Mandado25295DF

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INFORMAÇÕES No AGU/RA- 03/2005
PROCESSO No 00400.000418/2005-27
MANDADO DE SEGURANÇA No 25.295/DF
IMPETRANTE :
MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
IMPETRADO
:
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ASSUNTO
:
Postula-se a nulidade do art. 2o, incisos V e VI, §§ 1o
e 2o, do Decreto no 5.392, de 10 de março de 2005, que declarou
estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema
Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro.
Excelentíssimo Senhor Consultor-Geral da União,
Nos autos do Mandado de Segurança em epígrafe, impetrado pelo
Município do Rio de Janeiro, em face do Decreto no 5.392, de 10 de março de
2005, o Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa,
solicita, por meio do Ofício no 1014/R, de 18 de março de 2005, as informações
necessárias ao julgamento do feito.
A postulação implica na declaração de nulidade do art. 2o, incisos V
e VI, §§ 1o e 2o, do Decreto no 5.392, de 10 de março de 2005, que declarou
estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde no
Município do Rio de Janeiro.
II
Várias razões determinam a imediata extinção do feito, sem
julgamento do mérito. Observe-se:
Ab initio, deve-se destacar que o direito de Ação se subordina a
certas condições, em falta das quais, de qualquer delas, quem o exercita será
declarado carente dele, dispensando o órgão jurisdicional de decidir o mérito de
sua pretensão.
De fato, para exercer o direito de ação, a parte deve atender a
determinados pressupostos processuais: a) legitimidade para a causa, isto é, o
autor e o réu devem ser os sujeitos do direito discutido na ação; b) interesse de
agir, ou seja, a necessidade do uso da via judicial; e c) possibilidade jurídica do
pedido.
Assim, a primeira razão que autoriza a extinção do feito sem o
julgamento do mérito se deve ao fato de que o pedido deverá consistir numa
pretensão que, em abstrato, seja tutelada pelo direito objetivo, isto é, admitida
como provimento jurisdicional.
A possibilidade jurídica do pedido vem a ser a admissão em tese,
pela ordem jurídica, de uma pretensão. Se a ordem jurídica permitir explícita ou
implicitamente que se faça ou se deixe de fazer algo, estará admitindo,
conseqüentemente, a possibilidade de acatar as pretensões correspondentes.
A essência, pois, do Mandado de Segurança está no direito líquido
e certo.
2
Conceituar direito líquido e certo, assim, deve ser o primeiro passo
para o bom entendimento do instituto.
O art. 5o da Constituição Federal prescreve expressamente, et
litteris:
“LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger
direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data,
quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder
público.”
Na esteira do preceito constitucional, não se verificou, em qualquer
parte da exordial, o direito “líquido” e “certo” do Impetrante, posto que o
mesmo pretende usar o presente writ para obter a anulação de um ato
presidencial praticado com observância dos preceitos constitucionais e legais,
objetivo este que nunca redundará num direito líquido e certo.
Não tem como prosperar Mandado de Segurança baseado em
“suposto” direito subjetivo que vise a desconstituir um ato administrativo
praticado com amplo amparo fático, constitucional e legal.
O festejado Jurista José Cretela Júnior, em iluminada defesa do
objeto do Mandado de Segurança, assim se pronunciou, verbis:
“O objeto do mandado de segurança é a proteção de direito
subjetivo próprio, público ou privado, do Impetrante, ameaçado ou ferido
por ato do poder público, causador do dano material ou moral.
Não é ‘qualquer pessoa’ que tem legitimação ativa para suscitar
o controle jurisdicional de ato administrativo lesivo.
3
Tal faculdade cabe apenas ao titular do direito líquido e
certo e incontestável, ferido por ato arbitrário do poder público.
O dano individual, causado ou iminente, decorrente do ato
administrativo, é, pois, pressuposto indispensável, para o controle
jurisdicional.
Não tem cabimento, portanto, o pedido, cujo objetivo é o
desfazimento de ato que beneficiou outrem cujo direito se pretendeu que não
fosse reconhecido já que a nulidade do ato não aproveita ao Requerente. Seria
no caso, tão só, de ‘interesse’ pessoal do Impetrante, jamais ‘direito.’
‘...Todavia, no mandado de segurança, a palavra não é
empregada com essa significação. Líquido não quer dizer o quantum
debeatur da obrigação. Quer dizer, ao contrário, um direito estremado de
dúvida isento de controvérsia. O ato administrativo ilegal praticado pelo
poder público não basta, por si só, para tornar duvidoso um direito líquido e
certo. A violação não tem a virtude de desnaturar a essência do direito.
Por isso mesmo, deve exigir-se dobrado rigor na concessão da segurança.
Se ela pressupõe direito líquido e certo por parte do sujeito ativo, ilegalidade
ou abuso de poder por parte do sujeito passivo, claro é que a medida só deve
ser concedida mediante a verificação da concorrência desses elementos. Se
houver ausência de um deles, o Judiciário deve denegar a medida, ficando
ressalvado ao Impetrante o exercício da via ordinária.’ (Alfredo Buzaid,
Do Mandado de Segurança, RF 164:13).
‘Direito líquido é o que se apresenta devidamente individuado e
caracterizado, para que não haja dúvida alguma quanto aos exatos limites do
que se pede.’ (Arnoldo Wald, Do Mandado de Segurança na prática judiciária,
p. 119).
‘O que não se admite, no mandado de segurança, é a alta
indagação de fatos intricados, complexos ou duvidosos.’ (Orozimbo
Nonato).”1 (grifamos)
Com efeito, é de se aplicar a inteligência da norma expressada no
art. 295, inciso V, CPC, que prevê, litteris:
1
in Controle Jurisdicional do Ato Administrativo – Forense, 1a ed., p. 359 e ss.
4
“Art. 295. A petição inicial será indeferida:
(omissis)
V – quando o tipo de procedimento escolhido pelo autor, não
corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação: caso em que só não será
indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal.”
Corroborando esse entendimento, busca-se a inteligência do art. 8o,
da Lei no 1.533, de 1951, que assim prevê, verbis:
“Art. 8o A inicial será desde logo indeferida quando não for
caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos desta lei.”
Como ensina Celso Barbi, verbis:
“A expressão direito líquido e certo não foi criada pelo
legislador constituinte nem pelo legislador ordinário. Limitaram-se eles a
buscá-la na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, onde a introduzira
Pedro Lessa, ao tempo da formulação da doutrina brasileira do habeas corpus,
e para aplicação a este.”2
Efetivamente, Pedro Lessa, no HC no 3.539, impetrado por Ruy
Barbosa no egrégio Supremo Tribunal Federal, esboça a idéia de que o direito
líquido e incontestável estava ligado à prova pré-constituída e à rapidez da
solução do conflito de interesses.
Ninguém melhor do que o Ministro Costa Manso, do Supremo
Tribunal Federal, conceituou o direito certo e incontestável. Trata-se de voto
célebre, hoje repetido por todos aqueles que abordam o tema, proferido no MS
no 333/1936, onde foi lido o voto já preparado para o RMS no 324:
2
In Do Mandado de Segurança, Forense, 6a ed., p. 56.
5
“Eu, porém, entendo que o art. 113, no 33, da Constituição
empregou o vocábulo direito como sinônimo de poder ou faculdade
decorrente da lei ou norma (direito subjetivo). Não aludiu à própria lei ou
norma (direito objetivo). O remédio judiciário não foi criado para a defesa
da lei em tese. Quem requer o mandado, defende o seu direito, isto é, o
direito subjetivo, reconhecido ou protegido pela lei. O direito subjetivo, o
direito da parte é constituído por uma relação entre a lei e o facto. A lei,
porém, é sempre certa e incontestável. A ninguém é lícito ignorá-la, e
com o silêncio, a obscuridade, a indecisão dela não se exime o juiz de
sentenciar ou despachar (Código Civil, art. 5o da Introdução). Só se exige
prova do direito estrangeiro ou de outra localidade, e isso mesmo se não for
notoriamente conhecido. O facto é que o peticionário deve tornar certo e
incontestável, para obter mandado de segurança. O direito será
declarado e aplicado pelo juiz, que lançará mão dos processos de
interpretação estabelecidos pela ciência, para esclarecer os textos obscuros
ou harmonizar os contraditórios. Seria absurdo admitir se declare o juiz
incapaz de resolver de plano um litígio, sob o pretexto de haver preceitos
legaes esparsos, complexos ou de inteligência difícil ou duvidosa. Desde,
pois, que o facto seja certo e incontestável, resolverá o juiz a questão de
direito, por mais intrincada e difícil que se apresente, para conceder ou
denegar o Mandado de Segurança.”3 (grifamos)
O Ministro Castro Nunes, já em 1937, quando, então, vigia a Lei no
191, de 1936, é muito claro a respeito do tema:
“Direito certo e incontestável, para os efeitos do
mandado de segurança, se define por uma condição processual e pelo
teor da obrigação que incumba à autoridade. Condição processual é a
possibilidade de provar de plano, documentalmente, os pressupostos da
situação jurídica a preservar do ato lesivo e a violação ou ameaça de
que se queixa o Impetrante, suscetível, em regra, de prova oficial. A
segunda indagação é o mérito da questão, o exame da legalidade do
3
in Archivo Judiciário, vol. XLI, em sua redação original.
