05-Análise Morfológica.ind

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ISSN 0103-3395
Artigo Original
Análise Morfofuncional do Ventrículo Direito na
Miocardiopatia Dilatada Chagásica
M.C.P. Nunes, M.M. Barbosa, V.A.A. Brum, M.O.C. Rocha
Instituição:
Ecocenter (Hospitais Socor e Vera Cruz) e Curso de
Pós-Graduação em Medicina Tropical da UFMG.
OBJETIVOS
Estudar o desempenho funcional do VD e a sua
relação com a disfunção ventricular esquerda e
com a pressão sistólica em artéria pulmonar
(PSAP) na miocardiopatia chagásica.
Correspondência:
Av. Barbacena, 653 - Barro Preto
METODOLOGIA
Belo Horizonte - MG
Foram estudados 74 pacientes apresentando
miocardiopatia dilatada chagásica, procedentes
do Ambulatório de Referência em Doença de
Chagas do Hospital das Clínicas da UFMG,
recrutados consecutivamente no período de julho
de 1999 a maio de 2001. Os exames ecocardiográficos foram realizados no ECOCENTER,
serviço de ecocardiografia dos hospitais Socor e
Vera Cruz, em Belo Horizonte.
Foram considerados como elegíveis para estudo,
os pacientes com diagnóstico de doença de
Chagas e acometimento cardíaco definido, ao
ecocardiograma, pela presença de dilatação do
ventrículo esquerdo (diâmetro diastólico ≥ 55
mm ou 27 mm/m2, medido ao modo M6 e
função sistólica no limite inferior da normalidade
ou comprometida (fração de ejeção ≤ 55 %, pelo
método de Teichholz)7.
Foram excluídos os pacientes com outras cardiopatias associadas, hipertensão arterial, diabetes
mellitus, disfunção tireoidiana, doença pulmonar
e alcoolismo.
Todos os pacientes submeteram-se ao exame
CEP 30190-130
Descritores:
Doença de Chagas, Miocardiopatia Chagásica,
Ventrículo Direito
A insuficiência cardíaca na doença de Chagas
apresenta certas peculiaridades fisiopatológicas e
em seu manejo clínico. O acometimento precoce
do ventrículo direito (VD) tem sido demonstrado
em estudos dirigidos para exploração da função
biventricular1,2. Recentemente, diversos trabalhos
têm evidenciado que a função sistólica ventricular
direita é um fator prognóstico independente
em pacientes com insuficiência cardíaca 3-5. No
entanto, o valor prognóstico, clínico e terapêutico da avaliação deste parâmetro não foi
ainda estudado em pacientes com miocardiopatia
dilatada de etiologia chagásica.
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clínico, visando determinar a intensidade dos
sintomas, de acordo com a classe funcional da
New York Heart Association (NYHA) e tipo
predominante de insuficiência cardíaca ( ventricular
direita ou esquerda).
RX de tórax, ECG e ecocardiograma foram
obtidos em todos os casos. Os ecocardiogramas
foram realizados por um único examinador,
sendo utilizados os aparelhos Hewlett-Packard
1000 e 5500, com transdutores de 2,5 e 3,5
MHz. Empregaram-se as modalidades uni e
bidimensional, Doppler pulsátil e contínuo guiados
por mapeamento de fluxo em cores, conforme
técnica estabelecida8,9. Todos os exames foram
gravados em fita de vídeo cassete e revistos por
um segundo observador, com desconhecimento
do quadro clínico do paciente. Eventuais diferenças interobservadores foram resolvidas por
consenso.
Os traçados ecocardiográficos unidimensionais
foram determinados pela imagem bidimensional.
Com esta técnica, foram feitas todas as medidas,
segundo as recomendações da Sociedade
Americana de Ecocardiografia9.
O ventrículo esquerdo (VE) foi avaliado quantitativamente, através dos cálculos de seus volumes
diastólicos (VEd) e sistólicos (VEs) finais, obtidos
pelo corte apical quatro câmaras, sendo usado
o método área-comprimento uniplanar, para
cálculo da fração de ejeção (FE)10. Os pacientes
foram classificados quanto à disfunção sistólica
ventricular esquerda em grau leve (FE= 41 a 55%),
moderado (FE= 30 a 40%) e grave (FE < 30%).
A área interna máxima do VD foi obtida no final
da diástole, tracejando as bordas do endocárdio.
A função contrátil do VD foi avaliada de forma
subjetiva, pelos dois observadores independentes,
com eventuais discordâncias sendo resolvidas
por consenso. O grau de dilatação do VD foi
expresso em relação aos diâmetros do ventrículo
esquerdo e os pacientes foram classificados em
dois subtipos morfológicos: um grupo com grau
semelhante de dilatação ventricular direita e
esquerda e, outro, com dilatação do VE predominante e desproporcionalmente maior que a
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do VD5. A dilatação ventricular direita foi classificada, baseando-se nesta comparação, em leve,
moderada e importante. Esta análise foi realizada
por dois observadores independentes.
