Isomorfismo Institucional, Teoria Crítica e Abordagens Pós-Modernas: Potenciais Emancipatórios ou Uma Nova Jaula de Ferro? Autoria: Sionara Ioco Okada Resumo Este ensaio propõe uma reflexão sobre três perspectivas distintas na área organizacional e que fomentam um debate entre a sociologia de regulação e vertentes voltadas à mudança social. O ensaio visa promover uma discussão sobre a evolução do campo teórico organizacional, a partir da comparação de teorias macrossociais, que não apenas se antagonizam, mas também acrescentam caminhos alternativos e múltiplas perspectivas de conhecimento no campo organizacional. Uma das contribuições desse ensaio é a de que a abordagem dos processos isomórficos institucionais pode despertar para a necessidade de estudos orientados para a coordenação intersetorial em redes e o poder nas organizações. Palavras-chave: isomorfismo institucional, teoria critica, abordagens pós-modernas. 1 1 INTRODUÇÃO “O aumento do pluralismo na área organizacional tem se refletido no enriquecimento do aporte teórico a partir da conscientização de que distintas correntes de pensamento podem determinar novas alternativas de pesquisa” (Astley & Van De Ven, 2007, p. 80). De um lado, este pluralismo deve ser estimulado para que múltiplas perspectivas estimulem as iniciativas para a disseminação de conhecimento das organizações, ampliando o entendimento do pesquisador sobre a vida organizacional. Por outro lado, esse pluralismo formata uma compartimentalização teórica excessiva que pode dificultar o entendimento de como várias escolas de pensamento se relacionam. Este ensaio teórico propõe uma análise reflexiva entre três perspectivas distintas na área organizacional e que fomentam um debate entre a sociologia de regulação e vertentes voltadas à mudança social. O isomorfismo institucional procura explicar a homogeneidade ao invés da variação, investigando a surpreendente semelhança nas formas e práticas organizacionais em setores bem estruturados e campos organizacionais institucionalmente legitimados. Esta linhagem de pensamento se baseia na racionalidade coletiva nos campos organizacionais dentro do paradigma funcionalista e se contrapõe à Teoria crítica do humanismo radical e às múltiplas abordagens Pós-modernas. A teoria crítica e as abordagens pós-modernistas são vertentes de resistência à hegemonia do positivismo lógico e, embora ambas confrontem o mainstream funcionalista, não se assemelham e nem tão pouco são coincidentes, pelo contrário, cada uma apresenta uma perspectiva epistemológica alternativa. Astley e Van De Ven (2007) concordam que a explicação de uma corrente teórica, de forma isolada, invariavelmente oferece uma visão parcial da realidade, tornando-se necessária a interação de diferentes vertentes de pensamento para possibilitar a abertura de um amplo espectro de análise para os principais debates das organizações contemporâneas. Lewis e Grimes (1999) por sua vez, defendem a metatriangulação baseada na construção teórica multiparadigmática. Os autores supracitados consideram que o resultado da metatriangulação torna o campo de estudos organizacionais mais vibrante, uma vez que, visões teóricas distintas podem enriquecer a compreensão dos pesquisadores sobre a complexidade, ambiguidade e paradoxos organizacionais. Por conseguinte, a crescente conscientização sobre a complexidade das organizações tem reflexo na sofisticação e refinamento dos interesses dos teóricos sobre as causas das mudanças na racionalidade organizacional e, que emergem da estruturação de campos organizacionais (Astley & Van De Ven, 2007). Hannan e Freeman (1977) consideram que grande parte da teoria organizacional pósmoderna postula que um mundo diferenciado e diverso de organizações busca explicar a variação entre as organizações em termos de estrutura e comportamento. Porém, segundo DiMaggio e Powell (1983), os campos organizacionais mais estruturados proporcionam um contexto organizacional que levam a processos de homogeneização, o que torna as organizações mais semelhantes. Este processo, chamado de isomorfismo, diz respeito à tendência à homogeneidade de unidades organizacionais que enfrentam o mesmo conjunto de condições e incertezas ambientais. Em contraponto, Grey (2004, p.12) afirma