6
procedimento da autoridade, o direito de exigir da autoridade o
cumprimento de um dever funcional.”4 (grifamos)
O direito líquido e certo é, portanto, uma condição especial da ação
de Mandado de Segurança.
Em outras palavras, o Impetrante, para que possa utilizar-se desta
ação expedita, prevista na própria Constituição, deve provar com a inicial, por
meio de documentos, o que afirma.
Se não tiver documento, se não tiver prova pré-constituída, não tem
direito líquido e certo. Essa é a condição legal imposta para que o autor
(Impetrante) se utilize desse instrumento processual constitucional.
O parágrafo único do art. 6o da Lei no 1.533, de 1951, por outro
lado, reforça a tese processual do direito líquido e certo como condição da ação.
Tecnicamente, então, se o Impetrante não juntar a documentação,
comprovando o fato deduzido na inicial, ou se a apuração dos fatos exigir a
produção de outras provas, deverá ser considerado, dentro de nossa sistemática
processual, carecedor da segurança.
Em outras palavras, o julgador não entrará no mérito, e extinguirá o
processo com base no art. 267, VI, do CPC.
Esse também é o entendimento da Professora Lúcia Valle
Figueiredo, verbis:
4
in Do Mandado de Segurança e outros meios de defesa do direito contra actos do poder público,
Acadêmica, 1937, ps. 61 e segs.
7
“Impende, pois, que os juízes, quando entenderem não
haver direito líquido e certo, por necessidade de dilação probatória, não
deneguem a segurança, porém extingam-na por carência dessa via
processual.”5 (grifamos)
Hely Lopes Meirelles acrescenta que “em última análise, direito
líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação
posterior, não é líquido nem certo, para fins de mandado de segurança.
Evidentemente, o conceito de liquidez e certeza adotado pelo legislador do
mandado de segurança não é o mesmo do legislador civil (CC, art. 1.533). É um
conceito impróprio – e mal-expresso – alusivo à precisão e comprovação do
direito quando deveria aludir à precisão e comprovação dos fatos e situações que
ensejam o exercício desse direito.”6
As alegações na exordial de que o Decreto “submeteu os dois mais
importantes Hospitais de propriedade do Município Impetrante a verdadeira
INTERVENÇÃO FEDERAL, os passando espúria e ditatorialmente ao
controle do Governo Federal”7, bem como de que “não há e nunca houve
situação de calamidade pública no sistema de saúde do Município do Rio de
Janeiro”8 não merecem acolhimento em sede de Mandado de Segurança.
Neste sentido, mutatis mutandis, colhem-se inúmeras decisões do
Supremo Tribunal Federal, dentre as quais destaca-se:
“Reforma agrária. Alegação de produtividade do imóvel
rural, insuscetível de exame, em mandado de segurança. Argüição de
inconstitucionalidade do art. 6o, e seus parágrafos, da Lei no 8.629-93, já
afastada pelo Supremo Tribunal (MS 22.193). Atuação de entidades
5
in Do Mandado de Segurança, Malheiros, 1996, p. 176.
in Mandado de segurança, ação popular e ação civil pública, mandado de injunção, e habeas data. 19a
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
7
Fls. 3 da petição inicial. Destaques no original.
8
Fls. 10 da petição inicial.
6
8
representativas (Decreto no 2.250-97) restrita à hipótese, não ocorrente, de
indicação, pelas próprias, de áreas passíveis de desapropriação.”9 (grifamos)
“Mandado de Segurança. Desapropriação de Imóvel Rural
para fim de Reforma Agrária. 1. O mandado de segurança não é meio
idôneo para dirimir questões que envolvem pontos controvertidos. 2.
Exige-se comunicação da vistoria à entidade de classe apenas nos casos em
que ela indica a área a ser desapropriada (Decreto no 2.250/97, artigo 2o). 3.
Medida cautelar de antecipação de provas ajuizada contra o INCRA não cria
óbice a que o Presidente da República desaproprie o imóvel sem
necessidade de suspender os procedimentos administrativos. 4. Esta Corte já
decidiu que o artigo 6o da Lei no 8.629/93, ao definir o imóvel produtivo, a
pequena e a média propriedade rural e a função social da propriedade, não
extrapola os critérios estabelecidos no artigo 186 da Constituição Federal;
antes, confere-lhe eficácia total (MS no 22.478/PR, Maurício Corrêa, DJ de
26.09.97). Segurança que se denega, ressalvadas as vias ordinárias.”10
(grifamos)
“Mandado
de
segurança.
Desapropriação.
Reforma
agrária. 2. Ato do Exmo Sr. Presidente da República, consubstanciado no
Decreto de 20.01.94, que declarou de interesse social, para fins de
desapropriação, os imóveis denominados Fazenda Piracanjuba e Fazenda
Boa Esperança. 3. Alegação de serem os imóveis insuscetíveis de
desapropriação, posto que economicamente explorados; de que a autoridade
impetrada restou induzida em engano pelo fato de o INCRA ter noticiado
presença de arrendatários, parceiros e posseiros, nos aludidos imóveis; vício
formal na edição do decreto impugnado e ausência de dotação orçamentária
específica para a justa e prévia indenização, segundo o previsto no art. 184,
da CF. 4. Informações solicitadas. Prestou-as o Chefe do Poder Executivo.
5. Medida liminar indeferida por não configurada hipótese de sua
concessão. 6. Parecer da Procuradoria-Geral da República pelo não
acolhimento do mandado de segurança, por ausência de direito líquido e
certo. 7. Não é o mandado de segurança a via adequada para discutir os
9
10
MS 23107/SP, Relator Min. Octavio Gallotti, DJ 10/08/00, p.5.
MS 23312/PR, Relator Min. Maurício Corrêa, DJ 25/02/00, p.54.
9
fatos, que se apresentam ilíquidos, concernentes aos requisitos à
desapropriação cogitada. Liquidez e certeza dos fatos não caracterizadas.
Alegação de certeza e liquidez do direito não acolhida. Mandado de
segurança indeferido.”11 (grifamos)
Colhe-se, também, no mesmo sentido, trecho do voto vencedor
proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, na relatoria do MS no 23.827, et
litteris:
“... é inviável o exame, pela via de mandado de segurança
de questão que demanda produção de prova, pois o direito líquido e certo,
pressuposto
constitucional
de
admissibilidade
do
mandado
de
segurança, é requisito de ordem processual, atinente à existência de
prova inequívoca dos fatos em que se baseia a pretensão do impetrante
e não à procedência desta, matéria de fato. Neste sentido cito, como
exemplo, o MS 21188, Pleno, Carlos Velloso, DJ 19.04.1991.”12 (grifamos)
Evidente que os fatos invocados pelo Impetrante reclamam a
construção de provas no curso do processo de conhecimento, inviabilizando a
via mandamental.
Ora, questões relacionadas com a não existência de estado de
calamidade no Sistema Único de Saúde instalam controvérsia sobre matéria
fática, descaracterizando, ab initio, o direito líquido e certo a autorizar a
utilização do writ constitucional.
Ademais, todos os noticiários pátrios vão em sentido contrário ao
das infundadas alegações efetuadas pelo Impetrante, ou seja, dão conta do real
estado de abandono e de efetiva calamidade que se encontra a rede hospitalar
pública carioca.
11
12
MS 22024/GO, Relator Min. Néri da Silveira, DJ 24/08/01, p. 45.
MS 23872/DF, Relator Min. Sepúlveda Pertence, DJ 18/02/05, p. 6.
10
Nessa linha de raciocínio se posicionou o eminente Ministro Celso
de Mello, in verbis:
“A simples existência de matéria de fato controvertida
revela-se bastante para tornar inviável a utilização do mandado de
segurança, que pressupõe, sempre, direito líquido e certo resultante de fato
incontestável, passível de comprovação de plano pelo Impetrante.”13
(grifamos)
Assim, dentro da melhor corrente doutrinária e jurisprudencial, o
direito líquido e certo é condição da ação do Mandado de Segurança. Nada tem
com o mérito.
Quem não prova com a inicial o que diz, não tem direito líquido e
certo. Deve ser, então, julgado carecedor da Ação de Segurança.
