O que adicionar a uma estatina quando necessário? Atualização 4 O que adicionar a uma estatina quando necessário? Marcelo Chiara Bertolami Adriana Bertolami As estatinas, por sua capacidade de melhorar o perfil lipídico e reduzir o risco cardiovascular, são os medicamentos mais prescritos mundialmente para diminuir as taxas séricas de colesterol e prevenir eventos e mortes cardiovasculares. Entretanto, há algumas situações em que elas não são suficientes, mesmo em altas doses, para obtenção de uma ou mais metas do perfil lipídico propostas pelas diretrizes (LDL-colesterol, triglicérides e HDL-colesterol). Outras vezes, altas doses não são toleradas, de forma que as metas não podem ser atingidas. Existem outros fármacos, com diferentes mecanismos de ação, que podem ser associados às estatinas na tentativa de melhorar o perfil lipídico e obter as metas desejadas. São eles: resinas, ezetimiba, fibratos, niacina e ácidos graxos ômega-3 (óleos de peixe). Entretanto, até o momento, os estudos não têm conseguido mostrar que a adição de algum produto a uma estatina, com melhora do perfil lipídico, é capaz de reduzir o risco cardiovascular. Os estudos publicados até o momento que testaram essas possibilidades resultaram negativos e entre as várias razões para isso está o mau delineamento de vários deles. Assim, os estudos que avaliaram a associação de ezetimiba com a sinvastatina, como o ENHANCE (Ezetimibe and Simvastatin in Hypercholesterolemia Enhances Atherosclerosis Regression) e o SEAS (Simvastatin and Ezetimibe in Aortic Stenosis), não mostraram melhora do risco cardiovascular com a associação, apesar da maior redução de LDL-colesterol observada com essa terapia. Ambos os estudos sofreram importantes críticas sobre os métodos e populações envolvidos. Quanto aos fibratos, o estudo ACCORD (Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes) avaliou a associação de fenofibrate com estatina e não mostrou significância no objetivo primário. Apenas quando se avaliaram os pacientes que apresentavam triglicérides aumentados (> 204 mg/dL) e HDL-colesterol baixo (< 34 mg/dL), pode-se constatar benefício significativo na redução de eventos cardiovasculares. Mais recentemente, a niacina foi testada em associação com estatinas em dois estudos. O AIM-HIGH (The Atherothrombosis Intervention in Metabolic syndrome with low HDL/high triglycerides: Impact on Global Health outcomes) randomizou para tratamento com estatina isoladamente ou em associação com niacina, portadores de doença cardiovascular com perfil lipídico com boa indicação para esse tratamento: pacientes com triglicérides elevados e HDL-colesterol baixo. O estudo foi interrompido precocemente por falta de benefício. Algumas críticas foram lançadas na tentativa de esclarecer porque o estudo não mostrou benefício da associação com niacina: baixo poder estatístico (a população envolvida foi pequena para a diferença encontrada no perfil lipídico com a niacina), o grupo placebo tomou uma dose baixa de niacina, para que os efeitos colaterais desse produto (particularmente o “flushing”) não denunciasse os que tomavam sua dose plena e essa baixa dosagem pode ter contribuído para a discreta diferença do perfil lipídico entre os dois grupos. Recentemente foi apresentado no Congresso do American College of Cardiology, mas ainda não publicado, o estudo HPS-2 (Heart Protection Study-2) THRIVE. Este estudo envolveu a comparação da sinvastati- 1 www.manualdecardiologia.com.br na isolada contra esta estatina em associação com a niacina associada ao laropipranto, produto que tinha como proposta diminuir o “flushing” induzido pela niacina. Novamente os resultados foram negativos e a grande crítica a este estudo foi que os pacientes randomizados apresentavam-se nas metas do perfil lipídico: média de LDL-colesterol = 63 mg/dL, média de HDL-colesterol = 44 mg/dL e média de triglicérides = 125 mg/dL. Na prática, os pacientes incluídos nesse estudo não tinham qualquer indicação de associação de fármaco à estatina que tomavam, uma vez que seu perfil lipídico já estava nas metas preconizadas. Esse estudo, além de não constatar benefício da associação, mostrou efeitos colaterais até então nunca descritos para a niacina, como eventos hemorrágicos (mais AVCs hemorrágicos) e maior número de infecções. Passou-se a discutir se o laropipranto, tido até então como desprovido de efeitos colaterais, apenas capaz de reduzir o “flushing” induzido pela niacina, não teria sido responsável por esse pior perfil de efeitos colaterais observado no grupo que tomou a associação. Diante desse resultado, a associação da niacina com o laropipranto foi retirada do mercado mundial. Quanto aos ácidos graxos ômega-3, existe apenas um estudo realizado no Japão, o JELIS (Japan EPA Lipid Intervention Study) com pacientes de alto risco cardiovascular, nos quais, a associação de óleo de peixe a uma estatina reduziu de forma discreta, mas significativa os eventos cardiovasculares, apesar de não ter levado a qualquer me- lhora do perfil lipídico dos pacientes (não houve qualquer redução do LDL-colesterol no grupo que tomou óleo de peixe associado à estatina). Diante desses resultados, continuamos sem evidências de que a adição de algum fármaco a uma estatina seja capaz de levar à redução de eventos cardiovasculares. No entanto, diante das críticas que cada estudo trouxe consigo e sabendo dos malefícios proporcionados pelo LDL-colesterol aumentado e/ou o HDL-colesterol baixo, consideramos que quando a estatina não é suficiente para trazer o perfil lipídico para as metas recomendadas, esses outros produtos podem ser adicionados a ela na tentativa de melhorar o perfil lipídico e proporcionar maior proteção cardiovascular. Leitura Recomendada 1. 2. 3. 4. 5. Boden WE; AIM-HIGH Investigators. Niacin in patients with low HDL cholesterol levels receiving intensive statin therapy. N Engl J Med. 2011; 365(24):2255-67. Ginsberg HN; ACCORD Study Group. Effects of combination lipid therapy in type 2 diabetes mellitus. N Engl J Med. 2010; 362(17):1563-74. Kastelein JJ; ENHANCE Investigators. Simvastatin with or without ezetimibe in familial hypercholesterolemia. N Engl J Med. 2008; 358(14):1431-43. Rossebo AB; SEAS Investigators. Intensive lipid lowering with simvastatin and ezetimibe in aortic stenosis. N Engl J Med. 2008; 359(13):1343-56. Yokoyama M; JELIS Investigators. Effects of eicosapentaenoic acid on major coronary events in hypercholesterolaemic patients (JELIS): a randomised open-label, blinded endpoint analysis. Lancet. 2007; 369(9567):1090-8. Este material é complementar ao Manual de Cardiologia, dos autores Ari Timerman, Marcelo Bertolami e João Fernando Monteiro Ferreira, e não pode ser reproduzido, distribuído ou comercializado. ©Direitos reservados à Editora Atheneu - São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, 2013. 2