A presença e quantificação da regurgitação
tricúspide foi avaliada pelo Doppler com mapeamento de fluxo em cores, determinando-se a
área máxima do jato regurgitante11. A medida
da velocidade máxima da regurgitação tricúspide
foi usada para obtenção do gradiente átrio
direito/ventrículo direito através da equação de
Bernoulli modificada (gradiente de pressão = 4
x V2). O gradiente assim obtido foi considerado
estimativa não- invasiva da pressão sistólica em
artéria pulmonar12, através da fórmula:
PSAP = 4 V 2 + Pressão no átrio direito
onde V= velocidade máxima do reflexo tricúspide
Termo de consentimento informado foi obtido
de todos os pacientes. O projeto de pesquisa
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
do Hospital Socor e da Universidade Federal de
Minas Gerais.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Os dados foram analisados como média ± desvio
padrão para variáveis contínuas e pela distribuição
de freqüência para variáveis categóricas. Foram
comparadas as proporções médias e medianas
das variáveis dependentes e independentes,
através de testes estatísticos apropriados (como
o qui-quadrado e teste ‘t’ de Student). Um valor
de p ≤ 0,05 foi considerado estatisticamente
significante.
RESULTADOS
Foram estudados 51 homens (68,9%) e 23
mulheres (31,1%), com idade média de 47,5 ±
12,9 anos (22 a 73).
Vinte e sete pacientes (36,5%) estavam em classe
funcional I da NYHA, 38 (51,4%) em classe II,
cinco (6,8%) em classe III, quatro (5,4%) em
classe IV.
A média das medidas realizadas dos diâmetros do
VE, fração de ejeção e encurtamento, ao modo
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M, e seus respectivos desvios padrões estão
dispostos na Tabela 1.
TABELA 1: Média e desvio padrão das medidas
das cavidades ventriculares, da fração de ejeção
e encurtamento (FS) do VE em 74 pacientes
com miocardiopatia dilatada chagásica.
Estruturas
VEd (mm)
VEs (mm)
FE (%)
FS (%)
Média ± DP
62,9 ± 8,7
50,5 ±11,2
39,7 ±12,7
20,3 ±7,4
Figura 1. Associação entre o diâmetro diastólico do VE e
o grau de dilatação do VD.
A distribuição dos pacientes de acordo com o
grau de comprometimento da função sistólica
ventricular esquerda está disposta na Tabela 2.
TABELA 2: Distribuição dos 74 pacientes com
miocardiopatia dilatada chagásica de acordo com
o grau de disfunção sistólica ventricular esquerda.
Disfunção sistólica
do VE
Leve (FE - 41 a 55%)
Moderada (FE= 30 a
40%)
Grave (FE < 30%)
Número de pacientes
(nº absoluto e %)
35 (47,3)
18 (24,3)
21 (28,4)
A mensuração das áreas e volumes do VE foi feita
em 72 pacientes (97,3%). A área diastólica final
do VE foi de 34,8 ± 9,5 cm2 e a fração de ejeção
calculada pelo método área-comprimento foi de
39,7 ± 12,5%. O valor médio da área diastólica
do VD foi de 15,2 ± 7,3 cm2. Quarenta e três
pacientes (58,1%) apresentavam comprometimento apenas do VE e, em 31 indivíduos (41,9%),
o acometimento era biventricular. Nenhum caso
apresentou dilatação isolada do VD. Os indivíduos
com as maiores dilatações ventriculares direitas
apresentavam, também, grandes aumentos dos
diâmetros diastólico (p=0,002) (Figura 1) e
sistólico (p<0,001) (Figura 2) do VE, sendo os
maiores aumentos do VE acompanhados de
aumento proporcional do VD.
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Figura 2. Associação entre o diâmetro sistólico do VE e o
grau de dilatação do VD.
Regurgitação tricúspide estava presente em 57
pacientes (74,0%); sendo de grau leve em 48
(64,9%), moderada em dois (2,7%) e importante
em sete casos (9,5%). Obteve-se a velocidade
máxima da regurgitação tricúspide em 54
pacientes. Valores mais elevados, indicativos de
pressão sistólica em artéria pulmonar mais alta,
associaram-se à dilatação do VD (p= 0,005)
(Figura 3) e ao grau de comprometimento da
função sistólica do VE (p<0,001) (Figura 4).
DISCUSSÃO
Como regra geral, o aumento da pressão em
artéria pulmonar está associado com função
sistólica do VD reduzida, traduzindo clinicamente
um prognóstico ruim4. De fato, a contratilidade
do VD é um processo muito mais passivo do que
a contração do ventrículo esquerdo, que ocorre
por contração radial e encurtamento longitudinal
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Figura 3. Associação entre a velocidade máxima da regurgitação tricúspide e a presença de dilatação ventricular
direita.