Do exposto, verifica-se que o Impetrante não demonstrou com a
exordial a imperfeição dos atos praticados.
É de se frisar que a imperfeição desses atos há de ser comprovada,
até mesmo em face das expressões de Hely Lopes Meirelles, verbis:
“Os atos administrativos, qualquer que seja sua categoria
ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente
de norma legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da
legalidade da Administração, que, nos Estados de Direito, informa toda a
atuação governamental. Além disso, a presunção de legitimidade dos atos
administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das atividades
do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de
13
MS 22.164/SP, Relator Min. Celso de Mello. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. DJ 17/11/95, p. 39206.
11
impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de seus atos, para só
após dar-lhes execução.
(...)
Outra conseqüência da presunção de legitimidade é a
transferência do ônus da prova de invalidade do ato administrativo para
quem a invoca. Cuide-se de argüição de nulidade do ato, por vício formal
ou ideológico, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do
impugnante, e até sua anulação o ato terá plena eficácia.”14 (grifamos)
Nesta linha, conclui-se que, segundo juízos de conveniência e
oportunidade próprios, a solicitação de edição de decreto presidencial
declaratório de estado de calamidade pública vai de encontro com os preceitos
constitucionais que asseguram aos cidadãos os direitos de segunda geração, que
não estavam encontrando respaldo na atuação do Impetrante na condução do
Sistema Único de Saúde.
Deve-se atentar que, como dito anteriormente, as medidas adotadas
visam salvaguardar o direito à saúde da população do município do Rio de
Janeiro. Vale a pena colacionar as palavras do Professor José Afonso da Silva
atinentes aos direitos de segunda geração, mais especificamente ao direito à
saúde:
“É espantoso como um bem extraordinariamente relevante
à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do
homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de
todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um
tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da
ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de
não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais.
O tema não era de todo estranho ao nosso Direito
Constitucional anterior, que dava competência à União para legislar sobre
14
in Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 1993, 18a ed., p. 141.
12
defesa e proteção da saúde, mas isso tinha sentido de organização
administrativa de combate às endemias e epidemias. Agora é diferente, trata-se
de um direito do homem.
(...)
A evolução conduziu à concepção da nossa Constituição de
1988 que declara ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação, serviços e ações que são
de relevância pública (arts. 196 e 197). A Constituição o submete a conceito
de seguridade social, cujas ações e meios se destinam, também, a assegurá-lo e
torná-lo eficaz.
Como ocorre com os direitos sociais em geral, o direito à
saúde comporta duas vertentes, conforme anotam Gomes Canotilho e Vital
Moreira: ‘uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do
Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer acto que prejudique
a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e
prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento
delas.’ Como se viu do enunciado do art. 196 e se confirmará com a leitura
dos arts. 198 a 200, trata-se de um direito positivo ‘que exige prestações de
Estado e que impõe aos entes públicos a realização de determinadas
tarefas [...], de cujo cumprimento depende a própria realização do
direito’, e do qual decorre um especial direito subjetivo de conteúdo duplo:
por um lado, pelo não cumprimento das tarefas estatais para sua satisfação, dá
cabimento à ação de inconstitucionalidade por omissão (arts. 102, I, a, e 103,
§ 2o) e, por outro lado, o seu não atendimento, in concreto, por falta de
regulamentação, pode abrir pressupostos para a impetração do mandado de
injunção (art. 5o, LXXI),...”15 (grifamos)
No presente caso, o decreto que declara a requisição, por parte da
Administração Pública Federal, de determinado hospital não opera qualquer
15
José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional. Editora Malheiros, 22a ed., 2003, p. 307/309.
Destaques no original.
13
efeito concreto gerador de eventual violação a direito líquido e certo do
Impetrante.
Além de todo o exposto, como é cediço, o interesse de agir se
desdobra em duas vertentes, quais sejam, a necessidade da tutela jurisdicional e
a adequação da via eleita para obtê-la.
É certo que pelas peculiaridades intrínsecas do mandado de
segurança nunca poderá haver qualquer tipo de adaptação com outro remédio
processual, motivo este que levará a extinção do presente writ, com fulcro no
art. 267, da Lei Adjetiva Processual.
III
Antes de quaisquer considerações a respeito do mérito no presente
writ torna-se necessário trazer a lume a situação fática do Sistema Único de
Saúde no município do Rio de Janeiro.
O município do rio de Janeiro, com 6.051.399 habitantes16, foi
habilitado na Gestão Plena do Sistema Único de Saúde, na esfera municipal,
pela NOB17 01/96 por meio da PT no 3 de 5 de janeiro de 1999, com vigência a
partir desta data.
Nessa condição, o gestor municipal assumiu a responsabilidade de
gerir todo o sistema de saúde (atenção básica, especializada e hospitalar).
16
17
Estimativa do IBGE no ano de 2004.
Norma Operacional Básica.
14
Quando o município do Rio de Janeiro, ora Impetrante, se habilitou
na Gestão Plena do Sistema Municipal, assumiu, dentre outras, as seguintes
responsabilidades:
a)
gerência de unidades assistenciais transferidas pelo
Estado e pela União;
b)
gestão de todo o Sistema municipal, incluindo a
gestão sobre os prestadores de serviços de saúde
vinculados ao SUS;
c)
garantia do atendimento em seu território para a sua
população e para a população referenciada (PPI);
d)
integração dos serviços existentes no município aos
mecanismos
de
regulação
ambulatoriais
e
hospitalares;
e)
desenvolver atividades de realização do cadastro,
contratação,
controle,
avaliação,
auditoria
e
pagamento de todos os prestadores de serviços;
f)
avaliação permanente do impacto das ações do
sistema sob as condições de saúde.
Tais responsabilidades deixam claro que o gestor do SUS tem a
prerrogativa de contratar, controlar e analisar o desempenho – entre outras ações
– das unidades hospitalares sob sua gestão. Aliás, mais do que prerrogativa, o
gestor tem, na verdade, a responsabilidade de fazê-lo, uma vez que as distorções
no acesso e na qualidade da assistência prestada, quando não há, por parte do
gestor ,o devido zelo no desenvolvimento de suas responsabilidades, tendem a
ser dramáticas para o sistema e, principalmente, para a população envolvida.
15
Outro ponto importante de ser esclarecido é que, embora existam
unidades hospitalares com naturezas diferentes (municipais, estaduais, federais
e, até mesmo, privadas), a gestão de todas está sob o comando único do
município.
Deve-se aduzir que “a Prefeitura do Rio de Janeiro não tem
demonstrado vontade política e competência para gerir os recursos financeiros
e materiais que passou a dispor crescentemente a partir de 1999, quando
adquiriu a Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde.
A análise da evolução do perfil da rede municipal desde que o
município assumiu a Gestão Plena do Sistema, mostra pouca mudança no perfil
de oferta de serviços, com a continuidade da concentração na rede hospitalar. A
precária implementação da estratégia de saúde da família e de outras ações
voltadas para a prevenção e a atenção precoce ambulatorial leva a sobrecarga
das unidades hospitalares com custos elevados de manutenção e de custeio dos
serviços com ações que poderiam estar sendo realizadas com menos custo e
com melhor qualidade para a população.
As filas nas unidades hospitalares evidenciam a precariedade do
sistema de atendimento municipal e as dificuldades no gerenciamento pela
Prefeitura dos serviços necessários para o melhor atendimento à saúde da
população. O município não implementou alguns mecanismos gerenciais que
permitem, por meio do acompanhamento de informações sobre saúde da
população e a produção de serviços, à melhoria do processo de tomada de
decisão e, logo, da qualidade dos serviços. Há ainda atrasos na implementação
de ações com a regulação da urgência no âmbito do município, já implantada
em muitos municípios e principalmente nas capitais.
16
O Sistema Municipal de Saúde possui atualmente uma necessidade
mínima de 15.027 leitos hospitalares e tem à sua disposição 20.967 leitos, um
número 28% acima da necessidade.
O Sistema Municipal de Saúde possui uma necessidade mínima de
601 leitos de Unidade de Tratamento Intensivo, no entanto o município possui
sob sua gestão 666 leitos para utilização pelo SUS. Grave é constatar que
apenas 69.402 diárias de UTI foram utilizadas no ano de 2004, enquanto a
disponibilidade de diárias para o Sistema Municipal do Rio de Janeiro foi de
191.808.
O gestor daquele município aponta o atendimento aos usuários do
SUS de outros municípios como uma das causas da desorganização do sistema.
Porém, de junho a novembro de 2004, apenas 18,2% das internações foram de
residentes em outros municípios do Estado do Rio de Janeiro, percentual
significativamente menor do que o de muitas capitais de Estado.
O Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde da Família –
PROESF – é uma iniciativa do Ministério da Saúde, apoiada pelo Banco
Mundial – BIRD –,voltada para a organização e o fortalecimento da Atenção
Básica à Saúde no País, visando a implantação e a consolidação da Estratégia
de Saúde da Família em municípios com população acima de 100 mil
habitantes. (...)
A comparação entre as ações e serviços primários de saúde
executados pelos municípios do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e
Porto Alegre demonstra que, entre as grandes metrópoles brasileiras, o Rio de
Janeiro é a que apresenta as menores coberturas de atenção básica (equipes de
Agentes Comunitários de Saúde, Equipes de Saúde da Família e de Saúde
Bucal), ...
17
Este fato reveste-se da maior importância para o estado de
calamidade pública em que se encontra a rede hospitalar de urgência do
município, uma vez que a organização da rede básica permitiria ampliar a
resolutividade em cerca de 80% dos motivos que levam as pessoas a
procurarem serviços de saúde, desafogando consideravelmente a procura de
serviços hospitalares de urgência.
(...)
Dos 20.967 leitos hospitalares cadastrados no município, 14.887
(71%) leitos são disponibilizados para o SUS. Em relação aos 1.827 leitos de
UTI (1.243 leitos adultos, 184 leitos pediátricos e 400 leito neonatais), 666
leitos (36,5%) são disponibilizados para o SUS. A cobertura atual de leitos de
UTI no município do Rio de Janeiro alcança o percentual de 4,47.
(...)
Considerando a capacidade instalada de leitos de UTI (666 leitos
SUS) e a taxa de ocupação preconizada (80%) estimamos que a disponibilidade
de diárias de UTI no município do Rio de Janeiro no ano de 2004 era de
191.808 e, no entanto, apenas 69.402 diárias foram utilizadas. Estes dados
apontam uma grave crise do acesso aos leitos de UTI ou, minimamente, na
gestão dos recursos financeiros alocados para este fim.
Desta forma, se admitirmos uma crise na rede hospitalar do rio de
Janeiro principalmente no que se relaciona ao acesso a leitos hospitalares e
complementares, como no caso dos leitos de UTI, podemos inferir baseado nos
18
dados cadastrais que ela pode não estar relacionada a disponibilidade
(capacidade instalada) de leitos e sim a forma de gestão da mesma. (...)
Assim sendo, toda a situação de ineficiência, inoperância e
fragilidade da gestão tem relação direta com a situação caótica no sistema de
saúde do município do Rio de Janeiro.
A face mais dramática desse quadro tem repercussão direta no
atendimento à população, culminando com a absoluta desassistência em
algumas áreas, como é o caso da saúde bucal, bem como a má qualidade em
outros campos, como é o caso da atenção básica e da rede hospitalar.
Essa desassistência é percebida, principalmente, em algumas
situações:
1)
Fechamento de unidades de urgência (Pronto
Socorro do Hospital Cardoso Fontes, com
utilização de menos de 10% do total de leitos);
2)
Situação de greve no Hospital Andaraí (Pronto
Socorro e metade do centro cirúrgico fechados,
inclusive em descumprimento à ordem judicial de
reabertura) e no Hospital da Lagoa;
3)
Falta de insumos, especialmente medicamentos,
conforme apontado em denúncias e na própria
auditoria do Ministério da Saúde;
4)
Contratos de manutenção e registro de preços
suspensos desde junho de 2004;
5)
Não
pagamento
das
cooperativas
médicas,
resultando na ausência ou redução de médicos nas
19
emergências dos hospitais Miguel Couto, Souza
Aguiar, Salgado Filho e Lourenço Jorge.
A deterioração do sistema de saúde municipal, naquela capital,
significa claramente, um retrocesso na conquista histórica vivenciada pelo
Sistema Único de Saúde no País, representando um risco de destruição do
próprio Sistema em nível nacional, a
partir da quebra dos princípios
constitucionalmente assegurados, e com um reflexo direto na relação com os
demais entes federados, quais sejam, Estados e Municípios.
(...)
Desde o início da atual crise vivida pelo Sistema Municipal de
Saúde do rio de Janeiro, o Ministério da Saúde constituiu uma equipe para
acompanhar, negociar e buscar uma solução, tendo como referência a defesa
da saúde da população daquele município. Nesse sentido o Ministério
apresentou diversas propostas, destacando-se as seguintes:
a)
aumento de R$ 46 milhões de reais no teto
financeiro do município para cobrir despesas com
pessoal nas 6 unidades municipalizadas em 1999 e
que contam com cláusula contratual de reposição
de recursos humanos;
b)
investimentos de R$ 89 milhões em equipamentos e
reformas em unidades de saúde municipalizadas
para serem aplicados em 2006 e 2007, dentro de
um plano de recuperação da rede transferida ao
município (destaque-se que este valor foi calculado
a partir da apuração dos valores correspondente
20
aos gastos que a Prefeitura efetuou de 1999 a 2003
para substituição de servidores federais nas seis
unidades
hospitalares
municipalizadas
que
constam com cláusula específica no Termo de
Cessão);
c)
ainda em 2005, investimentos da ordem de R$ 93
milhões, sendo R$ 38 milhões já repassados pelo
Programa QUALISUS e R$ 55 milhões para
equipamentos e reformas em unidades de saúde
municipalizadas;
d)
retorno à gestão do Ministério da Saúde de dois
hospitais municipalizados – Hospital da Lagoa e
Hospital de Ipanema -, como forma de reorganizar
os serviços de alta complexidade de abrangência
estadual/regional e aliviar o impacto dos gastos
com
custeio
da
Prefeitura
com
serviços
municipalizados.
(...)
Além dos recursos adicionais propostos pelo Ministério da Saúde,
a Prefeitura Municipal passou a exigir a ampliação do teto em mais R$ 17
milhões de reais, outros R$ 114 milhões para corrigir despesas com custeio de
serviços de saúde que desde 1995 são de responsabilidade do município, além
de querer aplicar R$ 144 milhões para investimento livremente, sem assumir a
garantia de utilizá-los na recuperação da rede de Pronto Atendimento Médico e
nos hospitais federais municipalizados e que estão sob gestão da Prefeitura.
Enquanto o Ministério da Saúde buscava saídas para a situação
emergencial da rede hospitalar do Rio de Janeiro, a Prefeitura alterou sua
21
proposta
inicial
acrescentando
novas
exigências,
sempre
procurando
inviabilizar qualquer alternativa proposta pelo Ministério da Saúde.
(...)
À proporção que o Ministério da Saúde se preocupou com o
restabelecimento do acesso da população aos serviços de saúde, a Prefeitura
Municipal demonstrou verdadeiro descaso com a situação, criando dificuldades
e fazendo da saúde um mecanismo de utilização e barganha política.
O que se constata é uma verdadeira falta de perspectiva e de
vontade política do Gestor Municipal em implementar ações concretas de curto,
médio e longo prazos, ...
Não havia mais condições de continuidade de aguardar uma
solução pactuada entre as duas esferas de governo, fazendo-se mister a
imediata adoção de medidas enérgicas no sentido de restabelecer e garantir um
dos principais direitos constitucionais de cidadania, representado pelo acesso à
saúde com qualidade. ”18
Todas as assertivas acima expostas podem ser corroboradas pela
mídia nacional.
Trazem-se, a título meramente ilustrativo, algumas reportagens:
“Saúde apresenta balanço das ações em hospitais no Rio
da Folha Online
18
Trecho extraído da Nota Técnica no 001/2005, da lavra da Dra Elaine Machado Lopez e do Dr. Ademar
Arthur Chioro dos Reis, respectivamente Coordenadora-Geral de Atenção Hospitalar e Diretor do Departamento
de Atenção Especializada da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, integrante do
OFÍCIO/GAB/CJ/MS no 668/2005, datado de 22 de março de 2005, encaminhado à Consultoria-Geral da União,
para subsidiar a elaboração das informações presidenciais. Fls. 17/
22
O Comitê Executivo de Gestão dos hospitais sob intervenção
no município do Rio de Janeiro providenciou uma série de ações para
melhorar o atendimento à população.
De acordo com o Ministério da Saúde, no hospital da Lagoa a
administração realizou a abertura de leitos, o conserto de equipamentos,
refrigeração das salas, o suprimento da rouparia, medicamentos e
material médico-hospitalar. A obra para reforma no sétimo e oitavo
andares do prédio já está na fase inicial de execução.
A expectativa da administração do hospital é reabrir,
dentro dos próximos 15 dias, salas no centro cirúrgico e o CTI (Centro de
Terapia Intensiva) para adultos. Com a reabertura das salas de cirurgia, a
capacidade de ocupação será ampliada dos atuais 90 para 150 leitos,
apenas para pacientes clínicos.