reiteradamente que “o discurso da 2 mudança oferece a oportunidade de se atingir uma identidade flexível, adaptativa e orientada para a emancipação, embora a retórica da mudança, no momento, tenha um apelo exacerbado”. DiMaggio e Powel (1983) ponderaram que a racionalização e a burocratização estão tornando as organizações mais semelhantes, porém sem torna-las mais eficientes. Weber (1952, p.182) já argumentava que “a manifestação organizacional da ordem racionalista era um meio eficiente de controle e advertia que o espírito burocrático do capitalismo aprisionaria a humanidade em uma “jaula de ferro” de forma irreversível”. Em seu ensaio sobre a burocracia, Weber retornou a esse tema sustentando que “uma das principais causas da burocracia era a competição das empresas capitalistas por espaço no mercado” (Weber, 1968, p.974). Sob essa perspectiva, DiMaggio e Powel (2007, p.117) “revisitam a metáfora Weberiana de uma nova ”jaula de ferro”, advertindo que uma padronização coletiva no comportamento organizacional tende a um caráter de controle burocrático”. Depreende-se disso, que a racionalidade coletiva e isomorfismo institucionalizado se engendram de forma mimética nas organizações, face às pressões e incertezas ambientais, homogeneizando a cultura e estrutura organizacional. Nessa direção, o embate epistemológico com correntes teóricas de mudança podem acrescentar caminhos alternativos e abrir múltiplas perspectivas de conhecimento no campo organizacional. Embora, exista um debate acadêmico em curso, sobre os avanços no campo de estudos das organizações, o mesmo encontra lacunas teóricas e pontos factíveis de discussões; o que enseja a realização deste trabalho. Quanto à metodologia empregada, trata-se de um ensaio teórico fundamentado em fontes secundárias, notadamente a partir de coletâneas de artigos, da série RAE clássicos – Teoria das organizações com edição em 2007; e do Handbook de estudos organizacionais – edição brasileira de 2012. A parte inicial discorre sobre o embate epistemológico das três correntes teóricas abordadas evidenciando não apenas a sua localização dentro dos paradigmas da sociologia, como também o posicionamento de seus teóricos. Em seguida, a abordagem da homogeneidade de formas e práticas organizacionais tem como foco o processo restritivo que faz com que muitas organizações se assemelhem às outras que enfrentam as mesmas condições ambientais. Depois, apresentam-se a teoria crítica e as abordagens pós-modernas que são perspectivas teóricas que se orientam na direção da mudança e ambas, estão ancoradas na resistência à hegemonia funcionalista. Por fim, apresentam-se as considerações finais e recomendações para trabalhos futuros. 2. MARCO TEÓRICO 2.1 O Embate Epistemológico e Posicionamento Paradigmático No embate epistemológico entre as três correntes de pensamento, a teoria crítica, as abordagens pós-modernas e o isomorfismo institucional, deflagram-se concomitantemente forças consensuais e conflitantes. A teoria crítica e as abordagens pós-modernas surgem como alternativas à hegemonia funcionalista, enfatizam Alvesson e Deetz (2012). Ambas se aproximam da sociologia da mudança e confrontam a predominância da ortodoxia funcionalista no campo dos estudos organizacionais. Embora sejam orientadas à mudança social, são linhagens de pensamento que se antagonizam entre si. As abordagens pós-modernas rejeitam a teoria crítica e sua visão radical extremada (Vieira & Caldas, 2007; Cooper & Burrel, 2007). O isomorfismo institucional, por sua vez, se insere no paradigma funcionalista que se baseia na pressuposição de que a sociedade tem uma existência real, concreta e um caráter 3 sistêmico orientado para a ordem e regulação. Sob este prisma, as organizações se dirigem rumo ao processo de estruturação institucional, com dominação de padrões de coalizão e de interdependência organizacional (Morgan, 2007). Os paradigmas sociológicos propostos por Burrell e Morgan (2001) como visões da realidade social tem o papel de apresentar as perspectivas agonistas e antagônicas de análise social com suas implicações para o estudo organizacional. 