Figura 4. Correlação entre a velocidade máxima da regurgitação tricúspide e a fração de ejeção do VE. (RT = regurgitação tricúspide e FE = fração de ejeção) (r=0,55).
das fibras miocárdicas. Além disso, devido à sua
fina musculatura e forma de meia lua, o VD é
mais complacente e capaz de acomodar maiores
volumes de sangue do que o VE, reagindo mal
à imposição de sobrecargas pressóricas13. Assim,
a função ventricular direita é mais dependente
da pós-carga do que da contratilidade ou da
pré-carga, sendo a resistência vascular pulmonar
o maior determinante de sua pós-carga6. No
presente estudo, conforme esperado pelas
alterações hemodinâmicas, houve associação da
pressão sistólica em artéria pulmonar com a dilatação ventricular direita. Lewis et al.5 entretanto,
não encontraram correlação entre a dilatação
ventricular direita e a PSAP em pacientes com
miocardiopatia dilatada. De Groove et al.3, por
outro lado, demonstraram uma significante,
porém fraca correlação (r = 0,3) entre a fração
de ejeção do VD e a PSAP, estudando prospectivamente 205 pacientes com insuficiência
cardíaca moderada e estável. Em outro estudo,
Schulman et al.14 não encontraram relação destas
variáveis em pacientes mais graves, aguardando
transplante cardíaco.
Marin-Neto et al.2 encontraram disfunção ventricular direita precoce em pacientes nas formas
indeterminada e digestiva da doença de Chagas,
sem evidências clínicas ou laboratoriais de envolvimento cardíaco, em relação ao grupo controle.
No entanto, este acometimento inci-piente,
provavelmente, não acarreta conse-qüências
clínicas perceptíveis até a instalação ou agravamento da disfunção ventricular esquerda, quando
estabelecem-se condições propícias para a identificação da disfunção ventricular direita latente1.
Esta câmara, desprovida de reserva funcional,
passa a operar nesta situação, em circunstâncias
adversas, devido ao aumento da resistência
vascular pulmonar, completando-se o círculo
vicioso fisiopatológico típico da insuficiência
cardíaca global. De fato, evidenciou-se, também,
no presente estudo, associação entre o grau de
disfunção sistólica ventricular esquerda e os níveis
pressóricos em artéria pulmonar. Isto se deve ao
agravamento das lesões ventriculares esquerdas
pela evolução da cardiopatia chagásica crônica
com elevação da resistência vascular pulmonar
por transmissão retrógrada da pressão diastólica
final do VE1.
O padrão de acometimento dos ventrículos, no
presente estudo, está de acordo
com os achados de Mady et al.15, que avaliaram
33 pacientes com doença de Chagas, nas suas
várias formas. Estes autores encontraram associação significativa entre a análise quantitativa
de fibrose das biópsias do ventrículo direito
e índices da função miocárdica que refletem
a função ventricular esquerda. Os resultados
deste estudo indicam que as lesões na doença
de Chagas são difusas, enfatizando-se a participação da fibrose na deterioração da função
miocárdica, estando a magnitude da disfunção
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cardíaca relacionada ao grau de deposição de
colágeno intersticial. Assim, à medida que a
função sistólica do VE vai se deteriorando, o VD
apresenta maior comprometimento não só pelo
processo inflamatório causado pela infecção,
mas também pelas alterações hemodinâmicas
secundárias à falência do VE, o que explicaria os
nossos achados. Entretanto, para maior definição
do desempenho ventricular direito na cardiopatia
chagásica crônica e seu valor prognóstico, tornase necessária a realização de estudo prospectivo,
usando novos métodos ecocardiográficos, e que
vem sendo realizado por nosso grupo.
LIMITAÇÕES DO ESTUDO
A complexa geometria do VD dificulta a
avaliação da função sistólica desta câmara.
Nenhuma técnica está isenta de limitações
potenciais. Novos métodos para avaliação da
função ventricular direita pela ecocardiografia
(detecção automatizada das bordas e imagens
de Doppler tecidual) são promissores. A análise
de sua função diastólica por outros métodos está
sob investigação. Por imposição ética, a pressão
sistólica em artéria pulmonar foi estimada pela
velocidade máxima da regurgitação tricúspide e
não de forma invasiva, dado as características
de nossos pacientes, atendidos em ambulatório,
com insuficiência cardíaca estável.
CONCLUSÃO
A disfunção do VD tornou-se mais evidente com
o agravamento da disfunção ventricular esquerda
e dos níveis pressóricos em artéria pulmonar,
sugerindo que ela seria mais dependente da
pós-carga do que da redução primária da sua
contratilidade. É possível que a disfunção do
VD seja importante na determinação de pior
prognóstico na doença de Chagas, associado ao
desenvolvimento de insuficiência cardíaca global.
Financiamento parcial: CNPq.
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