O hospital já está entrando em contato com pacientes que
aguardam na fila para refazer exames e marcar nova data para a cirurgia.
O comitê de gestão também está providenciando a
adequação da refrigeração do hospital, o que também permitirá a
ampliação dos leitos no CTI infantil. Atualmente, essa unidade funciona
com apenas um leito.
No Hospital Souza Aguiar, no centro da cidade, considerado
o maior hospital de pronto socorro da América Latina, já foram
reativados 18 leitos da enfermaria e implantado o serviço de regulação
interna, com a finalidade de melhorar o fluxo de pacientes para o setor de
internação. Desta forma, a média de internações diárias subiu de cinco
pacientes/dia para entre 15 e 20 pacientes/dia.
O Souza Aguiar implantou também uma equipe de acolhimento,
que das 8h às 10h identifica os casos de pacientes mais graves. Foi criado
ainda o serviço de Ouvidoria, ao lado da emergência, funcionando das 8h às
16h, e implantado o Conselho Gestor de Administração, com 25 membros,
entre eles representantes dos profissionais e da comunidade.
A administração do hospital também está contratando médicos
para completar as equipes desfalcadas de médicos, como as de nefrologia,
clínica médica, cirurgia, ortopedia e cirurgia geral, além de estar equipando a
sala de reanimação da emergência. O Souza Aguiar recebeu cinco
23
respiradores (com quatro monitores cardíacos e quatro oxímetros de
pulso) alugados pelo comitê gestor.
Já o hospital de Ipanema teve os aparelhos de ar
condicionado consertados e o suprimento da farmácia regularizado, com
os medicamentos adquiridos de forma emergencial. O hospital também
abriu novos leitos e novos profissionais estão sendo encaminhados para
completar as equipes médicas e providenciando o conserto de equipamentos.
O hospital Cardoso Fontes quase triplicou o número de
pacientes internados, passando de 48 para 132 vagas. O setor de pronto
atendimento resolutivo foi aberto ao público e hoje faz, em média, 375
atendimentos por dia útil. O elevador do hospital está funcionando e outros
dois estão em manutenção. Com a ajuda de outras unidades, foram realizadas
28 tomografias.
No
hospital
Miguel
Couto,
foram
consertados
dez
respiradores básicos na emergência e um volumétrico da UTI, além de
outros equipamentos essenciais alugados pelo comitê gestor. Essa unidade
também já conseguiu completar as cinco equipes de cirurgiões
plantonistas, que estavam desfalcadas.
As equipes de pediatria, anestesia, radiologia e clínica médica
estão sendo compostas a partir da entrada de novos médicos que estão sendo
contratados.
O hospital do Andaraí teve o setor de emergência reaberto, além
do conserto do sistema de ar condicionado. Também foram consertados a
centrífuga, o aspirador cirúrgico e aparelhos de pressão. Outra medida tomada
pelo comitê gestor foi mandar fazer a revisão em respiradores de
emergência.”19 (grifamos)
“Comitê de Intervenção recolhe kits laboratoriais no Rio
da Folha Online
Funcionários do Comitê Gestor da Intervenção Federal
recolhem nesta segunda-feira, no almoxarifado da Prefeitura do Rio, os
19
Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u107291.shtml> Capturado em 28 de março
de 2005.
24
kits laboratoriais e insumos médicos para os hospitais que estão sob
intervenção.
A apreensão, determinada pela Justiça Federal, foi
necessária porque a prefeitura suspendeu a distribuição dos kits para os
hospitais.
Um oficial da Justiça Federal, um representante da Advocacia
Geral da União e um assessor jurídico do Ministério da Saúde acompanham o
grupo. O almoxarifado fica no bairro do Rocha, na zona norte da cidade.
Crise
Para tentar amenizar a crise que atinge os hospitais do Rio,
começou a funcionar nesta segunda-feira um hospital de campana da
Aeronáutica, na sede campestre do Clube da Aeronáutica, na barra da
Tijuca (zona oeste).
Com capacidade para atender cerca de 400 pessoas por dia,
o hospital foi adaptado e recebeu barracas adicionais, onde funcionarão os
serviços ambulatoriais nas áreas de ginecologia, clínica médica, ortopedia,
pediatria e odontologia.
Em meio à batalha entre o prefeito César Maia (PFL) e o
Ministério da Saúde, outro hospital de campana poderá ser montado na cidade.
A área, no Campo de Santana (região central), pertence à prefeitura, e a
instalação ainda depende de decisão judicial.
O governo federal decretou estado de calamidade pública na
área da saúde do Rio -- o decreto foi publicado no "Diário Oficial" da União do
último dia 11. O Ministério da Saúde acusa a prefeitura de má gestão dos
recursos.
Os hospitais atingidos pela intervenção são Lagoa, Andaraí,
Jacarepaguá, Ipanema, Souza Aguiar e Miguel Couto.”20 (grifamos)
“Auditoria da Saúde no Rio encontra R$ 30 milhões em
aplicações financeiras
da Folha Online
O secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Jorge
Solla, disse neste domingo que R$ 30 milhões do Fundo Municipal de Saúde
20
Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u107030.shtml> Capturado em 28 de março
de 2005.
25
da Prefeitura do Rio de Janeiro, que reúne verbas federais e do município,
eram mantidos em aplicação financeira.
Solla explicou que o problema, levantado por uma auditoria
realizada no fundo, não é o fato da aplicação financeira existir, mas sim,
existirem tantas dívidas, sendo que havia dinheiro para pagá-las.
‘O problema é que nós estamos evidenciando diversos contratos
que estão sem ser pagos há vários meses. Se o município estivesse em dia com
seus compromissos, com recursos sobrando em aplicações financeiras, seria
adequado ninguém deixar esse dinheiro parado na conta’, afirmou.
De acordo com ele, a auditoria apontou várias irregularidades.
Entre elas, serviço de vigilantes que não estão sendo pagos há seis meses e
clínicas privadas que não recebem há três meses. ‘No Hospital Souza Aguiar,
de 50 contratos, 46 estão com vigência estourada. Não estavam mais em
vigor’, disse.
Solla afirmou ainda que a equipe vai continuar se debruçando,
em cada hospital para analisar cada um dos contratos. Ele disse que os
contratos que estiverem adequados, sem estarem superfaturados e com os
serviços aprovados pelas equipes dos hospitais, serão reativados plenamente e
com o Ministério da Saúde passando a ser o contratante.
‘Mas os contratos que tiverem problemas de preços superiores
aos de mercado e de superfaturamento não serão assumidos pelo Ministério.
Vamos buscar outros fornecedores’, completou.
(...)”21 (grifamos)
“Os remédios a longo prazo para os hospitais
Estado vai criar central de regulação de vagas e ministério
fará unidades sob intervenção funcionarem em rede
Depois das ações de emergência, como a compra de toneladas
de medicamentos, conserto de equipamentos e contratação de pessoal, o
Ministério da Saúde vai apostar em outros remédios para tentar recuperar a
saúde dos seis hospitais administrados pela prefeitura e que estão sob
intervenção há 17 dias. A primeira medida foi a criação de uma equipe de oito
pessoas que vai diagnosticar o perfil de cada uma das unidades (Souza Aguiar,
21
Fonte: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u106742.shtml> Capturado em 28 de
março de 2005.
26
Miguel Couto, Andaraí, Ipanema, Lagoa e Cardoso Fontes) e integrá-las,
ressuscitando a idéia de que elas funcionem em rede. Se o grupo perceber a
falta de leitos de oncologia, por exemplo, poderá transformar um dos hospitais
em extensão do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Outra intervenção caberá
à Secretaria estadual de Saúde, que organizará uma central de regulação de
vagas para hospitais do Rio.
Medida vai evitar peregrinação atrás de vaga.
Com a criação da central de regulação, os médicos de cada
hospital, quando receberem um paciente e estiverem sem vaga ou com
qualquer outro problema que impeça o atendimento, vão poder acionar a
equipe, que terá informações sobre os leitos disponíveis no município.
— Vai ser o fim daqueles casos em que a ambulância vai de
hospital em hospital procurando vaga — diz o coordenador da intervenção,
Sérgio Côrtes.
Atualmente, a prefeitura tem uma central que só funciona para
duas especialidades: cirurgia cardíaca e leitos psiquiátricos. O estado já
mantém dez centrais, com 274 profissionais, atendendo várias especialidades.
Na Baixada Fluminense, por exemplo, a central regula os leitos de obstetrícia,
ginecologia, pediatria e clínica. Em todos os casos, o estado fornece pessoal e
computadores e as prefeituras, a infra-estrutura predial (o imóvel, contas de
água, luz). A idéia do secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino, é
convidar a Prefeitura do Rio para a co-gestão da central de regulação. Se não
der certo, o estado assumirá o papel sozinho.