2.1.2 Paradigmas sociológicos nas dimensões da regulação e da mudança Burrell e Morgan (2001) exploram em detalhes os paradigmas e argumentam que a teoria das organizações poderia ser analisada dentro de quatro amplas visões do mundo. Estas quatro visões representam diferentes conjuntos de pressuposições meta-teóricas sobre a natureza da ciência, a dimensão subjetivo-objetiva e a natureza da sociedade nas dimensões de regulação e mudança. O isomorfismo institucional tem sua localização no paradigma funcionalista e representa o racionalismo legitimado institucionalmente. A teoria crítica tem sua localização no paradigma humanismo radical, com um posicionamento de confronto ao paradigma funcionalista. As abordagens pós-modernas ultrapassam as fronteiras sociológicas de regulação e mudança, transcendendo as perspectivas paradigmáticas propostas por Burrell e Morgan (2001) e, portanto situam-se fora dos quatro quadrantes supracitados, como demonstra a figura 01. Figura 01: Paradigmas sociológicos e abordagens pós-modernas Fonte: adaptado de Burrell &Morgan (2001); Vieira & Caldas (2007). 4 A teoria crítica e as abordagens pós-modernas são perspectivas teóricas ancoradas na resistência à hegemonia funcionalista. Ambas se orientam na direção da mudança e, portanto confrontam a predominância determinista do paradigma funcionalista no campo dos estudos organizacionais (Burrell & Morgan, 2001). Enquanto os teóricos críticos, avessos à ordem e à regulação se localizam no paradigma humanismo radical; os pós-modernistas tem uma alocação periférica aos paradigmas sociológicos propostos por Burrell e Morgan (2001). O embate entre as duas posições epistemológicas tem uma polarização conflituosa, por um lado, os teóricos críticos se posicionam contra a ruptura entre a era moderna e pós-moderna e por outro lado, os pósmodernistas rejeitam a teoria crítica e os modelos radicais de mudança. Críticos e pós-modernos tem em comum apenas a sua oposição ao mainstream funcionalista que os precedeu (Vieira & Caldas, 2007; Burrell & Morgan 2001; Cooper & Burrell, 2006). 2.2 Isomorfismo Institucional: a Racionalidade coletiva nos campos organizacionais A racionalidade coletiva nos campos organizacionais está ancorada na pressuposição de uma sociedade concreta, real e com um caráter sistêmico orientado para a ordem e regulação (Burrell e Morgan, 2001). Sob esta ótica, as organizações se inserem em um processo de estruturação institucional, com dominação de padrões de coalizão e de dependência interorganizacional. Di Maggio e Powel (2007, p.117) enfatizam que “a ideia weberiana da jaula de ferro dentro desta ordem racionalista não apenas aprisiona as organizações, como também confere um caráter de controle burocrático irreversível”. Os autores sugerem que a racionalização organizacional vem sofrendo mudanças, entretanto, os campos organizacionais mais estruturados continuam a encarcerar as organizações ao proporcionarem um contexto em que os esforços individuais para lidar racionalmente com incertezas e turbulências ambientais levam à homogeneidade em estrutura, cultura e resultados. “O conceito que melhor capta o processo de homogeneidade é o do isomorfismo, que constitui um processo restritivo [...] que força uma unidade organizacional a se assemelhar às outras organizações que enfrentam as mesmas condições ambientais” (Di Maggio e Powel, 2007 p.120). Di Maggio e Powel (2007) identificaram três mecanismos por meio dos quais ocorre a mudança isomórfica institucional: i) isomorfismo coercitivo que provém das pressões ao mesmo tempo formais e informais, ii) isomorfismo Mimético que resulta das respostas padronizadas sob condições de incerteza, iii) isomorfismo Normativo que está associado à profissionalização. O isomorfismo Coercitivo diz respeito a rituais de conformidade, leis e regulamentos que de certa forma padronizam comportamentos ou descrevem comportamentos esperados. O isomorfismo mimético relaciona organizações que em condições de incerteza tendem a se espelhar ou por imitação seguir outras organizações no intuito de minimizar incertezas e objetivos ambíguos. O isomorfismo Normativo se refere à legitimação coletiva por mecanismos de controle das atitudes para profissionalizar os indivíduos de uma organização. Di Maggio e Powel (2007) propõem indicadores preditivos de mudança isomórfica sugerindo seis hipóteses genéricas para organizações com características