VISTOS... Trata-se de Mandado de Segurança preventivo, com pedido liminar, impetrado pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, contra ato tido como ilegal e abusivo a ser praticado pelo Senhor Secretário de Estado de Fazenda e pelo Senhor Governador do Estado de Mato Grosso, nos próximos dias 05 e 09 de setembro de 2016, consistente no provisionamento e pagamento da parcela de U$ 32.837.524,06 (trinta e dois milhões, oitocentos e trinta e sete mil, quinhentos e vinte e quatro dólares norte-americanos e seis cêntimos), referente à operação de crédito externo firmado em 10/09/2012 com o “Bank of America”, visando obtenção de empréstimo do Estado de Mato Grosso para pagamento da dívida com a União. O Ministério Público sustenta que há investigações, ainda em caráter sigiloso, sobre suposta prática de ilícitos por agentes públicos e autoridades administrativas, quando da celebração do contrato de empréstimo, como o fato de não ter sido precedido de manifestação das áreas técnicas responsáveis da Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso, e no fato da escolha e definição da operação de negociação da dívida não ter sido materializada em processo administrativo oriundo da SEFAZ, o que estaria violando o Decreto Estadual n.º 591/2011. Em outro ponto, justifica que a ilegalidade do ato também se verifica nos termos da Nota Técnica n.º 093/2016/SATE/SEFAZ, de 25/04/2016, que informa que a operação de renegociação da dívida em poder do “Bank of America” foi cedida ao Banco Votorantim, sem comunicação ao tomador, no caso, o Estado de Mato Grosso, e onde a própria Secretaria de Estado de Fazenda também consignou que desconhece os detalhes da operação de cessão. Argumenta o impetrante, ademais, que, em razão da crise financeira que o Estado de Mato Grosso vem enfrentando, o pagamento em questão implicará em prejuízo objetivo ao Ministério Público, que poderá não receber o repasse neste mês de setembro. Ao final, requereu a concessão liminar do writ para suspender o ato de provisionamento de câmbio, bem como o ato de pagamento do contrato celebrado com o “Bank of America”, nos próximos dias 05/09/2016 (segundafeira) e 09/09/2016 (sexta-feira), respectivamente. No mérito, pede seja confirmada a liminar. O feito foi protocolado durante o Plantão Judiciário, recebendo, de início, despacho do douto Des. Gilberto Giraldelli (fls. 86/88-v-TJ), que determinou a notificação das autoridades apontadas como coatoras, para prestarem informações no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. Apenas o Sr. Secretário de Estado de Fazenda prestou informações, que vieram às fls. 97/98-TJ, acompanhadas do documento de fl. 99-TJ. É o que merece registro. Decido. O mandado de segurança foi impetrado pelo Ministério Público, objetivando a suspensão do pagamento da parcela do empréstimo contraído pelo Estado de Mato Grosso em 10/09/2012, com o “Bank of America”, para pagamento de dívida com a União. Verifica-se dos documentos trazidos aos autos, sobretudo do contrato de crédito e garantia (fls. 28-65-TJ), que no contrato foi pactuado o recebimento de US$ 478.958.330,51 (quatrocentos e setenta e oito milhões, novecentos e cinquenta e oito mil, trezentos e trinta dólares norte-americanos e cinquenta e um cêntimos) – valor total do empréstimo, a ser quitada em 18 (dezoito) parcelas semestrais e consecutivas, com termo inicial em 2013 e final em 2022. O Ministério Público justifica sua legitimidade para o manejo da ação mandamental, no argumento de que o pagamento da parcela de U$ 32.837.524,06 (trinta e dois milhões, oitocentos e trinta e sete mil, quinhentos e vinte e quatro dólares norte-americanos e seis cêntimos), a ser efetivada no próximo dia 09, poderá comprometer o repasse do duodécimo da instituição, alegando que é pública e notória a crise que vem enfrentando o Estado de Mato Grosso. Sobre a ilegalidade do ato, o impetrante aduz que existem investigações sobre supostas práticas ilícitas que circundam a operação de crédito em questão, apontando violação aos termos do Decreto Estadual n. 591/2011, quanto à competência para gerir a dívida; referente à motivação do ato, bem como sobre suposta cessão de crédito ao Banco Votorantim, sem comunicação ao Estado de Mato Grosso, enquanto tomador. Fato é que, sem olvidar de que possa o ente ministerial aferir se houve irregularidades e ilicitudes no ato que contraiu o empréstimo, ou mesmo que não tenha sido o Estado de Mato Grosso cientificado da suposta cessão de crédito, nos termos que determina a cláusula 14.2.a,i, do contrato anexo (fl. 43v-TJ), nos autos do mandado de segurança não há a prova destas ilegalidades. Não há, além da nota técnica em questão, documentos hábeis a demonstrar a ilicitude dos atos perpetrados quando da contratação, ou de vícios no procedimento de gestão da dívida. Ou seja, tudo se traduz em indícios e em suposições, e estes argumentos não tem poder probante da alegada ilegalidade do ato, a subsidiar argumentos para o manejo de mandado de segurança. Nem mesmo a informação prestada pelo Sr. Secretário de Estado de Fazenda, resumida em 02 (duas) laudas, subsidiou o receio do