— Com a central de regulação e a definição do perfil de cada
hospital, vamos melhorar o atendimento. Se percebermos que um hospital tem
serviço de oftalmologia às terças e quinta-feiras e outro às segundas e quartas,
podemos juntar tudo num só, otimizando resultados. A idéia é fazer com que
funcionem em rede — diz Côrtes.
Especialistas da área de saúde elogiam as medidas, mas
dizem que elas são inócuas se não forem tomadas outras providências.
Segundo Antônio Ivo de Carvalho, diretor da Escola Nacional de Saúde
Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz, o Rio precisa investir na rede básica,
uma atribuição da prefeitura:
27
— O Rio tem uma desproporção entre o número de hospitais,
que é alto, e o de postos de saúde, que, além de não serem suficientes,
resolvem poucos casos. O paciente, quando consegue ser atendido, não tem o
problema resolvido. É claro que vai então procurar uma emergência de
hospital, que vai continuar sobrecarregada se não houver investimento na
atenção básica.
Casos ambulatoriais lotam as emergências
Na última quinta-feira, no Hospital Souza Aguiar, era grande o
número de pacientes que aguardavam atendimento após passarem por postos
de saúde. Segundo Luís Antônio Santini, coordenador de Ações Estratégicas
do Inca, 80% dos casos que chegam às emergências são ambulatoriais.
Cantarino concorda que é preciso investir na atenção básica,
mas diz que — apesar de ter sido habilitado como gestor pleno, recebendo
mensalmente R$51 milhões do ministério para repassar ao município do Rio
— não tem poder para obrigar a prefeitura a aumentar a rede. A Secretaria
municipal de Saúde mantém 103 postos de saúde e 57 equipes do Saúde em
Família (que abrange 3,3% da população), um projeto apontado como outra
solução para desafogar os hospitais.
Na contramão do ministério, de Cantarino e de especialistas,
o secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coelho, diz que o
atendimento nos postos de saúde não é precário nem o vilão da crise.
Segundo ele, os postos são referência no Brasil e seus programas atendem, por
exemplo, 300 mil diabéticos.
— O que falta é implantar o atendimento a pequenas
emergências. Um posto de saúde não consegue atender da torção no pé à crise
de asma — diz.
A prefeitura pretende desengavetar um projeto de dois anos
atrás e criar 12 postos de atendimento pré-hospitalar. Funcionando 24 horas,
eles terão laboratório de análise clínica, sala de imobilização e de pequenas
suturas. Na primeira etapa, seriam implantadas sete unidades, ao custo de R$11
milhões, fora despesas de custeio:
— Não implantei antes porque o Ministério da Saúde me
quebrou. Eu investi recursos nos hospitais federais — diz Ronaldo Cezar.
28
Em 20 dias será feita nova compra de medicamentos
Sérgio Côrtes visitou ontem o Miguel Couto para uma avaliação
após duas semanas de intervenção. O hospital recebeu ontem 26 mil
medicamentos, sendo 15 mil para tratamento de doenças hepáticas, seis mil
antibióticos e cinco mil frascos de penicilina, que deverão ser suficientes por
pelo menos um mês.
Na última semana, foram recuperados dez respiradores e
alugados mais quatro, de última geração, para serem usados na UTI e na
emergência. Nos próximos 20 dias, segundo Cortes, será feita uma nova
compra de medicamentos, que deverão durar de cinco a seis meses. Desde
segunda-feira o Miguel Couto funciona com 51 novos funcionários (28
médicos, 17 auxiliares de enfermagem e um fisioterapeuta), contratados
temporariamente pelo Ministério da Saúde. Esta semana sairá um edital para
novas contratações.”22 (grifamos)
Uma vez entendida a situação fática envolvendo o Sistema Único
de Saúde na cidade do Rio de Janeiro, passemos a analisar as questões de mérito
do presente feito.
IV
No mérito, melhor sorte não assiste ao Impetrante. Em que pese a
argumentação fornecida na exordial não pode prosperar o intento desejado, eis
que o Decreto no 5.392, de 10 de março de 2005, não está maculado por
qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade.
A despeito de o Impetrante alegar que “a requisição autorizada
pela Constituição Federal só pode ser feita em face de bens privados, não
cabendo manejá-la em relação aos bens e aos servidores públicos de outra
22
Fonte: Jornal O Globo. Editoria Rio. p. 16.
29
esfera governamental e de poder, aos serviços desempenhados pelos demais
Entes Federados”23 e de utilizar tal assertiva como elemento impeditivo para a
efetivação da requisição, tal fundamento não merece acolhida.
Primeiramente deve-se aduzir que, como ato de império que é, a
expedição do decreto somente está a depender do juízo de conveniência e
oportunidade da Administração, com vistas na necessidade ou utilidade pública,
ou, como no caso, no interesse público de tutelar os direitos fundamentais de
segunda geração da população que se encontravam a mercê do caos instalado
nos hospitais que ora foram requisitados.
De fato, o decreto não necessita de qualquer pressuposto, senão a
formulação de juízo discricionário da Administração diante da situação fática
com a qual se depara, no que tange à vontade-decisão de afetação do bem,
mediante a sua requisição por decreto da necessidade.
A argumentação trazida, na exordial, de que a Constituição Federal
somente permite a requisição de bens privados é originada de uma interpretação
pobre e totalmente dissimulada.
Como o próprio Impetrante asseverou a requisição é medida
drástica prevista no art. 5o, XXV, da Constituição Federal, verbis:
“No caso de iminente perigo público, a autoridade competente
poderá usar de propriedade particular, assegurado ao proprietário indenização
ulterior, se houver dano;”
A
norma
constitucional
suscitada
não
comporta
exegese
exclusivamente literal, mas, sim, teleológica, visando aferir concomitantemente
a mens legis genérica e a medida exata de sua aplicação fática.
23
Fls. 4 da petição inicial. Grifos nos original.
30
Ou seja, a exegese do dispositivo constitucional deve ser no sentido
de que se até mesmo a propriedade privada, que se encontra amplamente
amparada e protegida pela Carta Política, pode ser requisitada pela
Administração, com mais sentido estará a possibilidade de requisição de um
bem público, cuja finalidade é, sem qualquer questionamento, servir à
população. Neste ponto não há como tergiversar.
Para corroborar esse posicionamento, busca-se amparo nos
ensinamentos dos doutrinadores pátrios.
De início, deve-se buscar qual é, efetivamente, a característica da
requisição.
A Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim disserta sobre a
requisição:
“A requisição administrativa pode apresentar-se sob
diferentes modalidades, incidindo ora sobre bens, móveis ou imóveis, ora
sobre serviços, identificando-se, às vezes, com a ocupação temporária e
assemelhando-se, em outras, à desapropriação; é forma de limitação à
propriedade privada e de intervenção estatal no domínio econômico; justificase em tempo de paz e de guerra. (...)
Em qualquer das modalidades, a requisição caracteriza-se
por ser procedimento unilateral e auto-executório, pois independe da
aquiescência do particular e da prévia intervenção do Poder Judiciário.”24
(grifamos)
Ainda sobre a requisição, eis o que ensina Celso Antonio Bandeira
de Melo, et litteris:
24
Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Atlas, 2001, p. 129.
31
“Requisição é ato pelo qual o Estado, em proveito de um
interesse público, constitui alguém, de modo unilateral e auto-executório,
na obrigação de prestar-lhe um serviço ou ceder-lhe transitoriamente o uso de
uma coisa in natura, obrigando-se a indenizar os prejuízos que tal medida
efetivamente acarretar ao obrigado.
A requisição funda-se no art. 5o, XXV, do Texto Constitucional
brasileiro e a competência para legislar sobre ela assiste apenas à União,
conforme o art. 22, III, da Constituição.”25 (grifamos)
E, a seu turno, eis os ensinamentos de Diógenes Gasparini, verbis:
“Requisição. Em situação de urgência, ou não, e quase
sempre sem o caráter de definitividade, a Administração Pública, com ou
sem indenização posterior, pode utilizar bens particulares, valendo-se de
atos e medida auto-executórias, cuja obtenção, pelos procedimentos
comuns, porque demorados ou dependentes da vontade do particular,
prejudicaria a eficiência administrativa. É a requisição. Pode ser definida
como a utilização, quase sempre transitória, pela Administração Pública, de
bens particulares, mediante determinação da autoridade competente, com ou
sem indenização posterior, em razão ou não de perigo público.
Seu fundamento político é o estado de necessidade pública.
