QUANDO A NOITE NÃO ACABA INSÔNIA

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NOSSA CAPA
INSÔNIA
DIA-A-DIA
Ângela Corrêa
O
lhos arregalados, obsessão pelo tempo
perdido que o relógio
insiste em exibir, desespero e sensação de
fadiga matinal: sinal da antiga
amiga dos escritores, a insônia.
Distúrbio do sono dos mais fáceis
de detectar, a dificuldade para
descansar durante a noite atinge
a todos, sem distinção de sexo,
idade, estrutura física ou estilo
de vida. Para 35% dos brasileiros
que sofrem com o problema, a
sensação é de que a noite nunca
acaba, já que o cansaço do dia anterior persiste.
Além do efeito sentido mais diretamente, que é o cansaço e a sonolência para realizar as tarefas
do dia-a-dia, o distúrbio tem efeitos importantes no organismo. “O
impacto na saúde é enorme. Em
primeiro lugar, quem tem insônia
passa a ter um prejuízo na memória e em suas funções cognitivas.
Em seguida, apresenta alterações
de humor. Depois de mais tempo,
a falta de sono pode levar a alterações de metabolismo, como diabetes e obesidade”, diz a neurologista Rosa Hasan, médica responsável pelo Laboratório do Sono da
Faculdade de Medicina do ABC.
As características da insônia
são a dificuldade para iniciar ou
manter o sono. “É diferente de
quando a pessoa fica acordada
para fazer alguma coisa. Quem
tem insônia se deita cedo e tenta
dormir, mas não consegue”, completa a neurologista. Além disso,
essa dificuldade pode ser classifi-
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cada como um sintoma. “Está inserido dentro de um contexto físico, psicológico e social, além de
uma provável predisposição genética”, afirma o neurologista Luciano Ribeiro, do Laboratório do
Sono da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo).
A insônia pode ser aguda, nos
casos em que se perde o sono por
algum agente desencadeante,
como atividades estressantes realizadas durante o dia. “Esse tipo
dura até 30 dias, sendo que a partir de um mês, passamos a considerá-la insônia crônica. Requer
um especialista para o atendimento correto”, afirma Ribeiro. Antes
de buscar tratamento, é necessário verificar se o que rouba a qualidade de suas noites é mesmo o
distúrbio. Se a agenda noturna
anda cheia, com badalação diária,
hora extra em casa e muito tempo
na Internet, é melhor diminuir o
ritmo. Apesar da variedade de
pessoas atingidas pelo distúrbio, o
perfil típico do insone é a mulher
na faixa dos 50 anos (veja reportagem na página 10) e o idoso,
de ambos os sexos.
O tratamento costuma ser designado caso a caso. “Vai depender da
causa da insônia. Há indivíduos
que têm problemas de sono há tanto tempo que se condicionam negativamente para dormir. Vai chegando a noite e o sujeito desenvolve um medo de não conseguir dormir tão grande que, por fim, o sono
não vem mesmo”, diz a neurologista Rosa Hasan. Nesses casos, é necessário realizar terapia comportamental cognitiva. Remédios, só
com estrita recomendação.
Há casos também em que o in-
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sone não sabe a dimensão do distúrbio. “Às vezes ele dorme e acorda durante toda a noite e tem a
sensação de que não dormiu
nada”, conta a neurologista. Então, algumas vezes é necessário
fazer exames mais apurados,
como a polissonografia, que vai
detectar se há outros distúrbios
aos quais a insônia é secundária.
Outra medida importante, tanto
para os insones quanto para quem
dorme como um anjo, é adotar novos hábitos na hora de dormir e no
cotidiano, a chamada higiene do
sono (veja dicas ao lado).
Sono – Dormir não denota apenas a função de descanso. Durante as oito horas em que normalmente ficamos na cama –
média necessária para a população, de acordo com o neurologista da Unifesp –, realizamos diversas funções importantes. “O
sono é importante para nossas
funções físicas e mentais, como
na secreção de hormônios. Age
também no metabolismo, na
imunidade, na memória e no
aprendizado”, diz Ribeiro.
De acordo com Rosa, ter um
sono de qualidade é importante
até para quem não sente no corpo
os efeitos de uma noite maldormida. “O prejuízo é o mesmo para
ambas as situações”.
As crianças dormem muito e
com a idade vai havendo uma redução no tempo total de sono, porém cada indivíduo tem necessidade de determinadas horas de
sono. “Mas há poucos dormidores
curtos na população. A maioria
precisa dormir muitas horas”, diz
a neurologista.
Podemos graduar
as fases do sono
em quatro
estágios, sendo
os dois últimos os
mais profundos.
Os ciclos vão se
alternando
durante a noite,
em turnos de 90
minutos. O sono
REM (Rapid Eye
Movement ou
Movimento
Rápido dos
Olhos) é a fase
em que
sonhamos.
