ou HCO3 <15mEq/L) 2 itens caracterizam a CAD SEVERIDADE Parâmetro Sinais Clínicos Perfusão FC PA Laboratório HCO3 pH Leve Moderado Grave N N ou N ou N ou <15 <7,3 <10 <7,2 <5 < 7,1 AVALIAÇÃO Estabelecer diagnóstico e pesquisar causa (procurar evidências de infecção) Glicose capilar e cetonemia ou cetonúria Coleta de sangue: HC, glicemia, cetonemia, eletrólitos, uréia, creatinina Gasometria arterial EAS/urocultura Hemocultura Rx tórax ECG CUIDADOS GERAIS Oxigenação se pO2<80mmHg em ar atmosférico Sondagem com aspiração nasogástrica – comprometimento de consciência Sondagem vesical – paciente inconsciente ou sem urinar após 6h de tratamento ATB, se indicado TRATAMENTO SÓDIO E ÁGUA Sódio sérico superestima a perda sódica Na real = Na dosado + 1.6 (glicemia–100) 100 Choque: Expansão volumétrica: 20mL/Kg – SF 0,9% IV em 30 min. Se após infusão não houver diurese repetir expansão Reposição da desidratação com soro fisiológico 0,9% em 6 h + manutenção (fazer Holliday) * Se osmolaridade > 320, repor depleção em 12h. TRATAMENTO HIDRATAÇÃO VENOSA No Holliday: Glicemia > 300: SG 5% Glicemia 200 – 300: SG 7,5% Glicemia < 200: SG 10% Solução com 5% de glicose = TIG 2,5 – 3,5mg/kg/min Reposição da desidratação – calculo com a estimativa de depleção de volume do espaço extra-celular (EEC) TRATAMENTO Idade Vol do EEC RN 40% lactente 30% Pré-escolar 25% Escolar e adulto 20% Grau de DEEC % de Depleção do EEC leve 15% moderado 20% grave 25% choque 30% TRATAMENTO Reposição volêmica e sódica restaura volume circulante, restaurando FG, o que contribui para uma melhor depuração de glicose e corpos cetônicos OBS:Redução acentuada de glicemia e hiponatremia são fatores de risco para edema cerebral. TRATAMENTO INSULINA Dose: 0,1U/Kg/h de insulina regular (IR) EV ou IM 1ml/kg/h de solução 250ml de SF 0,9% + 25UI de IR Lavar equipo com 50ml iniciais Espera-se redução de 50 – 100mg/dL/h de glicose Se < 50 aumentar insulina para 0,15 – 0,2UI/kg/h Fazer até a correção da cetoacidose pH>7,3 e bicarbonato>15mmol/L Queda de AG= Sucesso na terapia TRATAMENTO INSULINA Essencial para restaurar glicemia, suprimir lipólise e cetogênese Glicemia volta a níveis normais antes da resolução da acidose NÃO DESCONTINUAR INSULINA Após correção da cetoacidose, iniciar terapia com insulina SC Se diagnóstico recente: 0,6 – 0,7 UI/kg/dia: NPH: 2 – 3x/dia ou glargina (Lantus) + IR TRATAMENTO POTÁSSIO Há uma perda absoluta de K na cetoacidose, porém com uma pseudo normo ou hipercalemia Hipertonicidade, glicogenólise, proteólise e acidose – efluxo de K das células Depleção de volume Hiperaldosteronismo Com início do tratamento o K volta ao intracelular, podendo haver queda abrupta da calemia, e arritmias Iniciar reposição com insulinoterapia TRATAMENTO POTÁSSIO Reposição K < 4mEq/L 6 – 8 mEq/kcal/dia K 4 a 6 mEq/L 4 – 6mEq/kcal/dia K > 6,0 mEq/L 2 – 4mEq/kcal/dia Velocidade máxima de infusão = 0,6 mEq/Kg/hora Monitorar com ECG TRATAMENTO FOSFATO Queda por conta de diurese osmótica Ao início da terapia, cai o fosfato por sua reentrada nas células e por excreção urinária fosfato 2,3 DPG eritrocitária Oferta tecidual de O2 Desloca curva de dissociação da Hb Níveis baixos de fosfato persistem por alguns dias Reposição não tem benefício comprovado TRATAMENTO FOSFATO Reposto em caso de: Jejum prolongado (48 hs) Patologia pulmonar cursando com hipóxia P sérico < 3 mEq/L Dose: 1 a 3 meq/Kg/dia K2HPO4 a 25% 1 mL = 1,8 mEq de K + 1,8 mEq de P ATENÇÃO: Reposição de fosfato pode induzir hipocalcemia TRATAMENTO ACIDOSE E BICARBONATO Correção de acidemia e regeneração de bicarbonato ocorre geralmente apenas com reposição volêmica e insulinoterapia Administração de bicarbonato pode causar: Acidose paradoxal em SNC Hipocalemia e hiponatremia Aumenta afinidade da Hb ao O2 – prejudicando oxigenação tissular Associa-se a ocorrência de edema cerebral Indicações de administração de bicarbonato Acidose severa (pH < 6,9), hipotensão, choque ou arritmia. Dose: 2mmol/Kg, em 2h INVESTIGAÇÃO DE CAUSAS DA CETOACIDOSE Pesquisa de infecções A maioria das crianças não apresentam evidências Causas psicossociais Omissão de insulina é a causa mais comum Prevenção da cetoacidose! MORBIMORTALIDADE Edema cerebral: 57 – 87% das mortes (EUA) Outras causas de morbimortalidade: Hipo e hipercalemia Hipoglicemia Sepse Trombose venosa Aspiração de vômito Outras complicações em SNC EDEMA CEREBRAL Mais comum em crianças com CAD severa e diagnóstico recente de DM1 Causas pouco compreendidas (celular?; vasogênico?) Ocorre geralmente de 4 a 12 horas após início de tratamento Critérios diagnósticos: MAIORES: Alteração ou flutuação nos níveis de consciência; queda da FC não atribuída ao sono ou reposição volêmica; Incontinência imprópria para a idade MENORES: Vômitos, cefaléia, letargia, PAD>90mmHg, idade < 5 anos 2 maiores ou 1 maior e dois menores EDEMA CEREBRAL Tratamento: Cabeceira elevada 30° Se VM: pCO2 entre 30 – 35mmHg Manitol 0,25 – 0,5g/kg a cada 2 – 4h NaCl 3% 5 – 10ml/kg a cada 30min Manter Na entre 150 e 160mEq/L UMA SÓ PAIXÃO