Tem, entre nós, dois fundamentos constitucionais. Um, genérico, previsto no
inciso III do art. 170 (função social da propriedade); outro, específico, fincado
no inciso XXV do art. 5o, embora essa disposição pareça sempre exigir uma
situação de urgência, de perigo público. Tal utilização, como ato ou medida
auto-executória que é, independe de prévia autorização judicial. Os abusos, no
entanto, podem ser obstados por mandado de segurança. Seu controle é, por
conseguinte, a posteriori.
Pode recair, como vimos, sobre bens móveis, imóveis e
semoventes. Se incidir sobre bens consumíveis (gêneros alimentícios, roupas,
cobertores) é definitiva. Nesse caso, há transferência dominial e a
25
Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 13a ed., 2001, p. 750.
32
correspondente indenização posterior, sem, no entanto, caracterizar uma
desapropriação. Da desapropriação difere porque a indenização é a posteriori,
isto é, não é prévia como exige a Constituição para a expropriação, e porque
independe para a sua concreção, do auxílio do Judiciário, mesmo quando for
contrária aos interesses de seu proprietário. Se recair sobre bens inconsumíveis
(terrenos, prédios, máquinas, veículos), é transitória. Finda, nesse caso, a
utilização, devolve-se o bem ao proprietário e se satisfaz, de modo completo, o
prejuízo causado.
As requisições podem ser civis e militares. (...) As civis, não
por favorecerem os particulares, mas por prestigiarem as autoridades
públicas, são também chamadas de administrativas e se destinam a evitar
um dano à vida, à saúde e aos bens da coletividade ou a minorar os seus
efeitos, ou, ainda, a facilitar a prestação de certo serviço público.”26
(grifamos)
Cumpre-se trazer à colação as considerações de José Cretella Júnior
sobre a requisição:
“Operação unilateral de gestão pública pela qual a
Administração exige de uma pessoa a prestação de atividade, o
fornecimento de objetos móveis, o abandono temporário de gozo de
imóveis ou de empresas, para usá-los conforme o interesse geral, num
determinado fim (Duez e Debeyre, Traité ... 1952, p. 859). (...)
O instituto da requisição, que se apóia no sacrifício privado em
prol do interesse público, apresenta-se, na prática, como o procedimento
unilateral da Administração, obrigando o sujeito particular à prestação de
serviços ou à entrega de bens, dirigidos à satisfação de interesses
coletivos.”27 (grifamos)
Por derradeiro, trazem-se os comentários de Celso Ribeiro Bastos e
Ives Gandra Martins:
26
27
Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000, p. 594-595.
Dicionário de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999, p. 395.
33
“A via da desapropriação não satisfaz a todas as necessidades
do Poder Público em matéria de bens. Isto porque, pelas suas próprias
características, aquele instituto é moroso, ao menos relativamente à
necessidade de atender a situações de urgência. (...) É fácil imaginar que o
Estado, não raras vezes, tem de enfrentar situações emergenciais para as
quais torna-se indispensável a utilização de bens, tanto móveis quanto
imóveis, que não poderiam sujeitar-se às delongas de um processo
expropriatório. Daí porque a Constituição prevê a possibilidade de uso de
bem particular independentemente da vontade do seu titular que restringe uma
das prerrogativas do domínio, qual seja: o direito das medidas que criam
ressalvas à proteção constitucional da propriedade privada. (...)
No entanto, a expressão 'perigo público iminente' é bastante
em si mesma para transmitir a idéia que deseja. Trata-se de atender a
situações de calamidade pública ou mesmo de convulsão ou perturbação
social, que não permitam o funcionamento normal das atividades e
serviços corriqueiramente prestados. Tal situação faz pesar sobre os
ombros das autoridades o dever de assegurar o funcionamento daqueles
serviços sem os quais a coletividade entraria em colapso.
É fácil notar que não se exige que o perigo esteja em fase
inicial de consumação. Basta que ele seja iminente, é dizer: impõe-se a
existência de uma ameaça próxima. (...)
Portanto, embora matéria de apreciação discricionária dos
Poderes Públicos que haverão de aquilatar com serenidade e moderação se em
determinado caso configura-se ou não perigo público iminente, (...).”28
(grifamos)
Assim, percebe-se dos ensinamentos acima colacionados que o
instituto da requisição é um ato de vontade unilateral da Administração,
podendo recair até mesmo sobre bens privados, no intuito de satisfazer
interesses coletivos buscando evitar danos à saúde e à vida da população.
28
Comentários à Constituição do Brasil (promulgada em 05 de outubro de 1988). São Paulo: Ed. Saraiva,
1989, p. 136-138.
34
Como ficou demonstrado, o instituto da requisição encontra pleno
amparo na vigente Carta Constitucional, a exemplo do que já ocorria em relação
ao texto constitucional anterior, não havendo, pois, que se cogitar de sua
inconstitucionalidade.
Resta claro, também, que o iminente perigo público engloba a
questão da calamidade pública, conforme asseverou os Professores Celso
Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins.
Neste momento, faz-se necessário um esclarecimento com relação à
questão da conceituação de calamidade pública.
Na exordial, o Impetrante busca fazer crer que o conceito de
calamidade pública é ligado exclusivamente aos fenômenos da natureza,
trazendo inclusive a definição constante no Decreto no 5.376, de 17 de fevereiro
de 2005.
Entretanto, deixou o Impetrante de trazer a definição de desastre
que consta do mesmo Decreto. Segundo o mesmo dispositivo legal, desastre é o
resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem. Por
conseqüência, se calamidade pública é a situação anormal provocada por
desastres e desastre é o resultado de evento adverso provocado pela natureza ou
pelo homem, nenhum óbice há para evidenciar que tais requisitos encontram-se
presentes no Sistema Único de Saúde na cidade do Rio de Janeiro.
Deve-se frisar, novamente, que é absurda a alegação de que a
requisição não pode recair sobre bens públicos. O Impetrante busca dar uma
proteção aos seus bens que nem a própria Constituição vislumbrou.
35
Neste sentido, deve-se destacar que o novo Código Civil ao tratar
da propriedade buscou dar o enquadramento social mais amplo possível.
De fato, pelo Código Civil de 2002, a propriedade, sem deixar de
ser um direito subjetivo, um jus, passa a ser considerada, também, um munus,
exprimindo, simultaneamente, um direito e um dever.
Assim, deixa de ser um direito pleno, retirando-se da propriedade
privada sua incondicional prevalência, e, destarte, não se legitimando todo e
qualquer ato ou omissão do proprietário, na medida em que o seu conteúdo
depende de interesses extraproprietários, inseridos na relação jurídica de
propriedade, pelo estatuto jurídico que dá configuração à sua função social29.
Em termos hermenêuticos, a função social implica a adaptação de
sentidos e finalidades, a fim de que as regras jurídicas sejam interpretadas
sociologicamente e teleologicamente.
Deste modo, o novo Código Civil abandona definitivamente o
paradigma do individualismo jurídico, permitindo que o magistrado concretize a
conhecida regra de interpretação prevista no art. 5o do Decreto-lei no 4.657, de
1942, (LICC), verbis:
“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se
destina e às exigências do bem comum.”
29
Para Gustavo Tepedino, a propriedade “não seria mais aquela atribuição de poder tendencialmente
plena, cujos confins são definidos externamente, ou, de qualquer modo, em caráter predominantemente negativo,
de tal modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para a
emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação do conteúdo da propriedade, ao contrário, dependerá de
centros de interesses extraproprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurídica de
propriedade.” (Contornos constitucionais da propriedade privada. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro:
Renovar, 1999. p. 280)
36
De fato, a propriedade desempenhará uma função social, quando
estiver voltada para a realização de um fim economicamente útil, produtivo, em
benefício do proprietário e de terceiros, especialmente quando ocorrer a
interação entre o trabalho e os meios econômicos.30
Ao afirmar que o direito de propriedade deve desempenhar uma
função social, o novo Código Civil também faz com que os interesses do
proprietário e os da sociedade sejam conciliados, bem como reconhece o
interesse que o Estado tem na propriedade31, a fim de que, havendo conflito
entre o interesse público e o particular, possa fazer prevalecer o primeiro, em
razão da supremacia dos interesses públicos sobre os individuais.32
O regime jurídico administrativo, por sua vez, assimila os dogmas,
princípios e valores que fundamentam o direito público consagrando-os em
normas que vão compor o ordenamento jurídico-administrativo onde são
preservadas as noções de supremacia do interesse público sobre o particular.
É com base nesse regime jurídico especial que o Estado goza de
prerrogativas e privilégios em face daqueles que se relacionam com a
Administração Pública, caracterizando uma relação jurídica onde não se fala, a
30
Cfr. Miguel Reale Júnior. Casos de Direito Constitucional. São Paulo. RT, 1992. p. 14.