DIÁRIO DO GRANDE ABC
‘JÁ ME ACOSTUMEI COM ESTE RITMO’
André Henriques
A administradora de empresas Silvia Lima, 33 anos,
de Santo André, tem graves crises de insônia desde a
adolescência. “Mas antes era por conta das muitas baladas. Ia em vários dias seguidos e isso alterava meu ritmo. Tempos depois de ter ido às festas, continuava
acordada”, diz. Na época da faculdade, que conciliava
com o trabalho, os picos de insônia pioraram. “Em vez
de ficar supercansada, a agitação aumentava. Via o dia
clarear e ficava desesperada. O corpo fica destruído”.
O sono ficou mais fácil quando ela detectou uma
disfunção da tireóide, período em que dormia um
pouquinho mais, coisa que já se reverteu. “Hoje consigo dormir por volta das 3h, 4h, mas é um sono perturbado, não relaxo. Acordo logo às 6h”, conta. Nas
noites em que é impossível dormir, Silvia assiste
à TV ou passa horas na internet. “Já me
acostumei com esse ritmo, mas às vezes sinto um pouco de inveja do sono
da minha filha Gabriela, de 5 anos.
Ela desmaia. Espero que durma assim sempre”.
– ACo
recem quando o indivíduo
está em repouso e sente uma
necessidade grande de mover
as pernas, uma inquietação
que vem não se sabe de onde.
“Essa doença ocorre em
uma porcentagem variável,
que atinge de 4% a 10% da
população mundial. Apesar
de muito freqüente, a doença
é pouco tratada. O paciente
vai ao médico por não conseguir dormir, mas por vezes
não relata esse desconforto”,
diz a neurologista Rosa Hasan. Quando a pessoa tem
essa sensação à noite, se vê
obrigada a caminhar, o que
acaba com a inquietação.
Quando volta para a cama, a
sensação retorna. O tratamento também é feito por
meio de higiene do sono e
medicamentos.
Apnéia – A apnéia do
sono, que tem maior prevalência em homens, idosos e
pessoas obesas, é uma das
doenças do sono mais graves. “O indivíduo tem pausas respiratórias, que vão
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DICAS PARA DORMIR BEM
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mor e do sistema cardiovascular, facilitando infartos e
derrames” completa.
Os primeiros sinais da
doença são notados geralmente pelo parceiro do paciente. “O cônjuge pode observar pequenas paradinhas respiratórias do outro
e transpiração fora do comum”, diz. É importante
frisar que nem todas as pessoas que roncam desenvolvem a apnéia. Mas todos
que têm apnéia, roncam”,
– ACo
diz Rosa.
aumentar o nível de ansiedade
✔ Não trabalhe na cama de jeito
nenhum
✔ Não faça exercícios físicos à
noite. Eles irão aumentar a
temperatura corporal. À noite,
prefira exercícios de alongamento
e relaxamento, sempre de curta
duração. Ginástica na parte da
manhã, porém, é recomendada
para um sono reparador
✔ Procure não listar o que
realizou no dia quando for dormir.
Se houver alguma pendência para
o dia seguinte, o pensamento vai
gerar estresse
✔ Banho morno sempre ajuda a
acalmar
Quem sofre de insônia tem de adotar hábitos diferentes. É necessário
insistir na nova rotina, mesmo que a princípio não pareça agradável,
principalmente para quem já é agitado por natureza. Veja abaixo algumas dicas importantes para manter uma boa noite de sono:
✔ Estipule um horário para ir
para a cama todos os dias e
tente segui-lo por grande parte
da semana
✔ Não se obrigue a ficar na
cama, esperando que o sono
venha. Faça outra atividade
relaxante e espere até que o
corpo dê sinais de que é hora de
tentar novamente
✔ Não consuma substâncias com
álcool e cafeína e não fume à
noite. As substâncias têm o poder
de alterar a arquitetura do sono e
fragmentá-lo
✔ Evite manter TV no quarto.
Assistir programas ou filmes de
ação antes de dormir só vai
ocorrendo à medida que o
sono vai se aprofundando.
São paradinhas de 10 segundos ou mais. Podem
ocorrer quedas na oxigenação do sangue e o sono fica
todo fragmentado, já que a
pessoa desperta bastante
vezes ao longo do sono”,
diz Rosa. A incidência é de
5% a 9%.
O impacto na saúde é
grande. “Além de sempre
acordarem cansados, haverá sonolência excessiva
diurna, alterações do hu-
PERNAS INQUIETAS E APNÉIA TAMBÉM PREJUDICAM
Além da insônia, há outros
distúrbios que atrapalham o
sono dos justos. Entre os mais
comuns, estão a síndrome das
pernas inquietas e a apnéia
do sono. A dificuldade para
dormir pode ser secundária a
essas doenças. Assim como a
insônia crônica, devem ser investigadas por exames.
A síndrome das pernas inquietas é uma doença neurológica, causada por deficiência de ferro ou dopamina, ou
pela falta dos dois concomitantemente. Os sintomas apa-
DIÁRIO DO GRANDE ABC
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