similares em relação à estrutura, porte, tecnologia e recursos. Os indicadores preditivos se dão em dois níveis: organizacional e em nível de campo. Os indicadores no nível organizacional se referem à existência de uma relação diretamente proporcional entre: i) o grau de dependência, ii) o grau de centralização de recursos, iii) o grau de incertezas enfrentadas, iv) o grau de objetivos organizacionais, v) o grau de confiança e vi) o grau de gestores participantes de associações 5 representativas em relação ao grau de semelhança e homogeneização organizacional. Estes indicadores preditivos em nível organizacional indicam a variabilidade na medida e no ritmo em que as organizações mudam para se tornarem parecidas com as outras do mesmo setor de atuação, como demonstra a tabela 01. Tabela 01: Indicadores Preditivos de Mudança Isomórfica em Nível Organizacional Hipótese A 1 – Quanto maior o grau de dependência maior grau de semelhança Hipótese A 2 – Quanto maior o grau de centralização os recursos, maior grau de semelhança com a organização da qual depende. Hipótese A 3 – Quanto maior o grau de incertezas, maior a chance de moldar-se a organizações bem sucedidas. Hipótese A 4 – Quanto maior o grau de objetivos ambíguos, maior a chance de moldar-se a organizações bem sucedidas. Hipótese A 5 - Quanto maior o grau de confiança para a escolha de gerentes, maior a semelhança em outras do mesmo setor. Hipótese A 6 – Quanto maior o grau de gestores participantes de associações representativas, maior a semelhança em outras do mesmo setor. Fonte: Di Maggio e Powel (2007) As hipóteses não pretendem esgotar o universo dos indicadores de predição, simplesmente sugerem alternativas factíveis de verificação em estudos de campo de corte transversal e/ou longitudinal, com pressuposições de ceteris paribus em relação a porte, tecnologia e centralização de recursos externos (Di Maggio & Powel (2007). Os indicadores preditivos em nível de campo correspondem ao ambiente setorial de atuação organizacional. Di Maggio e Powel (2007) propõem a existência de uma relação diretamente proporcional entre: i) as fontes de recursos, ii) o número de transações com órgãos governamentais, iii) o grau de incerteza, iv) o grau de profissionalização e v) o grau de estruturação com o aumento da aderência ao isomorfismo; e de uma relação inversa no que se refere a: vi) modelos alternativos visíveis e ritmo de isomorfismo. Os seis indicadores preditivos em nível de campo descrevem os efeitos esperados de isomorfismo em um campo particular, como ilustra a tabela 02. Tabela 02: Indicadores Preditivos de Mudança Isomórfica em Nível de Campo Hipótese B 1 – Quanto maior o grau de dependência das fontes de recursos, maior o grau de isomorfismo. Hipótese B 2 – Quanto maior a transação com órgãos estatais, maior a extensão do isomorfismo de campo. Hipótese B 3 – Quanto menor for o número de modelos alternativos visíveis num campo, maior será o ritmo de isomorfismo neste campo. Hipótese B 4 – Quanto maior a incerteza tecnológica ou metas organizacionais ambíguas, maior será o ritmo da mudança. Hipótese B 5 - Quanto maior o grau de profissionalização, maior a semelhança em outras do mesmo setor. Hipótese B 6 – Quanto maior for o grau de estruturação de um campo, maior o grau de isomorfismo. 6 Fonte: Di Maggio e Powel (2007) 2.3 Teoria Crítica e Abordagens Pós-Modernas Tendo como pano de fundo a sociologia da mudança radical, o corpo teórico que nutre o desenvolvimento dos críticos e pós-modernistas traduz uma pluralidade de tradições intelectuais das ciências sociais gerando uma arena de debates dos quais se destacam três grandes conjuntos de tradições teóricas, ressaltam Davel e Alcadipani (2003). O primeiro conjunto engloba as tradições modernistas desenvolvidas no âmbito do marxismo, do neo-marxismo e da Escola de Frankfurt. O segundo envolve tradições pós-analíticas com a finalidade de se referir às múltiplas correntes do pensamento social como os pós-modernistas e pós-colonialistas e o terceiro grupo engloba as teorias feministas. Esses três conjuntos teóricos, enfatizam Davel e Alcadipani (2003) constituem o corpo dinâmico dos críticos e pós-modernistas porque representam críticas efetivas do pensamento positivista e das formas