“Sabe-se que a propriedade é o direito individual que assegura a seu titular uma série de poderes cujo
conteúdo constitui objeto do direito civil; compreende os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, de modo
absoluto, exclusivo e perpétuo. Não podem, no entanto, esses poderes ser exercidos ilimitadamente, porque
coexistem com direitos alheios, de igual natureza, e porque existem interesses públicos maiores, cuja tutela
incumbe ao Poder Público exercer, ainda que em prejuízo de interesses individuais. Entra-se aqui na esfera
do poder de polícia do Estado, ponto em que o estudo da propriedade sai da órbita do direito privado e passa a
constituir objeto do direito público e submeter-se a regime jurídico derrogatório e exorbitante do direito
comum.” (Maria Sylvia Zanella di Pietro in Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 120) (grifamos)
32
O art. 1.288 do nCC é uma regra de direito público inserida no regramento privado, pois opta,
prioritariamente, por tutelar os interesses públicos e apenas, reflexamente, os interesse individuais. Isto é um
reflexo das reações surgidas no final do século XIX contra o individualismo jurídico exacerbado, fazendo com
que o Estado abandonasse a sua posição passiva e passasse a atuar mais ativamente na ordem sócio-econômica,
antes relegada à esfera do direito privado. Destarte, o Direito Civil deixa de ser um mero instrumento de garantia
dos direitos individuais, assumindo o mais relevante escopo de buscar a realização do bem-estar coletivo e do
bem comum. A efetividade do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular – também
denominado de princípio da finalidade pública – deixa de ser uma preocupação exclusiva dos Direitos
Constitucional e Administrativo, para ser também um dos mais importantes fins do Direito Civil.
31
37
princípio, em igualdade entre as partes. O interesse público posto sob a
administração do Poder Público exige a supremacia de suas pretensões sobre
aquelas almejadas pelo interesse particular.
Partilhando a mesma opinião, a Professora Maria Helena Diniz
ensina que “a propriedade pertence mais à seara do direito público do que à do
direito privado, visto ser a Carta Magna que traça seu perfil jurídico. Urge fazer
com que se cumpra a função social da propriedade, criando condições para que
ela seja economicamente útil e produtiva, atendendo o desenvolvimento
econômico e os relamos de justiça social”.33
Assim, é imperioso afirmar que é possível, sim, a requisição de
bens públicos em situações de iminente perigo público, nada tendo haver com a
exigência da decretação do Estado de Defesa como quis fazer crer o Impetrante.
Ademais, é de se destacar que a própria Lei no 8.080, de 19 de
setembro de 1990, que disciplina o Sistema Único de Saúde, autoriza no art. 15,
XIII, a requisição de bens e serviços para atendimento de necessidades coletivas,
urgentes e transitórias, sem fazer qualquer restrição quanto à requisição de bens
públicos.
Sob outro enfoque, cumpre asseverar, também, que nos termos do
art. 21, XVIII, da Constituição Federal, compete à União promover a defesa
permanente contra as calamidades públicas, et litteris:
“XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra as
calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações;” (grifamos)
33
Maria Helena Diniz. in Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 15a ed., 2000, pág. 101.
38
Desta forma, em face da situação fática anteriormente relatada não
poderia, a Administração Pública Federal, permanecer inerte face ao periclitante
estado no qual se encontrava a rede hospitalar do município do Rio de Janeiro.
Deve-se registrar, também, que em nenhum momento ficou
demonstrada nos autos a não existência de estado de calamidade na rede
hospitalar na cidade do Rio de Janeiro, bem como não restou configurada a
existência de qualquer intervenção.
Portanto,
uma
vez
não
demonstrada,
incontroversa
e
induvidosamente, o perfeito funcionamento da rede hospitalar, por meio de
prova documental pré-constituída, e existindo evidências no rumo oposto, ou
seja, pela existência de calamidade pública, não subsiste qualquer outro tipo de
alegação, pois se não se prova a normalidade do funcionamento da rede
hospitalar descabido aduzir quaisquer outras argumentações.
De outro lado, deve-se lembrar que a matéria que busca debater o
Impetrante vai diretamente de encontro ao entendimento já sedimentado pela
Corte Suprema, que afasta qualquer possibilidade de discussão, na estreita via
do writ, de questões controvertidas.
Por derradeiro, não merece prosperar a alegação do Impetrante de
que uma vez verificado o estado de calamidade pública seria necessário a
assunção de toda a rede hospitalar.
Deve-se esclarecer que a definição das unidades inicialmente
requisitadas respondeu a critérios absolutamente técnico-assistenciais.
39
Procurou-se estabelecer a abertura de uma rede de serviços de
urgência que pudesse garantir o atendimento de urgência/emergência à
população, contando com o apoio e participação de outros serviços gerenciados
diretamente pela Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro (exemplo:
Hospitais Estaduais Albert Schweitzer, Carlos Chagas, Getúlio Vargas, Rocha
Faria), com forte presença na zona oeste da cidade, ou os do próprio Ministério
da Saúde, como é o caso do Hospital Geral de Bonsucesso (responsável pela
cobertura de urgência para a zona norte da cidade, Ilha do Governador, zona
Leopoldina, Penha, Ramos, Complexo da Maré e do Alemão).
O Hospital Souza Aguiar (maior hospital de urgência da América
Latina) garante a cobertura de urgência para a região do centro, zona norte e
parte da zona Leopoldina.
Já o Hospital Miguel Couto permite a cobertura da zona Sul da
cidade, enquanto que o serviço de urgência dos Hospitais do Andaraí e do
Cardoso Fontes, que se encontravam completamente fechados, garantem
atendimento à população de referência das regiões das zonas Norte e Oeste,
respectivamente.
Como
requisitadas
permite
se observa, a abrangência territorial das unidades
estabelecer
uma
rede
de
serviços
de
urgência
estrategicamente delimitada (complementada pelos hospitais de campana que
vêm sendo instalados), em conjunto com os serviços de urgência da SÉS/RJ e
sob administração direta do Ministério da Saúde (Hospital Geral de Bonsucesso)
para garantir que – pelo menos do ponto de vista do serviço de urgência – a
atenção à saúde pudesse ser garantida imediatamente a toda a população do
município do Rio de Janeiro.
40
Por outro lado, a requisição dos Hospitais da Lagoa e de Ipanema
permitiu, com a reabertura de seus leitos, apoiar a rede hospitalar necessária para
a retaguarda cirúrgica e clínica de suporte aos hospitais de urgência.
Tais medidas possibilitam que a própria Prefeitura, caso haja
efetivo interesse, busque a dedicar-se em garantir o pleno funcionamento do
restante da rede de serviços básicos que ainda continuam sob a sua
responsabilidade, buscando agir dentro suas responsabilidades constitucionais.
É necessário frisar que nos termos do Decreto guerreado o
Ministério da Saúde está autorizado a requisitar outros serviços de saúde
públicos (art. 2o, § 1o), portanto não há fundamento nas alegações do Impetrante.
Pelo exposto, depreende-se que a escolha dos hospitais não foi
aleatória e impensada.
Ao contrário, foi feita com base em um planejamento estratégico
que possibilitasse, em um curtíssimo prazo, dar condições de efetivo
atendimento à população.
Neste sentido, a mídia nacional vem registrando diariamente o êxito
e acerto nas medidas implementadas pela Administração Pública Federal.
Por todo o exposto, resta claro que não procedem as alegações da
inicial, não existindo razão para a invalidação do Decreto editado pelo
Presidente da República, haja vista que o mesmo se deu de acordo com a
Constituição Federal e legislação em vigor.
V
41
As exposições acima expendidas demonstraram a ausência de
plausibilidade jurídica das alegações, afastando o atendimento ao requisito
consubstanciado no fumus boni iuris e inviabilizando a concessão da medida
cautelar pleiteada.
Além disso, a jurisprudência do Supremo já se firmou no sentido de
que é necessário que haja relevância jurídica na fundamentação da ação para que
seja concedida a liminar, o que não ocorre no presente caso.
VI
O exposto admite a conclusão de que as preliminares pleiteadas
devem ser deferidas extinguindo-se, assim, o presente mandamus pelas razões já
expostas.
Caso não seja este o melhor entendimento, o relato permite
asseverar que inexiste qualquer direito líquido e certo a ser tutelado por meio do
writ, pois não se afigura harmônico com as normas disciplinadoras da matéria
pretender alterar a correta atuação do Estado, pautada na Constituição e na lei,
consoante demonstrado nestas informações.
Eram essas, Senhor Consultor-Geral da União, as considerações tidas
por pertinentes para consubstanciar as informações a serem prestadas pelo
Excelentíssimo Senhor Presidente da República, solicitando o envio da
documentação encaminhada pelo Ministério da Saúde em anexo às informações.
42
À consideração superior.
Brasília, 29 de março de 2005.
Rafaelo Abritta
Advogado da União
43
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