impetrante. Aliás, não acresceu nada à nota técnica de abril/2016. Limitou-se a dizer que é real “[...] não é possível para que esta autoridade coatora possa emitir juízo sobre a alegação dos fatos descritos pelo impetrante, no que tange à suposta prática de atos ilícitos vinculados à celebração do ajuste negocial já referido, posto que conforme consta da narrativa inicial, tais informações encontram-se sob sigilo investigativo [...]” (fl. 98-TJ). Outrossim, o temor do Ministério Público de que possa ser prejudicado com o atraso ou com o “não repasse” do duodécimo, por si só, não é justificativa suficiente para caracterização do justo receio, e fazer cobro à ação mandamental preventiva, porque não há nos autos elementos bastantes para levar este julgador à conclusão de que possa haver violação à qualquer obrigação constitucional do Estado de Mato Grosso com as politicas públicas ou não repasse do duodécimo. A crise está sendo publicizada, mas o prejuízo objetivo alegado não há, ao ponto de se configurar ameaça a violação de direito líquido e certo do impetrante. Admitir a adequação do mandado de segurança, ainda que preventivo, nesta hipótese, configura, a meu ver, a possibilidade de ingerência na Administração Pública, nos recursos e aplicação destes. Como se sabe, é regra comezinha da ação mandamental, que a prova deve ser pré-constituída; o direito líquido e certo ou o justo receio de violação deste, bem como a ilegalidade devem estar demonstrado prima facie. Não havendo esta constatação, de plano, a ação mandamental se mostra totalmente inadequada. A Constituição Federal, conquanto não defina o writ, reza, em seu artigo 5º, inciso LXIX, que: ”Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público”. O art. 1º da Lei do Mandado de Segurança admite a ação preventiva, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade. Cretella Júnior (Controle Jurisdicional do Ato Administrativo, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, pág. 335) define o mandado de segurança como: (...)“a ação de conhecimento, de rito sumaríssimo, pela qual todo aquele que, por ilegalidade ou abuso de poder, proveniente de autoridade pública ou delegado do poder público, sofra violação de direito líquido, certo e incontestável, não amparável por habeas-corpus, ou tenha justo receio de sofrê-lo, tem o direito de suscitar o controle jurisdicional do ato ilegal editado, ou a remoção da ameaça coativa, a fim de que se devolva, ‘in natura’, ao interessado aquilo que o ato lhe ameaçou tirar ou efetivamente tirou”. (destaquei) Trata-se, portanto, de ação constitucional, de natureza predominantemente mandamental, útil ao acautelamento de direito líquido e certo, ameaçado ou violado por ato ilegal ou abusivo de autoridade ou delegado do poder público, o que, na hipótese, não se verifica, de plano. Não é por demais lembrar que a impetração da ação se dirige ao ato apontado como ilegal, que constitui seu objeto. Preleciona Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas-Data, 13ª edição atualizada, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991, pág. 17): “o objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito individual ou coletivo, líquido e certo do impetrante. Este ato ou omissão poderá provir de autoridade de qualquer dos três Poderes. Só não se admite mandado de segurança contra atos meramente normativos (lei em tese), contra a coisa julgada e contra os ‘interna corporis’ de órgãos colegiados (...) ”. (destaquei) Pontes de Miranda (“apud” Cretella Júnior, ob. cit., pág. 365) define a liquidez do direito, como sendo: o direito como dívida, só por ser contestado, não deixa de ser líquido. A contestação, por si só, não o torna ilíquido. Litigioso, sim; porém não incerto. É líquida a obrigação, quando à vista dela não se pode duvidar: ‘an quid, quale, quantum debeatur’. Líquidas são as dívidas de uma coisa certa, ‘obligatio rei certae’. Líquidos são os direitos quando a sua existência é afetada sem incertezas ou sem dúvidas, quando o paciente mostra que a sua posição legal é evidente, sem precisar para o mostrar de diligências e delongas probatórias”. (destaquei) E, continua o mestre: “Direito líquido e certo é aquele que não desperta dúvidas, que está isento de obscuridades, que não precisa ser aclarado com o exame de provas em dilações; que é, de si mesmo, concludente e inconcusso” (Pontes de Miranda, in Comentários à Constituição de 1946, 2ª ed. 1953, vol. 4. p. 369): Diante destes fundamentos doutrinários, a despeito das alegações do impetrante, não há como se ter um juízo de certeza sobre a ilegalidade do ato que estaria configurando justo receio de violação de direito líquido e certo seu. Assim, se a ilegalidade do ato ou o justo receio carecem de provas, contraria a natureza do mandamus. Isso posto, com fulcro no art. 10 da Lei nº 12.016/2009, combinado com o art. 485, I e IV, do CPC, julgo extinto o processo, denegando a segurança. Decorrido o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado, procedendo-se com as baixas e arquivamento. Intime-se. Cumpra-se. Cuiabá, 06 de setembro de 2016. José Zuquim Nogueira Desembargador Relator