mais sofisticadas de controle, ideologia e dominação. A razão pela qual os críticos e pós-modernos encontraram um campo fértil nos estudos de gestão deve-se em parte a mudanças no ambiente organizacional. O crescimento no tamanho das organizações, a rápida implementação das tecnologias de informação e comunicação, a profissionalização da força de trabalho, as economias em estagnação, os problemas ambientais e os mercados turbulentos fazem parte do contexto contemporâneo que exigem respostas de pesquisa. Assim, temas como cultura organizacional, identidade, gestão da qualidade, administração de serviços e liderança emergem no inicio dos anos 90 (Alvesson & Deetz, 2012). Grey (2004) por sua vez, observou um ceticismo radical que desafia à “ortodoxia da mudança”, sustentado pela ubiquidade e onipresença da constante temática da mudança na literatura organizacional. Segundo o autor, o discurso da mudança tem tido um apelo retórico exacerbado se tornando uma força que age beneficiando as elites. Grey (2004, p.23) reitera que “a mudança se tornou um ‘fetiche’ que reflete uma visão distorcida das ciências organizacionais, [...] de muitas formas, os teóricos organizacionais têm incorrido no erro da generalização, igualando as experiências de uma elite ocidental relativamente pequena e privilegiada às experiências do mundo”. 2.3.1 Os teóricos críticos A teoria crítica é uma corrente da filosofia social, que visa operar simultaneamente entre a teoria e a prática e seus defensores procuram lançar as bases para a emancipação humana através de profunda mudança. Davel &Alcadipani (2003) destacam três parâmetros fundamentais para identificar um estudo como sendo de natureza crítica: i) a promulgação de uma visão desnaturalizada da administração; ii) intenções desvinculadas da performance; iii) um ideal de emancipação. Os teóricos críticos defendem a prática como realização dos potenciais emancipatórios do mundo (Vieira & Caldas, 2007). Este posicionamento parte do princípio de que a ação é o objeto principal da teoria e, portanto os embates políticos e ideológicos são centrais na teoria crítica que abdicam da neutralidade positivista por acha-la parcial. Vieira e Caldas (2007) observam que os críticos dedicam-se a examinar o mundo e suas relações sob a ótica da emancipação, coadunando não apenas a busca da realização concreta da liberdade e igualdade, como também a manutenção do comportamento crítico. Um movimento tão polêmico e abrangentemente crítico não poderia 7 deixar de provocar um debate desafiador, onde se destacam razões para os descontentamentos e desafetos entre os debatedores: i) alguns teóricos críticos sugerem que o movimento pós-moderno não passa de um aglomerado de argumentos que tem em si apenas a insistente antipatia ao modernismo e aos projetos iluministas; ii) muitos teóricos negam a ruptura entre a era moderna e pós-moderna e preferem entender a realidade pós-moderna como um estágio recente dentro da modernidade; iii) críticos questionam a contribuição positiva pós-modernista, parafraseando a expressão coloquial: parece ser interessante, mas para que serve? ; iv) os críticos mais radicais argumentam que teóricos pós-modernos tem pouco a oferecer simplesmente por não terem muito a dizer (Vieira & Caldas, 2007). Como expoentes teóricos brasileiros com tradição no pensamento crítico destacam-se Guerreiro Ramos que critica a ciência domesticada, fundamentada na reprodução não criativa e distanciada dos problemas brasileiros, Maurício Tragtenberg com estudos da legitimação burocrática do poder com ênfase no controle sobre o homem; e Prestes Motta que desenvolveu estudos sobre a burocracia, poder, educação, cultura e tecnologia (Vieira e Caldas, 2007). Davel e Alcadipani (2003) realizaram estudos da produção de abordagens críticas no Brasil, utilizando uma análise bibliométrica para mapear o comportamento dos pesquisadores em suas decisões na construção deste conhecimento. Foram analisados todos os artigos publicados ao longo da década de 1990, nas cinco revistas brasileiras de administração de maior destaque, a Revista de Administração de Empresas (RAE), Revista de Administração Contemporânea (RAC), Revista de Administração Pública (RAP), Revista de Administração (RAUSP) e revista Organização & Sociedade (O&S), bem como os Anais do Enanpad. Quanto aos resultados, ao examinar a produção de abordagens críticas no Brasil na década de 1990, constatou-se uma carência de pesquisas que aprofundem o conhecimento sobre práticas e organizações locais e concomitantemente, a existência de um potencial de renovação da produção teórica em administração com abordagem crítica. Levando-se em consideração a emergência e a sedimentação desse movimento no Brasil, Davel e Alcadipani (2003) defendem neste estudo a importância das contribuições de estudos críticos para o avanço da pesquisa em administração no Brasil que podem identificar, não apenas as forças e carências na produção acadêmica, mas também estimular iniciativas para que os teóricos críticos brasileiros se renovem se revigorem e encontrem caminhos originais a seguir. 2.3.2 As Abordagens Pós-modernas e seus teóricos O pós-modernismo surge como um movimento intelectual que se define justamente por aqueles que veem no fim do século XX uma ruptura com a era moderna (Cooper e Burrell, 2006). As abordagens pós-modernistas são multifacetadas e tem um escopo abrangente que se delineia em um amplo movimento teórico multi-disciplinar envolvendo filosofia, artes, ciências sociais e chegando ao campo dos estudos organizacionais. Alvesson e Deetz, (2012), sustentam que a era pós-moderna tem como perspectivas a globalização, o relativismo e o pluralismo, caracterizados pela dissipação da objetividade, tidas como tipicamente modernas. Dentro desta esfera de análise destaca-se: i) a espetacularização da sociedade marcada pela centralidade da mídia e da imagem; ii) da cultura de massa com a perpetuação da mudança em um âmbito extremamente volátil e transitório; iii) o papel do indivíduo na sociedade primordialmente de consumo; iv) a comoditização do conhecimento. O principal argumento desta corrente de pensamento é que as percepções de mundo, a estética, a 8 ciência e o conhecimento deveriam se adequar a mudança, rejeitando as convicções modernistas (Vieira & Caldas, 2007). A base da análise pós-moderna dentro do campo de estudos organizacionais, inicia-se pela forte oposição aos teóricos críticos em função de sua crença na razão e no progresso da humanidade, destacam Cooper e Burrell (2006). Surge um debate polarizado entre duas posições epistemológicas diferentes claramente em conflito: o modernismo com sua crença na capacidade essencial da humanidade de buscar a perfeição pelo poder de seu pensamento racional; e o pósmodernismo com seu questionamento crítico e total rejeição ao racionalismo etnocêntrico propugnado pelo modernismo. Cooper e Burrell (2006) observam que essas duas correntes são radicalmente diferentes no pensamento e na lógica de funcionamento, sendo fundamentalmente irreconciliáveis. Revisitando novamente a metáfora Weberiana, os pós-modernistas ao confrontar os teóricos críticos, ditos modernistas demonstram uma grande inquietação quanto à ideia da organização burocrática Weberiana e a criação da “jaula de ferro” nos estudos dos sistemas sociais modernos. Este aprisionamento da organização moderna simbolizava, para os pósmodernos uma racionalização extremada e uma consequente dominação determinista (Cooper & Burrell, 2006). A disseminação do movimento pós-modernista em estudos organizacionais se fundamentou não apenas no aporte de metodologias como também nas perspectivas desconhecidas às teorias até então, utilizadas na área organizacional (Cooper & Burrell, 2006). As metodologias desconstrutivas, as análises de discursos e narrativas foram algumas das ferramentas utilizadas por teóricos pós-modernos para a crítica a elementos da modernidade enraizada em pressupostos de reforma iluministas. Os teóricos pós-modernistas também popularizaram as análises genealógicas e historiográficas inspiradas nos trabalhos de Foucault (Cooper & Burrell, 2006; Vieira & Caldas, 2007). A despeito da mudança como orientação paradigmática, os primeiros teóricos pósmodernistas em estudos organizacionais se definiam por dois elementos. Primeiro “pela oposição radical ao que chamavam de viés racionalista etnocêntrico dos teóricos modernistas, [...] que se rotulavam como críticos. Segundo, pela firme oposição ao positivismo que imperava na teoria social hegemônica sustentada pelo amplo contingente de teóricos pós-estruturalistas” (Vieira & Caldas, 2007, p.301). Vieira & Caldas (2007) destacam que autores como Gibson Burrell, John Hassard, Marta Calás e Linda Smircich foram fundamentais na disseminação do movimento pós-modernista em estudos organizacionais não apenas no aporte de metodologias como também nas perspectivas desconhecidas às teorias até então utilizadas na área organizacional. As metodologias desconstrutivas, as análises de discursos e narrativas foram algumas das ferramentas utilizadas por teóricos pós-modernos para a crítica a elementos da modernidade enraizada em pressupostos de reforma iluministas. Calas e Smircich (1999) destacam quatro vertentes teóricas que parecem ser as herdeiras do pós-modernismo em análise organizacional. São elas: i) as teorias feministas ou de gênero pós-estruturalistas, ii) as análises pós-colonialistas, iii) The Actor network Theory ou teoria de translação, iv) as análises desconstrutivas de discursos e narrativas sobre conhecimento (Vieira & Caldas, 2007). Balanços recentes das abordagens pós-modernistas evidenciam avanços em estudos organizacionais no Brasil. No que se refere à endogeneidade, Rodrigues, Duarte e Carriere (2011) questionam se países emergentes, como Brasil, China e Índia serão capazes de gerar ideias para influenciar a prática gerencial internacionalmente. Se as economias emergentes tendem a crescer 9 e assumir um papel importante na economia e política internacional, também podem ser pressionadas a atender dilemas gerenciais nativos com implicações na produção teórica e no ajuste de novos modelos de gestão. Sob esse prisma, Rodrigues, Duarte e Carriere (2011) advertem sobre a tendenciosa relação entre “centro e periferia” e a complexidade das mudanças na construção teórica, na medida em que novos entrantes de uma economia emergente podem propor questões que até então, não tinham sido exploradas pelo mainstream teórico universalista. Nessa direção, Vieira e Caldas (2007) acrescentam que as perspectivas neo-colonialistas e de gênero são apropriadas aos estudos em países periféricos, visto que ainda não foram mapeados em termos organizacionais. Ainda, no questionamento da legitimidade dos estudos brasileiros Rodrigues, Duarte e Carriere (2011) destacam o embate entre “teorias nativas versus teorias universalistas” com a supremacia anglo-saxônica nas publicações em periódicos internacionais. Os autores supracitados sugerem duas abordagens, não apenas para melhorar o impacto de estudos brasileiros internacionalmente, como também para promover a reputação do país neste campo de estudo. Sob uma perspectiva cognitiva, estas abordagens seriam ajustadas de forma a relacionar as estratégias de investigação em duas rotas, formatando um caminho ambidestro. Este ajuste relacionaria tanto uma abordagem dedutiva com investigações tendo origem nas contribuições internacionais, mas dentro de um contexto brasileiro; quanto em uma abordagem indutiva com questões e projetos de pesquisa nativos para desenvolver uma teoria relevante para o Brasil. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A comparação das teorias macrossociais antagônicas podem acrescentar caminhos alternativos e abrir múltiplas perspectivas de conhecimento no campo organizacional. A teoria crítica e as abordagens pós-modernistas vislumbram a oportunidade de se atingir um posicionamento flexível, adaptativo e orientado para a emancipação humana, porém muito embora os críticos e pós-modernistas tenham arregimentado contribuições importantes para a análise organizacional, sem dúvida pode-se reconhecer contradições que permeiam seus próprios dilemas e paradoxos. Surge um questionamento a partir do confronto das três linhagens de pensamento, ora discutidas neste ensaio. Se a ocorrência da racionalidade coletiva e isomorfismo institucional frente às incertezas ambientais podem aprisionar as organizações em uma “jaula de ferro“ restringindo-as a uma visão parcial da realidade; será que os dilemas e paradoxos das vertentes de mudança, críticas e pós-modernas, também não o fariam? Pode-se ponderar que tanto as abordagens críticas como as correntes alternativas de confronto ao determinismo lógico são dinâmicas e multifacetadas, e; portanto devem ser refletidas com cuidado, de modo a resguardar a tênue autonomia humana da ideia Weberiana de uma nova “Jaula de ferro”. Além disso, pode-se considerar que a onipresença da mudança na literatura organizacional pode se tornar uma força opressora de aprisionamento das organizações, no que se refere ao atendimento das constantes adaptações organizacionais, face à avidez e volatilidade transitória das mudanças. Uma das contribuições desse ensaio é a de que a abordagem dos processos isomórficos institucionais pode despertar para a necessidade de estudos correlatos, orientados para a coordenação intersetorial, a interdependência em redes e o poder nas organizações. Assim como, a teoria crítica e as abordagens pós-modernistas enquanto vertentes de confronto ao mainstream 10 hegemônico podem trazer avanços e inovações na área de estudos organizacionais, uma vez que postulam a emancipação do homem e a validação da crítica. Outra contribuição do ponto de vista temático é a de que vários dos atuais temas preferidos pelos movimentos teóricos vanguardistas tem grande potencial no Brasil. A perspectiva neo-colonialista é apropriada a um país emergente, visto que não foi mapeada e resolvida inclusive em termos organizacionais. O Brasil, assim como outros emergentes tem uma relação histórica de submissão teórica na relação centro e periferia, tanto que os estudos pósmodernistas de gênero podem ser expandidos para análises em outras dimensões, a exemplo das desconstruções de exclusões, com abordagens sobre condição social, raça e orientação sexual. Uma vez que as organizações retratam a vida da sociedade é importante que se recomende trabalhos futuros com abordagens neo-colonialistas, estudos de gênero e os múltiplos efeitos da reprodução de exclusões que os teóricos brasileiros tem preterido. Enfim, pode-se ponderar que o embate epistemológico de qualquer natureza é salutar de forma a salvaguardar a liberdade contra a tirania de uma lógica única, que pode impor generalizações perniciosas à emancipação teórica. O desenvolvimento da teoria organizacional não pressupõe a aceitação e a neutralidade e, por isso diferentes visões podem possibilitar a abertura de um amplo espectro de análise para os principais debates organizacionais. É tempo de intensificar os conhecimentos recíprocos com um intercâmbio de questões subjacentes aos seus próprios paradigmas. Nesta direção, torna-se imprescindível legitimar um método dialético que consolide o consenso entre abordagens distintas, para contribuir assertivamente para o avanço dos estudos organizacionais contemporâneos. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alvesson, M., Deetz, S. (2012) Teoria crítica e abordagens pós-modernas para estudos organizacionais In: Clegg, S. R.; Hardy, C.; Nord, W. R. (ed.) Handbook de estudos organizacionais. Modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: atlas, 2012. Astley, W. G., Van De Ven. A.H. (2007) Debates e perspectivas na teoria das organizações in: Caldas, M. P.; Bertero, C. O. (coord.) Teoria das organizações. S. Paulo. Atlas. 2007. Burrell, G.; Morgan, G. (2001). Sociological Paradigms and Organizational Analysis. Aldershot, UK. Ashgate Publishing Co. Caldas, M. P.; Bertero, C. O. (2007). (coord.) Teoria das organizações. S. Paulo. Atlas. Cooper e Burrell (2006), Modernismo, Pós-Modernismo e Análise Organizacional: Uma Introdução in: Caldas, M. P.; Bertero, C. O. (coord.) Teoria das organizações. S. Paulo. Atlas. Davel, E.; Alcadipani, R. (2003) Estudos críticos em Administração: A Produção científica Brasileira nos anos 1990. Revista RAE 43 (4). 11 Di Maggio, P. J., & Powell, W. W. (2006) Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais in: Caldas, M. P.; Bertero, C. O. (coord.) Teoria das organizações. S. Paulo. Atlas. Grey C. (2004, janeiro/março).O fetiche da mudança. Revista RAE, 44 (1), 10-25. Hannan, M. T.; Freeman, J. H. (1977) The population Ecology of organizations. American Journal of Sociology, 82 ( 5) 929- 964. Morgan, G. (2007) Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações in: Caldas, M. P.; Bertero, C. O. (coord.) Teoria das organizações. S. Paulo. Atlas. Rodrigues, S.B.; Duarte, R.G.; Carrieri, A.P. 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